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PODER JUDICIÁRIO

11.1. FUNÇÕES DO PODER JUDICIÁRIO

Como já pudemos observar, o Poder Judiciário tem por função típica a jurisdicional, inerente à sua natureza. Exerce, ainda, funções atípicas, de natureza executivo-administrativa (organização de suas secretarias — art. 96, I, “b”; concessão de licença e férias a seus membros, juízes e servidores imediatamente vinculados — art. 96, I, “f”), bem como funções atípicas de natureza legislativa (elaboração do regimento interno — art. 96, I, “a”).

Podemos conceituar a jurisdição como “uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre por meio do processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada)”.1

11.2. Algumas características da jurisdição

Apenas para ilustrar o tema (devendo o estudo mais aprofundado ser buscado nos compêndios de processo e sua teoria geral), trazemos em pauta três características básicas da jurisdição, quais sejam: lide, inércia e definitividade.

Na jurisdição contenciosa, por regra, existirá uma pretensão resistida, insatisfeita. A partir do momento que essa pretensão não é pacificamente resolvida pelo suposto causador da insatisfação, quem entender-se lesado poderá “bater” às portas do judiciário, que, substituindo a vontade das partes, dirimirá o conflito, afastando a resistência e pacificando com justiça.2

A segunda característica transparece na máxima nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio, ou seja, o Judiciário só se manifesta mediante provocação (vide arts. 2.º do CPC/73 — com correspondência no art. 2.º do CPC/2015 — e 24 do CPP).3

Defendemos, contudo, na sociedade moderna, o aumento dos poderes instrutórios do juiz na condução do processo. Isso não significa, segundo já expusemos,4 o exercício de “... atividade jurisdicional fora dos limites da lei, tomada em sua acepção ampla. A legalidade deverá ser sempre observada, podendo o magistrado avançar até os limites tolerados pelo ordenamento jurídico, desde que mantenha inatingível a integridade do due process of law”.5

Por fim, a definitividade, na medida em que as decisões jurisdicionais transitam em julgado e, acobertadas pela coisa julgada formal e material, após o prazo para a propositura da ação rescisória, não mais poderão ser alteradas. Ao contrário de alguns países da Europa, no Brasil toda decisão administrativa poderá ser reapreciada pelo Judiciário, não tendo sido conferido ao contencioso administrativo o poder de proferir decisões com força de coisa julgada definitiva.6

Diante do exposto, portanto, conclui-se que a jurisdição no Brasil é una (ou seja, a definitividade só é dada pelo judiciário) e indivisível, exercida pelo Judi­ciário nacionalmente (um só poder, materializado por diversos órgãos, federais e estaduais).

11.3. Reforma do Poder Judiciário — EC n. 45/20047

11.3.1. Histórico de sua tramitação

Antes de iniciarmos a análise das regras específicas sobre o Poder Judiciário convém lembrar a importante aprovação da Reforma do Poder Judiciário.

Conforme é de conhecimento de todos, no dia 17.11.2004, finalmente, após 13 anos de tramitação, foi aprovada a EC n. 45.

Na Câmara dos Deputados, apresentada pelo Deputado Hélio Bicudo em 26.03.1992, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) recebeu o n. 96/92. Após vários anos, tendo como última relatora a Deputada Zulaiê Cobra, a referida PEC, aprovada em dois turnos, foi encaminhada para o SF, onde tomou o n. 29/2000, tendo como primeiro relator o Senador Bernardo Cabral, que emitiu importantes pareceres, ns. 538 e 1.035/2002, ambos aprovados pela CCJC.

Naquele mesmo ano, contudo, a legislatura se encerrou sem a apreciação da matéria em segundo turno, apesar do enorme esforço do Senador Bernardo Cabral, que não foi reeleito. Iniciada a nova legislatura, além de expressivo número de emendas apresentadas no primeiro turno durante a legislatura anterior, a grande renovação da Casa, mais de 50% de sua composição, fez com que o Presidente do SF, José Sarney, com o aval absoluto do plenário, determinasse o retorno da matéria à CCJC para novo parecer, tendo sido designado, então, em 26.06.2003, o Senador José Jorge como o novo relator da Reforma do Judiciário.

No Senado, a partir do ano 2000, 17 PECs sobre o Judiciário tramitaram em conjunto, tendo sido realizadas 14 audiências públicas com a participação de Ministros do STF, Tribunais Superiores, OAB, MP, institutos, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) etc. O SF, diante dessa multiplicidade de projetos, transformou as 17 PECs em outras 4, nos termos do Parecer n. 451, de 2004-CCJ (DSF de 08.05.2004, p. 12728-12912), e Emenda n. 240 da CCJC:

a de n. 29/2000 foi aprovada, transformando-se na EC n. 45/2004, promulgada em 08.12.2004 e publicada em 31.12.2004;

uma segunda, desmembrando-se da anterior (e por isso denominada PEC Paralela da Reforma do Poder Judiciário), levou o n. 29-A/2000, também aprovada em dois turnos no SF. Na medida em que modificou a redação de artigos da originária PEC n. 96/92 da CD, teve de retornar àquela Casa em prestígio ao princípio do bicameralismo. Na CD foi reapresentada em 10.01.2005, tomando o n. 358/2005 para ser discutida e votada em dois turnos e buscando alterar os seguintes dispositivos da CF/88: arts. 21, 22, 29, 48, 93, 95, 96, 98, 102, 103-B, 104, 105, 107, 111-A, 114, 115, 120, 123, 124, 125, 128, 129, 130-A e 134. Acrescenta, ainda, os arts. 97-A, 105-A, 111-B e 116-A e dá outras providências. Dentre tantas novidades, a referida PEC n. 29-A/00-SF (358/05-CD): transfere da União para o DF a defensoria do DF, tornando-a autônoma (nesse sentido, destacamos a EC n. 69/2012, que alterou os arts. 21, 22 e 48 da Constituição Federal, para transferir da União para o Distrito Federal as atribuições de organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal); dá autonomia também à Defensoria Pública da União (nesses termos, cf. o art. 134, § 3.º, introduzido pela EC n. 74/2013);8 restringe a competência dos TJs para o julgamento de Prefeitos; altera o art. 93; inclui a necessidade de permanência de três anos no cargo para que o magistrado tenha direito à vitaliciedade na função; proíbe a prática de nepotismo nos Tribunais e Juízos; modifica a competência da Justiça Trabalhista, novamente; altera a composição do STM e regras sobre o MP; amplia as competências do STF e STJ; institui a “súmula impeditiva” de recursos, a ser editada pelo STJ e TST; trata da conciliação, mediação e arbitragem etc.;9

uma terceira PEC foi apresentada ao próprio SF, a de n. 26/04-SF, que, al­terando o art. 100 da CF/88, permitia o parcelamento de precatórios (chamados de títulos sentenciais) em até 60 parcelas. Nos termos do art. 332 do RISF, referida PEC foi arquivada ao final da 53.ª Legislatura (período de 2007 a 2010), já que não apreciada. De toda forma, sobre a matéria, mencionamos a aprovação da EC n. 62, de 09.12.2009 (PECs ns. 12 e 12-A/2006-SF e PEC n. 351/2009-CD), que altera profundamente o sistema dos precatórios e é por nós comentada no item 11.12 deste estudo;

nessa mesma situação de arquivamento, encontra-se uma quarta PEC, de n. 27/04-SF, que autorizava a lei a instituir juizados de instrução criminal para as infrações penais nela definidas.

11.3.2. Principais alterações

Apresentamos abaixo 28 principais novidades trazidas pela Reforma do Judiciá­rio (EC n. 45/2004), cujo desenvolvimento é abordado ao longo do estudo:

1) a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5.º, LXXVIII, e art. 7.º da EC n. 45/2004). Como bem exposto na Exposição de Motivos do CPC/2015 (Lei n. 13.105/2015), “a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de Justiça”;

2) a previsão de real cumprimento do princípio do acesso à ordem jurídica justa, estabelecendo-se a Justiça itinerante e a sua descentralização, assim como a autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública Estadual (arts. 107, §§ 2.º e 3.º; 115, §§ 1.º e 2.º; 125, §§ 6.º e 7.º; 134, § 2.º; 168; e art. 7.º da EC n. 45/2004);

3) a possibilidade de se criarem varas especializadas para a solução das questões agrárias. Nessa linha de especialização em prol da efetividade temos sugerido, também, varas especializadas para a área do consumidor, ambiental, coletiva etc. (art. 126, caput);

4) a “constitucionalização” dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais (art. 5.º, § 3.º);

5) a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI) a cuja criação tenha manifestado adesão (art. 5.º, § 4.º);

6) a federalização de crimes contra direitos humanos, por exemplo, a tortura e o homicídio praticados por grupos de extermínio, mediante incidente suscitado pelo PGR no STJ, objetivando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Busca-se, acima de tudo, adequar o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos (art. 109, V-A, e § 5.º);

7) a criação do Conselho Nacional de Justiça, que passa a ser Órgão do Poder Judiciário, com sede na Capital Federal. Ampliação de hipótese de impeachment, por crime de responsabilidade, a ser apurada pelo Senado Federal, abarcando todos os membros do CNJ (e do CNMP). Criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 92, I-A, e § 1.º; 102, I, “r”; 103-B; e art. 5.º da EC n. 45/2004);

8) a previsão de controle do MP por intermédio do Conselho Nacional do Ministério Público, assim como a criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 102, I, “r”; 130-A; e art. 5.º da EC n. 45/2004);

9) a ampliação de algumas regras mínimas a serem observadas na elaboração do Estatuto da Magistratura, todas no sentido de dar maior produtividade e transparência à prestação jurisdicional, na busca da efetividade do processo, destacando-se: a) previsão da exigência de três anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o ingresso na carreira da Magistratura (quarentena de entrada); b) aferição do merecimento para a promoção conforme o desempenho, levando em conta critérios objetivos de produtividade; c) maior garantia ao magistrado, já que a recusa da promoção por antiguidade somente poderá implementar-se pelo voto fundamentado de 2/3 dos membros do Tribunal a que ele estiver vinculado, conforme procedimento próprio e assegurada a ampla defesa; d) impossibilidade de promoção do magistrado que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; e) previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento; f) o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta (e não mais 2/3) do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; g) na hipótese de processo que tramite sob “segredo de justiça”, existindo colisão de dois grandes direitos fundamentais, quais sejam, a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo e o interesse público à informação, parece ter o constituinte reformador dado preferência a este último; h) previsão de serem as decisões administrativas dos tribunais tomadas em sessão pública; i) modificação da sistemática de preenchimento das vagas dos integrantes do Órgão Especial dos Tribunais, sendo metade por antiguidade e a outra metade por eleição pelo Tribunal Pleno; j) o fim das férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, tornando a atividade jurisdicional ininterrupta; k) previsão de número de juízes compatíveis com a população; l) possibilidade de os servidores receberem delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;­ m) distribuição imediata dos processos em todos os graus de jurisdição (art. 93);

10) a ampliação da garantia de imparcialidade dos órgãos jurisdicionais por meio das seguintes proibições: a) vedação aos juízes de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; b) instituição da denominada quarentena de saída, proibindo membros da magistratura de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram por aposentadoria ou exoneração pelo prazo de 3 anos. A quarentena também se aplica aos membros do MP (arts. 95, parágrafo único, IV e V, e 128, § 6.º);

11) a previsão de que as custas e emolumentos sejam destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça, fortalecendo-a, portanto (art. 98, § 2.º);

12) a regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do Judiciário e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 99, §§ 3.º, 4.º e 5.º);

13) a extinção dos Tribunais de Alçada, passando os seus membros a integrar os TJs dos respectivos Estados e uniformizando, assim, a nossa Justiça (art. 4.º da EC n. 45/2004);

14) a transferência de competência do STF para o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e à concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 102, I, “h” (revogada); 105, I, “i”, e art. 9.º da EC n. 45/2004);

15) a ampliação da competência do STF para o julgamento de recurso extraordiná­rio quando se julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Muito se questionou sobre essa previsão. Observa-se que está correta, uma vez que, no fundo, quando se questiona a aplicação de lei, acima de tudo, tem-se conflito de constitucionalidade, pois é a CF que fixa as regras sobre competência legislativa federativa. Por outro lado, quando se questiona a validade de ato de governo local em face de lei federal, acima de tudo, estamos diante de questão de legalidade a ser enfrentada pelo STJ, como mantido na reforma (arts. 102, III, “d”, e 105, III, “b”);

16) a criação do requisito da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para o conhecimento do recurso extraordinário. Essa importante regra vai evitar que o STF julgue brigas particulares de vizinhos como algumas discussões sobre “assassinato” de papagaio ou “furto” de galinha já examinadas pela mais alta Corte (art. 102, § 3.º);

17) a adequação da Constituição, no tocante ao controle de constitucionalidade, ao entendimento jurisprudencial já pacificado no STF, constitucionalizando o efeito dúplice ou ambivalente da ADI e da ADC, assim como o seu efeito vinculante. Ampliação da legitimação para agir. Agora os legitimados da ADC são os mesmos da ADI (e não mais somente os 4 que figuravam no art. 103, § 4.º, revogado). Apenas para se adequar ao entendimento do STF e à regra do art. 2.º, IV e V, da Lei n. 9.868/99, fixou-se, expressamente, a legitimação da Câmara Legislativa e do Governador do DF para a propositura de ADI e agora de ADC (arts. 102, § 2.º; 103, IV e V; revogação do § 4.º do art. 103; e art. 9.º da EC n. 45/2004);10

18) a ampliação da hipótese de intervenção federal dependendo de provimento de representação do Procurador-Geral da República para, além da já existente ADI Interventiva (art. 36, III, c/c o art. 34, VII), agora, também, objetivando prover a execução de lei federal (pressupondo ter havido a sua recusa). A competência, que era do STJ, passa a ser do STF (art. 34, VI, primeira parte, c/c o art. 36, III; revogação do art. 36, IV; e o art. 9.º da EC n. 45/2004);

19) a criação da Súmula Vinculante do STF (art. 103-A e art. 8.º da EC n. 45/2004);

20) a aprovação da nomeação de Ministro do STJ pelo quorum de maioria absoluta dos membros do SF, equiparando-se ao quorum de aprovação para a sabatina dos Ministros do STF, e não mais maioria simples ou relativa, como era antes da Reforma (art. 104, parágrafo único);

21) a previsão de funcionamento, junto ao STJ: a) da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira; b) e do Conselho da Justiça Federal como órgão central do sistema e com poderes corre­cionais, cujas decisões terão caráter vinculante (art. 105, parágrafo único, I e II);

22) no âmbito trabalhista, dentre tantas modificações, podemos destacar: a) o aumento da composição do TST de 17 para 27 Ministros, não mais sendo preciso ter de convocar juízes dos TRTs para atuar como substitutos; b) em relação ao sistema de composição, reduziram-se as vagas de Ministros do TST oriundos da advocacia e do Ministério Público do Trabalho. Agora eles ocupam somente 1/5, sendo os outros 4/5 preenchidos dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da Magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior; c) fixação do número mínimo de 7 juízes para os TRTs; d) modificação da competência da Justiça do Trabalho; e) previsão de criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, sendo que este último deverá ser instalado no prazo de 180 dias; f) a lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho; g) previsão de criação, por lei, do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, integrado pelas multas decorrentes de condenações trabalhistas e administrativas oriundas da fiscalização do trabalho, além de outras receitas (arts. 111, §§ 1.º, 2.º e 3.º (revogados); 111-A; 112; 114; 115; e arts. 3.º, 6.º e 9.º da EC n. 45/2004);

23) fixação de novas regras para a Justiça Militar (art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º);

24) assim como fixado para a Magistratura (art. 99, §§ 3.º a 5.º), regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do Ministério Público e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 127, §§ 4.º, 5.º e 6.º);

25) nos mesmos termos da Magistratura, diminuição do quorum de votação para a perda da garantia da inamovibilidade de 2/3 para maioria absoluta (art. 128, § 5.º, I, “b”);

26) ampliação da garantia de imparcialidade dos membros do MP: a) vedação do exercício de atividade político-partidária, sem qualquer exceção; b) vedação do recebimento, a qualquer título ou pretexto, de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; c) instituição, conforme já vimos e nos mesmos termos da Magistratura, da denominada quarentena de saída, proibindo-os de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram por aposentadoria ou exoneração pelo prazo de 3 anos (art. 128, § 5.º, II, “e”, “f” e § 6.º);

27) conforme vimos para a atividade jurisdicional, também no sentido de se dar maior produtividade e transparência no exercício da função, na busca da efetividade do processo, destacam-se, para o MP: a) a obrigatoriedade de as funções só poderem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição; b) a previsão da exigência de 3 anos de atividade jurídica para o bacharel em direito como requisito para o ingresso na carreira do MP (quarentena de entrada); c) a distribuição imediata dos processos; d) e, no que couber, as regras já apresentadas em relação ao art. 93 para a Magistratura (art. 129, §§ 2.º, 3.º, 4.º e 5.º);

28) A EC n. 45/2004 foi promulgada em 8 de dezembro de 2004 e entrou em vigor na data de sua publicação, em 31 de dezembro de 2004 (art. 10 da EC n. 45/2004).

11.3.3. Principais ações diretas e decisões do STF em relação às novidades introduzidas pela EC n. 45/2004 (ordem cronológica de propositura)

09.12.2004 — ADI 3.367: questiona a criação do CNJ. O STF, em 13.04.2005, julgando a ação, considerou constitucional o CNJ, que foi instalado em 14.06.2005.

20.01.2005 — ADI 3.392: questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, para o dissídio coletivo.

25.01.2005 — ADI 3.395: questiona a nova regra fixada no art. 114, I. Concedida liminar afastando a competência da Justiça do Trabalho para a “... apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”. Em 05.04.2006, a liminar concedida foi referendada pelo STF. Assim, as “causas instauradas entre o poder público e servidores com vínculo estatutário, ou seja, regidos pela Lei n. 8.112/90, continuam sob competência da Justiça Federal” (Notícias STF, 05.04.2006 — 18h35).11

04.03.2005 — ADI 3.423: questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, para o dissídio coletivo e a competência exclusiva do MPT em caso de greve em atividade essencial com possibilidade de lesão ao interesse público (art. 114, § 3.º).

10.03.2005 — ADI 3.431: questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, para o dissídio coletivo e a competência exclusiva do MPT em caso de greve em atividade essencial com possibilidade de lesão ao interesse público (art. 114, § 3.º).

14.03.2005 — ADI 3.432: questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, para o dissídio coletivo.

19.04.2005 — ADI 3.472: questiona as expressões “e do Ministério Público”, “respectivamente” e “e ao Ministério Público da União”, todas contidas no art. 5.º, § 1.º, da EC n. 45/2004. O STF acolheu a pretensão em sede de liminar, suspendendo a hipótese de indicação supletiva de nomes para o CNMP. Em 28.03.2006, a ADI foi julgada prejudicada: “(...) os dispositivos atacados — normas transitórias — seriam aplicados à primeira formação do Conselho Nacional do Ministério Público, a ser instalado em 180 dias contados da promulgação da Emenda Constitucional n. 45. O Conselho já está formado. (...) ante a perda do objeto (v.g., ADI 612-QO, Celso, DJ 06.05.1994; ADI 2.290-QO, Moreira, DJ 29.06.2001), julgo prejudicada a ação direta”.

05.05.2005 — ADI 3.486: questiona o novo instituto do IDC — Incidente de Deslocamento de Competência — Federalização dos Crimes contra Direitos Humanos, previsto no art. 109, V-A e § 5.º.

11.05.2005 — ADI 3.493: também questiona o novo instituto do IDC — Incidente de Deslocamento de Competência — Federalização dos Crimes contra Direitos Humanos, previsto no art. 109, V-A e § 5.º. Assim, distribuída por dependência à ADI 3.486.

10.06.2005 — ADI 3.520: questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, para o dissídio coletivo e a competência exclusiva do MPT em caso de greve em atividade essencial com possibilidade de lesão ao interesse público (art. 114, § 3.º). Distribuída por prevenção à ADI 3.423.

28.06.2005 — ADI 3.529: questiona a nova regra fixada no art. 114, I. O Ministro relator determinou o seu apensamento com a ADI 3.395, que, por sua vez, já foi julgada, conforme indicado acima.

08.03.2006 — ADI 3.684: questiona a competência fixada para a Justiça do Trabalho nos incisos I, IV e IX do art. 114. O STF, por unanimidade, em 1.º.02.2007, deferiu a liminar estabelecendo que a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar ações criminais (crimes contra a organização do trabalho). Compete à Justiça comum, seja estadual, seja federal, de acordo com a competência, processar e julgar matéria criminal.

03.01.2007 — ADI 3.843: questiona a vedação de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau. Em 04.04.2008, a petição inicial foi indeferida, já que, segundo o relator, “a ANAMAGES representa tão só — formalmente, pelo menos — o corpo dos magistrados estaduais, ao passo que a norma impugnada é aplicável a todos os membros integrantes do Poder Judiciário, independentemente da ‘Justiça’ ou ramo estrutural a que pertençam”.

10.08.2009 — ADI 4.282: a Associação Nacional dos Defensores Públicos da União — ANDPU ajuizou a ADI, com pedido de medida cautelar, objetivando seja atribuída interpretação conforme a Constituição ao § 2.º do art. 134 da CF/88, introduzido pela Reforma do Judiciário, objetivando o reconhecimento de autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública da União, bem como a iniciativa de sua proposta orçamentária, tal como estabelecido para a Defensoria Pública dos Estados-Membros. Em razão das novidades trazidas pelas ECs n. 74/2013 e 80/2014 (cf. item 12.6), referida ADI deverá ser julgada prejudicada (pendente).

11.4. Estatuto da Magistratura

11.4.1. Disposições gerais

José Horácio Cintra Gonçalves Pereira identifica que o enorme “... interesse com as atividades do Poder Judiciário (verdadeira preocupação nacional como se fora o único problema a emperrar o progresso do Brasil) decorre, sem dúvida, do fato de a prestação (de serviço) jurisdicional não atender aos anseios da população: em razão da demora dos processos, dos seus entraves burocráticos, da total falta de aparelhamento moderno, do despreparo dos funcionários e juízes (ainda que de alguns poucos, mas com força suficiente para, ao menos, incentivar as críticas), da falta de recursos financeiros. Enfim, uma gama de deficiências sempre detectadas e diagnosticadas...”.12

A Reforma do Judiciário busca encontrar alguns instrumentos para solucionar os problemas apontados. Conforme estabelece o art. 93 da CF/88, amplamente solidificado pela EC n. 45/2004, lei complementar, de iniciativa do STF, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,13 observados os seguintes princípios:

ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, 3 anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

Trata-se da denominada “quarentena de entrada”. Neste particular, cabe indagar se o período de 3 anos deverá ser contado apenas após o bacharelado, ou poderá ser computado durante a graduação, por exemplo, por meio de estágio.

