63
Don Carlos Menem saiu do trem com sua mala de viagem e entrou na estação de Puebla. Seu servo José o seguiu levando o restante da bagagem. Um policial se aproximou de Menem e o cumprimentou, depois deu um tapinha na mala de couro que José carregava.
— Preciso dar uma olhada nisso aí. — José aguardou as instruções de Menem. Quando este assentiu, ele colocou a mala sobre uma mesa e a abriu. Dentro estavam as roupas bem dobradas de Menem e alguns livros. — Que livros são esses? — o policial folheou as páginas.
Menem coçou o bigode e respondeu:
— Heródoto e Rousseau.
O policial assentiu e recuou um passo.
— Muito obrigado pela sua colaboração.
Ao contrário do calmo Menem, José estava um tanto nervoso. Na estação parecia haver mais policiais do que passageiros. Ao atravessarem a barreira, José sussurrou a Menem:
— Acho que estão de olho na gente. Vai ser perigoso.
Menem não respondeu e ficou parado na frente da estação, esperando alguém da casa de Aquiles Serdán que supostamente deveria ir recebê-los. Minutos ansiosos se passaram, mas ninguém apareceu.
— E agora? — perguntou José.
Menem sacou do bolso o relógio. Trinta minutos já. Não era possível.
— Veja se existe algum hotel limpo por aqui, e se houver volte trazendo um carregador.
José saiu apressado.
Menem recebera de Serdán um memorando na semana anterior, mais ou menos duas semanas depois de Francisco Madero, então em San Antonio, Texas, convocar uma rebelião armada. Naquela semana anterior iniciou-se a revolução, em 20 de novembro. Apoiador apaixonado de Madero e amigo de Menem, Aquiles Serdán secretamente retornara à sua base de operações em Puebla para organizar a insurreição e enviara o memorando a Menem pedindo que ele se juntasse à causa. No memorando dizia que quinhentos liberalistas se reuniriam na sua casa, um número surpreendente. No entanto, ninguém tinha aparecido na estação.
Pouco depois, José voltou com um carregador idoso e corcunda. Com uma mala apoiada nas costas e segurando a outra na mão, o carregador os conduziu até o hotel. José ofereceu-se para carregar uma das malas, mas o carregador recusou a ajuda. O hotel era pequeno e aconchegante. O dono, que estava no saguão, pareceu surpreso com a aparência esplêndida de Menem.
— Senhor, estou vendo que vem de longe.
Menem assentiu e discretamente perguntou ao hoteleiro:
— Aconteceu alguma coisa por aqui? Havia policiais para todos os lados na estação.
O hoteleiro atirou as mãos para o alto e começou a falar:
— Então o senhor não sabe? Esta manhã o chefe de polícia fez um cerco à casa de Serdán. Os dois sempre foram inimigos mortais, o senhor sabe. Ele estendeu um mandado de busca e Serdán abriu fogo ali mesmo. Enfim, Serdán foi meio precipitado. Até um tolo veria que ele estava reunindo forças, trazendo armas para dentro de casa sempre que o portão de entrada se abria. Ouvi dizer que ele se disfarçava de viúva, mas o disfarce era tão ruim, que todo mundo tinha percebido. Só fingiram não notar, afinal ele é um aristocrata, um homem rico.
Menem recebeu a chave do seu quarto e perguntou com fingida falta de interesse:
— E depois, o que aconteceu?
O hoteleiro balançou a cabeça.
— Foi horrível. A polícia e a guarda do Estado invadiram a casa e mataram todo mundo. Toda a família de Serdán foi assassinada, incluindo seu irmão caçula, Máximo, e as armas que estavam guardadas no armazém foram apreendidas. Bem, mudando de assunto, o senhor deseja comer alguma coisa?
Menem fez um gesto casual:
— Não estou com muita fome. Acho que vou apenas subir e descansar um pouco.
Na manhã seguinte, o jornal deu uma breve notícia sobre o massacre na casa de Serdán. Menem ficou arrepiado. Chamou José, disse-lhe para fazer as malas e apressou-se em deixar Puebla.
— Para onde o senhor vai, mestre? — quis saber José.
— Para San Antonio.
José, com o rosto branco de medo, perguntou:
— Por que o senhor vai justamente para lá? Não é onde está Madero?
— Amanhã a história do México vai mudar, e não posso ficar preso no meio do nada no Yucatán, posso? Volte para a fazenda se não quiser ir comigo.
José parecia à beira do choro, mas não arredou pé do patrão. Eles compraram passagens para a Cidade do México, onde tiveram de trocar de trem para seguir até San Antonio.
