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Na cidade de tendas nos arredores de Mérida, Ijeong estava interessado apenas em uma coisa. Quem iria para a fazenda com ele? Quando ficou evidente que eles não iriam para a mesma fazenda, Ijeong torceu para ir para a mesma aonde iriam Yi Yeonsu e sua família. Se pudesse desejar algo mais, seria ir com os antigos soldados que conhecera a bordo do navio. Mas tudo foi decidido pelas bengalas dos fazendeiros. Uma a uma, as pessoas que ele conhecia foram escolhidas. Por ainda ser um garoto, Ijeong só foi selecionado muito depois de Jo Jangyun e seus camaradas. Ao partir, Jo Jangyun deu um tapinha no ombro de Ijeong:
— Não tenha medo. Nós nos veremos em breve.
Foi triste para Ijeong se separar do homem em quem ele havia se apoiado como um pai.
— Adeus — disse Ijeong, fazendo uma pequena reverência com a cabeça. Ele também se despediu de Bak Jeonghun, que estava de pé em silêncio ao lado de Jo Jangyun. Bak Jeonghun apertou a mão de Ijeong:
— Vamos nos ver de novo. O mundo não é nem de longe tão grande quanto você imagina.
Yi Jongdo e sua família estavam em situação parecida, era difícil encontrar um fazendeiro que escolheria um homem de meia-idade com esposa, filho e filha. E se separassem as famílias? Yi Jongdo estava extremamente nervoso. Havia tempos abandonara a ideia de interpelar com ousadia um aristocrata mexicano e exigir uma posição apropriada a alguém de sua condição. Não era tolo. A caminho de Mérida, apertados como carga dentro do trem, ele percebeu como tinha sido impetuosa a sua decisão de partir e se arrependeu. Nem posição nem conhecimento importavam naquele lugar. A única coisa que lhe restava era a sua família. Enquanto ele, completamente desencorajado, lia Os analectos de Confúcio, o único livro que trouxera consigo, sua esposa e sua filha surpreendentemente apanhavam água, cozinhavam as refeições e faziam o esforço de conhecerem as mulheres à sua volta. Se não tivessem feito isso, eles não teriam conseguido sobreviver nem mesmo um dia. Entretanto, quanto mais se adaptavam, mais ele se desencorajava pela sua própria impotência, que obrigava a sua família a se misturar com a gente de baixo escalão.
Um fazendeiro que chegou tarde naquele dia, por volta do pôr do sol, devia ter algo em mente, pois começou a dar prioridade aos imigrantes com família. Yi Yeonsu obedientemente seguiu seu pai e ficou em uma fila diante do fazendeiro que os escolhera. Entre aqueles que ainda não haviam sido selecionados, ela viu a bela testa e os lindos olhos de Ijeong. Os olhos dos dois se encontraram. Yeonsu sentiu as forças deixarem seu corpo, e precisou segurar a mão da sua mãe enquanto caminhava adiante. Então chegou outra carruagem, e seu fazendeiro, baixo e gorducho, escolheu basicamente homens solteiros. Cutucou a barriga de Ijeong com sua bengala. Yeonsu enterrou o rosto em sua bagagem. Lágrimas correram pelo seu rosto. Depois que começou a chorar, não conseguiu mais se conter. Seu pai deu um pigarro e sua mãe cutucou a lateral de seu corpo e a repreendeu:
— Quieta!
Muco escorria do nariz dela, caindo sobre seus lábios e entrando em sua boca.
John Meyers parecia satisfeito. Levando em consideração o preço da passagem dos passageiros do Ilford, a comida e os cigarros que eles haviam consumido, mesmo depois de dividir os lucros com a Companhia de Colonização Continental ainda lhe restaria uma bela soma, que ele teria levado três anos para ganhar se estivesse trabalhando em seu país. Os donos das fazendas de sisal, que sofriam de uma falta severa de mão de obra, pagaram um valor relativamente alto pelos imigrantes coreanos, que não sabiam falar espanhol e, portanto, não ofereciam risco de fuga, e que não contavam com nenhum representante diplomático no México para interferir nos negócios dos grandes proprietários de terras. O sisal, matéria bruta na fabricação de cordas para navios, havia virado um bem de consumo muito requisitado, na medida em que aumentava a tonelagem dos navios graças à competição dos impérios pelas colônias e ao desenvolvimento acelerado do capitalismo ocidental. As cordas fabricadas com a fibra do sisal eram duradouras e robustas. O mercado mundial de cordas se dividia entre aquelas feitas de fibra de sisal e as de fibra de cânhamo vindo das Filipinas. “Por nós, podem trazer até fantasmas para trabalhar”, disseram os fazendeiros do Yucatán. Eles tinham mais o que fazer.