Entendemos que se trata, no fundo, de norma constitucional de eficácia limitada, já que “depende” de lei complementar infraconstitucional regulando os seus vetores.

Hugo Nigro Mazzilli destaca que, “sem regulamentação, cremos que o requisito de prévio exercício de atividade jurídica não é autoaplicável, de maneira que, se vier a ser exigido em editais de concurso, sem anterior regulamentação, poderá ser questionado por meio de mandado de segurança”.14 

Contudo, infelizmente, o STF vem exigindo o requisito da quarentena de entrada, com base, inclusive, em resolução do CNJ.

Segundo entendimento da Corte, a norma impugnada veio atender ao objetivo da EC n. 45/2004 de recrutar, com mais rígidos critérios de seletividade técnico-profissional, os pretendentes às carreiras. Assim, “os 3 anos de atividade jurídica contam-se da data da conclusão do curso de Direito e o fraseado ‘atividade jurídica’ é significante de atividade para cujo desempenho se faz imprescindível a conclusão de curso de bacharelado em Direito” (ADI 3.460/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 31.08.2006, DJ de 15.06.2007).

De acordo com o art. 23, § 1.º, “a”, da Res. n. 75/CNJ, a comprovação dos 3 anos deve se dar no momento da inscrição definitiva, seguindo a orientação firmada na ADI 3.460.

Nesses termos, o Pleno, ao apreciar a questão novamente, fixou a seguinte tese: “a comprovação do triênio de atividade jurídica exigida para o ingresso no cargo de juiz substituto, nos termos do inciso I do art. 93 da Constituição Federal, deve ocorrer no momento da inscrição definitiva no concurso público” e não na posse (RE 655.265, Rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, j. 13.04.2016).

CUIDADO: de maneira bastante acertada, em sentido diverso, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Res. n. 87/2012-CNMP para estabelecer que a comprovação do período de 3 anos de atividade jurídica deverá ser documentada e formalizada para o ato da posse do candidato aprovado em todas as fases do concurso público, e não com o ato de mera inscrição definitiva no respectivo certame. Isso porque a expressão “ingresso” deve ser interpretada como sinônimo de investidura, que somente se efetivará com a posse no cargo.

E o que deve ser entendido por atividade jurídica a ser demonstrada?

De acordo com o art. 59 da Resolução n. 75/2009-CNJ, considera-se atividade jurídica:

aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;

o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em cinco atos privativos de advogado (Lei n. 8.906, de 04.07.1994, art. 1.º) em causas ou questões distintas;

o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;

o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo de 16 horas mensais e durante 1 ano;

o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios.

A referida Resolução veda, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito.

Nos termos do art. 59, § 2.º, a comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.

Ainda, cumpre observar que a Resolução n. 75/2009-CNJ retrocede ao não mais considerar como atividade jurídica (apesar de reconhecer como título — art. 67, VI), a conclusão, com frequência e aproveitamento, de curso de pós-graduação (assegurando tal reconhecimento para os cursos comprovadamente iniciados anteriormente à referida Resolução — art. 90).

Nesse particular, José Afonso da Silva, em parecer, afirmou que “alunos de cursos jurídicos não exercem atividades jurídicas”, mas tão somente “atividade de ensino e aprendizado”. Em igual medida, Walber de Moura Agra afirma que “o prazo de três anos de exercício de atividade jurídica é um tempo de maturação, de sedimentação do conhecimento acumulado durante o curso de Direito. Um lapso temporal para que o bacharel possa colocar em prática o que aprendeu durante a sua preparação universitária” (Notícias STF, 20.03.2009).

Lembramos, por outro lado, que o art. 2.º da Resolução n. 40, de 26.05.2009, do CNMP, ainda admite, como atividade jurídica e para o ingresso nas carreiras do Ministério Público, os cursos de pós-graduação, regra essa que vem sendo discutida na ADI 4.219, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB em 20.03.2009 (matéria pendente de julgamento pelo STF).

Em nosso entender, contudo, toda essa questão deveria ter sido regulamentada, necessariamente, por lei complementar do Congresso Nacional, de iniciativa exclusiva do STF (competência reservada).

promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por 3 vezes consecutivas ou 5 alternadas em lista de merecimento; b) a promoção por merecimento pressupõe 2 anos de exercício na respectiva en-trância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;15

aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;

na apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de 2/3 de seus membros, conforme procedimento­ próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;

não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão;

o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância;

previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados;

o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a 95% do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a 10% ou inferior a 5%, nem exceder a 95% do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4.º;

a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40 (sobre o tema, cf. discussão envolvendo a EC n. 88/2015 e a ADI 5.316 no item 11.4.2);

o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal;

o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;

a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas “a”, “b”, “c” e “e” do inciso II do art. 93 da CF/88;

todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública,16 sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

nos tribunais com número superior a 25 julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de 11 e o máximo de 25 membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;17

a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedadas as férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente.

A Reforma do Poder Judiciário consagra, portanto, o princípio da ininterruptabilidade da jurisdição, não podendo haver supressão dessa regra sequer por Resolução do CNJ, como ficou muito claro com a edição da Resolução n. 28, de 18.12.2006, que revogou a de n. 24/2006, que, por sua vez, ao modificar a de n. 3/2005, objetivava flexibilizar o disposto no art. 93, XII, da CF/88.

Assim, decidiu o STF em sede de medida cautelar: “... As regras legais que estabeleciam que os magistrados gozariam de férias coletivas perderam seu fundamento de validade pela promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004. A nova norma constitucional plasmou paradigma para a matéria, contra a qual nada pode prevalecer. Enquanto vigente a norma constitucional, pelo menos em exame cautelar, cumpre fazer prevalecer a vedação de férias coletivas de juízes e membros dos tribunais de segundo grau, suspendendo-se a eficácia de atos que ponham em risco a efetividade daquela proibição...” (ADI 3.823-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 06.12.2006, DJ de 23.11.2007). Mas cabe observar que o STF, em 02.03.2016, julgou prejudicada a referida ADI pela perda superveniente do objeto, em razão de terem sido revogadas as referidas normas (art. 21, IX, do RISTF).

o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população;

os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;

a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.

Todas essas regras trazidas pela Reforma do Judiciário vieram no sentido de dar maior produtividade e transparência à prestação jurisdicional, na busca da efetividade do processo.

11.4.2. A EC n. 88/2015 (fruto da “PEC da Bengala”) e as ADIs 5.316, 5.430, 5.486 e 5.490

Como se sabe, existem 3 modalidades de aposentadoria no chamado Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) no âmbito da administração pública, considerando os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, bem como os agentes públicos titulares de cargos vitalícios (magistrados, membros do MP e membros do Tribunal de Contas) (art. 40, § 1.º, I, II e III): a) por invalidez; b) voluntária; c) compulsória (não estamos considerando os titulares apenas de cargo em comissão, celetistas e temporários que se sujeitam às regras do Regime Geral — art. 40, § 13).

Neste tópico, tratamos apenas da aposentadoria compulsória que se implementa em razão de critério meramente objetivo, qual seja, a idade. Ao completá-la, o legislador supõe a invalidez do servidor público, assumindo a sua presunção absoluta de incapacidade para o serviço público.

Assim, de acordo com o art. 187 da Lei n. 8.112/90, a aposentadoria compulsória será automática, e declarada por ato, com vigência a partir do dia imediato àquele em que o servidor atingir a idade-limite de permanência no serviço ativo. Isso significa que o servidor público titular de cargo efetivo, ao completar a idade, mesmo estando em plena capacidade laboral e sendo contra a sua vontade, deverá ser forçadamente aposentado e, por isso, essa modalidade é vulgarmente chamada de “expulsória”.

A aposentadoria compulsória por idade foi prevista na Constituição de 1934, estabelecendo-se a idade de 68 anos. Esse parâmetro (68 anos) foi repetido na Constituição de 1937. A primeira a prever os 70 anos foi a de 1946, mantida essa idade nos textos seguintes, inclusive na redação originária da de 1988.

Depois de 28 anos de vigência da atual Constituição, fruto da aprovação da PEC n. 42/2003-SF (que tramitou por quase 12 anos!), conhecida como “PEC da Bengala”, é promulgada a EC n. 88/2015.

Em sua justificação, observa-se que “a expectativa de vida do brasileiro vem aumentando bastante, alterando significativamente o perfil populacional”. Assim, mesmo ao completar 70 anos, o servidor continua com plena capacidade produtiva. A aposentadoria precoce confirma que muitos servidores vão para a iniciativa privada, continuam trabalhando e ainda levam a experiência de anos patrocinada pelo Estado, onerando a Previdência em razão da falta de contrapartida.

Diante dessa nova realidade, a EC n. 88/2015, mantendo a regra sobre a aposentadoria compulsória (70 anos de idade), permitiu que lei complementar estabeleça as condições para que o servidor público se aposente aos 75 anos. A implementação dessa situação considerando esse novo parâmetro etário depende, necessariamente, da edição de lei complementar.

O art. 100 do ADCT, contudo, prescreve: “até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do § 1.º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do STF, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 anos de idade e, assim, não dependendo de lei complementar, nas condições do art. 52 da Constituição Federal”.

A AMB, a ANAMATRA e a AJUFE propuseram a ADI 5.316 (pendente), atacando alguns dispositivos da EC n. 88/2015 em análise.

Em julgamento de medida cautelar, o STF determinou que a dispensa de lei complementar prevista na emenda para as citadas autoridades (o art. 100 do ADCT) não pode ser estendida a outros agentes públicos até que seja editada a lei complementar a que alude o art. 40, § 1.º, II, da CRFB, a qual, quanto à magistratura, é a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 93 da CRFB (Estatuto da Magistratura).

Ainda, o STF, no julgamento da cautelar na ADI 5.316, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos que envolvam a aplicação, a magistrados, do art. 40, § 1.º, II, da CRFB e do art. 100 do ADCT, até o julgamento definitivo da ação direta em análise. Além disso, declararam sem efeito todo e qualquer pronunciamento judicial ou administrativo que afaste, amplie ou reduza a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, com base neste fundamento, assegure a qualquer outro agente público o exercício das funções relativas a cargo efetivo após ter completado setenta anos de idade.

Outro ponto extremamente polêmico foi a parte final do art. 100 do ADCT que, apesar de assegurar a aposentadoria compulsória aos 75 anos, determinou que essa nova realidade só poderá ser implementada nas condições do art. 52 da CF.

Observar “as condições do art. 52” significa dizer que referidas autoridades, para poderem se aposentar com mais de 70 anos, terão que passar por uma nova sabatina (art. 52, III, “a” e “b”).

Essa regra de “nova sabatina” foi bastante criticada. A previsão originária estabelece o controle político apenas para o ingresso no cargo, e não para a sua continuidade, tendo sido criada uma verdadeira condicionante para a aposentadoria.

Em interessante observação, o Deputado Luiz Antonio Fleury, no parecer dado perante a CCJ, na PEC n. 457/2005 (número que tomou na Câmara), determinou ser “incompatível uma nova aprovação pelo Legislativo Federal de Ministro detentor de cargo vitalício, incongruência de inquestionável ameaça aos princípios republicanos que, além de ferir os preceitos mencionados, traduz na fragilização do Poder Judiciá­rio, até mesmo no que diz respeito à imparcialidade, já que o interessado em permanecer no cargo ficaria refém de interesses político-partidários, podendo redundar no comprometimento da liberdade e independência do magistrado”.

No julgamento da medida cautelar, o STF, então, determinou a suspensão da aplicação da expressão “nas condições do art. 52 da Constituição Federal” contida no art. 100 do ADCT, por vulnerar as circunstâncias materiais necessárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional, ultrajando a separação dos Poderes, cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4.º, III, da CRFB.

Podemos, então, esquematizar o tema à luz da EC n. 88/2015 e do julgamento da medida cautelar na ADI 5.316 (j. 21.05.2015, DJE de 06.08.2015):

no regime próprio da previdência social no âmbito da administração pública, considerando os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, bem como os agentes públicos titulares de cargos vitalícios, a aposentadoria compulsória aos 70 anos, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, continua sendo a regra geral (art. 40, § 1.º, II);

o aumento do limite de idade para 75 anos depende de lei complementar do Congresso Nacional de caráter nacional (tendo em vista a norma constitucional de eficácia limitada introduzida pela EC n. 88/2015);

a aposentadoria compulsória de magistrados é tema reservado à lei complementar nacional, de iniciativa reservada do STF, nos termos da regra expressa contida no art. 93, VI, da Constituição da República (Estatuto da Magistratura), não havendo que se falar em interesse local, ou mesmo em qualquer singularidade que justifique a atuação legiferante estadual em detrimento da uniformização;

até que entre em vigor a lei complementar para a magistratura (art. 93, VI), os Ministros do STF, dos Tribunais Superiores e do TCU — e somente eles!, independentemente da lei complementar nacional, por força do comando trazido pela emenda constitucional — aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 anos de idade, afastando-se a exigência da famigerada nova sabatina, prevista na parte final do art. 100 do ADCT, que teve a sua aplicação suspensa por vulnerar as condições materiais necessárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional.

De maneira extremamente precipitada, antes mesmo da aprovação da PEC que daria origem à EC n. 88/2015, o Senador José Serra encaminhou o PLS n. 274/2015, que veio a ser aprovado no parlamento.

O Presidente da República, no exercício de sua função constitucional, vetou integralmente o projeto, sob o fundamento de vício de iniciativa (vício formal subjetivo), por entender que a matéria seria de iniciativa do Presidente da República. O Congresso Nacional, por sua vez, derrubou o veto, promulgando e publicando a LC n. 152/2015, concretizando a aposentadoria compulsória aos 75 anos para: a) os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações; b) os membros do Poder Judiciário; c) os membros do Ministério Público; d) os membros das Defensorias Públicas; e) os membros dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.

Assim, a aposentadoria aos 75 anos passa a ser realidade, mesmo diante de LC com duvidosa constitucionalidade em razão de vício de iniciativa, conforme já sinalizado pelo STF na ADI 5.316.

O tema está em discussão (pendente) no STF nas ADIs 5.430 (AMB), 5.486 (AMB) e 5.490 (CONAMP, ANPT e ANPR, nesse caso, atacando o art. 2.º, III, da LC n. 152/2015, que dispôs sobre a aposentadoria compulsória por idade, com proventos proporcionais, para os membros do Ministério Público e, então, a sustentada violação aos arts. 61, § 1.º, II, “d”, c/c arts. 128, § 5.º e 129, § 4.º, da CF/88).

11.5. Garantias do Judiciário

As garantias atribuídas ao Judiciário assumem importantíssimo papel no cenário da tripartição de Poderes, assegurando a independência desse órgão, que poderá decidir livremente, sem se abalar com qualquer tipo de pressão que venha dos outros Poderes.

José Afonso da Silva divide tais garantias em:

institucionais: protegem o Judiciário como um todo, como instituição. Dividem-se em: a) garantias de autonomia orgânico-administrativa e b) garantias de autonomia financeira;

garantias funcionais ou de órgãos: “... asseguram a independência (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário (vedações), previstas, aliás, tanto em razão do próprio titular mas em favor ainda da própria instituição”.18

Para facilitar o estudo, apresentamos a classificação de modo esquematizado:

Cap11_Figura01

11.5.1. Garantias institucionais do Judiciário

11.5.1.1. Garantias de autonomia orgânico-administrativa

A garantia de autonomia orgânico-administrativa manifesta-se na estruturação e funcionamento dos órgãos, na medida em que se atribui aos tribunais a competência para: a) eleger seus órgãos diretivos, sem qualquer participação dos outros Poderes; b) elaborar regimento interno; c) organizar a estrutura administrativa interna de modo geral, como a concessão de férias, licença, dentre outras atribuições. Em relação à autonomia em questão, sugerimos, para as provas, uma leitura atenta do art. 96 e incisos da CF/88.

11.5.1.2. Garantias de autonomia financeira

Estatui o art. 99, caput, que ao Poder Judiciário é assegurada, além da já comentada autonomia administrativa, também a autonomia financeira. Nesse sentido, os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

A Constituição prevê regra para o encaminhamento das propostas orçamentárias, ouvidos os outros tribunais interessados. Tal procedimento será de competência dos Presidentes do STF e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais, no âmbito da União, e dos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 99, §§ 1.º e 2.º).

A EC n. 45/2004 (art. 99, § 3.º) fixou que, se esses órgãos não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orça­mentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1.º do art. 99.

Ainda, se as propostas orçamentárias forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1.º do art. 99 citado, o Poder Executivo procede­rá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.

Dentro dessa política, durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites determinados na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.

Como garantia assecuratória da autonomia financeira, a CF/88 previu em seu art. 168 que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos (EC n. 45/2004), na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9.º.

Por fim, dentro dessa ideia de fortalecimento da autonomia financeira do Judiciá­rio, a Reforma do Judiciário fixou que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça (art. 98, § 2.º).

11.5.2. Garantias funcionais do Judiciário (ou de órgãos)

As garantias funcionais, na classificação proposta por José Afonso da Silva, como sistematizado anteriormente, dividem-se em dois grupos: o primeiro engloba as garantias de independência dos órgãos judiciários (dos membros, dos magistrados), quais sejam: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios (art. 95, I, II e III). O segundo grupo abarca as garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários, conforme vedações previstas no art. 95, parágrafo único. Vejamo-las.19

11.5.2.1. Garantias de independência dos órgãos judiciários

11.5.2.1.1. Vitaliciedade

Prevista no art. 95, I, a vitaliciedade significa dizer que o magistrado (e, como veremos, os membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas) só perderá o cargo (uma vez vitaliciado) por sentença judicial transitada em julgado, sendo-lhe asseguradas todas as garantias inerentes ao processo jurisdicional.

Ao contrário dos magistrados, os demais servidores públicos são estáveis, ou seja, podem perder o cargo não só por decisão judicial como também por processo administrativo e mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho.20

A vitaliciedade, em primeiro grau de jurisdição, só será adquirida após 2 anos de efetivo exercício do cargo, desde que, naturalmente, o magistrado supere o denominado estágio probatório. Nos 2 primeiros anos, para o juiz, que ingressou na carreira por meio de concurso de provas e títulos, ocupando o cargo de juiz substituto (art. 93, I), a perda do cargo dependerá de deliberação do tribunal a que estiver vinculado (art. 95, I).

Todos os membros dos tribunais têm a garantia da vitaliciedade, independentemente da forma de acesso. Mesmo que um advogado ou membro do MP integre a carreira da Magistratura, por exemplo, através da regra do quinto constitucional — art. 94 (estudaremos adiante), no exato momento da posse adquirirá a vitaliciedade, não tendo de passar por qualquer estágio probatório.

Devemos lembrar, ainda, que a regra da vitaliciedade (uma vez vitaliciado, o magistrado só perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado) apresenta exceções:

Ministros do STF: na hipótese de crime de responsabilidade serão julgados pelo SF (art. 52, II);

Conselheiros do CNJ: de acordo com o art. 11, § 3.º, do Regimento Interno do CNJ — Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B da CF/88), os Conselheiros não integrantes das carreiras da magistratura terão os mesmos direitos, prerrogativas, deveres, impedimentos constitucionais e legais, suspeições e incompatibilidades que regem a carreira da magistratura, no que couber, enquanto perdurar o mandato (Anexo da Resolução n. 67, de 03.03.2009, que aprovou o novo RI/CNJ). Contudo, o art. 52, II, da CF/88 estabelece que os membros do CNJ também serão julgados pelo SF por crime de responsabilidade.

Interessante discussão surge em relação à possibilidade de o CNJ declarar a perda do cargo de magistrados vitalícios.

Uma vez vitaliciados, a regra é clara: os magistrados só poderão perder o cargo por sentença judicial transitada em julgado. Portanto, na medida em que os atos do CNJ têm natureza administrativa, não nos parece possível haver revisão de vitaliciamento de magistrado pelo Conselho.

Esse entendimento foi externado pelo CNJ no julgamento do PCA 267, do Estado do Tocantins, que teve como relator o Conselheiro Paulo Lôbo. Em referido PCA, a OAB/TO pretendia a anulação do IV Concurso Público para provimento do cargo de juiz de direito substituto do Estado de Tocantins, realizado em 2004, com 18 vagas disponíveis, e dos respectivos decretos judiciários de nomeação. Alegava que os seis candidatos aprovados que tomaram posse em 2004, do total de 1.600 candidatos de várias unidades da Federação, apresentavam relações diretas com membros do Poder Judiciário do Estado, comprovadas com certidões.

Por unanimidade, o CNJ, de maneira acertada, consagrou o entendimento de que não poderia analisar a questão. Isso porque, esclarece o Relator, “... após a vitaliciedade, apenas sentença judicial transitada em julgado pode determinar a perda do cargo, o que subtrairia a competência deste Conselho. Se os juízes não tivessem obtido a vitaliciedade, então a deliberação de tribunal seria de natureza administrativa, o que permitiria a apreciação pelo CNJ da matéria da invalidade do concurso. Todavia, parece-me que a questão da eventual invalidade do concurso, que determinaria a perda dos cargos dos juízes com vitaliciedade, apenas poderia ser enfrentada em processo judicial, pois a regra constitucional atraiu para este todos os atos que a antecederam. A garantia da vitaliciedade é inviolável por decisão administrativa...”.

11.5.2.1.2. Inamovibilidade

Pela regra da inamovibilidade (art. 95, II), garante-se ao juiz a impossibilidade de remoção, sem seu consentimento, de um local para outro, de uma comarca para outra, ou mesmo sede, cargo, tribunal, câmara, grau de jurisdição.

Essa regra não é absoluta, pois, como estabelece o art. 93, VIII, o magistrado poderá ser removido (além de colocado em disponibilidade e aposentado), por interesse público, fundando-se tal decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.21

A grande questão a ser analisada é se os juízes substitutos gozam da garantia da inamovibilidade, ou se, em razão de sua natureza (de substituir), poderão ser removidos de acordo com as necessidades discricionárias apontadas pelos Tribunais.

Tal problemática foi levada ao CNJ (PCA n. 2008.10.00.001873-3), que decidiu, no caso concreto, que a prerrogativa da inamovibilidade não se aplica aos juízes substitutos, mesmo que já vitaliciados.

Contra referida decisão do CNJ, foi impetrado, no STF, o MS 27.958, julgado em 17.05.2012.

O Min. Marco Aurélio, vencido, apresentou argumentos interessantes, denegando a ordem no mérito “por considerar que a inamovibilidade não guardaria pertinência com o cargo de juiz substituto, haja vista que o juiz seria assim nomeado para atender às necessidades de substituição. Ressaltava que assentar que o juiz substituto gozaria da prerrogativa inerente à inamovibilidade descaracterizaria o próprio cargo por ele ocupado e que eventual abuso do poder se resolveria em outro campo, sendo que cada Estado-membro poderia ter a própria organização judiciária, a limitar a movimentação do juiz substituto” (Inf. 666/STF).