Pouco antes de chegarem a San Antonio, após dois dias de viagem ansiosa, o trem subitamente parou. Ouviram-se tiros. Algumas tropas armadas subiram em um morro e enfrentaram o contra-ataque de soldados fardados que estavam à espera delas.
— Mestre, nunca vi uma tropa tão ridícula. Ah, logo vão fugir correndo! — José não parava de matraquear, inclinado à janela. Menem observou-os também. Podiam ser as tropas de Madero, vindas da fronteira ao norte.
— Coloque essa cabeça para dentro! Quer levar um tiro? — Menem segurou José pelo cangote e o puxou para dentro. Um atendente que passava confirmou que as tropas de Madero tinham sido derrotadas pelo exército federal e agora batiam em retirada. O dia do levante finalmente havia chegado, mas as tropas de Madero eram um desapontamento. Menem ficou na dúvida se dava meia-volta ali mesmo, mas como já tinha ido tão longe, desabou de novo em seu assento. Ficou ali até o trem chegar a San Antonio.
Madero montava estratégias ansiosamente com seus apoiadores no Hotel Hutchinson. Menem ficou sentado a certa distância observando o homem. Havia um ar em Madero que apenas os nobres possuíam. Quando terminou a reunião e ele saiu até o saguão para tomar chá, Menem se aproximou e o cumprimentou.
— Já nos encontramos antes, presidente Madero. Sou don Carlos Menem, de Mérida.
Madero fez um gesto para interrompê-lo.
— Não sou presidente de nada. E sinto muito, mas não me lembro de você.
Menem segurou o braço de Madero quando este fez menção de ir embora.
— Sou amigo de Aquiles Serdán. Vim direto de Puebla.
A expressão de Madero se alterou.
— Senhor Menem, o senhor veio de longe. Por favor, tome um chá comigo.
Menem sentou-se e lhe contou da batalha que vira do trem. Madero riu como se aquilo não tivesse importância nenhuma e disse:
— As tropas do meu tio já deveriam ter chegado ao México, mas nada ainda. Assim, minhas tropas recuaram. Porém, o clima nos outros lugares está intenso. Principalmente em Chihuahua, a chama da revolução arde como nunca. Espere e verá. Não vamos esquecer a morte de Serdán. Ouvimos a notícia também. Que coisa mais horrível. Conte-me, como foi?
A intenção original de Menem era dizer a verdade, mas uma história completamente diferente saiu da boca daquele descendente de um trapaceiro francês. Com lágrimas escorrendo pelo rosto, relatou a Madero o grande massacre ocorrido na casa como se o tivesse visto com seus próprios olhos. Ele, Menem, lutara heroicamente, mas a maioria dos seus companheiros morrera com valentia na batalha graças à cilada do chefe de polícia covarde. Ele se engasgou tão violentamente com o choro, que Madero precisou dar-lhe um tapa no ombro. Sem perda de tempo, os empregados e apoiadores de Madero se reuniram ao redor para ouvir a história do grande massacre na casa de Serdán. Menem aos poucos foi ficando cada vez mais empolgado e continuou o seu monólogo dramático.
— Já basta — declarou Madero com tristeza na voz, interrompendo o outro. Fez um gesto para que todos os demais se afastassem dali e então perguntou em voz baixa a Menem: — Acredita em telepatia?
Menem hesitou um instante diante daquela pergunta inesperada.
— Bem, já ouvi falar alguma coisa, meio por alto.
O candidato presidencial olhou para o vazio enquanto falava:
— Pois eu acredito. Os deuses mandam suas mensagens para a humanidade usando a telepatia. É assim que os profetas receberam as revelações, incluindo Moisés. Não faz muito tempo um americano chamado Bell inventou o telefone, mas trata-se de um meio de comunicação limitado demais, pois não passa de uma comunicação entre duas pessoas. A telepatia, porém, é diferente. Aos poucos os cientistas vêm comprovando sua validade. Se quisermos algo com muita força, podemos transmiti-lo a outra pessoa, às vezes muitas pessoas. Você pode até não acreditar, mas ontem recebi uma mensagem telepática de Serdán — Madero pôs a mão no peito. — Foi tão emocionante. Quando eu era jovem, uma cigana revelou que um dia eu seria o presidente do México. E desde então eu jamais duvidei disso, nem sequer uma vez. Agora essa revelação se transformou em uma mensagem telepática que está se espalhando por todo o México. Se isso não é uma revolução, então o que mais pode ser?
Aquela conversa de telepatia, vinda da boca de um intelectual que estudara cinco anos em Versalhes e Paris e depois estudara agronomia em Berkeley, nos Estados Unidos, antes de voltar ao México, levantou desconfianças no coração de Menem em relação ao curso da revolução. Alguns dias mais tarde, Menem retornou ao Yucatán.