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PARTIDOS POLÍTICOS E O FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS

18.1. Conceito

Partido político pode ser conceituado como uma “... organização de pessoas reunidas em torno de um mesmo programa político com a finalidade de assumir o poder e de mantê-lo ou, ao menos, de influenciar na gestão da coisa pública através de críticas e oposição”.1

Para José Afonso da Silva, partido político “... é uma agremiação de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo. No dizer de Pietro Virga: ‘são associações de pessoas com uma ideologia ou interesses comuns, que, mediante uma organização estável (Partei-Apparati), miram exercer influência sobre a determinação da orientação política do país’”.2 

18.2. Regras constitucionais

A primeira regra refere-se à liberdade de organização partidária, visto ser livre a criação, a fusão, a incorporação e a extinção dos partidos políticos (sobre a fusão de partidos políticos, cf. Lei n. 13.107/2015).

Não se trata de liberdade partidária absoluta, no entanto, uma vez que deverão ser resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

caráter nacional;

proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

prestação de contas à Justiça Eleitoral;

funcionamento parlamentar de acordo com a lei;

vedação da utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

Assegura-se aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo constar dos estatutos partidários normas a respeito da fidelidade e disciplina partidárias, podendo, inclusive, prever sanções (como advertência, exclusão...) em caso da infidelidade partidária (desrespeito às regras dos estatutos, objetivos, diretrizes, ideais...), não podendo nunca, porém, ensejar a perda do mandato, cujas hipóteses estão taxativamente previstas no art. 15 da CF, que repudia, de forma expressa, a cassação de direitos políticos.

Em relação a esse assunto, o STF, “... por maioria, deferiu medida liminar em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para suspender, até decisão final da ação, o § 1.º do art. 8.º da Lei n. 9.504/97, que assegura aos detentores de mandato de Deputado Federal, Estadual ou Distrital, ou de Vereador, e aos que tenham exercido esses cargos em qualquer período da legislatura que estiver em curso, o registro de candidatura para o mesmo cargo pelo partido a que estejam filiados. Considerou-se que a norma atacada ofende, à primeira vista, o princípio da autonomia dos partidos políticos, previsto no art. 17, § 1.º, da CF (...). Os Ministros Ellen Gracie e Maurício Corrêa deferiram a cautelar com fundamento mais extenso, qual seja, a aparente ofensa ao princípio da igualdade entre os detentores de mandato eletivo e os integrantes do partido. Vencido o Min. Ilmar Galvão, que indeferia a medida liminar, por entender que o referido dispositivo estabelece a conciliação entre a autonomia dos partidos e o direito do filiado que, abandonando sua vida profissional, se dedica ao exercício de mandatos” (Inf. 265/STF, ADI 2.530). Portanto, com esse entendimento, fica suspensa a denominada “candidatura nata” (matéria pendente de julgamento pelo STF).

A constituição dos partidos políticos consolida-se na forma da lei civil, perante o Serviço de Registro Civil de Pessoas Jurídicas competente (na Capital Federal, Brasília — art. 8.º da Lei n. 9.096/95) e, posteriormente, já tendo adquirido a personalidade jurídica, formaliza-se com o registro de seus estatutos perante o TSE.

Não obstante haja a necessidade de registro perante o TSE, órgão de natureza pública, essa formalidade não atribui a mesma natureza aos partidos políticos, já que sua constituição não obedece às regras básicas de constituição da pessoa jurídica de direito público, quais sejam, a criação por lei e a inexigência de registro de seus instrumentos constitutivos.

Definitivamente, os partidos políticos são verdadeiras instituições, pessoas jurídicas de direito privado, na medida em que a sua constituição se dá de acordo com a lei civil, no caso a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).3 

Essa regra é corroborada pelos arts. 45 e 985 do Código Civil de 2002, que, trazendo­ disposições gerais, fixa o início da existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida,­ quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. O art. 120 da Lei de Registros Públicos, lei especial, estabelece os requisitos específicos.

Vale lembrar que o ato do TSE que analisa o pedido de registro partidário não tem caráter jurisdicional, mas, conforme asseverou o STF, tem natureza meramente administrativa. Por esse motivo, o STF entendeu que, em razão da inexistência do caráter jurisdicional contra a decisão do TSE, não caberia a interposição de recurso extraordinário (RE 164.458-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, j. 27.04.1995, DJ de 02.06.1995).

É de observar, também, que os partidos políticos, uma vez constituídos e com registro perante o TSE, têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei (art. 17, § 3.º), sendo beneficiados pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF, nos seguintes termos: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir imposto sobre o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações”.

18.3. Inconstitucionalidade da cláusula de barreira — proteção constitucional às minorias. “DIREITO DE ANTENA”

O STF, ao julgar as ADIs 1.351 e 1.354, entendeu inconstitucionais os dispositivos da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) que instituíram a chamada “cláusula de barreira”, a qual “restringia o direito ao funcionamento parlamentar, o acesso ao horário gratuito de rádio e televisão e a distribuição dos recursos do Fundo Partidário” (Notícias STF, 07.12.2006 — 20h29).

