57

Era tarde da noite quando Gwon Yongjun e Yi Yeonsu chegaram ao porto de Veracruz. Encontraram um quarto em uma hospedaria perto da estação de trem. Gwon Yongjun, que tinha tanta bagagem, que precisou contratar um carregador, estava se sentindo ótimo por deixar aquele país odioso e por estar levando Yi Yeonsu consigo. Desceu até o bar no térreo para beber rum. Ofereceu rum a Yi Yeonsu, mas ela recusou. Ele bebeu um copo atrás do outro. Quando os marinheiros ao seu lado cantaram uma canção da sua cidade natal, Gwon Yongjun cantou uma da dele. Comprou uma garrafa de rum para os marinheiros e foi aplaudido.

Yeonsu o ajudou a voltar para o quarto dos dois e ele logo caiu no sono. Ela tirou as roupas de Gwon Yongjun. Dobrou suas calças e a camisa com cuidado e guardou­-as na mochila dela, em seguida atirou as meias e os sapatos dele pela janela. Retirou cerca de cinquenta pesos do seu bolso. O resto do dinheiro ele guardava em um cinto próprio para guardar dinheiro que ele levava preso à cintura, portanto ela não pôde tirar nada dali. Mesmo assim, agora tinha o bastante para retornar a Mérida e pagar pela liberdade de seu filho Seobi. Abriu a porta sem fazer barulho e desceu as escadas, depois atravessou a porta lateral do bar onde os marinheiros estavam conversando. Caminhou por um beco escuro e depois seguiu meio tonta até os embarcadouros. Não sabia quando Gwon Yongjun viria atrás dela. Suas roupas com certeza chamariam a atenção das pessoas e, além disso, ela não sabia falar espanhol.

Yeonsu sentou em um banco perto da rua. Suas pernas doíam. Ela sentiu tontura e fome. Um guarda noturno com uma lâmpada a óleo olhou feio para a primeira mulher coreana que via na vida. Ela obrigou seu corpo moído a se levantar e continuou andando até o píer mais próximo. Um aroma delicioso vinha de uma ruela ali perto. Era um odor familiar. Ela virou a cabeça. Na frente de um restaurante estava pendurada uma lanterna vermelha, onde se lia em caracteres familiares: “Restaurante Cantonês”. Ela puxou para o lado a cortina vermelha que ficava diante da porta. Lá dentro, um velho chinês que parecia ter um dia usado o cabelo preso em um rabo baixo, à moda dos manchus, olhou para ela. Yeonsu não conseguiu entender o chinês que ele falava. Em caracteres chineses ela escreveu: “Estou com fome. Poderia me dar algo para comer?”. Eles escreveram mensagens um para o outro durante algum tempo e em seguida ele desapareceu de vista. Voltou logo depois com arroz quente e sopa de ovo. Ela comeu depressa e então uma fadiga repentina tomou conta do seu corpo. Era forte demais para ela resistir. Assim que o dono do restaurante voltou para apanhar os pratos, a cabeça dela caiu sobre a mesa.

Como se estivesse em um sonho, ela viu um homem se movimentando violentamente em cima dela, mas não conseguiu levantar um dedo sequer. Depois tudo ficou preto mais uma vez.

Gwon Yongjun só percebeu o que havia acontecido quando amanheceu. Foi tomado pela ira e xingou a si mesmo por sua estupidez. Ela voltaria para a fazenda Yazche atrás do filho. Gwon Yongjun pagou o dono da hospedaria e chamou um alfaiate. Quando seu terno foi finalizado alguns dias depois, ele foi até a estação de trem e exigiu o reembolso de sua passagem. Foi negado. Ele hesitou um instante. De que adiantaria voltar e matá­-la? Ele passaria o resto da sua vida trancafiado em uma prisão e não conseguiria arrastá­-la de volta com ele. Aquela mulher sem­-vergonha. Soltou todos os palavrões que conhecia e depois cuidadosamente procurou por ela nos embarcadouros e na área ao redor da estação de trem, só para o caso de ela ainda estar em Veracruz. Algumas pessoas disseram ter visto uma mulher oriental caminhando por aí sozinha, mas ninguém sabia para onde ela tinha ido. Alguns dias mais tarde, Gwon Yongjun embarcou sozinho no trem.