Contudo, a maioria dos Ministros (o julgamento foi por 8 x 1) entendeu, de maneira acertada, que a garantia da inamovibilidade se aplica aos juízes substitutos. Vejamos:

“EMENTA: (...). A inamovibilidade é, nos termos do art. 95, II, da CF, garantia de toda a magistratura, alcançando não apenas o juiz titular como também o substituto. O magistrado só poderá ser removido por designação, para responder por determinada vara ou comarca ou para prestar auxílio, com o seu consentimento, ou, ainda, se o interesse público o exigir, nos termos do inciso VIII do art. 93 do Texto Constitucional” (MS 27.958, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.05.2012, Plenário, DJE de 29.08.2012).

O importante contraponto a ser feito em relação ao juiz substituto é o juiz titular, e não o vitalício. Assim, é possível que o juiz seja vitalício e ainda substituto, sem que, mesmo que substituto, deixe de ter a garantia da inamovibilidade.

A Constituição não fez nenhuma exigência em relação à garantia da inamovibilidade, exigindo prazo de 2 anos apenas para a vitaliciedade.

Assim, desde a posse, o juiz substituto deve ter a garantia de não ser removido para fora da unidade judiciária em que está formalmente lotado. Trata-se de unidade de competência judicante, adstrita a uma base territorial geograficamente determinada e predefinida.

Dessa forma, muito embora o “papel” do juiz substituto seja o de substituir, deverá exercer a sua função dentro da sua circunscrição judiciária, definida, no âmbito estadual, pelo Código Judiciário de cada unidade federativa.

A circunscrição judiciária será constituída da reunião de comarcas contíguas da mesma região, uma das quais será a sua sede, e, assim, a substituição poderá dar-se nas respectivas comarcas.

O que não se pode aceitar é a remoção indistinta do juiz substituto para circunscrições diversas, com o risco de perseguição do magistrado e flagrante violação, inclusive, ao princípio do juiz natural.

Podemos concluir, portanto, que a decisão do STF, ao aceitar a garantia da inamovibilidade para o juiz substituto, prestigia a Constituição, evitando a sua transformação em juiz itinerante, bem como eventuais pressões que possa sofrer dos órgãos internos da própria judicatura.

11.5.2.1.3. Irredutibilidade de subsídios

Previsto no art. 95, III, o subsídio dos magistrados (forma de remuneração, consoante a EC n. 19/98) não poderá ser reduzido, garantindo-se, assim, o livre exercício das atribuições jurisdicionais.22

Lembramos que o STF já se pronunciou no sentido de tratar-se de garantia nominal, e não real, ou seja, os magistrados não estão livres da corrosão de seus subsídios pela inflação.

Tal como se verifica para os servidores públicos em geral, o subsídio mensal dos membros do Judiciário, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF. Hão de se observar, outrossim, nos termos da regra trazida pela EC n. 41/2003 (Reforma da Previdência), os denominados subtetos, que, no âmbito do Judiciário estadual e distrital, será o subsídio máximo pago aos Desembargadores do TJ, limitado a 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF.

Buscando amenizar o impacto da Reforma, a EC n. 47/2005 (que tramitou como a “PEC Paralela da Previdência”) acrescentou o § 11 ao art. 37, nos seguintes termos: “não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”.

O art. 4.º da EC n. 47/2005, por sua vez, estabelece que, enquanto não editada a lei a que se refere o § 11 do art. 37 da CF, não será computada, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput do mesmo artigo, qualquer parcela de caráter indenizatório, assim definida pela legislação em vigor na data de publicação da EC n. 41/2003.

Em julgamento liminar da ADI 3.854, o STF diferenciou o subsídio máximo da Magistratura estadual, correspondente a 90,25% do subsídio pago aos Ministros do STF, do teto de remuneração (subsídio mais alguma vantagem funcional), que, por isonomia à Magistratura federal (art. 93, V), corresponderá a 100% do subsídio mensal dos Ministros do STF.23

O subsídio, como forma de remuneração, está sujeito a tributação (arts. 150, II; 153, III; e 153, § 2.º, I), devendo ser fixado em parcela única (art. 37, X e XI, c/c o art. 39, § 4.º) e obedecer ao escalonamento a que se refere o art. 93, V.24

11.5.2.2. Garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários

Aos magistrados foram impostas algumas vedações, delimitadas nos incisos do parágrafo único do art. 95. Trata-se de rol taxativo, exaustivo, por restringir direitos. Assim, aos juízes é vedado:25

exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;26 e 27

receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

dedicar-se à atividade político-partidária;

receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei (EC n. 45/2004);

exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração (EC n. 45/2004 — a denominada quarentena de saída).

11.5.3. Prerrogativa de foro: o magistrado aposentado tem direito a foro especial por prerrogativa de função?

Não.

Conforme esquematizamos no item 10.4.15, os magistrados têm prerrogativa de foro na hipótese de crime comum e de responsabilidade, durante o exercício da função judicante.

A grande questão que se coloca é saber se o magistrado aposentado continuaria com essa prerrogativa.

argumentos pela manutenção da prerrogativa de foro: em primeiro lugar, na linha do voto do Min. Menezes Direito, o fato concreto que está sendo analisado aconteceu enquanto o magistrado ainda exercia a sua função judicante, portanto, antes da aposentadoria. Enquanto juiz de direito, mesmo aposentado, continua com a vitaliciedade, não perdendo o cargo, mantida estaria a prerrogativa de foro. Além do mais, há previsão nesse sentido no art. 48 do Estatuto de Roma (TPI). Já o Min. Eros Grau diferenciou a prerrogativa que decorre da função, como no caso de mandato eletivo temporário, da prerrogativa que decorreria do cargo, no caso do magistrado que é vitalício;

argumentos contrários à manutenção da prerrogativa de foro: lembrando jurisprudência discutida e estudada no item 9.9.2.3, findo o exercício da função, a prerrogativa de foro deixa de existir (salvo no caso de fraude processual, estudada no referido item). Segundo o Min. Lewandowski, ainda, com base no RE 291.485/RJ “... o foro especial por prerrogativa de função tem por objetivo o resguardo da função pública; que o magistrado, no exercício do ofício judicial, goza da prerrogativa de foro especial, garantia que está voltada não à pessoa do juiz, mas aos jurisdicionados; e que, não havendo mais o exercício da função judicante, não há de perdurar o foro especial, haja vista que o resguardo dos jurisdicionados, nesse caso, não é mais necessário. Ressaltou, ainda, que o provimento vitalício é o ato que garante a permanência do servidor no cargo, aplicando-se apenas aos que integram as fileiras ativas da carreira pública” (Inf. 495/STF).

A tese da manutenção da prerrogativa de foro parecia bastante defensável, até porque, conforme visto, a vitaliciedade persiste mesmo com a aposentadoria. Assim, em edições anteriores, chegamos a sustentá-la, mas com limites, ou seja, somente em relação a crimes e atos praticados antes da aposentadoria, enquanto o magistrado ainda exercia a sua nobre função judicante. Estender a prerrogativa para os atos praticados após a aposentadoria não teria, em nosso entender, qualquer fundamento constitucional.

O STF, por maioria, resolveu a questão no julgamento dos REs 546.609 e 549.560, reafirmando a orientação jurisprudencial no sentido de que os magistrados que se aposentam perdem a prerrogativa de foro, mesmo em relação a atos praticados no exercício da função e em virtude desta, destacando-se os seguintes argumentos:

“o foro especial por prerrogativa de função teria por objetivo o resguardo da função pública;

o magistrado, no exercício do ofício judicante, gozaria da prerrogativa de foro especial, garantia voltada não à pessoa do juiz, mas aos jurisdicionados; e

o foro especial, ante a inexistência do exercício da função, não deveria perdurar, haja vista que a proteção dos jurisdicionados, nesse caso, não seria mais necessária” (RE 549.560, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22.03.2012, Plenário, Inf. 659/STF).

11.6. Estrutura do Judiciário

11.6.1. Órgãos de convergência e órgãos de superposição

As regras do Poder Judiciário vêm previstas nos arts. 92 a 126 da CF/88. Conforme esquematizado no item seguinte e constatado pelo organograma do item 11.6.5, pode-se afirmar que o STF e os Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM) são órgãos de convergência, têm sede na Capital Federal (Brasília) e exercem jurisdição sobre todo o território nacional, nos termos do art. 92, § 2.º, da CF/88.

Denominam-se órgãos ou centros de convergência visto que, segundo ensina Dinamarco, “cada uma das Justiças especiais da União (Trabalhista, Eleitoral e Militar, acrescente-se), tem por cúpula seu próprio Tribunal Superior, que é o responsável pela última decisão nas causas de competência dessa Justiça — ressalvado o controle de constitucionalidade, que sempre cabe ao Supremo Tribunal Federal. Quanto às causas processadas na Justiça Federal ou nas locais, em matéria infraconstitucional a convergência conduz ao Superior Tribunal de Justiça, que é um dos Tribunais Superiores da União embora não integre Justiça alguma; em matéria constitucional, convergem diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Todos os Tribunais Superiores convergem unicamente ao Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo da Justiça brasileira e responsável final pelo controle de constitucionalidade de leis, atos normativos e decisões judiciárias”.28

E quais, então, seriam os denominados pela doutrina órgãos de superposição? Na medida em que não pertencem a nenhuma Justiça, podemos classificar o STF e o STJ (Tribunais da União) não só como órgãos de convergência, como já visto, mas, também, como órgãos de superposição. Isso porque, embora não pertençam a nenhuma Justiça, as suas decisões se sobrepõem às decisões proferidas pelos órgãos inferiores das Justiças comum e especial. As decisões do STJ se sobrepõem àquelas da Justiça Federal comum, da Estadual e daquela do Distrito Federal e Territórios, ao passo que as decisões do STF se sobrepõem a todas as Justiças e Tribunais.

11.6.2. Justiças: comum e especial

Além dos órgãos de superposição (STF e STJ), temos as diversas Justiças, divididas em comum e especial (ou especializada).

Justiça comum:

a) Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais — arts. 106 a 110, bem como a criação de Juizados Especiais nos termos da Lei federal n. 10.259/2001 — art. 98, § 1.º, da CF/88);

b) Justiça do Distrito Federal e Territórios (Tribunais e Juízes do Distrito Federal e Territórios, organizados e mantidos pela União — arts. 21, XIII, e 22, XVII, que também criará os Juizados Especiais e a Justiça de Paz);

c) Justiça Estadual comum (ordinária) (art. 125 — juízos de primeiro grau de jurisdição, incluídos os Juizados Especiais29 — art. 98, I — e a Justiça de Paz — art. 98, II;30 bem como os de segundo grau de jurisdição, compostos pelos Tribunais de Justiça. Lembrar que a possibilidade de criação dos Tribunais de Alçada, nos termos do art. 96, II, “c”, da CF/88, e 108 da LOMN,31 não mais existe em razão do art. 4.º da EC n. 45/2004).

Justiça especial:

a) Justiça do Trabalho: composta pelo Tribunal Superior do Trabalho — TST; Tribunais Regionais do Trabalho — TRTs e pelos Juízes do Trabalho (Varas do Trabalho) (arts. 111 a 116);32

b) Justiça Eleitoral: composta pelo Tribunal Superior Eleitoral — TSE; Tribunais Regionais Eleitorais — TREs, Juízes Eleitorais e Juntas Eleitorais (arts. 118 a 121);

c) Justiça Militar da União: Superior Tribunal Militar — STM e Conselhos de Jus­tiça, Especial e Permanente, nas sedes das Auditorias Militares (arts. 122 a 124);

d) Justiça Militar dos Estados, do Distrito Federal e Territórios:33 Tribunal de Justiça — TJ, ou Tribunal de Justiça Militar — TJM, nos Estados em que o efetivo militar for superior a 20.000 integrantes e, em primeiro grau, pelos juízes de direito togados (juízes de direito da Justiça Militar Estadual) e pelos Conselhos de Justiça, com sede nas auditorias militares — art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º — EC n. 45/2004).

11.6.3. Competência penal versus competência civil

Dentre todas as Justiças acima apontadas, somente a Justiça do Trabalho não tem competência penal (julga e concilia apenas dissídios individuais e coletivos oriundos das relações trabalhistas).

Até o advento da EC n. 45/2004, as Justiças Militares (União, Estados e a do Distrito Federal e Territórios) só tinham competência penal, e não civil, vale dizer, julgavam apenas e tão somente os crimes militares definidos em lei. Os atos disciplinares eram julgados pela Justiça Federal (atos praticados por integrantes das Forças Armadas) ou pelos Juízos da Fazenda Pública (atos praticados por militares estaduais), ou mesmo Justiça comum estadual, quando inexistentes as Varas Especializadas da Fazenda Pública estadual em razão de sua não instituição.

Com o novo § 5.º introduzido pela Reforma do Judiciário ao art. 125 da CF/88, a Justiça Militar Estadual (e veja, somente a estadual, podendo, em nosso entender, ser ampliada para a do DF e Territórios), através de seus juízes de direito togados (e não pelos Conselhos, como se verá), passou a ter competência para julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, portanto, de natureza civil, e não mais exclusivamente penal, como acontecia antes da Reforma.

As demais, Federal, Eleitoral, Estaduais e a do Distrito Federal e Territórios, têm tanto competência penal como civil.

11.6.4. Juizados Especiais: algumas particularidades

11.6.4.1. Não cabimento de Recurso Especial para o STJ e o cabimento de Rcl

A Lei n. 12.153, de 22.12.2009, dispôs sobre os Juizados da Fazenda Pública.34

Assim, o sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal passou a ser formado pelos:

Juizados Especiais Cíveis;

Juizados Especiais Criminais;

Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Em se tratando de Juizados Especiais, de acordo com a lei, o segundo grau de jurisdição é exercido pelas Turmas Recursais, compostas por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado (Colégio Recursal) (cf. arts. 41, § 1.º, e 82 da Lei n. 9.099/95).

A Lei n. 12.153/2009 não inova em relação a essa regra, estabelecendo, nos termos de seu art. 17, que as Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais são compostas por juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, na forma da legislação dos Estados e do Distrito Federal, com mandato de 2 anos, e integradas, preferencialmente, por juízes do Sistema dos Juizados Especiais. A designação dos juízes das Turmas Recursais obedecerá aos critérios de antiguidade e merecimento, não sendo permitida a recondução, salvo quando não houver outro juiz na sede da Turma Recursal.­

Por sua vez, a Lei n. 12.665/2012 dispôs sobre a criação de estrutura permanente para as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, criando os respectivos cargos. De acordo com o seu art. 2.º, as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais das Seções Judiciárias são formadas, cada uma, por 3 juízes federais titulares dos cargos de Juiz Federal de Turmas Recursais e por 1 juiz suplente.

Mais tecnicamente, poderíamos dizer que as Turmas Recursais funcionam como segunda instância recursal, podendo ser enquadradas como órgãos colegiados de primeiro grau.

Assim, como não se trata de Tribunal, mas de Turma Recursal, o STJ firmou o seguinte entendimento na Súmula 203: “não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais”.

Isso porque o art. 105, III, da CF/88 confere competência para o STJ julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos TRFs ou pelos TJs dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, não fazendo menção às causas decididas pelas Turmas de Colégio Recursal, que diferem dos TRFs e TJs.

Avançando, apesar de não caber recurso especial, os Ministros do STF, no julga­men­to dos EDcl no RE 571.572-8/BA, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 14.09.2009, en­tenderam que cabe reclamação, com fundamento no art. 105, I, “f”, para o STJ, quan­do a decisão de Turma Recursal de Juizados Estaduais violar a interpretação da legislação infraconstitucional federal dada pela jurisprudência do STJ (cf. Inf. 557/STF).

Alerta-se que, no âmbito dos juizados estaduais, ainda não foi criada a Turma de Uniformização da Jurisprudência, prevista no PL n. 16/2007-CD, realidade, por outro lado, para o âmbito dos Juizados Federais (Lei n. 10.259/2001, inclusive com recurso para a referida Corte — art. 14, § 4.º) e, agora, dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (arts. 18 e 19 da Lei n. 12.153/2009).

Outro entendimento, segundo a Min. Ellen Gracie, levaria a decisões divergentes das proferidas pelo STJ, provocando verdadeira insegurança jurídica e prestação jurisdicional incompleta.

Nesse sentido, o STJ, em um primeiro momento, editou a Resolução n. 12/2009, dispondo, em seu art. 1.º, que as reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do STJ, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil (“julgamento por amostragem”) serão oferecidas no prazo de 15 dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo.

Essa resolução foi expressamente revogada pela Emenda Regimental n. 22, de 16.03.2016, considerando o fluxo volumoso de Reclamações no STJ envolvendo Juizados Especiais e a decisão da Corte Especial na Questão de Ordem proferida nos autos do AgRg na Rcl n. 18.506/SP.

Assim, o tema passou a ser regulamentado pela Res. n. 3, de 07.04.2016, nos seguintes termos: “caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do STJ, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes”.

11.6.4.2. Cabimento de RE para o STF

Apesar de não caber recurso especial para o STJ, o STF editou a Súmula 640, afirmando a possibilidade do RE: “é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.

Perceba que o art. 102, III, diferentemente do art. 105, III, fala em “causa decidida”, e não em “causa decidida por tribunal”. Assim, englobadas estão as causas decididas por Turma de Colégio Recursal.

Devemos alertar, contudo, que o Plenário Virtual do STF, em 19.03.2015, no julgamento de 3 recursos extraordinários com agravo (ARE 835.833 — responsabilidade pelo inadimplemento de obrigação em contrato privado; ARE 837.318 — revisão contratual; e ARE 836.819 — indenização decorrente de acidente de trânsito), estabeleceu entendimento bastante restritivo para o conhecimento de recursos extraordinários contra decisões de juizados especiais cíveis estaduais. Vejamos a ementa de um desses julgados e que serviu de base para a explicitação da orientação da Corte em relação ao instituto da repercussão geral em recursos dessa natureza (conforme destacou o Min. Teori Zavascki, até 2014, apesar do alto número de REs interpostos, apenas 9 tiveram a repercussão geral reconhecida):

“EMENTA: 1. Como é da própria essência e natureza dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais previstos na Lei 9.099/95, as causas de sua competência decorrem de controvérsias fundadas em relações de direito privado, revestidas de simplicidade fática e jurídica, ensejando pronta solução na instância ordinária. Apenas excepcionalmente essas causas são resolvidas mediante aplicação direta de preceitos normativos constitucionais. E mesmo quando isso ocorre, são incomuns e improváveis as situações em que a questão constitucional debatida contenha o requisito da repercussão geral de que tratam o art. 102, § 3.º, da Constituição (...). 2. Por isso mesmo, os recursos extraordinários interpostos em causas processadas perante os Juizados Especiais Cíveis da Lei 9.099/95 somente podem ser admitidos quando (a) for demonstrado o prequestionamento de matéria constitucional envolvida diretamente na demanda e (b) o requisito da repercussão geral estiver justificado com indicação detalhada das circunstâncias concretas e dos dados objetivos que evidenciem, no caso examinado, a relevância econômica, política, social ou jurídica. 3. À falta dessa adequada justificação, aplicam-se ao recurso extraordinário interposto nas causas de Juizados Especiais Estaduais Cíveis da Lei 9.099/95 os efeitos da ausência de repercussão geral...” (ARE 835.833, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 19.03.2015, Plenário, DJE de 26.03.2015).

11.6.4.3. Cabimento de HC e MS contra ato de juizado especial — superação da S. 690/STF

O STF editou, em sessão plenária de 24.09.2003, a Súmula 690: “compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais”.

CUIDADO: em novo julgamento, o STF entendeu por superada a Súmula 690, definindo a competência do TJ local na hipótese de habeas corpus contra decisão de turma recursal.

Em relação a este último entendimento firmado na S. 690 do STF, o Ministro Marco Aurélio já havia suscitado questão de ordem no julgamento do HC 83.228, no sentido de saber se ainda prevalecia tendo em vista a redação conferida ao art. 102, I, “i”, pela EC n. 22/99, que fala em ato de “Tribunal Superior”. Tinha, pois, por superado o entendimento, no que foi acompanhado pelo Ministro Carlos Velloso. Em um primeiro momento, o STF, por maioria, julgou válida a interpretação fixada na S. 690 e conheceu do habeas corpus (cf. Infs. STF ns. 327 e 394 e Notícias STF, 1.º.08.2005).

Contudo, em nova e posterior manifestação sobre a matéria, o STF, finalmente, concluiu por superada a tese fixada no enunciado da Súmula 690.

Trata-se do julgamento do HC 86.834, em 23.08.2006, no qual, por 8 x 3, o STF, aderindo à tese, então vencida do Min. Marco Aurélio, decidiu como competente­ o TJ local para o julgamento de habeas corpus contra decisão de Turma Recursal.

“(...) Entendeu-se que, em razão de competir aos tribunais de justiça o processo e julgamento dos juízes estaduais nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (CF, art. 96, III), a eles deve caber o julgamento de habeas corpus impetrado contra ato de turma recursal de juizado especial criminal. Asseverou-se que, em reforço a esse entendimento, tem-se que a competência originária e recursal do STF está prevista na própria Constituição, inexistindo preceito que delas trate que leve à conclusão de competir ao Supremo a apreciação de habeas corpus ajuizados contra atos de turmas recursais criminais. Considerou-se que a EC n. 22/99 explicitou, relativamente à alínea ‘i’ do inciso I do art. 102 da CF, que cumpre ao Supremo julgar os habeas corpus quando o coator for tribunal superior, constituindo paradoxo admitir-se também sua competência quando se tratar de ato de turma recursal criminal, cujos integrantes sequer compõem tribunal...” (HC 86.834/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 23.08.2006, Inf. 437/STF).35

Essa nova orientação, no que respeita ao habeas corpus (e observa-se que o STF decidia apenas em relação ao habeas corpus, não chegando a analisar, no precedente citado, a hipótese do mandado de segurança), está, de vez, pacificada, destacando-se, por exemplo, as decisões tomadas, monocraticamente, pelo Ministro Gilmar Mendes, nos Habeas Corpus ns. 87.835, 89.432, 89.460 e 89.495, declinando competência para o Tribunal de Justiça; bem como julgamento proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa, ao determinar a remessa do HC 89.923 para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Confira, ainda, no mesmo sentido: HC 85.240, Rel. Min. Carlos Britto, j. 14.02.2008, DJE de 19.09.2008; HC 86.026-QO, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.09.2006, DJ de 20.10.2006; HC 89.630-MC/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.09.2006; e, mais recentemente, HC 101.014-MC/MG, Rel. Min. Celso de Mello, j. 07.10.2009, bem como HC 104.893, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento monocrático em 06.08.2010.

E como fica a solução para o julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato dos juízes dos Juizados Especiais cíveis (1.ª instância e Turma Recursal)?