Assim, o STF declarou inconstitucionais diversos dispositivos que procuravam condicionar “... o funcionamento parlamentar a determinado desempenho eleitoral, conferindo, aos partidos, diferentes proporções de participação no Fundo Partidário e de tempo­ disponível para a propaganda partidária (‘direito de antena’), conforme alcançados, ou não, os patamares de desempenho impostos para o funcionamento parlamentar”.

“Entendeu-se que os dispositivos impugnados violam o art. 1.º, V, que prevê como um dos fundamentos da República o pluralismo político; o art. 17, que estabelece ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana; e o art. 58, § 1.º, que assegura, na constituição das Mesas e das comissões permanentes ou temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa, todos da CF”. Ainda não se poderia deixar de preservar as minorias parlamentares: “no Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais da mi­noria, tais como a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública” (ADI 1.351/DF e ADI 1.354/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 07.12.2006 — Inf. 451/STF).

Avançando à regra que assegura o denominado direito de antena, o STF, no julgamento das ADIs 4.430 e 4.795, entendeu estar garantida, mesmo às legendas criadas após as últimas eleições, a possibilidade de participar do rateio de 2/3 do tempo da propaganda, que é dividido entre os partidos com representação na Câmara dos Deputados, nos termos do art. 47, § 2.º, II, da Lei n. 9.504/97. Ainda, tendo em vista a regra do art. 17, § 3.º, da CF/88, determinou que o outro terço do tempo deveria ser rateado entre todos os partidos, mesmo que não tenham representação na Câmara dos Deputados (Inf. 672/STF).

Devemos observar que a chamada minirreforma eleitoral (Lei n. 13.165/2015) alterou esses critérios para distribuição dos horários reservados à propaganda eleitoral (art. 47, § 2.º, I e II), restringindo o direito das minorias. Essa questão está em debate no STF na ADI 5.491 (pendente).

18.4. O princípio da verticalização das coligações partidárias e a EC n. 52/2006

18.4.1. Primeiro momento — a consagração da regra da verticalização das coligações partidárias pelo TSE

Retomando a regra do art. 17, I, da CF/88, que prevê a observância do preceito do caráter nacional dos partidos políticos, muita discussão surgiu em torno da decisão do TSE que determinou a verticalização das coligações partidárias para as eleições de 2002 (cf. art. 4.º, § 1.º, da Instrução Normativa n. 55/TSE, de 26.02.2002 — Res. n. 20.993/2002 e Res. n. 21.002/2002, tendo em vista a Consulta­ n. 715/021).4

Isso porque, ao interpretar o art. 6.º, caput, da Lei n. 9.504/97,5 o TSE entendeu que a circunscrição maior (federal — candidatos à Presidência da República) engloba a menor (estadual — Governador, Senadores, Deputados Federais e Estaduais).

De maneira bastante interessante, em seu voto à Consulta n. 715, a Ministra Ellen Gracie, retomando o entendimento firmado na Consulta n. 382-TSE (Rel. Min. Néri da Silveira) e na Consulta n. 738, que consagrou o princípio da simetria entre candidaturas majoritárias e proporcionais, com propriedade, asseverou: “... o âmbito de validade da restrição a que corresponde a cláusula — dentro da mesma circunscrição — deve ser entendido como o espaço maior, aquele em que se dá a eleição nacional. As coligações que neste patamar se formarem condicionam e orientam as que forem propostas para o âmbito dos estados-membros”. Qualquer outro entendimento, completa, levaria “... a situações de bicefalia, ou, se preferirem, de esquizofrenia partidária, no nível estadual. Ou então, pior ainda, levariam a indesejáveis dissidências regionais em relação aos partidos, os quais, na forma da Constituição Federal, têm caráter nacional (art. 17, I)”.

A regra do caráter nacional dos partidos políticos, conclui, “... sinaliza no sentido da coerência partidária e no da consistência ideológica das agremiações e das alianças que se venham a formar, com inegável aperfeiçoamento do sistema político-partidário”.

Assim, os partidos políticos, para a coligação nas eleições estaduais, deverão obedecer, tendo em vista a também denominada “teoria dos conjuntos” (circunscrição maior absorvendo a menor), aos mesmos termos dos acordos nacionais fixados para as eleições presidenciais.

Apenas se alerta que referida regra da verticalização não se aplica às eleições municipais, já que, nessas hipóteses, não há simultaneidade de circunscrições. Isso porque a eleição municipal ocorre em momento diverso dos demais pleitos, caracterizando-se no jargão eleitoral, conforme lembrou o Ministro Nelson Jobim, uma “eleição solteira” (voto em CTA n. 715/2002).