O sisal é uma planta nativa do México, que cresce até atingir mais ou menos a altura de um homem. Suas folhas crescem a partir do seu tronco curto, tão robusto quanto o de uma árvore. As folhas espessas e carnudas chegam a medir entre um e dois metros de comprimento, têm de dez a quinze centímetros de diâmetro e pontas afiadas e brancas. Após dez ou quinze anos, surge uma haste com quase três metros de altura e dela brotam flores. Depois que elas murcham, a haste seca e morre. A planta produz em média trinta folhas por ano, aproximadamente de duzentas a trezentas folhas em toda a vida. As pontas das folhas são recobertas de inúmeros espinhos duros e afiados, como os de um cacto. Os coreanos diziam que pareciam línguas de dragões e, portanto, chamaram aquela planta de “orquídea de língua de dragão”. Não se trata de uma orquídea, mas sim de uma planta folhosa que só dá uma semente e pertence à classe Liliopsida. Em aparência se parece com a babosa, portanto muitas pessoas confundem as duas, mas seus usos são completamente diferentes. Uma bebida chamada pulque é feita de sisal fermentado. Trata-se de uma planta de muita utilidade — pelas fibras, na fabricação de bebida alcoólica e também de tintas. Suporta bem climas secos, portanto é bem adaptada a Yucatán. As fibras de cânhamo e sisal se tornaram os principais produtos do Yucatán na última metade do século XIX.
A península de Yucatán é mais ou menos do tamanho da Dakota do Sul. A leste se separa de Cuba pelo canal de Yucatán, que se une ao mar do Caribe e ao golfo do México, e à corrente do Golfo, que corre velozmente em direção ao noroeste. No sul, a província de Yucatán faz fronteira com a Guatemala, e a sudeste, com Belize, e, com exceção de Belize, que estava sob influência da marinha britânica e dos piratas, quase toda a região fizera parte da colonização espanhola. Porém, quando chegaram aqueles mil e trinta e dois coreanos, a maioria da população do estado de Yucatán era maia. Centenas de anos haviam se passado desde a queda do império maia, mas a população nativa ainda falava o idioma maia e vivia segundo o calendário maia. Descendentes de um império que deixara para trás grandes pirâmides, os maias lutavam contra o governo federal do México e com os proprietários das fazendas. Sua guerra por independência alcançou o auge em 1847. Dezenas de milhares de maias fugiram para Belize, governada pelos britânicos, a fim de escapar da opressão, e aqueles que foram capturados antes de chegarem à fronteira foram vendidos como escravos para Cuba e República Dominicana. Pelo menos outros trinta e três levantes irromperam entre 1858 e 1864, e em dado momento a força maia dominou a principal cidade de Yucatán, Mérida. Os maias de Yucatán, que compraram armas dos piratas ingleses em Belize, atacaram áreas controladas pelos brancos usando táticas de guerrilha e obtendo de vez em quando conquistas importantes. Entretanto, eram desorganizados e voltavam a suas próprias plantações de milho quando chovia, portanto não conseguiram assegurar uma vitória decisiva. Assim eram as limitações do campesinato... No final, foram convocados mercenários de Cuba e cem conselheiros militares enviados dos Estados Unidos e o massacre começou. As forças federais, apoiadas pelos americanos, reprimiram completamente os maias em 1901. Ao fim daquela guerra longa e árdua, a população maia tinha sido drasticamente reduzida, mas a demanda por fibras de sisal explodira. Os fazendeiros não tiveram escolha a não ser importar trabalhadores estrangeiros. Quatro anos depois, chegaram os coreanos.
A província de Yucatán é famosa pela falta de rios. A maioria da península é formada de terreno baixo de pedra calcária, portanto, quando cai a chuva, nenhuma água se acumula. Há poucas árvores de porte; a terra é coberta apenas de árvores baixas e arbustos. A água precisa ser obtida de poços profundos, e por esse motivo de vez em quando se encontram grandes poços — lagos subterrâneos que descem dezenas de metros no fundo da terra —, perto das antigas ruínas maias. As pessoas descem até lá de escada, atravessando os estratos calcários, a fim de trazerem a água. Uma pequena minoria de fazendas teve sorte de contar com tais poços, chamados cenotes, mas o resto não. Os cenotes em geral se localizavam a pelo menos dois quilômetros de distância, e o ar era tão quente, que a água ou evaporava ou era absorvida assim que caía no chão. A primeira coisa que atormentou os coreanos, que vinham de um país com água abundante e terra firme, foi precisamente essa aridez. Eles eram pessoas que chamavam o espaço entre o céu e a terra de “montanhas e rios”. Jamais teriam imaginado um mundo sem montanhas e rios. No do Yucatán não havia nem uma coisa, nem outra.