Em determinado julgado, o STF decidiu, diferentemente do que fora firmado em relação ao habeas corpus, tendo por base o art. 21, VI, da LC n. 35/79 (LOMAN — Lei Orgânica da Magistratura Nacional), ser competente a própria Turma Recursal de Juizado Especial para o julgamento de mandado de segurança impetrado contra seus atos, afastando-se a alegada competência originária da Suprema Corte para o julgamento do writ, bem como a do Tribunal de Justiça (adotando-se, assim, regra distinta da fixada para o habeas corpus (MS 24.691-QO/MG, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, 04.12.2003, Inf. 332/STF). Nesse sentido:

“EMENTA: Competência: Turma Recursal dos Juizados Especiais: mandado de segurança contra seus próprios atos e decisões: aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN. A competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada a Turma Recursal dos Juizados Especiais é dela mesma e não do Supremo Tribunal Federal” (MS-QO 24.691/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 24.06.2005)

Esse entendimento em relação ao mandado de segurança, por unanimidade, veio a ser reafirmado pelo Pleno do STF:

“EMENTA: As turmas recursais são órgãos recursais ordinários de última instância relativamente às decisões dos juizados especiais, de forma que os juízes dos juizados especiais estão a elas vinculados no que concerne ao reexame de seus julgados. Competente a turma recursal para processar e julgar recursos contra decisões de primeiro grau, também o é para processar e julgar o mandado de segurança substitutivo de recurso. Primazia da simplificação do processo judicial e do princípio da razoável duração do processo” (RE 586.789, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 16.11.2011, Plenário, DJE de 27.02.2012).

O art. 21, VI, da LC n. 35/79 (LOMAN) estabelece ser competência privativa dos “Tribunais” julgar, originariamente, os mandados de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções.

Assim, o precedente para o mandado de segurança se funda na interpretação dada ao art. 21, VI, da LOMAN. E percebam que o dispositivo legal se refere apenas ao MS, e não ao HC, motivo pelo qual surgiram regras distintas para cada remédio constitucional.

No STJ, a Min. Maria Thereza de Assis Moura assim se posicionou (CC 38.020/STJ): “Na questão de ordem supracitada, o entendimento vencedor considerou que, mesmo estando os membros das Turmas Recursais subordinados administrativamente ao Tribunal respectivo, elas devem ser consideradas como órgãos independentes e de segundo grau de jurisdição. Desta forma, o vínculo administrativo não define a competência do Tribunal para o julgamento do mandado de segurança impetrado contra ato de magistrado que atua em Turma Recursal. Pelo contrário, por serem as Turmas Recursais funcionalmente independentes dos Tribunais, a solução foi dada pela interpretação analógica do art. 21, inciso VI, da Lei Complementar n. 35/79, in verbis: Art. 21 — Compete aos Tribunais, privativamente: (...) VI — julgar, originariamente, os mandados de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções”.

Essa interpretação foi mantida no julgamento do MS 25.087 ED/SP-STF, Rel. Min. Carlos Britto, 21.09.2006 (Inf. 441/STF), determinando a Suprema Corte o encaminhamento dos autos para o tribunal competente, no caso, a Turma Recursal (mudando, inclusive, a jurisprudência que, até então, não acolhia a necessidade de indicar o órgão julgador competente).

Pode-se afirmar, portanto, que o STF não tem competência originária para o julgamento de MS contra ato dos juízes dos Juizados ou das Turmas dos Colégios Recursais dos Juizados Especiais, sobretudo em razão da regra do art. 102, I, “d”, que prevê a competência originária do STF somente contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal.36 A competência, como já decidido, para o mandado de segurança (e, insisto, segundo o STF, apenas para o MS, já que a regra do HC é outra, no caso, o TJ) será da própria Turma Recursal. Confira:

“EMENTA: COMPETÊNCIA — MANDADO DE SEGURANÇA — ATO DE TURMA RECURSAL. O julgamento do mandado de segurança contra ato de Turma Recursal cabe à própria Turma, não havendo campo para atuação quer de Tribunal de Justiça, quer do Superior Tribunal de Justiça. Precedente: Questão de Ordem no Mandado de Segurança n. 24.691/MG, Plenário, 4 de dezembro de 2003, redator do acórdão Ministro Sepúlveda Pertence...” (AI 666.523 AgR/BA, Rel. Min. Lewandowski, Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, j. 26.10.2010, 1.ª Turma, DJe de 02.12.2010).

E pacífica é a jurisprudência do STJ, materializada na S. 376, editada pela Corte Especial, em 18.03.2009, e que tem o seguinte teor: “compete a Tur­ma Recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”, e, analisando os precedentes, mesmo se o ato coator tiver sido praticado por Juiz da Turma Recursal (cf., no STJ, CC n. 38.020 ou CC n. 39.950). Prevalece, dessa forma, a regra fixada no art. 21, VI, da LOMAN, conforme indicado acima.

O STJ firmou entendimento flexibilizando a regra contida na citada S. 376, na hipótese de discussão não sobre o mérito da decisão proferida pela Turma Recursal, mas sobre a competência dos Juizados, quando, então, o conflito seria resolvido pelo TJ (cf. CC 39.950/BA, Corte Especial, Rel. Min. Castro Filho, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, DJe de 06.03.2008 e, seguindo essa mesma linha, por exemplo, o RMS 30.170/SC, 3.ª Turma, j. 05.10.2010, Rel. Min. Nancy Andrighi).

CUIDADO: esse entendimento foi expressamente afastado pela 1.ª Turma do STF no julgamento do AI 666.523 AgR/BA, em 26.10.2010, quando, então, de acordo com a ementa citada acima, pacificou-se no STF que a competência será sempre da própria Turma Recursal para julgar mandado de segurança.

Contudo, com o máximo respeito, avançando a regra fixada no MS 24.691 e agora à luz da tese adotada no HC 86.834, não temos por coerente o julgamento de mandado de segurança contra ato de Turma Recursal pela própria Turma Recursal, pelo menos, ao que parece, seguindo o mesmo entendimento do HC 86.834.

Não é pelo fato de ser MS que o entendimento deva ser diferente do HC, com base, simplesmente, no art. 21, VI, da LOMAN. Ambas são ações constitucionais e buscam o seu fundamento diretamente na Constituição, no caso, para nós, no art. 96, III, e na inexistência de previsão específica para outro Tribunal.

A nosso ver a melhor interpretação é aquela que entende ser competente para o julgamento de mandado de segurança contra ato de juiz de direito do Juizado a Turma do Colégio Recursal. Todavia, contra atos ou decisões das Turmas dos Colégios Recursais dos Juizados Especiais, a competência para o julgamento do MS (e não se está falando em recurso contra o julgamento da Turma Recursal), assim como para o julgamento do HC e desde que originária, seria do TJ local.37

CUIDADO: essa nossa proposta, em relação ao mandado de segurança, não foi acolhida nem pelo STF nem pelo STJ. Portanto, para as provas de concursos, adotar o entendimento de que a competência para o julgamento do MS é da própria Turma Recursal. Apenas na hipótese de HC é que a competência para o julgamento de ato de Turma Recursal seria do TJ.

Proposta de esquematização da matéria em relação aos Juizados:

S. 203/STJ — “não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais”. Trata-se, no caso, de decisões das Turmas de Colégio Recursal, que, por não serem Tribunais, não encontram guarida na regra contida no art. 105, III, da CF/88. Cabe, no entanto, até que seja aprovado o PL 16/2007-CD, conforme definiu o STF (RE 571.572), reclamação, com fundamento no art. 105, I, “f”, para o STJ, quando a decisão de Turma Recursal de Juizados Estaduais violar a interpretação da legislação infraconstitucional federal dada pela jurispru­dência do STJ;

de decisão de Turma de Colégio Recursal pode caber tanto o HC para o TJ local como, na mesma linha e como interpretamos (vide ressalva abaixo), MS a ser julgado pelo TJ local (competência originária). Trata-se de interpretação ampla da regra geral de que o TJ local julga ato de juízes de direito e com fundamento no art. 96, III, da CF/88. Nesse sentido, na medida em que a Turma Recursal é composta por juízes de direito, constituindo-se, assim, Órgão Colegiado, justificada está a competência (originária) para o TJ local. CUIDADO: esse entendimento em relação ao mandado de segurança contraria a S. 376/STJ, bem como o posicionamento do STF, que indicam, como órgão competente, a própria Turma Recursal para o julgamento do mandado de segurança. Assim, em relação ao habeas corpus, segundo o STF, a competência para julgar ato da Turma Recursal seria do TJ (cf. HC 86.834). Contudo, em se tratando de mandado de segurança, a competência é da própria Turma Recursal (cf. MS-QO 24.691/MG — sendo esse o entendimento a ser adotado nas provas de concursos);

de acórdão do TJ local, se adotarmos o posicionamento fixado no referido HC, na hipótese de habeas corpus decidido em única instância (competência originária, já que o ato atacado é de Turma Recursal, e não em grau de recurso), nos termos do art. 105, II, “a”, da CF/88, caberá ROC — Recurso Ordinário Constitucional para o STJ, quando denegatória a decisão;

de acórdão do TJ local, na hipótese de mandado de segurança decidido em única instância (competência originária), e aceita a nossa interpretação no sentido da competência do TJ local — lembrando que não é essa a adotada pelo STF, nos termos do art. 105, II, “b”, da CF/88 —, caberá ROC — Recurso Ordinário Constitucional para o STJ, quando denegatória a decisão;

na medida em que a orientação adotada pelo STF na hipótese de mandado de segurança é a competência da própria Turma Recursal, caberá, no máximo, recurso extraordinário para o STF ou, enquanto não aprovado o PL n. 16/2007-CD, citado acima, eventualmente, reclamação para o STJ;

S. 640: “é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”. Assim, não confundir RE com as ações constitucionais de MS e HC tratadas nos itens anteriores (ver perspectiva restritiva de cabimento indicada no item 11.6.4.2 para o conhecimento de recursos extraordinários contra decisões de juizados especiais cíveis estaduais);

contra ato dos Juízes de Direito dos Juizados Especiais (juízos de primeira instância), caberá HC ou MS para a Turma Recursal. Nesse sentido, destacamos o Enunciado n. 62 do XV Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil (26 a 28.05.2004, Florianópolis — SC): “Cabe exclusivamente às Turmas Recursais conhecer e julgar o mandado de segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos judiciais oriundos dos Juizados Especiais”, assim como a citada S. 376/STJ;

a mesma interpretação deve ser feita para o julgamento de MS e HC em relação aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal (Lei n. 10.259/2001), destacando que o julgamento de atos das Turmas Recursais, no caso o habeas corpus, será realizado não pelo TJ local, mas pelo TRF competente. No caso de mandado de segurança, conforme vimos e com as discussões que propusemos, o entendimento é o de que seria competente a própria Turma Recursal. Finalmente, em igual sentido, contra ato do Juiz do Juizado Especial Federal poderá caber MS ou HC para a Turma Recursal Federal;

UM ALERTA: de acordo com a jurisprudência do STF (e contra o nosso entendimento), não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei n. 9.099/95. Isso porque, justificou-se, “a Lei 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do CPC (a decisão foi proferida à luz do CPC/73), sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do mandado de segurança. Não há afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5.º, LV, da CB), uma vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição de recurso inominado”.38

11.6.4.4. Ação de indenização em razão do fumo: incompetência dos Juizados — complexidade da causa

O STF analisou pedido de indenização formulado por ex-fumante que alegava ter fumado cigarros por aproximadamente 44 anos, tornando-se dependente do produto, criticando, inclusive, a propaganda, que seria enganosa.

O Plenário do STF, por votação unânime, entendeu que os juizados especiais não seriam competentes para a análise da demanda, tendo em vista a complexidade da causa, embora o valor formulado não ultrapassasse o “teto” dos juizados.

Como se sabe, o art. 98, I, CF/88, estabelece que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução, além das infrações penais de menor potencial ofensivo, das causas cíveis de menor complexidade. Nesse sentido:

“A excludente da competência dos juizados especiais — complexidade da controvérsia (art. 98 da CF) — há de ser sopesada em face das causas de pedir constantes da inicial, observando-se, em passo seguinte, a defesa apresentada pela parte acionada. Competência. Ação indenizatória. Fumo. Dependência. Tratamento. Ante as balizas objetivas do conflito de interesses, a direcionarem a indagação técnico-pericial, surge complexidade a afastar a competência dos juizados especiais” (RE 537.427, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 14.04.2011, Plenário, DJE de 17.08.2011).

11.6.4.5. Juizados e a Lei Maria da Penha

De modo específico, a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), além de outras providências, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, dispondo sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como alterando o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal.

O STF, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, em 09.02.2012, julgou procedente a ADC 19 para declarar, dentre outros, a constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), tendo por fundamento o princípio da igualdade e da proporcionalidade, bem como o combate ao desprezo às famílias, sendo considerada a mulher a sua célula básica.

Assim, aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Assim, conforme anotou o Min. Fux em seu voto, “ao suposto ofensor, não serão conferidos os institutos da suspensão condicional do processo, da transação penal e da composição civil dos danos” (cf. item 19.9.5).

11.6.5. Organograma do Poder Judiciário39

Cap11_Figura02

11.7. A REGRA DO “QUINTO CONSTITUCIONAL”

O art. 94 da CF/88 estabelece que 1/5 (20%) dos lugares dos TRFs, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de 10 anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.40

Apesar de o art. 94 só se referir explicitamente aos tribunais acima mencionados, a “regra do quinto” está prevista, também, para os tribunais do trabalho41 (arts. 111-A, I; 115, I) e o seu procedimento orienta a composição do STJ (art. 104, parágrafo único, lembrando a particularidade de que, nesse caso, os advogados e membros do Ministério Público representam 1/3, e não 1/5, do Tribunal. Explicitando, a indicação é que se dá na forma da “regra do quinto”, e não a quantidade de Ministros provenientes da advocacia e do Ministério Público que, no caso, implementa-se, se é que assim podemos denominar, de acordo com uma particular regra do “terço” — cf. item 11.8.2).

Está errado, portanto, dizer que todos os tribunais brasileiros devam observar a regra do “quinto” (seja o seu procedimento ou mesmo a quantidade de 20% dos integrantes provenientes da advocacia e do MP), pois, como será estudado no item 11.8, os outros tribunais não listados acima têm um procedimento próprio de composição.

procedimento: os órgãos de representação das classes dos advogados42 e Ministério Público43 elaboram lista sêxtupla, ou seja, indicam 6 nomes que preencham os requisitos acima citados. Recebidas as indicações, o tribunal para o qual foram indicados forma lista tríplice (escolhe 3 dos 6). Nos 20 dias subsequentes, o Chefe do Executivo (em se tratando de Tribunal Estadual, o Governador de Estado; na hipótese do TJ do DF e Territórios, o Presidente da República, e para indicação ao TRF, também o Presidente da República) escolherá 1 dos 3 para nomeação.

Não nos parece possam as Constituições estaduais estabelecer outras formalidades além das já expressamente previstas no art. 94 da CF, por exemplo, a necessidade de aprovação do escolhido pelo Chefe do Executivo pela “maioria absoluta da Assembleia Legislativa do Estado”, conforme estabeleceu o parágrafo único do art. 63 da CE/SP, na redação determinada pela EC n. 25/2008.

O procedimento é bem simples e está regulamentado de modo exaustivo pelo art. 94, CF/88: a escolha pelo órgão de classe de 6 nomes que preencham os requisitos constitucionais (lista sêxtupla); formação de lista tríplice pelo tribunal (Judiciário) e, dentre os 3, escolha de 1 pelo Executivo para nomeação, sem que o nome escolhido (pelo Executivo) tenha de passar por qualquer outro procedimento, como a eventual sabatina do Legislativo (que não participa do processo de escolha), não se aplicando, assim, o art. 52, III, da CF à regra do “quinto”, nem mesmo por analogia.44

Duas importantes questões já foram decididas pelo STF:

na hipótese de não existirem membros do MP que preencham os requisitos constitucionais, como compor a lista sêxtupla? “Seria possível compor ou complementar a lista sêxtupla com membros do Ministério Público que ainda não tenham completado 10 anos na carreira?”

O STF entendeu que SIM, no julgamento da ADI 1.289-EI, declarando a constitucionalidade do item IV da Decisão Normativa do CSMPT, tomada na 4.ª Reunião Ordinária, em 23.10.1993, que autoriza a complementação das listas de candidatos ao preenchimento dos cargos de juiz dos TRTs (veja composição do TRT no item 11.8.4.2 seguinte) com os candidatos que tenham tempo inferior a dez anos na hipótese de inexistência de pelo menos seis candidatos com esse requisito temporal.45

e se a lista sêxtupla apresentada contiver nomes que não preenchem os requisitos constitucionais?

O texto de 1988, em relação aos anteriores, inova ao transferir a escolha originária dos nomes, que era dos tribunais, para os órgãos de classe. Como visto, o Tribunal limita-se a reduzir a lista de 6 nomes para 3 e, assim, reduzido ao universo já trazido pelo órgão de classe, encaminhar para o Executivo, que reduzirá de 3 para 1.

Diferentemente da situação particular descrita no julgamento da ADI 1.289-EI, que analisou a inexistência, em dado momento, de integrantes do MP com mais de 10 anos de carreira, indagamos: e se o Tribunal entender que um ou mais nomes da lista sêxtupla encaminhada pelo órgão de classe não preenchem os requisitos constitucionais, como o notório saber jurídico e a reputação ilibada?

Entregar lista com nome de pessoa que não preenche os requisitos do art. 94 é o mesmo que entregar lista incompleta, com menos de 6 nomes.

Nesses termos, o STF entendeu que o Tribunal pode recusar a lista sêxtupla “... desde que fundada a recusa em razões objetivas, declinadas na motivação da deliberação do órgão competente do colegiado judiciário. Nessa hipótese ao Tribunal envolvido jamais se há de reconhecer o poder de substituir a lista sêxtupla encaminhada pela respectiva entidade de classe por outra lista sêxtupla que o próprio órgão judicial componha, ainda que constituída por advogados componentes de sextetos eleitos pela Ordem para vagas diferentes. A solução harmônica à Constituição é a devolução motivada da lista sêxtupla à corporação da qual emanada, para que a refaça, total ou parcialmente, conforme o número de candidatos desqualificados: dissentindo a entidade de classe, a ela restará questionar em juízo, na via processual adequada, a rejeição parcial ou total do tribunal competente às suas indicações” (MS 25.624, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 06.09.2006, DJ de 19.12.2006).46

Nessa linha, a Corte entendeu como justificada a recusa, pelo TJ/SP, de lista sêxtupla encaminhada pela OAB/SP em relação a 2 advogados: a) um respondia a processo criminal; b) o outro não teria notável saber jurídico, já que havia sido repro­vado em 10 concursos para a Magistratura (Rcl 5.413, Rel. Min. Menezes Direito, j. 10.04.2008, DJE de 23.05.2008).

11.8. Características gerais dos órgãos do Poder Judiciário

11.8.1. Supremo Tribunal Federal (STF)

11.8.1.1. STF — aspectos históricos47

NOMENCLATURA

MOMENTO HISTÓRICO PREPONDERANTE

PERÍODO DE ATIVIDADES

Casa da Suplicação do Brasil

Fase colonial

10.05.1808 até 08.01.1829

Supremo Tribunal de Justiça

Império

09.01.1829 até 27.02.1891

Supremo Tribunal Federal

República

28.02.1891 até os dias atuais

 

DISPOSITIVO

NOMENCLATURA

INTEGRANTES

REQUISITOS

ALVARÁ RÉGIO DE 1808

item IV

Casa da Suplicação do Brasil

2347

não há previsão explícita na Constituição de requisitos para investidura

CONSTITUIÇÃO DE 1824

art. 163

Supremo Tribunal de Justiça

não houve previsão na Constituição

a Lei de 18.09.1828 fixou em 17 Juízes Letrados

“Juízes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Título do Conselho.” Não havia previsão de prévia aprovação pelo Senado

CONSTITUIÇÃO DE 1891

art. 56

Supremo Tribunal Federal

15 Juízes

o Decreto n. 19.656/31 reduziu para 11 o número de integrantes

cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado, devendo haver aprovação por este órgão. Durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas (03.11.1930 a 20.07.1934), os Ministros foram nomeados sem a prévia aprovação do Senado

CONSTITUIÇÃO DE 1934

art. 73

Corte Suprema

11 Ministros, podendo esse número ser elevado por lei até 16

brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada alistados eleitores, não devendo ter, salvo os magistrados, menos de 35, nem mais de 65 anos de idade, com aprovação do Senado Federal

CONSTITUIÇÃO DE 1937

art. 97

Supremo Tribunal Federal

11 Ministros, podendo esse número ser elevado por lei até 16

brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada, não devendo ter menos de 35, nem mais de 58 anos de idade, com aprovação do Conselho Federal. Não havia previsão de aprovação pelo Senado. Assim, vários Ministros foram nomeados sem esse importante controle político

CONSTITUIÇÃO DE 1946

art. 98

Supremo Tribunal Federal

11 Ministros, podendo esse número ser elevado por lei

AI n. 2/65 elevou para 16

brasileiros (art. 129, ns. I e II — natos, acrescente-se), maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, devendo haver aprovação pelo Senado Federal

CONSTITUIÇÃO DE 1967

art. 113

Supremo Tribunal Federal

16 Ministros

esse número foi reduzido para 11 Ministros, de acordo com o AI n. 6/69

brasileiros natos, maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, devendo haver aprovação pelo Senado Federal

EC N. 1/69

art. 118

Supremo Tribunal Federal

11 Ministros

maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, devendo haver aprovação pelo Senado Federal

CONSTITUIÇÃO DE 1988

art. 101, caput

Supremo Tribunal Federal

11 Ministros

cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, devendo haver aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal

Antes da vinda da família real para o Brasil, esclarece o Conselheiro Ribas, “competia à Casa de Suplicação (de Lisboa, acrescente-se) interpretar as ordenações, e leis por meio de assentos com força obrigatória. Estes assentos eram tomados na mesa grande por ocasião de dúvida proposta por alguns dos desembargadores, juízes da causa, ou por glosa do chanceler, por entender que a sentença infringia expressamente as ordenações ou o direito”.48

Passando D. João a residir no Brasil (tendo em vista a transferência da família real em razão da invasão das terras portuguesas por tropas napoleônicas) e, na medida em que, diante dessa situação, encontrava-se interrompida a comunicação com Portugal, o Príncipe Regente, mediante Alvará Régio de 10.05.1808, institui a “Casa da Suplicação do Brasil”, que se caracterizou como o primeiro órgão de cúpula da Justiça no Brasil, marca da fase colonial.49

Durante o regime monárquico, a Lei de 18.09.1828 criou o Supremo Tribunal de Justiça (09.01.1829-27.02.1891), cumprindo a previsão contida no art. 163 da Constituição de 1824, que sucedeu à Casa da Suplicação do Brasil.