Chegou a São Francisco e ali ficou uma semana. Não havia navios para Yokohama com frequência. Uma semana era tempo demais para passar em uma estalagem na beira do porto. Gwon Yongjun foi até Chinatown. Parecia que um dos mercados chineses de que ele tanto ouvira falar pelos irmãos mais velhos e pelo pai tinha sido transplantado para São Francisco. As ruas estavam cheias até a borda de velhos que liam a sorte nos pássaros, acupunturistas, gente vendendo patas de ursos marrons e dentes de tigres siberianos, patos bamboleando com as pernas amarradas a hidrantes, o cheiro de legumes e carne fritos em panelas wok, o aroma adocicado de raiz de alcaçuz pairando das barracas dos vendedores de ervas e o odor nauseante de incenso. Enquanto Gwon Yongjun se aventurava pelas ruazinhas, uma sensação de tranquilidade tomou conta dele. Uma mulher se aproximou e segurou seu braço. Usava um perfume que ele havia inalado havia muito tempo. Viam­-se homens caídos um ao lado do outro, fumando cachimbos com a cabeça virada languidamente para o lado. Ópio. Gwon Yongjun tirou a roupa. Uma mulher lavou­-o com água quente e o deitou em uma cama. Depois acendeu o ópio e o entregou a ele. Foi uma transação verdadeiramente simples. Sem precisar apanhar nenhum navio para Yokohama, ele pôde imediatamente retornar à sua terra natal. Encontrou seus pais, e encontrou seus irmãos mais velhos também. Viu Yeonsu chupando devagar o seu pênis e lhe garantindo que eles haviam tomado a decisão certa de partir.

Quando recobrou os sentidos, uma mulher chinesa desdentada estava ajoelhada servindo o chá.

— Para onde o senhor vai agora? — perguntou ela.

Gwon Yongjun balançou a cabeça. Depois apanhou um punhado de dinheiro do bolso e entregou­-o a ela:

— Vamos repetir.

A mulher, cujos pés haviam sido amarrados quando era jovem, saiu apressada arrastando os pés e voltou com mais ópio. Quando Gwon Yongjun recobrou novamente os sentidos, o navio já tinha partido. Porém, ele não se importou. Aquele tipo de vida lhe caía tão bem quanto um sapato velho. Pela primeira vez em muito tempo ele se lembrou do oficial militar cruel de uniforme e sorriu vagamente.

Quando Yeonsu acordou, não estava no restaurante chinês e sim em uma casa maior. Um velho que ela nunca tinha visto antes escreveu em um papel que precisava de uma concubina para lhe dar um filho homem. Yeonsu escreveu calmamente que já tinha marido e filho e que estava a caminho de encontrá­-los. O chinês mostrou um documento a Yeonsu: ali registrava em caracteres chineses a venda de uma mulher, Yeonsu. O velho empurrou algumas roupas de seda na direção dela, mas Yeonsu balançou a cabeça com teimosia.

O velho forçava­-se para cima de Yeonsu todas as noites, porém nem uma só vez conseguiu penetrá­-la. Em algumas noites, duas mulheres vinham segurar os braços e pernas de Yeonsu, mas mesmo assim o velho não conseguia penetrá­-la, e caía exausto no chão. As mulheres espancavam a moça até ela ficar cheia de hematomas e lhe davam chá quando ela acordava. Ao beber o chá, Yeonsu perdia a consciência. Parecia um longo pesadelo.

Quando ela voltou a abrir os olhos, estava em outro restaurante chinês perto dos embarcadouros de Veracruz. Sua cabeça doía. A bagagem que ela havia trazido consigo sumira. Um homem gordo e baixinho a olhava quando ela acordou. Riu cheio de presunção e lhe entregou roupas femininas chinesas. Depois estendeu para ela outro documento. Sem saber, ela agora devia àquele homem cem pesos, e portanto seria obrigada a trabalhar para ele. “Que espécie de país compra e vende as pessoas desse jeito?”, escreveu ela. “Você também um dia deve ter sido vendido aqui como eu. Não é justo.” Depois disso, eles arrancaram o papel e a caneta das mãos dela e jamais lhe entregaram novamente. Daquele dia em diante, Yeonsu passou a trabalhar o dia inteiro na cozinha e a servir comida. Era um restaurante grande. Os filhos do dono ficavam de olho nela para que não fugisse e, quando a noite caía, trancavam a porta do seu quarto.

A maioria dos clientes era cantonesa, e sempre que vinham traziam notícias. Por intermédio deles, Yeonsu aos poucos ficou sabendo sobre o que estava acontecendo no mundo. Seu cantonês melhorou mais depressa do que seu espanhol. Seobi aparecia diante de seus olhos todas as noites. Ela também se perguntava sobre Ijeong. Onde estaria ele? Yeonsu teria de voltar para a fazenda para encontrá­-lo, mas não conseguia encontrar um modo de escapar de Veracruz. Gwon Yongjun tinha razão: talvez acompanhá­-lo tivesse sido o melhor a fazer. Havia muitos dias em que ela se arrependia de ter fugido.

De tempos em tempos ela sentia saudades até do irmão menor, que tinha feito fama como intérprete; do pai impotente, que passara anos preocupado, com a mão na testa; e da mãe, que sofria de depressão e só sonhava em se suicidar. Ainda bem que o dono do restaurante, Jien, não tinha nenhum interesse no corpo dela. Parecia tê­-la comprado sem isso em mente. Porém sua esposa, que lhe dera muitos filhos, jamais tirava os olhos da empregada coreana bonita. Yeonsu fez diversas tentativas fracassadas de fugir. A polícia de Veracruz a apanhou várias vezes e a devolveu a Jien.