Em seguida, editado pelo Governo Provisório da República, o Decreto n. 848, de 11.10.1890, organizou o Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Judi­ciário, nos termos dos arts. 55 e 56 da Constituição Republicana de 1891, efetivamente instalado em 28.02.1891.

A Constituição de 1934, por sua vez, alterou a denominação para Corte Suprema. A Carta de 1937 retomou a designação Supremo Tribunal Federal (STF), mantida em todas as Constituições que seguiram, inclusive na de 1988.

Finalmente, nessa escalada evolutiva, a Constituição da República de 1988 instituiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), instalado em 07.04.1989 (Lei n. 7.746/89), reservando ao STF a posição de órgão de cúpula de todo o Judiciário e, especialmente, de guarda e defesa da Constituição.50

11.8.1.2. STF — regras gerais

composição: 11 Ministros;

investidura: o Presidente da República escolhe e indica o nome para compor o STF, devendo ser aprovado pelo Senado Federal, pela maioria absoluta (sabatina no Senado Federal).51 Aprovado, passa-se à nomeação, momento em que o Ministro é vitaliciado;

requisitos para ocupar o cargo de Ministro do STF: a) ser brasileiro nato (art. 12, § 3.º, IV); b) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade (art. 101); c) ser cidadão (art. 101, estando no pleno gozo dos direitos políticos); d) ter notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101);

tem de ser jurista o Ministro do STF?: o art. 56 da Constituição de 1891 falava somente em notável saber, sem qualificá-lo. A Constituição de 1934 (art. 74) passou a qualificar o notável saber de jurídico. Diante da permissão da Constituição de 1891, o STF já chegou a ter Ministro que não era jurista, vale lembrar o médico Candido Barata Ribeiro, nomeado pelo Presidente Floriano Peixoto, por decreto de 23.10.1893, em razão da vaga ocorrida com o falecimento do Barão de Sobral, tomando posse em 25.11.1893.

O Senado da República, contudo, em sessão secreta de 24.09.1894, negou a aprovação do nome de Barata Ribeiro, nos termos do Parecer da Comissão de Justiça e Legislação, que considerou desatendido o requisito de “notável saber jurídico” (DCN de 27.09.1894, p. 1136). Assim, Barata Ribeiro deixa o cargo de Ministro do STF em 29.09.1894, tendo ficado por pouco mais de 10 meses (o Ministro que por menos tempo permaneceu no STF [República], só “perdendo” para o Ministro Herculano de Freitas, que permaneceu por 3 meses e 16 dias).

Portanto, atualmente e desde o parecer de João Barbalho, de 1894, passou-se a entender que todo Ministro do STF terá de ser, necessariamente, jurista, tendo cursado a faculdade de direito.52

competências do STF: a) originária (art. 102, I, “a” a “r”);53 b) recursal ordinária (art. 102, II); e c) recursal extraordinária (art. 102, III).

O STF reconheceu o princípio da reserva constitucional de competência originária e, assim, toda a atribuição do STF está explicitada, taxativamente, no art. 102, I, da CF/88.54

Ainda, na hipótese de o STF não conhecer a sua competência originária, deverá, nos termos do art. 113, § 2.º, do CPC/73 (com correspondência no art. 64, § 3.º, CPC/2015), e do art. 21, § 1.º, do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental n. 21/2007, indicar o órgão que repute competente para o julgamento do feito ajuizado originariamente, atribuição essa autorizada, inclusive, ao Relator monocraticamente (cf. Pet. 3.986-AgR/TO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25.06.2008, Inf. 512/STF).

11.8.1.3. STF — destaques às novidades trazidas pela EC n. 45/2004 (“Reforma do Judiciário”)

homologação de sentenças estrangeiras e concessão de exequatur às cartas rogatórias: transferência de competência do STF para o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e à concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 102, I, “h”, revogada; art. 105, I, “i”, e art. 9.º da EC n. 45/2004).

nova hipótese de cabimento do RE: ampliação da competência do STF para o julgamento de recurso extraordinário quando julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Muito se questionou sobre essa previsão. Observa-se que está correta, uma vez que, no fundo, quando se questiona a aplicação de lei, tem-se, acima de tudo, conflito de constitucionalidade, já que é a CF que fixa as regras sobre competência legislativa federativa. Por outro lado, quando se questiona a validade de ato de governo local em face de lei federal, estamos, acima de tudo, diante de questão de legalidade a ser enfrentada pelo STJ, como mantido na reforma (arts. 102, III, “d”, e 105, III, “b”).

CNJ e CNMP: em razão da natureza dos institutos e de seus membros, é natural que tenha sido fixada a competência do STF para processar e julgar, originariamente, as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público (art. 102, I, “r”).

repercussão geral: criação do requisito da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para o conhecimento do recurso extraordinário. Essa importante regra vai evitar que o STF julgue brigas particulares de vizinhos, como algumas discussões sobre “assassinato” de papagaio ou “furto” de galinha, já examinadas pela mais alta Corte (art. 102, § 3.º).

A matéria foi regulamentada na Lei n. 11.418, de 19.12.2006.

De fato, trata-se de importante instituto seguindo a tendência a erigir o STF a verdadeira Corte Constitucional e, também, mais uma das técnicas trazidas pela Reforma do Judiciário na tentativa de solucionar a denominada “Crise do STF e da Justiça”.

A técnica funciona como verdadeiro “filtro constitucional”, permitindo que o STF não julgue processos destituídos de repercussão geral, limitando, dessa forma, o acesso ao Tribunal.

A lei estabeleceu um critério objetivo, presumindo-se a repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

Além disso, o art. 543-A, § 1.º, do CPC/73 (art. 1.035, § 1.º, CPC/2015) traz um critério subjetivo ao estabelecer que, para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Trata-se, portanto, de mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário que deverá ser demonstrado pela parte recorrente em preliminar.

Em interessante tendência de aproximação do controle difuso aos efeitos do controle concentrado (influência do Ministro Gilmar Mendes), o art. 543-A, § 5.º, do CPC/73, introduzido pela Lei n. 11.418/2006, dispõe que, sendo negada a existência da repercussão geral (do caso concreto, individualizado), a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (cf. art. 1.035, § 8.º, CPC/2015).

Parece, então, ser mais uma hipótese de súmula impeditiva de recurso, no caso do recurso extraordinário, servindo como “barreira” para o acesso ao STF de todos os casos que tratem da mesma matéria, ou melhor, de recurso com fundamento em idêntica controvérsia.

A possibilidade de manifestação de terceiros estranhos ao processo (amicus curiae), ao “pluralizar o debate constitucional”, confere maior efetividade e legitimação social às decisões erga omnes do STF (na hipótese de impedir o processamento de outros recursos extraordinários sobre a mesma tese).

O reconhecimento da inexistência da repercussão geral terá de ser manifestado por 2/3 dos Ministros do STF (pelo menos 8 dos 11 Ministros).

Antes de se mandar o processo para análise do Pleno, contudo, proceder-se-á a uma verificação prévia da repercussão geral, por uma das Turmas do STF (5 Ministros).

Assim, na dicção do art. 543-A, § 4.º, do CPC/73, se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário e proceder-se-á à análise do mérito do recurso extraordinário (sem correspondência no CPC/2015).

Por outro lado, se entender a Turma, por menos de 4 votos, que o caso concreto apresenta repercussão geral (ou, ainda, se entender, por consequência, que o caso não tem repercussão geral), essa decisão (sobre a eventual inexistência da repercussão geral) caberá ao Pleno do STF, devendo ser suscitado um incidente de análise de repercussão geral, nos termos do Regimento Interno do STF e da Lei n. 11.418/2006, que regulamentou a matéria.

A nosso ver o procedimento deve seguir a linha do incidente de inconstitucionalidade no controle difuso, suscitando-se uma questão de ordem.

Considerando o Pleno que há repercussão geral, ou não, deverá sedimentar a tese em súmula de repercussão geral, que, para nós, deve ser oficialmente estabelecida pelo STF e numerada como um novo instituto para, inclusive, orientar o processamento de recursos extraordinários futuros.

Assim, segundo o art. 543-A, § 7.º, do CPC/73, a súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão (correspondência idêntica no art. 1.035, § 11, CPC/2015).

Por fim, cumpre destacar importante técnica de julgamento por amostragem, sobrestando os demais recursos extraordinários considerados semelhantes.

Isso porque, havendo multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao STF, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte (art. 543-B, § 1.º, do CPC/73 — cf. art. 1.036, § 1.º, CPC/2015).

Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se (perceba-se, assim, o impacto do julgamento do caso individual perante recursos que tenham teses jurídicas já decididas).

Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o STF, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

Sem dúvida, o instituto da repercussão geral vem-se mostrando uma importante técnica na busca de concretizar o princípio da efetividade do processo (art. 5.º, LXXVIII).

Repercussão geral: AI 664.567 (Inf. 472) e RE 579.431 (Inf. 510) — procedimento fixado pelo STF

O STF já estabeleceu alguns procedimentos para a implantação do instituto da repercussão geral, o que passamos a reproduzir:

“A existência da repercussão geral da questão constitucional suscitada é pressuposto de admissibilidade de todos os recursos extraordinários, inclusive em matéria penal”. Assim, embora regulamentado no CPC, o requisito deve ser observado em qualquer RE, tanto em matéria cível como criminal, trabalhista, eleitoral, militar etc.

“Exige-se preliminar formal de repercussão geral, sob pena de não ser admitido o recurso extraordinário”.

Contudo, “... a exigência da demonstração formal e fundamentada no recurso extraordinário da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03.05.2007, data da publicação da Emenda Regimental 21/2007, do RISTF” (Inf. 472/STF), que regulamentou a matéria.55

Se o RE for anterior à data de 03.05.2007, “a possibilidade de devolução fica condicionada ao reconhecimento da presença da repercussão geral da matéria. Negada a repercussão, recusa-se o recurso extraordinário (§ 3.º do art. 102, da Constituição Federal)”.

“A verificação da existência da preliminar formal é de competência concorrente do Tribunal, Turma Recursal ou Turma de Uniformização de origem e do STF”.

“A análise sobre a existência ou não da repercussão geral, inclusive o reconhecimento de presunção legal de repercussão geral, é de competência exclusiva do STF”.

O STF, em importante precedente, regulamentou a aplicação da repercussão geral em relação à jurisprudência já pacificada pela Corte. Nesse sentido, foi “(...) aprovada a proposta de adoção de procedimento específico que autorize a Presidência da Corte a trazer ao Plenário, antes da distribuição do RE, questão de ordem na qual poderá ser reconhecida a repercussão geral da matéria tratada, caso atendidos os pressupostos de relevância. Em seguida, o Tribunal poderá, quanto ao mérito, (a) manifestar-se pela subsistência do entendimento já consolidado ou (b) deliberar pela renovação da discussão do tema. Na primeira hipótese, fica a Presidência autorizada a negar distribuição e a devolver à origem todos os feitos idênticos que chegarem ao STF, para a adoção, pelos órgãos judiciários a quo, dos procedimentos previstos no art. 543-B, § 3.º, do CPC/73. Na segunda situação, o feito deverá ser encaminhado à normal distribuição para que, futuramente, tenha o seu mérito submetido ao crivo do Plenário...” (RE 579.431-QO, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 11.06.2008, DJE de 24.10.2008).

11.8.1.4. STF — procedimento para deliberação e encaminhamento de solicitações de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR)

O sistema de solução de controvérsias no MERCOSUL foi consolidado, em 18.02.2002, com a assinatura do Protocolo de Olivos, que criou o Tribunal Permanente de Revisão (TPR), considerando “a necessidade de garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo do MERCOSUL, de forma consistente e sistemática”.56

De acordo com o art. 4.º do Dec. CMC n. 37/2003, Regulamento do Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias (RPO), as opiniões consultivas poderão ser solicitadas pelos Tribunais Superiores dos Estados-Partes com jurisdição nacional.­

Pois bem, nesse sentido, de maneira bastante interessante, o STF (no caso, o “Tribunal Superior”) regulamentou o procedimento nos termos da Emenda Regimental n. 48/2012, que introduziu o art. 7.º, VIII, bem como os arts. 354-H a 354-M, ao RISTF.

Trata-se de procedimento administrativo, e não jurisdicional, e que poderá ser instaurado pelo juiz da causa ou alguma das partes,57 deixando clara a regra regimental de que a opinião consultiva emitida pelo TPR não terá caráter vinculante nem obrigatório.

A solicitação de opinião consultiva deve originar-se necessariamente de processo em curso perante o Poder Judiciário brasileiro e restringe-se exclusivamente à vigência ou interpretação jurídica do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), das Resoluções do Grupo Mercado Comum (GMC) e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) (art. 354-H, RISTF)

Uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, a solicitação será encaminhada ao Tribunal Permanente de Revisão, com cópia para a Secretaria do Mercosul, e para as demais Cortes Supremas dos Estados Partes do Mercosul (art. 354-L, RISTF).

11.8.2. Superior Tribunal de Justiça (STJ)

composição: pelo menos 33 Ministros (art. 104);

investidura: os Ministros serão escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, após serem sabatinados pelo Senado Federal e aprovados pelo voto da maioria absoluta (art. 104, parágrafo único, com a redação determinada pela EC n. 45/2004), igualando-se ao quorum da sabatina para os Ministros do STF;

requisitos para o cargo: a) ser brasileiro nato ou naturalizado; b) ter mais de 35 e menos de 65 anos; c) ter notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 104);

composição dos Ministros: 1/3 dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais; 1/3 dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça; 1/6 dentre advogados; e 1/6 dentre membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente;

procedimento: no caso dos juízes dos Tribunais Regionais Federais e dos desembargadores dos Tribunais de Justiça, o STJ elaborará lista tríplice, enviando-a ao Presidente da República, que indicará um e o nomeará após aprovação do Senado Federal. No caso dos advogados e membros do Ministério Público, serão eles indicados na forma das regras para o “quinto constitucional”, anteriormente apresentadas, segundo o art. 94 da CF/88, ou seja, o órgão de classe elabora a lista sêxtupla, o STJ escolhe 3 dentre os 6 (lista tríplice) e o Presidente da República escolhe 1 da referida lista formada e o nomeia, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (sabatina). Alertamos que, apesar de se determinar a aplicação da regra do art. 94, o número de Ministros do STJ provenientes da advocacia e do Ministério Público é de 1/3, e não 1/5, do Tribunal. Ou seja, o que se observa é apenas o procedimento de escolha, e não o número (que, no caso, não é de 20%, mas de 1/3, o que poderia, então, nesse aspecto, ser denominado regra do “terço”);

os Ministros oriundos da magistratura (TRFs e TJs) terão de ser egressos da magistratura da carreira? O STF, por maioria de votos, no julgamento da ADI. 4.078, entendeu, em 10.11.2011, que não. Ou seja, o STJ escolherá livremente a lista tríplice e poderá incluir juízes dos TRFs ou TJs que ingressaram em referidos tribunais pela regra do quinto constitucional (art. 94 da CF/88). Isso porque, a partir do momento que um advogado ou um membro do MP são investidos no cargo judiciário pela regra do quinto (no TRF ou no TJ), perdem todos os vínculos que anteriormente tinham, passando, então, à condição de magistrados, podendo, assim, integrar a lista tríplice. A Constituição, também, não fez qualquer distinção entre magistrados dos tribunais oriundos da carreira ou que chegaram ao tribunal pela regra do quinto;58

esquematização (processo de escolha): quadro comparativo STF x STJ

STF (ART. 101)

STJ (ART. 104)

Composição: 11 Ministros

Composição: no mínimo 33 Ministros

• 1/3 dentre juízes dos TRFs;

1/3 dentre desembargadores dos TJs

 

Indicação para escolha: lista tríplice elaborada pelo próprio STJ

 

Indicação para escolha: alternadamente, na forma da regra do “quinto constitucional” — art. 94

1/6 dentre advogados

1/3 1/6 dentre membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente

Escolha e nomeação: Presidente da República

Escolha e nomeação: Presidente da República

Sabatina: Senado Federal — aprovação da escolha pela maioria absoluta

Sabatina: Senado Federal — aprovação da escolha pela maioria absoluta (EC n. 45/2004)

Requisitos para o cargo I: a) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade; b) ter notável saber jurídico e reputação ilibada

Requisitos para o cargo I: a) ter mais de 35 e menos de 65 anos; b)ter notável saber jurídico e reputação ilibada

Requisitos para o cargo II: ser brasileiro nato (art. 12, § 3.º, IV)

Requisitos para o cargo II: ser brasileiro nato ou naturalizado

competência do STJ: a) originária (art. 105, I, “a” até “i”); b) recursal ordinária (art. 105, II); e c) recursal especial (art. 105, III).

Em relação à competência, destacam-se, conforme visto, as novidades introduzidas pela EC n. 45/2004, quais sejam:

a) homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias: a competência passou a ser do STJ, tendo sido a matéria regulamentada na Resolução n. 9, de 04.05.2005/STJ, até que o Plenário da Corte aprove disposições regimentais próprias. Nesse sentido, o art. 960, § 2.º, do CPC/2015 (Novo CPC) estabeleceu que a homologação obedecerá ao que dispuserem os tratados em vigor no Brasil e o RISTJ. Feito o pedido pelas vias diplomáticas, homologada a sentença ou concedido o exequatur pelo STJ, nos termos do art. 109, X, é da competência do Juiz Federal a sua execução;

b) preservação da competência para o julgamento de recurso especial quando a decisão recorrida julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal. Perfeita a preservação dessa competência já que, nessa hipótese, no fundo, estamos diante de questão de legalidade, e não de constitucionalidade.

Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM): a EC n. 45/2004 (art. 105, parágrafo único, I) prescreveu o funcionamento, junto ao STJ, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira. A Escola, com autonomia didática,­ científica, pedagógica, administrativa e financeira, foi instituída, em 30.11.2006, por meio da Resolução n. 3/STJ, alterada pela Resolução n. 5/STJ, de 1.º.07.2008. Nos termos do art. 2.º de referida resolução, destacam-se as seguintes atribuições da Escola:59

a) definir as diretrizes básicas para a formação e o aperfeiçoamento de Magistrados;

b) fomentar pesquisas, estudos e debates sobre temas relevantes para o aprimoramento dos serviços judiciários e da prestação jurisdicional;

c) promover a cooperação com entidades nacionais e estrangeiras ligadas ao ensino, pesquisa e extensão;

d) incentivar o intercâmbio entre a Justiça brasileira e a de outros países;

e) promover, diretamente ou mediante convênio, a realização de cursos relacionados com os objetivos da Enfam, dando ênfase à formação humanística (Resolução n. 5/2008);

f) habilitar e fiscalizar, nos termos dos arts. 93, II, “c”, e IV, e 105, parágrafo único, da Constituição da República, os cursos de formação para ingresso na magistratura e, para fins de vitaliciamento e promoção na carreira, os de aperfeiçoamento (Resolução n. 5/2008);

g) formular sugestões para aperfeiçoar o ordenamento jurídico;

h) definir as diretrizes básicas e os requisitos mínimos para a realização dos concursos públicos de ingresso na magistratura estadual e federal, inclusive regulamentar a realização de exames psicotécnicos (Resolução n. 5/2008). Lembramos que, de acordo com a SV 44, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”;

i) apoiar, inclusive financeiramente, a participação de magistrados em cursos no Brasil ou no exterior indicados pela Enfam (Resolução n. 5/2008);

j) apoiar, inclusive financeiramente, as escolas da magistratura estaduais e federais na realização de cursos de formação e de aperfeiçoamento (Resolução n. 5/2008).

Parágrafo único. A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados gozará de autonomia didática, científica e pedagógica, bem como de autonomia administrativa e financeira, observado o disposto no § 2.º do art. 3.º desta resolução (Resolução n. 5/2008).

A ENFAM “... ocupa-se com a formação intelectual e moral dos juízes, uma formação que compreenda não apenas o entendimento técnico-jurídico, mas também o conhecimento sociológico, humanístico e prático”. Assim, dentre os seus objetivos, destacam-se:

a) provocar melhoria na seleção de novos juízes;

b) promover a atualização constante dos magistrados;

c) proporcionar formação teórica e prática do operador do Direito;

d) aproximar ainda mais o Judiciário da realidade do cidadão;

e) garantir que os magistrados estejam em permanente formação acadêmica e humanística;

f) cooperar com as escolas federais e estaduais da magistratura no oferecimento e execução de treinamentos e cursos;

g) contribuir para que todas as escolas da magistratura tenham padronização mínima, respeitando as peculiaridades e necessidades de cada Região;

h) facilitar a troca de experiências entre as escolas da magistratura e entre os magistrados;

i) buscar práticas de gestão que permitam a socialização de experiências e de problemas vivenciados pelos magistrados” (cf. <www.enfam.stj.jus.br>).

Conselho da Justiça Federal: a EC n. 45/2004 previu, também, o funcionamento, junto ao STJ, do Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo grau, como órgão central do sistema e com poderes correcionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

11.8.3. Tribunais Regionais Federais (TRFs) e Juízes Federais

Organizada em dois graus de jurisdição, a Justiça Federal é composta pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Juízes Federais; sua competência vem estabelecida nos arts. 108 e 109 da CF/88.

composição dos TRFs: no mínimo 7 Juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República, devendo ser observada a regra do “quinto constitucional” do art. 94;

requisitos para o cargo: a) ser brasileiro nato ou naturalizado; b) ter mais de 30 e menos de 65 anos de idade.

Em busca da efetividade do processo e do acesso à ordem jurídica justa, a Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004) previu a instalação da Justiça itinerante e descentralização, nos termos dos §§ 2.º e 3.º do art. 107:

os TRFs instalarão a Justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários;

os TRFs poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases do processo.

Em relação à Justiça Federal, destacamos a federalização de crimes contra direitos humanos, por exemplo, tortura e homicídio praticados por grupos de extermínio, mediante incidente suscitado pelo PGR no STJ objetivando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Busca-se, acima de tudo, adequar o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos (art. 109, V-A, e § 5.º).60

Finalmente, lembramos que a EC n. 73/2013 criou os Tribunais Regionais Federais das 6.ª, 7.ª, 8.ª e 9.ª Regiões, introduzindo o § 11 ao art. 27 do ADCT.

A necessidade de se aumentar por emenda decorre da regra contida no art. 27, § 6.º, do ADCT, que criou, em 1988, os atuais 5 TRFs.

Contra referida emenda, foi ajuizada a ADI 5.017 pela Associação Nacional dos Procuradores Federais (ANPAF) e, em 18.07.2013, o Min. Joaquim Barbosa concedeu liminar, suspendendo os seus efeitos (pendente de apreciação pelo Pleno — cf. discussão no item 9.13.3.3.3).

11.8.4. Tribunais e Juízes do Trabalho de acordo com a EC n. 24/99

Como visto, os órgãos da Justiça do Trabalho são o TST, os TRTs e os Juízes do Trabalho,61 sendo sua competência estabelecida no art. 114, abaixo elencada, lembrando a sua ampla reformulação pela EC n. 45/2004.

11.8.4.1. Tribunal Superior do Trabalho (TST)

A EC n. 92, de 12.07.2016, alterou o art. 92 da Constituição Federal, para explicitar o Tribunal Superior do Trabalho como órgão do Poder Judiciário (inciso II-A), seguindo a mesma lógica da previsão explícita em relação ao STJ.

Vejamos algumas regras relacionadas ao TST:

composição: 27 Ministros togados e vitalícios (art. 111-A, caput, de acordo com a redação dada pela EC n. 45/2004, restabelecendo-se a antiga composição. Como se sabe, a EC n. 24/99 reduziu de 27 para 17 Ministros, acabando com as 10 vagas de Classistas então existentes. A Reforma do Judiciário restabelece a composição, deixando de convocar juízes dos TRTs para atuar como substitutos, prática essa condenável);

estrutura da composição: dos 27 Ministros togados e vitalícios, 1/5 será escolhido dentre advogados com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de 10 anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94; os demais, quais sejam, os 4/5 dos 27 Ministros do TST, serão escolhidos dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da Magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior.

Em relação ao sistema de composição, percebe-se a nítida redução das vagas de Ministros do TST oriundos da advocacia e Ministério Público do Trabalho. E mais, como o restante das vagas é preenchido por juízes dos TRTs oriundos da Magistratura da carreira, isso significa que juízes dos TRTs que subiram pelo quinto não poderão estar entre esses 4/5 de Ministros do TST, já que, repita-se, o texto fala em juízes dos TRTs oriundos da Magistratura da carreira!

requisitos para o cargo: a) ser brasileiro nato ou naturalizado; b) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade; c) possuir notável saber jurídico e reputação ilibada (EC n. 92/2016);

sabatina do Senado Federal: igualando-se ao STF e STJ, a sabatina no Senado passa a ser pela maioria absoluta, e não mais maioria simples ou relativa, sendo os Ministros nomeados pelo Presidente da República;

competência do TST: será fixada por lei, nos termos do art. 111-A, § 1.º. A EC n. 92/2016 explicitou ser competência do TST processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.

Funcionarão junto ao TST:

Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira;

Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo grau, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante. Nos termos do art. 6.º da EC n. 45/2004, referido Conselho será instalado no prazo de 180 dias, cabendo ao Tribunal Superior do Trabalho regulamentar seu funcionamento por resolução, enquanto não promulgada a referida lei.

11.8.4.2. Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs)

Vejamos algumas regras relacionadas ao Tribunal Regional do Trabalho, consoante o fixado pela EC n. 45/2004:

composição: os Tribunais Regionais do Trabalho serão compostos de, no mínimo, 7 juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de 30 e menos de 65 anos;

estrutura da composição: a) 1/5 dentre advogados com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de 10 anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94; b) os demais, vale dizer 4/5, mediante promoção de juízes do trabalho por antiguidade e merecimento, alternadamente.

Em busca da “efetividade do processo” e do “acesso à ordem jurídica justa”, a Reforma do Judiciário estabeleceu que os TRTs instalarão a Justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários, podendo, ainda, funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases do processo (art. 115, §§ 1.º e 2.º).

11.8.4.3. Juízes do trabalho — Varas do Trabalho

Nas Varas do Trabalho, a jurisdição será exercida por um juiz singular.

Por fim, lembramos que as Varas do Trabalho serão instituídas por lei, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho (art. 112 da CF/88, na redação determinada pela EC n. 45/2004).

11.8.4.4. Competências da Justiça do Trabalho

Nos termos do art. 114 da CF/88, introduzido pela EC n. 45/2004, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

as ações que envolvam exercício do direito de greve;

as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”;

as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

O STF já interpretou algumas das novidades introduzidas pela Reforma do Judiciário, motivo pelo qual se mostra importante a sua esquematização:

A) A Justiça do Trabalho não é competente para apreciar as causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo

Conforme alertamos, a AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) ajuizou,­ em 25.01.2005, a ADI 3.395, combatendo a nova regra que suprimiu a autonomia da Justiça Federal para julgar ações envolvendo as relações de trabalho dos servidores estatutários. Alegou vício formal no que respeita à tramitação e interpretação conforme.­

No julgamento da medida cautelar da ADI 3.395-6, o então Presidente do STF, Ministro Nelson Jobim, concedeu liminar com efeito ex tunc para dar interpretação conforme a CF ao inciso I do art. 114, suspendendo, “... ‘ad referendum’, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação trazida pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a ‘... apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo’”.

Em 05.04.2006, o STF, por maioria, referendou a liminar concedida. “Salientou-se, no ponto, a decisão do STF no julgamento da ADI n. 492/DF (DJU de 12.03.93), na qual se concluíra pela inconstitucionalidade da inclusão, no âmbito da competência da Justiça do Trabalho, das causas que envolvam o Poder Público e seus servidores estatutários, em razão de ser estranho ao conceito de relação de trabalho o vínculo jurídico de natureza estatutária existente entre servidores públicos e a Administração” (Inf. 422/STF, DJ de 10.11.2006 — Ata n. 37/2006).

No julgamento da Rcl 6.568, em 20.05.2009, o STF novamente confirmou o entendimento fixado na ADI 3.395, ao determinar que a apreciação de greve deflagrada por policiais civis do Estado de São Paulo e que estava sendo apreciada pela Justiça do Trabalho (ato da Vice-Presidente Judicial Regimental do TRT da 2.ª Região, nos autos de dissídio coletivo de greve), deveria ser analisada pelo Tribunal de Justiça (Justiça Comum).

Dessa forma, o STF reforça a ideia de afastar “a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos decorrentes das relações travadas entre servidores públicos e entes da Administração à qual estão vinculados” por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo (sobre a proibição do exercício de greve por policiais civis e servidores que exercem atividade essencial, cf. item 13.7.9).

B) Ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho — competência da Justiça do Trabalho

A jurisprudência do STF estabeleceu ser competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador.62

Por outro lado, na hipótese de ações acidentárias propostas pelo segurado em face do INSS e havendo interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, discutindo controvérsia acerca de benefício previdenciário, a competência é da Justiça comum estadual, tendo em vista o critério residual de distribuição de competência (S. 501/STF e art. 109, I, da CF/88).

Resta analisar qual seria o momento para aplicar o novo entendimento do STF, já que, antes da EC n. 45/2004, a posição era outra, qual seja, a competência da Justiça Comum.

Segundo o STF, o marco para fixar a (nova) competência da Justiça do Trabalho (art. 87 do CPC/73 — correspondente ao art. 43 do CPC/2015) é a existência ou não de sentença de mérito. Havendo sentença de mérito proferida pela Justiça estadual ou federal (art. 109, I), mesmo sem trânsito em julgado, a competência não será deslocada para a Justiça obreira, por uma questão de política judiciária, tendo em vista o significativo número de ações que ainda tramitavam, quando do advento da EC n. 45/2004, na Justiça comum (Precedente plenário: CC 7.204. Outros precedentes: RE 461.925-AgR, RE 485.636-AgR, RE 486.966-AgR, RE 502.342-AgR, RE 450.504-AgR, RE 466.696-AgR e RE 495.095-AgR. Agravo regimental desprovido).

Nessa linha pacificou o STJ na S. 367: “a competência estabelecida pela EC n. 45/2004 não alcança os processos já sentenciados” (Corte Especial, j. 19.11.2008, DJE de 26.11.2008).

Finalmente, o STF, em 02.12.2009, aprovou a SV 22, com o seguinte teor: “a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04”.

C) Ação de indenização proposta por viúva e filhos de empregado morto em serviço — Justiça do Trabalho

Em um primeiro momento, o STJ firmou o entendimento de que a competência seria da Justiça Comum Estadual ou Federal por ter a ação natureza civil, chegando, até, a editar a S. 366 (Corte Especial, j. 19.11.2008, DJE de 26.11.2008).

Contudo, o STF, ao julgar o CC 7.545/SC, em 03.06.2009, determinou que a competência era da Justiça do Trabalho, na medida em que a origem do direito decorreria das relações de trabalho. Nesse sentido:

“EMENTA: (...) A competência para julgar ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, após a edição da EC 45/04, é da Justiça do Trabalho. (...) O ajuizamento da ação de indenização pelos sucessores não altera a competência da Justiça especializada. A transferência do direito patrimonial em decorrência do óbito do empregado é irrelevante” (CC 7.545, Rel. Min. Eros Grau, j. 03.06.2009, Plenário, DJE de 14.08.2009).

Em razão desse novo entendimento proferido pelo STF, em 16.09.2009, no julgamento do CC 101.977-SP, o STJ determinou o cancelamento da S. 366, adequando-se, assim, ao novo posicionamento da Suprema Corte, intérprete final da Constituição.

D) A Justiça do Trabalho não tem competência para julgar ações penais

“EMENTA: O Tribunal deferiu pedido de liminar formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República para, com efeito ex tunc, dar interpretação conforme à Constituição Federal aos incisos I, IV e IX do seu art. 114 no sentido de que neles a Constituição não atribuiu, por si sós, competência criminal genérica à Justiça do Trabalho (...). Entendeu-se que seria incompatível com as garantias constitucionais da legalidade e do juiz natural inferir-se, por meio de interpretação arbitrária e expansiva, competência criminal genérica da Justiça do Trabalho, aos termos do art. 114, I, IV e IX da CF” (ADI 3.684-MC/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, 1.º.02.2007).

Mesmo que se fixe a competência para o julgamento de habeas corpus, cabe lembrar que é possível a determinação de prisão civil alimentar por decisão do juízo trabalhista, motivo pelo qual se prescreveu o remédio para tutelar a liberdade de ir e vir.

E) Segundo o STJ, a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar ação alusiva a relações contratuais de caráter eminentemente civil, diversa da relação de trabalho

Sobre esse tema, a Corte Especial do STJ pacificou diversos conflitos de competência nos termos da S. 363: “compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente” (j. 15.10.2008, DJE de 03.11.2008).63

O STF ainda não analisou com muita profundidade o assunto. Contudo, no julgamento de ação de cobrança de honorários advocatícios de advogada dativa contra o Estado de Minas Gerais, a Corte, por maioria de votos (vencidos o Min. Marco Aurélio e o Min. Ayres Britto), entendeu como competente a Justiça estadual comum (RE 607.520, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 25.05.2011, Plenário, DJE 21.06.2011, com repercussão geral).

F) Ação possessória decorrente do exercício do direito de greve: Justiça do Trabalho

Muitas vezes quando os bancários realizam greve, têm ocorrido o fechamento das agências e a proibição de clientes e mesmo dos trabalhadores de entrarem nos estabelecimentos (“piquete”).

Assim, em razão desses bloqueios, que o próprio movimento grevista vem realizando, alguns bancos propuseram ações possessórias, por exemplo, o interdito proibitório, em razão, nos termos do art. 932 do CPC/73 (art. 567, CPC/2015), de justo receio de serem molestados na posse (turbação ou esbulho iminente).

A dúvida era saber se a competência seria da Justiça Comum ou do Trabalho. O STF entendeu, partindo do precedente materializado no CJ 6.959/DF,64 como competente a Justiça do Trabalho na medida em que, ainda que a solução dependesse da apreciação de questões de direito civil, o seu fundamento decorre da relação trabalhista e, no caso, do exercício do direito de greve, aplicando-se, por consequência, o disposto no art. 114, II, da CF/88.

Nesse sentido, o STF editou a SV 23: “a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada”.

G) Súmula Vinculante 53 (j. 18.06.2015)

Após o julgamento do RE 569.056, o STF sedimentou o seguinte entendimento, editando a SV 53: “a competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal, alcança a execução de ofício das contribuições previdenciá­rias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados”.

11.8.4.5. O que aconteceu com os mandatos dos classistas em face da EC n. 24/99?

O art. 2.º da referida emenda assegura o cumprimento dos mandatos dos então ministros classistas temporários do TST e dos juízes classistas temporários dos TRTs e das extintas JCJ.

Trata-se de dispositivo perfeitamente condizente com os princípios constitucionais, uma vez que se preservam os direitos já adquiridos dos então (à época da promulgação da EC n. 24/99) classistas, devendo estes continuar a exercer a sua função até o término de seu mandato.

11.8.5. Tribunais e Juízes Eleitorais

Como visto, os órgãos da Justiça Eleitoral são: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE); os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs); os Juízes Eleitorais; e as Juntas Eleitorais.

Cabe lembrar que, como previsto no art. 121, § 2.º, os juízes dos tribunais eleitorais, salvo motivo justificado, servirão por 2 anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria.

Os membros dos tribunais, os Juízes de Direito e os integrantes das Juntas Eleitorais, no exercício de suas funções, e no que lhes for aplicável, gozarão de plenas garantias e serão inamovíveis.

11.8.5.1. Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

composição: no mínimo, 7 membros (juízes);

estrutura da composição: a) 3 juízes serão eleitos dentre os Ministros do STF, pelo voto secreto, pelos próprios membros da Corte Suprema; b) 2 juízes serão eleitos, também pelo voto secreto, dentre os Ministros do STJ, pelos próprios Ministros do STJ; c) 2 outros juízes da seguinte forma: o STF elaborará lista sêxtupla escolhendo nomes dentre advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, encaminhando-a ao Presidente da República. Este escolherá 2, nomeando-os, sem haver a necessidade de sabatina pelo Senado Federal;

Presidente e Vice-Presidente do TSE: serão eleitos pelo TSE, dentre Ministros do STF;

Corregedor Eleitoral do TSE: será eleito pelo TSE, dentre Ministros do STJ.

É de ressaltar que as decisões do TSE são irrecorríveis, salvo as que contrariarem a Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança (art. 121, § 3.º).

11.8.5.2. Tribunal Regional Eleitoral (TRE)

Conforme dispõe o art. 120 da CF/88, na Capital de cada Estado e no Distrito Federal haverá um Tribunal Regional Eleitoral.

composição: 7 membros (juízes);

estrutura da composição: a) eleição, pelo voto secreto, de 2 juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça; b) eleição, pelo voto secreto, de 2 juízes, dentre juízes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça; c) de 1 juiz do TRF com sede na Capital do Estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, de juiz federal, escolhido, em qualquer caso, pelo TRF respectivo; d) de 2 juízes, por nomeação, pelo Presidente da República, dentre 6 advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça;

Presidente e Vice-Presidente do TRE: serão eleitos pelo TRE, dentre os desembargadores.

Nos termos do art. 121, § 4.º, das decisões dos TREs somente caberá recurso quando:

forem proferidas contra disposição expressa da Constituição ou de lei;

ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais;

versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais;

denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.

11.8.5.3. Juízes Eleitorais

Os Juízes Eleitorais, consoante o art. 32 do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65), são os próprios juízes de direito em efetivo exercício e, na falta destes, os seus substitutos legais, da própria organização judiciária do Estado ou do DF, que gozem das prerrogativas do art. 95 da CF/88, cabendo-lhes a jurisdição de cada uma das zonas eleitorais em que é dividida a circunscrição eleitoral e com as competências expressas no art. 35 do Código Eleitoral (para algumas provas, vale a leitura do referido dispositivo legal. Isso porque certas provas, e aí o candidato atento deve ler os editais, exigem alguns conhecimentos muito específicos!).

Destacamos, por fim, o teor da S. 368/STJ: “compete à Justiça comum esta-dual processar e julgar os pedidos de retificação de dados cadastrais da Justiça Eleitoral” (1.ª S., j. 26.11.2008, DJE de 03.12.2008).

11.8.5.4. Juntas Eleitorais

O art. 121 estatui que lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das Juntas Eleitorais.

As regras estão no Código Eleitoral, que, dentre outras particularidades, em seu art. 36 estabelece que as Juntas Eleitorais compor-se-ão de 1 juiz de direito, que será o presidente, e de 2 ou 4 cidadãos de notória idoneidade. Os membros das Juntas Eleitorais serão nomeados 60 dias antes da eleição, depois de aprovação do Tribunal Regional, pelo presidente deste, a quem cumpre também designar-lhes a sede. Outrossim, até 10 dias antes da nomeação, os nomes das pessoas indicadas para compor as Juntas serão publicados no órgão oficial do Estado, podendo qualquer partido, no prazo de 3 dias, em petição fundamentada, impugnar as indicações.

Na dicção do art. 40 do Código Eleitoral, recepcionado como lei complementar e regulador da matéria, compete à Junta Eleitoral: a) apurar, no prazo de 10 dias, as eleições realizadas nas zonas eleitorais sob a sua jurisdição; b) resolver as impugnações e demais incidentes verificados durante os trabalhos da contagem e da apuração; c) expedir os boletins de apuração mencionados no art. 178; d) expedir diploma aos eleitos para cargos municipais.

11.8.6. Tribunais e Juízes Militares

Os órgãos da Justiça Militar (Justiça castrense), como já visto, previstos no art. 122, I e II, são: o Superior Tribunal Militar (STM); os Tribunais Militares (TMs) e os Juízes Militares instituídos por lei.

Como se sabe, e o tema será retomado em segurança pública (cf. item 13.6), existem tanto servidores militares federais integrantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica — art. 142, § 3.º) como aqueles militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios, que compõem as Forças Auxiliares e reserva do Exército (polícia militar e corpo de bombeiro militar — art. 144, § 6.º).

Assim, de maneira coerente, a CF distingue a Justiça Militar Federal (da União) de um lado (art. 124) e a estadual, também especializada, de outro (art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º).

11.8.6.1. Superior Tribunal Militar (STM)

Ao Superior Tribunal Militar, além de competência originária, foram estabelecidas atribuições para julgar as apelações e os recursos das decisões dos juízes de primeiro grau da Justiça Militar da União (cf. o organograma, item 11.6.5).

Deve-se deixar claro que o STM não examina matérias provenientes da Justiça Militar Estadual ou Distrital.

Dessa forma, apesar de ter a denominação “Superior Tribunal”, não atua conforme o STJ, já que, no caso, o STM, além das atribuições originárias, funciona como tribunal recursal (para bem entendermos, mantidas todas as particularidades, atua como se fosse um TJ).

Tanto é assim que, na Justiça Militar da União, não existe órgão interm­e­diário­ entre a primeira instância (Auditorias) e o STM (conforme visto, órgão recursal).

Abaixo indicamos a evolução do STM e, em seguida, regras sobre a composição atual da Corte:

ATO NORMATIVO

DENOMINAÇÃO

NÚMERO DE MEMBROS

TITULAÇÃO

Alvará de 1.º.04.1808 (Príncipe-Regente D. João VI)

Conselho do Supremo Militar e de Justiça

15

Conselheiros de Guerra

Conselheiros do Almirantado

Vogais

Dec. n. 149, de 18.07.1893

Supremo Tribunal Militar

15

Ministros

Dec. n. 14.450, de 30.10.1920

Supremo Tribunal Militar

9

Ministros

Decreto-lei n. 925,de 02.12.1938

Supremo Tribunal Militar

11

Ministros

Constituição de 1946

Superior Tribunal Militar

11

Ministros

AI 2, de 18.09.1946

Superior Tribunal Militar

15

Ministros

CF/88

Superior Tribunal Militar

15

Ministros

composição: 15 Ministros vitalícios (art. 123, CF/88);

estrutura da composição: a) 3 dentre oficiais-generais da Marinha, da ativa e do posto mais elevado da carreira; b) 4 dentre oficiais-generais do Exército, da ativa e do posto mais elevado da carreira; c) 3 dentre oficiais-generais da Aeronáutica, da ativa e do posto mais elevado da carreira; e d) 5 dentre civis, dos quais 3 serão escolhidos dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional, 1 dentre juízes auditores e 1 membro do Ministério Público da Justiça Militar;

forma de nomeação: o Presidente da República aponta a indicação dos 15 Ministros, respeitando-se a proporção acima exposta. A indicação deve ser aprovada pela maioria simples do Senado Federal, onde serão sabatinados. Aprovada a indicação, o Presidente da República os nomeará;

requisitos: a CF somente prevê, de forma expressa, requisitos para os Ministros civis, quais sejam: a) ser brasileiro, nato ou naturalizado; b) ter mais de 35 anos de idade; c) para os Ministros civis escolhidos dentre os advogados, ter notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional; e d) para os oficiais-generais a CF prevê o requisito de serem brasileiros natos, de acordo com o art. 12, § 3.º, VI.

11.8.6.2. Justiça Militar da União

11.8.6.2.1. Regras gerais e Circunscrições Judiciárias Militares

Com competência exclusivamente penal, incumbe-lhe processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

A Justiça Militar, em nível federal, é constituída, em primeira instância, pelos Conselhos de Justiça Militar e, como órgão recursal e de jurisdição superior, pelo Superior Tribunal Militar (art. 122 da CF/88).65

Nos termos do art. 1.º da Lei n. 8.457/92, que organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares, são órgãos da Justiça Militar (da União): o STM; a Auditoria de Correição; os Conselhos de Justiça; os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos.

Por sua vez, o art. 2.º da referida Lei n. 8.457/92 estabelece que, para efeito de administração da Justiça Militar em tempo de paz, o território nacional divide-se em 12 Circunscrições Judiciárias Militares (embora estejam sendo feitos estudos para uma necessária ampliação dessa divisão em virtude, especialmente, da extensão territorial da 12.ª Circunscrição) abrangendo:

1.ª — Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo;

2.ª — Estado de São Paulo;

3.ª — Estado do Rio Grande do Sul;

4.ª — Estado de Minas Gerais;

5.ª — Estados do Paraná e Santa Catarina;

6.ª — Estados da Bahia e Sergipe;

7.ª — Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas;

8.ª — Estados do Pará, Amapá e Maranhão;

9.ª — Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso;

10.ª — Estados do Ceará e Piauí;

11.ª — Distrito Federal e Estados de Goiás e Tocantins;

12.ª — Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia.

11.8.6.2.2. Conselhos de Justiça Militar

Nas Circunscrições Judiciárias Militares existem as correspondentes Auditorias (órgãos de primeira instância da Justiça Militar) que têm jurisdição mista, cabendo-lhes conhecer dos feitos relativos à Marinha, ao Exército e à Aeronáutica.

Conforme vimos, o julgamento em primeira instância nas referidas Auditorias se dá em colegiado e por escabinato.

Isso porque os julgamentos se implementam nos Conselhos de Justiça Militar (colegiado), que são compostos de 1 juiz togado (bacharel em direito que ingressou na carreira mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB em todas as fases — art. 93, I, da CF/88) e de 4 juízes leigos (militares, sortea­dos como se observa abaixo), tendo o valor do voto do togado o mesmo valor do voto dos leigos (escabinato).

Essa composição plúrima por juiz togado e juízes leigos (militares) se justifica em razão da necessidade de se harmonizarem os conhecimentos técnicos com a experiência da caserna, tendo como pano de fundo a ideia de hierarquia e disciplina, base da organização militar.

Os Conselhos se dividem em duas espécies, o Especial e o Permanente, e funcionarão na sede das Auditorias, salvo casos especiais por motivo relevante de ordem pública ou de interesse da Justiça e pelo tempo indispensável, mediante deliberação do Superior Tribunal Militar.

O Conselho Especial de Justiça é constituído pelo juiz-auditor e 4 juízes militares, sob a presidência, dentre estes, de um oficial-general ou oficial superior, de posto mais elevado que o dos demais juízes, ou de maior antiguidade, no caso de igualdade.

Por sua vez, o Conselho Permanente de Justiça é constituído pelo juiz-auditor, por 1 oficial superior, que será o presidente, e 3 oficiais de posto até capitão-tenente ou capitão.

Para efeito de composição dos Conselhos, nas respectivas Circunscrições, os comandantes de Distrito ou Comando Naval, Região Militar e Comando Aéreo Regional organizarão, trimestralmente, relação de todos os oficiais em serviço ativo, com os respectivos postos, antiguidade e local de serviço, publicando-a em boletim e remetendo-a ao juiz-auditor competente para que, então, se proceda, nos termos dos arts. 19 a 22 da Lei n. 8.457/92, ao sorteio.

O Conselho Especial (art. 23 da Lei n. 8.457/92) é constituído para cada processo e dissolvido após a conclusão dos seus trabalhos, reunindo-se, novamente, se sobrevier nulidade do processo ou do julgamento, ou diligência determinada pela instância superior, sendo que os juízes militares que o integrarem serão de posto superior ao do acusado, ou do mesmo posto e de maior antiguidade.

Quanto ao Conselho Permanente (art. 24 da Lei n. 8.457/92), uma vez constituído, embora o nome “permanente”, funcionará durante três meses consecutivos, coincidindo com os trimestres do ano civil, podendo o prazo de sua jurisdição ser prorrogado nos casos previstos em lei. O oficial que tiver integrado o Conselho Permanente não será sorteado para o trimestre imediato, salvo se para sua constituição houver insuficiência de oficiais.

O quadro a seguir ajuda a entender a distinção entre os Conselhos:

 

CONSELHO ESPECIAL DE JUSTIÇA

CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA

CONSTITUIÇÃO

Juiz Auditor

4 Juízes Militares de posto superior ao do acusado, ou do mesmo posto e de maior antiguidade

Juiz Auditor

1 Oficial Superior

3 Oficiais de posto até Capitão-Tenente ou Capitão

DURAÇÃO/ FUNCIONAMENTO

constituído para cada processo e dissolvido após a conclusão dos trabalhos

3 meses consecutivos, coincidindo com os trimestres do ano civil

possibilidade de prorrogação de prazo nos casos previstos em lei

COMPETÊNCIA

processar e julgar oficiais, exceto oficiais-generais, nos delitos previstos na legislação penal militar

a competência para processar e julgar os oficiais-generais das Forças Armadas, nos crimes militares definidos é, de acordo com o art. 6.º, I, “a”, da Lei n. 8.457/92, originária do STM

crimes praticados em coautoria com oficiais, mesmo que por não oficiais, serão processados e julgados pelo Conselho Especial de Justiça

processar e julgar acusados que não sejam oficiais, nos delitos previstos na legislação penal militar, como as praças e, nas hipóteses admitidas pela lei, os civis

CUIDADO: os civis, nas hipóteses previstas em lei, poderão ser julgados apenas pela Justiça Militar da União e jamais serão julgados pela Justiça Militar Estadual, que, em razão de sua competência constitucional, só julga militares

11.8.6.2.3. Hierarquia militar (postos e graduações)

A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas, sendo que a autoridade e a responsabilidade são proporcionais ao grau hierárquico, isto é, quanto mais elevado este, maiores serão aquelas.

A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações e, dentro de um mesmo posto ou graduação, pela antiguidade (no posto ou na graduação):

posto: é o grau hierárquico do oficial, conferido por ato do Presidente da República ou do Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica e confirmado em Carta Patente.

graduação: é o grau hierárquico da praça, conferido pela autoridade militar competente.

Já a disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.

A seguir, para conhecimento, reproduzimos os postos e graduações das Forças Armadas, para que se compreendam, com precisão, as competências dos Conselhos Especial e Permanente de Justiça. Cabe alertar que os postos de Almirante, Marechal e Marechal do Ar serão providos somente em tempo de guerra:66

6768 69

 

MARINHA

EXÉRCITO

AERONÁUTICA

OFICIAIS--GENERAIS

Almirante

Marechal

Marechal do Ar

Almirante de Esquadra

General de Exército

Tenente-brigadeiro

Vice-almirante

General de Divisão

Major-brigadeiro

Contra-almirante

General de Brigada

Brigadeiro

OFICIAIS SUPERIORES

Capitão de Mar e Guerra

Coronel

Coronel

Capitão de Fragata

Tenente-coronel

Tenente-coronel

Capitão de Corveta

Major

Major

OFICIAIS INTERMEDIÁRIOS

Capitão-tenente

Capitão

Capitão

OFICIAIS SUBALTERNOS

1.º Tenente

1.º Tenente

1.º Tenente

2.º Tenente

2.º Tenente

2.º Tenente

PRAÇAS ESPECIAIS67

Guarda-marinha

Aspirante a Oficial

Aspirante a Oficial

Aspirantes (alunos da Escola Naval)

Cadetes (alunos da Academia Militar das Agulhas Negras — AMAN)

Cadetes (alunos da Academia da Força Aérea — AFA) e alunos do Curso de Formação de Oficiais Especialistas — CFOE

GRADUADOS (PRAÇAS)

Suboficial

Subtenente

Suboficial

1.º Sargento

1.º Sargento

1.º Sargento

2.º Sargento

2.º Sargento

2.º Sargento

Aluno (Colégio Naval) (Praças Especiais)68

Aluno (Escola Preparatória de Cadetes do Exército — EsPCEx) (Praças Especiais)

Aluno (Escola Preparatória de Cadetes do Ar — EPCAR) (Praças Especiais)

3.º Sargento

3.º Sargento

3.º Sargento

Aluno (Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante — EFOMM) (Praças Especiais)69

Aluno (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva — CPOR) (Praças Especiais)

Aluno (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva — CPOR — ITA) (Praças Especiais)

Cabo

Cabo e Taifeiro-mor

Cabo e Taifeiro-mor

Alunos das escolas ou dos centros de formação de sargentos (Praças Especiais)

Alunos das escolas ou dos centros de formação de sargentos (Praças Especiais)

Alunos das escolas ou dos centros de formação de sargentos (Praças Especiais)

Marinheiro e Soldado Fuzileiro Naval

Soldado e Taifeiro de 1.ª Classe

Soldado e Taifeiro de 1.ª Classe

Marinheiro Recruta e Soldado Fuzileiro Naval Recruta

Soldado e Taifeiro de 2.ª Classe

Soldado e Taifeiro de 2.ª Classe

11.8.6.2.4. Ministério Público Militar e Defensoria Pública da União

Tanto o Ministério Público como a Defensoria Pública da União70 mantêm representantes junto à Justiça Militar.

Como vimos, o Ministério Público da União compreende, dentre outros, o Ministério Público Militar (art. 128, I, “c”). Trata-se de carreira própria e com concurso público específico.

11.8.6.2.5. A Justiça Militar da União julga civil?

Cabe observar importante diferenciação. Conforme veremos a seguir, a Justiça Militar Estadual não julga civil, mas somente policial militar e bombeiro militar (regra expressa do art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º).71

Contudo, a Justiça Militar da União, que julga os militares integrantes das Forças Armadas, em certos casos, também poderá julgar o civil. Isso porque o art. 124 da CF/88 estabelece competir à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

De acordo com o art. 9.º, III, do Código Penal Militar (Decreto-lei n. 1.001/69), consideram-se crimes militares, em tempo de paz, os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como também os do inciso II, nos seguintes casos:

contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência à determinação legal superior.

De acordo com o STF, a interpretação desse dispositivo legal em relação ao civil deve se dar de modo restritivo. “A tipificação da conduta de agente civil como crime militar está a depender do ‘intuito de atingir, de qualquer modo, a Força, no sentido de impedir, frustrar, fazer malograr, desmoralizar ou ofender o militar ou o evento ou situação em que este esteja empenhado’ (CC 7.040, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 26.09.1996). O cometimento do delito militar por agente civil em tempo de paz se dá em caráter excepcional. Tal cometimento se traduz em ofensa àqueles bens jurídicos tipicamente associados à função de natureza militar: defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais, da Lei e da ordem (art. 142 da CF)”.72

Esse entendimento, já restritivo, poderá ser revisto pelo STF no julgamento da ADPF 289, proposta pela PGR em 15.08.2013, com o pedido de ser reconhecida “a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz e para que estes crimes sejam submetidos a julgamento pela justiça comum, federal ou estadual”.

O Min. Celso de Mello, ao analisar a regulação do tema no direito comparado, identificou clara tendência “no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal n. 26.394/2008), Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição de 1992, art. 174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28)”.

Ainda, destacou relevante sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Palamara Iribarne vs. Chile, de 2005): “determinação para que a República do Chile, adequando a sua legislação interna aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar, adote medidas com o objetivo de impedir, quaisquer que sejam as circunstâncias, que ‘um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares (...)’ (item n. 269, n. 14, da parte dispositiva, ‘Puntos Resolutivos’)”.

Finalmente, o caso Ex Parte Milligan (1866-71 U.S. 1), importante landmark ruling da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Conforme observou Celso de Mello, a Corte, “ao examinar decisão condenatória motivada por fatos ocorridos no curso da Guerra Civil americana, veio a invalidar tal condenação, que impusera a pena de morte (enforcamento), por traição, a um acusado civil, Lambden P. Milligan, por entender que, mesmo que se tratasse de um crime praticado nas circunstâncias de tempo e de lugar em que ocorrera, ainda assim um civil não poderia ser julgado por uma Corte militar (‘martial court’), desde que os órgãos judiciários da Justiça comum estivessem funcionando regularmente” (HC 110.185, j. 14.05.2013, 2.ª T., fls. 12).

Resta aguardar como o STF resolverá essa importante questão (julgamento de civis pela Justiça Militar da União) em debate na ADPF 289 (pendente).

11.8.6.2.6. E os crimes dolosos contra a vida?

O art. 124 da CF/88 dispõe que à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, qual seja, no caso, o Código Penal Militar.

Assim, se o crime doloso contra a vida for praticado por um militar contra outro militar, a competência para julgamento, fixada na lei (art. 9.º), será da Justiça Militar.

E se a vítima for civil? Quem teria competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida?

Nesse caso, admitindo a abertura fixada no art. 124, devemos encontrar a resposta na lei.

Isso porque a Constituição, em relação à Justiça Militar da União, não definiu qualquer regra. Apenas estabeleceu (art. 124) que a competência será definida na lei, no caso, no Código Penal Militar (CPM), colocando-se em dúvida se, de fato, teria o constituinte dado um “cheque em branco” para o legislador.

Antes de responder, observamos que, para a Justiça Militar Estadual, no entanto, há regra explícita na Constituição: a competência é do Tribunal do Júri se a vítima for civil (art. 125, § 4.º, da CF/88), lembrando que, na hipótese de crime doloso contra a vida praticado por militar contra militar (vítima militar), a competência será da Justiça Militar (cf. item 11.8.6.3.2).

Para a Justiça Militar da União, o art. 9.º, parágrafo único, do CPM estabelece que os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão, por regra, também da competência da justiça comum, qual seja, do Tribunal do Júri, no caso, Federal.73 Por sua vez, o art. 82 do Código de Processo Penal Militar (CPPM) prescreve que o foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz (ambas as disposições trazidas pela Lei n. 9.299/96).

Mas CUIDADO: referido dispositivo foi alterado pela Lei n. 12.432/2011, que excepcionou a regra geral e determinou que a competência será da Justiça Militar, mesmo na hipótese de crimes dolosos contra a vida cometidos contra civil, quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei n. 7.565, de 19.12.1986 — Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA).

O art. 289 do CBA estatui que, na infração aos preceitos do Código ou da legislação complementar, a autoridade aeronáutica poderá tomar, dentre várias providências administrativas, as de detenção, interdição ou apreensão de aeronave, ou do material transportado, e o art. 303 do CBA estabelece que a aeronave poderá ser detida pelas autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nas seguintes hipóteses:

se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;

se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;

para verificação de sua carga no caso de restrição legal (art. 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do art. 21);

para averiguação de ilícito.

Nessas hipóteses, a autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.

Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada, qual seja, nos termos do art. 10 do Dec. n. 5.144/2004, o Comandante da Aeronáutica.

O art. 5.º, do referido decreto, estabelece que a medida de destruição consiste no disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do voo da aeronave hostil, e somente poderá ser utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra.

Essa possibilidade de destruição da aeronave e, assim, como decorrência da medida, a eventual morte de civis que estejam a bordo são normas que foram introduzidas pela Lei n. 9.614/98, conhecida como “Lei do Abate”, havendo ampla regulamentação no citado Dec. n. 5.144/2004.74

Naturalmente, a autoridade responderá por seus atos quando agir com excesso ou abuso de poder ou com espírito emulatório, e, assim, nessas circunstâncias, caracterizado eventual crime doloso contra a vida (no caso, por exemplo, a morte dos tripulantes da aeronave supostamente considerada hostil), a competência para julgamento do militar não será da justiça comum (apesar de civil a vítima), mas da Justiça Militar.

Portanto, muito cuidado nos termos expostos, quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei n. 7.565/86 (CBA), a Justiça Militar da União será competente para julgar suposto crime doloso contra a vida praticado contra civil.

Observa-se que estamos diante de uma situação excepcional, qual seja, o afastamento da regra do júri por lei, em razão do comando estabelecido no art. 124, caput, da CF, que prescreve ser competência da Justiça Militar da União processar e julgar os crimes definidos em lei.

No caso, a Lei n. 12.432/2011, ao dar nova redação ao parágrafo único do art. 9.º do CPM, definiu como “crime militar” aquele doloso contra a vida quando praticado contra civil no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica e, por isso, a dita competência da Justiça Militar.

O STF ainda não enfrentou essa questão de modo específico, devendo o debate ser travado no sentido de se admitir efetivamente, como fez a lei, o afastamento da regra do júri com base no “cheque em branco” supostamente prescrito no referido art. 124 da Constituição.

Assim, podemos concluir, de acordo com o prescrito no art. 124 da CF, c/c o art. 9.º do CPM:

crime doloso contra a vida praticado por militar contra militar: Justiça Militar;

crime doloso contra a vida praticado por militar e a vítima civil: justiça comum, Tribunal do Júri Federal;

crime doloso contra a vida praticado no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica: competência da Justiça Militar, mesmo se a vítima for civil (havendo dúvida sobre a possibilidade desse afastamento da competência do Tribunal do Júri).

Estabelecidas as regras, alertamos haver divergência entre o STF e o STJ de um lado e o STM de outro no tocante à interpretação a ser dada ao parágrafo único do art. 9.º do CPM, trazida pela Lei n. 9.299/96.

De fato, a ressalva introduzida pela Lei n. 9.299/96 se deu em razão de clamor popular diante de homicídios praticados por militares contra civis durante a década de 90 nos casos “Favela Naval”, “Eldorado dos Carajás”, “Candelária” e “Vigário Geral” e a partir de CPI que investigava o extermínio de crianças e adolescentes.

Contudo, em decisão proferida pelo Plenário do STM no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 144-54.2014.7.01.0101/RJ (j. 09.06.2016, pendente de publicação) e que reafirmou o entendimento pacificado do Tribunal Militar (cf. RC n. 6.348, j. 12.11.1996; RSE n. 249-56.2010.7.05.005, j. 15.09.2011), contrariando as decisões pacificadas no STF e no STJ, estabeleceu-se que a ressalva da competência do júri se a vítima for civil deverá se aplicar apenas para a Justiça Militar Estadual nos crimes praticados por militares estaduais.75 Assim, o art. 9.º, parágrafo único, do CPM seria inconstitucional.

Isso porque, conforme afirmado, a EC n. 45/2004 (Reforma do Judiciário) fez essa ressalva expressa apenas no art. 125, § 4.º, qual seja, em relação aos militares estaduais, não se aplicando, assim, à Justiça Militar da União, mesmo na hipótese de crime doloso contra a vida e vítima civil.

Não nos parece ser a melhor orientação, contrariando, inclusive, o entendimento do STF e do STJ conforme afirmado.76 Resta aguardar como a atual composição da Corte Suprema vai analisar esses argumentos sustentados pela Justiça Castrense da União e se, de fato, modificará o seu atual entendimento no sentido da constitucionalidade do art. 9.º, parágrafo único, do CPM (matéria pendente).

11.8.6.2.7. A Lei n. 9.099/95 (que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências) se aplica no âmbito da Justiça Militar?

De acordo com o art. 90-A da Lei n. 9.099/95, incluído pela Lei n. 9.839/99, as disposições contidas na Lei dos Juizados Especiais não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.

Esse entendimento foi confirmado pelo STF no julgamento do HC 99.743 (j. 06.10.2011), no qual se discutia a aplicação do art. 88, II, “a”, do Código Penal Militar, que exclui a suspensão condicional da pena em relação a diversos crimes, como, no caso em análise, o crime de deserção, bem como a impossibilidade de serem aplicadas regras mais benéficas da Lei dos Juizados Especiais, como a do “sursis processual” (art. 89 da Lei n. 9.099/95).

Apesar da fixação desse entendimento no sentido da constitucionalidade de referida exclusão em relação aos militares, restou em aberto se ela se aplica também quando o réu for um civil.

Assim, essa discussão se resume à Justiça Militar da União, já que, conforme visto, a Justiça Militar Estadual não julga civis.

Em nosso entender, o art. 90-A da Lei n. 9.099/95 não se aplica na hipótese de crime militar cometido, em tempo de paz, por civil. Ou seja, a regra de afastamento da Lei dos Juizados Especiais só se aplica se o crime for praticado por militar.

Isso porque os civis, entendemos, apesar de poderem ser julgados pela Justiça Militar da União, não estão sujeitos aos valores da hierarquia e disciplina (art. 142 da CF/88) e, pois, devem ter direito às normas penais mais benéficas previstas na Lei n. 9.099/95.

CUIDADO: o tema ainda não foi analisado pelo STF, que, no HC 99.743 citado, estabeleceu, sem qualquer dúvida, a constitucionalidade do art. 90-A da Lei n. 9.099/95, e, assim, a não aplicação das disposições contidas na Lei dos Juizados no âmbito da Justiça Militar quando o crime for praticado por militar (a situação concreta dos autos). Os Ministros Luiz Fux, Ayres Britto e Celso de Mello declararam, em obter dictum, que, se o réu fosse civil, a regra restritiva não deveria ser aplicada (ma­té­ria pendente).

11.8.6.2.8. A Justiça Militar da União e a Reforma do Judiciário

Em relação à primeira etapa da Reforma do Judiciário, aprovada como EC n. 45/2004, cabe observar que nada foi modificado no tocante à estrutura da Justiça Militar da União.

A PEC n. 29-A (358/05-CD), contudo, que voltou para a CD e ainda precisa ser apreciada (“PEC Paralela do Judiciário”), nos mesmos termos da EC n. 45/2004 (art. 125, § 5.º — julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares dos militares estaduais), também, se aprovada, ampliará a competência da Justiça Militar da União para o julgamento de matéria de natureza disciplinar.

Dessa forma, se em provas de concurso perguntarem se a Justiça Militar da União julga matéria não militar (civil ou disciplinar), até o presente momento, a resposta deverá ser negativa, já que, enfatize-se, a competência para o julgamento de matéria civil, nas hipóteses elencadas, está restrita à Justiça Militar Estadual e à do DF, por força da novidade trazida pela Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004). No caso dos Militares das Forças Armadas, em se tratando de matéria não militar, a competência continua sendo da Justiça Federal.

11.8.6.3. Justiça Militar dos Estados

11.8.6.3.1. Atribuições

Compete à Justiça Militar dos Estados, que poderá ser criada por lei estadual, mediante proposta do Tribunal de Justiça, processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei, e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (art. 125, § 4.º).

Diante dessa regra, percebe-se que a Justiça Militar Estadual não julga civil, já que lhe compete “processar e julgar os militares...”.

Daí, se um civil praticar o crime de furto em um quartel da Polícia Militar do Estado, ele será processado e julgado pela Justiça comum e com fundamento no CP e no CPP.

E, então, qual foi a grande novidade trazida pela EC n. 45/2004?

Conforme vimos, pela primeira vez, a Justiça Militar dos Estados passa a poder julgar ato disciplinar, matéria essa anteriormente afeta às Varas da Fazenda Pública.

Como assinalou Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, “a definição de ato disciplinar ensejará várias discussões doutrinárias e jurisprudenciais, mas a princípio poderá ser entendido como sendo o ato administrativo por meio do qual a Administração Pública Militar impõe uma sanção ao militar infrator, que foi acusado da prática de uma transgressão disciplinar, contravenção disciplinar, de natureza leve, média, ou grave, prevista no Regulamento Disciplinar, ou no Código de Ética e Disciplina”.77

E se o crime praticado for de competência do júri?

Se a vítima for civil, a competência será do júri popular. No entanto, se a vítima for militar, o crime doloso contra a vida, praticado por outro militar estadual, continua sendo da Justiça Militar.

Dessa maneira, a controvérsia sobre a constitucionalidade da Lei n. 9.299/96, que alterou o art. 9.º do CPM e o art. 82 do CPPM, fixando a competência da Justiça comum, ao menos em relação aos militares estaduais, está resolvida.

E, nessa hipótese, qual o processamento?

Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, em interessante observação, destaca que “os militares estaduais serão denunciados em caso de indícios de autoria e materialidade pelo promotor de justiça que atua perante o Tribunal do Júri. É importante observar que a Emenda Constitucional confirmou a competência da Justiça Comum, mas não alterou as disposições da Lei Federal n. 9.299/1996, que determina que o Inquérito Policial que apura a prática do crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil é o Inquérito Policial Militar — IPM. Assim, concluído o IPM este deve­rá ser remetido à Justiça Militar, para ser distribuído a um dos promotores de justiça que atua perante aquela Justiça Especializada. Após a manifestação do promotor, caberá ao juiz-auditor remeter os autos à Justiça Comum, Vara do Júri, para que o acusado seja processado e julgado na forma das disposições do Código de Processo Penal”.78

11.8.6.3.2. Composição e competência

Em relação à composição da Justiça Militar Estadual, a EC n. 45/2004 estabeleceu no art. 125, § 3.º, da CF/88, que a lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar Estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça (TJ), ou por Tribunal de Justiça Militar (TJM) nos Estados em que o efetivo militar seja superior a 20 mil integrantes (como em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul).

Do acórdão da decisão do TJM ou TJ caberá recurso para o STJ ou STF, ou para ambos, a depender da matéria. Deve-se deixar bem claro, então, que o STM (Superior Tribunal Militar) não aprecia matéria proveniente da Justiça Militar Estadual, restringindo-se à Justiça Militar Federal.

Percebe-se, assim, que, muito embora mantido o escabinato (colegiado formado por juízes togados e leigos com valor de voto igual para todos), materializando verdadeiro juízo hierárquico, há a possibilidade de julgamento monocrático na Justiça Militar Estadual.

O § 5.º do art. 125, introduzido pela EC n. 45/2004, dispõe que compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

Ao Conselho de Justiça Permanente compete processar e julgar as Praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) e Praças Especiais (Aspirante a Oficial e Aluno Oficial) da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar nos crimes militares definidos em lei, enquanto ao Conselho de Justiça Especial, os Oficiais (tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis) da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar nos delitos previstos na legislação penal militar.

Roberto Botelho observa que mesmo antes da Reforma, que fixou a presidência dos Conselhos para o juiz de direito, “... desde aquela época, todas as coletas de oitivas das partes já eram materializadas pelo juiz de direito togado...”.79

Assim, o juiz de direito do juízo militar estadual julgará, singularmente, todo crime militar cometido (pelo militar) contra civil, exceto o crime doloso contra a vida, já que, nos termos do art. 125, § 4.º, fica ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, e, como novidade e já estudado, julgará, também, os atos disciplinares praticados pelos militares.

CUIDADO: em relação à Justiça Militar da União, essa competência continua afeta ao Conselho de Justiça (Especial ou Permanente), não tendo sido atribuída a juiz-auditor80 pela EC n. 45/2004, embora a previsão na PEC Paralela da Reforma do Judiciário ainda esteja pendente de apreciação pelo Congresso Nacional.

Nesses casos de crimes militares cometidos contra civil (com a ressalva dos crimes dolosos contra vida), “os militares integrantes dos Conselhos, Especial ou Permanente, não poderão participar dos atos instrutórios. A matéria será analisada exclusivamente pelo Juiz, independentemente do grau hierárquico do militar acusado, praça ou oficial. A competência em atendimento a norma constitucional não mais se estabelece pelo posto ou graduação do agente, mas em razão da vítima ser um civil e suportar uma infração penal em tese praticada por um militar”.81

Os demais crimes militares definidos em lei serão julgados pelo Conselho de Justiça, que, formado pelo juiz togado e por 4 juízes militares, oficiais, sorteados e temporários para o exercício da função específica, será por aquele (juiz de direito) presidido.

Finalmente, como já referido, na Justiça Militar Estadual, o órgão recursal é o TJ ou TJM (onde houver), com atribuições também originárias, nos termos da lei.

Destacamos a previsão contida no art. 125, § 4.º, da CF/88, que estabelece ser atribuição do tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças, remetendo para a discussão no item seguinte.

Por todo o exposto, podemos resumir:

a Justiça Militar Estadual não julga civil, em nenhuma hipótese;

crime militar definido em lei praticado por militar estadual contra militar — julgamento pela Justiça Militar — Conselho de Justiça Especial ou Permanente, sob a presidência do juiz de direito;

crime militar definido em lei praticado por militar estadual contra civil — Justiça Militar (juiz de direito, e não o Conselho — vide art. 125, § 5.º), ressalvada a competência do júri popular (se a vítima for civil);

crime doloso contra a vida praticado por militar contra militar — a competência para processar e julgar é do Conselho de Justiça, presidido pelo juiz de direito da Justiça Militar Estadual;

o órgão recursal que aprecia a decisão da primeira instância (Auditorias Militares Estaduais), além de possuir competência originária, é o TJ ou o TJM (onde houver), e não o STM.

11.8.6.3.3. Aplicação da pena de perda do posto e da patente (oficiais) e da graduação (praças): atribuição exclusiva do Tribunal competente ou possibilidade de ser imposta como pena acessória?

O art. 102 do Código Penal Militar (CPM) estatui que a condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a 2 anos, importa sua exclusão das Forças Armadas.

A grande questão que precisamos enfrentar é saber se a perda do posto (Oficiais) e da graduação (Praças) dos militares estaduais depende ou não de procedimento específico perante o Tribunal competente, ou se pode ser aplicada como pena acessória nos termos do art. 102 do CPM.

Inicialmente, devemos confrontar o dispositivo indicado com o art. 125, § 4.º, da CF/88, e o art. 142, § 3.º, VI e VII. Vejamos:

Art. 102 do CPM

Art. 125, § 4.º, da CF/88

Art. 142, § 3.º, VI e VII, da CF/88

“a condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a 2 anos, importa sua exclusão das Forças Armadas”

“compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças

“o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra”

“o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior

A regra do art. 142, § 3.º, VI e VII, exige procedimento especial e autônomo por Tribunal Militar competente para o reconhecimento da perda do posto e da patente do Oficial que for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível.

Ao que se observa, a regra se aplica apenas aos oficiais, na medida em que as praças têm graduação, e não posto.

Essa regra se aplica apenas aos Oficiais das Forças Armadas ou deve ser estendida também para os oficiais militares estaduais?

O art. 142, § 3.º, VI e VII, traz regras sobre as Forças Armadas, mas, por força do art. 42, também se aplica aos militares estaduais.

Portanto, a regra de necessidade de decisão de Tribunal Militar competente em processo específico deve ser estendida também aos oficiais militares estaduais.

E como fica a situação das praças estaduais?

Como o texto do art. 142, § 3.º, VI e VII, direciona-se apenas aos oficiais, tendo em vista que esse dispositivo é aplicado aos oficiais militares estaduais, por força do art. 42 da CF/88, para as praças estaduais valeria a regra do art. 102 do CPM, e, assim, a exigência de procedimento específico para declaração da perda de cargo por Tribunal Militar não teria de ser observada.

Esse entendimento foi confirmado pelo STF no julgamento do RE 447.859 (j. 21.05.2015), por “placar” bastante apertado (6 x 5).

Em sentido contrário, contudo, os Ministros vencidos sustentavam que “a perda de graduação das praças das polícias militares deve ser declarada pelo tribunal competente — ou o Tribunal de Justiça ou Tribunal de Justiça Militar onde houver — mediante procedimento específico” (Notícias STF, 04.06.2009).

Concordamos com esse entendimento, vencido, que não prevaleceu no STF, especialmente diante da regra explícita do art. 125, § 4.º, da CF/88, que estabelece ser competência do tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Em nosso entender, essa regra específica (que iguala oficiais e praças no âmbito estadual) afastaria a regra geral do art. 142, § 3.º (que trata apenas de oficiais para o caso das Forças Armadas).

Resumindo:

Oficiais das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica): o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar, exigindo-se procedimento específico, não podendo ser aplicada a perda como pena acessória;

Praças das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica): como a indicação de procedimento específico só se direciona aos oficiais (art. 142, § 3.º, VI e VII), essa exigência da necessidade de decisão por tribunal militar não se aplica às praças das Forças Armadas;

Militares Estaduais (PM e Corpo de Bombeiros), oficiais ou praças: em nosso entender, aplica-se, para ambos, o art. 125, § 4.º, da CF/88, que exige um procedimento específico, perante Tribunal Militar competente, devendo ser afastado o art. 102 do CPM (nesse sentido, existem precedentes do STF).82 CONTUDO, conforme informado, esse entendimento não prevaleceu no julgamento do RE 447.859, tendo o STF firmado a interpretação no sentido de se exigir o processo específico apenas para os oficiais militares estaduais. Assim, às praças se aplica o art. 102 do CPM.83

11.8.6.3.4. Hierarquia militar estadual (postos e graduações da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar)

Conforme visto, a hierarquia e a disciplina também são a base institucional dos Militares Estaduais (PM e Corpo de Bombeiros), sendo que a autoridade e a responsabilidade também aqui estão relacionadas com o grau hierárquico.

A ordenação se faz por postos (oficiais) ou graduações (praças) e, dentro de um mesmo posto ou graduação, pela antiguidade (no posto ou na graduação).

Os graus hierárquicos seguem, com algumas particularidades, os do Exército. Não se fala em oficiais generais, não existindo, assim, no âmbito dos militares estaduais, General e Marechal. Abaixo reproduzimos quadro para conhecimento:84

 

POLÍCIA MILITAR

CORPO DE BOMBEIROS MILITAR

OFICIAIS SUPERIORES

Coronel PM

Coronel BM

Tenente-coronel PM

Tenente-coronel BM

Major PM

Major BM

OFICIAIS INTERMEDIÁRIOS

Capitão PM

Capitão BM

OFICIAIS SUBALTERNOS

1.º Tenente PM

1.º Tenente BM

2.º Tenente PM

2.º Tenente BM

PRAÇAS ESPECIAIS

Aspirante a Oficial PM

Aspirante a Oficial BM

Aluno Oficial PM85

Aluno Oficial BM

GRADUADOS (PRAÇAS)

Subtenente PM

Subtenente BM

1.º Sargento PM

1.º Sargento BM

2.º Sargento PM

2.º Sargento BM

3.º Sargento PM

3.º Sargento BM

Cabo PM

Cabo BM

Soldado PM

Soldado BM

11.8.6.3.5. Ministério Público Estadual e Defensoria Pública Estadual (Justiça Militar Estadual)85

Vale observar que tanto o Ministério Público Estadual como a Defensoria Pública Estadual mantêm representantes junto à Justiça Militar Estadual.

CUIDADO: em relação ao Ministério Público, contudo, apesar de no âmbito federal existir uma carreira própria para atuação perante a Justiça Militar da União — o MPM (art. 128, I, “c”) —, no âmbito estadual, seja em primeiro grau (Auditorias­ Militares, que correspondem às Varas na Justiça Comum), seja até mesmo no TJ ou TJM onde houver (SP, MG e RS — art. 125, § 3.º, da CF/88), a atuação dar-se-á por um membro do MP Estadual, não havendo uma carreira própria e específica de Ministério Público Militar Estadual. Trata-se de Promotoria de Justiça especializada­ com atuação perante a Auditoria Militar e o TJ ou TJM onde houver (SP, MG e RS).

11.8.6.4. Justiça Militar do Distrito Federal

Na mesma linha das regras para os Estados-Membros, o art. 36 da Lei n. 11.697/2008 estabelece que a Justiça Militar do Distrito Federal será exercida pelo TJ em segundo grau e, em primeiro grau, pelo Juiz de Direito do Juízo Militar e pelos Conselhos de Justiça (Conselho Permanente de Justiça, para processar e julgar as Praças e Praças Especiais, e Conselho Especial de Justiça, para processar e julgar os Oficiais), tendo por competência o processo e o julgamento dos crimes militares, definidos em lei, praticados por Oficiais, Praças e Praças Especiais da Polícia Militar do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.

Em nosso entender, embora a EC n. 45/2004 tenha se referido (em relação às novidades) somente à Justiça Militar Estadual, as regras apresentadas também valerão para a Justiça Militar do DF, apesar de organizada e mantida pela União.

11.8.7. Tribunais e Juízes dos Estados

Residualmente, compete à Justiça Estadual tudo o que não for de competência das Justiças especiais ou especializadas, nem da Justiça Federal.

Para se ter um exemplo, o STF editou a SV 27/2009 (DJE de 23.12.2009): “compe­te à Justiça estadual julgar causas entre consumidor e concessionária de serviço público de telefonia, quando a ANATEL não seja litisconsorte passiva necessária, assistente, nem opoente”, não se caracterizando, portanto, a regra contida no art. 109, I.

Organiza-se em dois graus de jurisdição (“instâncias”), sendo o primeiro, em regra, monocrático, ou seja, o julgamento é realizado por um só juiz (exceções: a) Juntas Eleitorais, b) Tribunal do Júri, c) Conselhos de Justiça Militares, d) processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, de acordo com a decisão do juiz — Lei n. 12.694/2012 etc.),86 e o segundo, normalmente, por órgãos colegiados (veja, contudo, a regra do art. 34 da Lei n. 6.830/80, admitindo, além de embargos de declaração, os “embargos infringentes” em face das decisões proferidas nas execuções fiscais de até 50 ORTN, para o mesmo juízo singular prolator da decisão. Lembrar a possibilidade de cabimento de recurso extraordinário contra a aludida decisão que julga os embargos infringentes, desde que esgotada a instância ordinária, nos termos da S. 640/STF e leading case no RE 136.154-9).

Em relação ao julgamento em primeira instância, destaca-se a Lei Estadual de Alagoas n. 6.806/2007, que criou a 17.ª Vara Criminal da Capital, com competência exclusiva para processar e julgar delitos praticados pelo crime organizado naquele Estado, e que terá titularidade coletiva, sendo composta por 5 Juízes de Direito.

O STF, no julgamento da ADI 4.414, em 31.05.2012, entendeu como constitucional a previsão colegiada. “Articulou-se possível que lei estadual instituísse órgão jurisdicional colegiado em 1.º grau. Rememoraram-se exemplos equivalentes, como Tribunal do Júri, Junta Eleitoral e Turma Recursal. Analisou-se que a composição de órgão jurisdicional inserir-se-ia na competência legislativa concorrente para versar sobre procedimentos em matéria processual (CF, art. 24, XI). Assim, quando a norma criasse órgão jurisdicional colegiado, isso significaria que determinados atos processuais seriam praticados mediante a chancela de mais de um magistrado, questão meramente procedimental. Avaliou-se que a lei estadual teria atuado em face de omissão de lei federal, relativamente ao dever de preservar a independência do juiz na persecução penal de crimes a envolver organizações criminosas. Observou-se que o capítulo do CPP referente à figura do magistrado não seria suficiente para cumprir, em sua inteireza, o mandamento constitucional do juiz natural (CF, art. 5.º, XXXVII e LIII), porque as organizações criminosas representariam empecilho à independência judicial, na forma de ameaças e outros tipos de molestamentos voltados a obstaculizar e desmoralizar a justiça. A corroborar essa tese, citou-se o II Pacto Republicano de Estado, assinado em 2009, a estabelecer como diretriz a criação de colegiado para julgamento em 1.º grau de crimes perpetrados por organizações criminosas, para trazer garantias adicionais aos magistrados, em razão da periculosidade das organizações e de seus membros” (Inf. 668/STF).

Como visto, existe expressa possibilidade de lei estadual, mediante proposta do Tribunal de Justiça, criar a Justiça Militar Estadual (art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º), já analisada nos termos da EC n. 45/2004.

Por fim, em busca da efetividade do processo e da adequada prestação jurisdicional, a Reforma do Judiciário introduziu duas importantes regras (§§ 6.º e 7.º do art. 125):

a possibilidade de o TJ funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases do processo;

o dever de instalar a Justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.

11.8.8. Varas Agrárias e os conflitos fundiários

No tocante à solução de conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça Estadual proporá a criação de Varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias (art. 126, caput, na redação determinada pela EC n. 45/2004), sendo que, sempre que necessário, far-se-ão presentes no local do litígio. No entanto, havendo fatos que atentem contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei, a competência será da Justiça Federal (art. 109, I, c/c o art. 144, § 1.º, I).87

Em relação aos conflitos fundiários, cumpre ressaltar a existência de Varas especializadas também em âmbito federal, embora ainda não implementadas na maioria dos Estados da Federação.

Dessa maneira, por exemplo, havendo interesse da União, ou, ainda, do INCRA (autarquia federal), a competência será da Justiça Federal.

Procurando a fixação de limites para a identificação das matérias de competência­ das Varas Agrárias Estaduais, levando em conta interessante compilação de entendimentos doutrinário e jurisprudencial, Eneas de Oliveira Matos fixou como de compe­tência de Vara Especializada Estadual as questões agrárias decorrentes e referentes:

“do domínio, da posse da terra e de direitos de vizinhança em terras rurais; assim, por exemplo, as ações possessórias, reivindicatórias, usucapião, demarcatórias e divisórias;

à disputa do solo, seus acessórios naturais e benfeitorias; assim, também, as relativas aos direitos reais sobre propriedades rurais, considerada a especificidade da propriedade imobiliária rural;

do registro público dos imóveis rurais;

à prática da atividade agrária, assim consideradas as atividades agrárias de produção, as rurais típicas, como de lavoura, pecuária, hortigranjearia, extrativismo animal e vegetal, exploração florestal, exploração florestal atípica, como a agroindústria, atividade agrária de conservação dos recursos naturais renováveis, atividades agrárias de pesquisa e experimentação, e atividades complementares da atividade agrária; excluindo-se as atividades relacionadas com energia hidráulica, exploração de minérios e recursos marítimos;

dos negócios com os bens agrários e assim dos contratos agrários, incluindo-se as causas referentes ao crédito e fomento da atividade agrária, e as da produção e comercialização de produtos;

para ações de reparação de dano com origem na atividade agrária”.

E concluiu: “estão excluídos, como se pode notar, evidentemente, das Varas Agrárias Estaduais os casos em que há competência em razão da pessoa e em razão da matéria para a Justiça Federal, e também as causas trabalhistas (de competência da Justiça do Trabalho), previdenciárias e tributárias (da Justiça Federal), causas referentes a crimes e contravenções penais (às varas criminais e juizados especiais criminais, destinando-se as Varas Agrárias Estaduais mais para o problema fundiário e de desenvolvimento da atividade agrária) ou, ainda, nas comarcas que, tendo em vista o volume de demandas agrárias, não se justifique a criação de Vara Agrária Estadual, pelo que, nesse caso, deverão ser julgadas perante Vara Cível”.88

Cabe lembrar que a Portaria n. 491, de 11.03.2009 (CNJ), após a Recomendação n. 22/2009, instituiu, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, o Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, com a atribuição de elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos, o reforço à efetividade dos processos judiciais e a prevenção de novos conflitos.

Em 11.05.2009, ocorreu o Seminário de Instalação do Fórum Nacional Fundiá­rio, tendo sido elaboradas propostas de aprimoramento da gestão fundiária no Brasil, destacando-se:

criação de Varas Agrárias;

mediação e conciliação dos conflitos agrários;

combate ao trabalho análogo ao trabalho escravo;

capacitação de magistrados.

Sem dúvida, a especialização na matéria caracterizará importante ferramenta para a efetividade e, por conseguinte, para o cumprimento de objetivos da Reforma do Judiciário.

Segundo Gilmar Mendes, na cerimônia de instalação do Fórum: “uma judicialização efetiva, uma resposta no tempo socialmente certo e politicamente adequado ‘minimiza, reduz e previne outros conflitos’” (Notícias STF, 11.05.2009).

11.8.9. Justiça Estadual é competente para julgar crimes comuns entre silvícolas

Por 6 x 3, o STF entendeu, no julgamento do RE 419.528, que “crimes comuns cometidos entre índios serão julgados pela Justiça comum”.

Buscava-se apurar a prática dos crimes de ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal e/ou tentativa de homicídio, atribuídos a 3 índios contra uma menina de 15 anos, também de origem indígena.

Conforme o voto do Ministro Cezar Peluso, acompanhando os fundamentos do voto do Ministro Maurício Corrêa, no tocante ao alcance do art. 109, XI, da CF, no julgamento do HC 81.827/MT (DJU de 23.08.2002), a competência será da Justiça Federal quando forem veiculadas “... questões ligadas aos elementos da cultura indígena e aos direitos sobre terras, não abarcando delitos isolados praticados sem nenhum envolvimento com a comunidade indígena (...). Para o Min. Cezar Peluso, a expressão ‘disputa sobre direitos indígenas’, contida no mencionado inciso XI do art. 109, significa: a existência de um conflito que, por definição, é intersubjetivo; que o objeto desse conflito sejam direitos indígenas; e que essa disputa envolva a demanda sobre a titularidade desses direitos. Asseverou, também, estar de acordo com a observação de que o art. 231 da CF se direciona mais para tutela de bens de caráter civil que de bens objeto de valoração estritamente penal”. Assim, “o delito comum cometido por índio contra outro índio ou contra um terceiro que não envolva nada que diga singularmente respeito a sua condição de indígena, não guarda essa especificidade que reclama da Constituição a tutela peculiar prevista no art. 231, nem a competência do art. 109, XI”. Nessas hipóteses, a competência será da Justiça Estadual (RE 419.528/PR, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, 03.08.2006 — Inf. 434/STF).89

11.8.10. Tribunais e Juízes do Distrito Federal e Territórios

Como vimos, a Justiça do Distrito Federal e Territórios, formada pelos Tribunais e Juízes do Distrito Federal e Territórios, será organizada e mantida pela União (arts. 21, XIII, 22, XVII; e 33, § 3.º), que também criará os Juizados Especiais e a Justiça de Paz (art. 98, I e II).

Trata-se, portanto, de leis federais, alertando-se, contudo, que a iniciativa para o encaminhamento dos projetos de lei será exclusiva do TJDFT, nos termos do art. 96, II, da CF/88, destacando-se a Lei (federal) n. 11.697/2008 (dispõe sobre a organização judiciária do Distrito Federal e dos Territórios) e o projeto de lei (federal, encaminhado pelo TJDFT), dispondo sobre o provimento de mandato eletivo de juiz de paz, já apreciado pelo CNJ no Parecer de Mérito sobre o Anteprojeto de Lei n. 0005505-50.2011.2.00.0000.

Ainda, consoante o parágrafo único do art. 110 da CF/88, em relação aos Territórios, a jurisdição e as atribuições cometidas aos juízes federais (Justiça Federal comum) caberão aos juízes da justiça local, na forma da lei.

Nesse sentido, em relação ao Distrito Federal, e isso pode ser um detalhe para fazer a diferença nos concursos, cada vez mais exigentes, como ensina José Afonso da Silva, “... o Poder Judiciário (...), em verdade, não é dele, pois, nos termos do art. 21, XIII, compete à União organizar e manter o Poder Judiciário do Distrito Federal; ‘do’ no texto constitucional não indica uma relação de pertinência, mas de simples localização, significando aquele que atua no território da unidade federada. Se é à União que cabe organizar e manter, isso significa que o órgão é dela, embora destinado ao Distrito Federal. Nesse particular, a autonomia deste ficou razoavelmente diminuída... uma vez que o Poder Judiciário que nele atua continuará na mesma si-tuação do regime constitucional anterior, tanto que está igualmente previsto que é da competência da União legislar sobre a organização Judiciária do Distrito Federal... (art. 22, XVII)”.90

Para reforçar a regra acima, citamos o art. 53 da Lei Orgânica do DF (Lei n. 11.697/2008), que estabelece serem Poderes do DF, independentes e harmônicos entre si, o Executivo e o Legislativo, não incluindo o Poder Judiciário, que, como vimos, é organizado e mantido pela União.

Nessa linha, destacamos, finalmente, o art. 98, I e II, da CF, que atribuiu à União competência para a criação dos Juizados Especiais e da Justiça de Paz no Distrito Federal e Territórios.