Alerta-se, ainda, que, em segunda apreciação sobre o assunto, ao responder a diversas consultas (vide, v. g., as de ns. 745/DF, 758/DF, 759/DF, 760/DF, 762/DF e 766/DF), o Ministro relator, Fernando Neves, refletindo o entendimento do TSE, flexibilizou as alianças para os partidos que não apresentem candidatos à presidência: “Consulta — Partido que não lançou candidato à eleição presidencial, isoladamente ou em coligação — Coligações — Possibilidades. 1. Partido político que não esteja disputando a eleição presidencial, isoladamente ou em coligação, pode, em Estados diversos e no Distrito Federal, celebrar coligações para as eleições majoritárias estaduais, com diferentes partidos que estejam disputando a eleição presidencial, com diferentes candidatos. 2. A coligação formada para disputar a eleição presidencial pode ser dividida e os partidos que a componham disputar, em grupos ou isoladamente, a eleição para governador. 3. Os partidos ou coligações não estão obrigados a lançar candidatos a todos os cargos em disputa” (CTA n. 762, Res. n. 21.048/TSE).

18.4.2. Ataques à regra da verticalização das coligações partidárias fixada pelo TSE

A regra da verticalização das coligações partidárias (circunscrição federal em relação à estadual e distrital) imposta pelo TSE sofreu, contudo, três importantes “ataques”:

foi questionada no STF (ADIs 2.628-3, de 14.03.2002; e 2.626-7, de 12.03.2002, Rel. Min. Sydney Sanches);

ensejou a elaboração de projeto de decreto legislativo do CN objetivando suspender a aludida decisão do TSE que determinou a vinculação das coligações partidárias federais e estaduais;

motivou a elaboração da PEC n. 4/02-SF (PEC n. 548/02-CD), pretendendo alterar o § 1.º do art. 17.

O STF, por maioria, não conheceu das duas ADIs, entendendo “... que o dispositivo impugnado limitou-se a dar interpretação ao art. 6.º da Lei n. 9.504/97, caracterizando-se, portanto, como ato normativo secundário de natureza interpretativa, de modo que os eventuais excessos do poder regulamentar da Resolução em face da Lei n. 9.504/97 não revelariam inconstitucionalidade, mas sim eventual ilegalidade frente à Lei ordinária regulamentada, sendo indireta, ou reflexa, a alegada ofensa à CF, cuja análise é incabível em sede de controle abstrato de normas” (Inf. 264/STF, 15 a 19.04.2002).

O projeto de decreto legislativo, após ser considerado inconstitucional pelo Presidente da CD, restou prejudicado por 263 votos a 152.

A PEC n. 4/2002 foi aprovada em segundo turno no SF. Encaminhada para a CD, recebeu o n. 548/2002, tendo sido, em 13.02.2004, apresentado o Parecer da CCJR do relator, Deputado José Ivo Sartori, pela admissibilidade. Em 08.02.2006, o Plenário da CD aprovou, em segundo turno, a referida PEC, acabando com a obrigatoriedade­ da verticalização das coligações partidárias em campanhas eleitorais. A PEC só foi promulgada como EC n. 52 em 08.03.2006, portanto, um mês após a sua aprovação, com a seguinte redação conferida ao art. 17, § 1.º, da CF/88:

“Art. 17. (...) § 1.º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.

O art. 2.º da EC n. 52/2006 determinou a sua aplicação às eleições que ocorreram no ano de 2002, já finda! Sem dúvida, o objetivo dessa remissão era fazer com que a nova regra, supostamente direcionada para as eleições de 2002, já se aplicasse para as eleições de 2006.

A demora em promulgar a referida PEC, já aprovada, certamente deveu-se ao temor da regra fixada no art. 16 da CF/88 e abaixo comentada.

Isso porque se vislumbrava a possibilidade de o TSE mudar o entendimento firmado em 2002, revendo a Resolução TSE n. 21.002/02, em razão de nova consulta formulada por Ronaldo Nóbrega Medeiros, Secretário-Geral da Comissão Executiva Nacional do Partido Social Liberal (CTA n. 1.185/2005 e Res. n. 22.161).

Entretanto, em 03.03.2006, o TSE, por 5 x 2, manteve o entendimento de 2002, reforçando a regra da verticalização das coligações partidárias para as eleições de 2006.

Sem outra alternativa, as Mesas da CD e do SF promulgaram, como visto, em 08.03.2006, a EC n. 52.

Primeira questão: a nova regra é constitucional?

Em nosso entender, a EC n. 52/2006 viola a cláusula pétrea do direito e garantia individual de terem os partidos políticos caráter nacional, coerência partidária e consistência ideológica, bem como o princípio da segurança jurídica, já que inova violando a regra do devido processo eleitoral.

Segunda questão: sendo considerada constitucional, a nova regra poderia ter sido aplicada às eleições de 2006?

Entendemos que não, pois, ao ser promulgada e publicada, a EC n. 52/2006 suplantou a Res. n. 21.002/2002, afastando, expressamente, a regra da verticalização.

Trata-se, portanto, sem dúvida, de lei nova que altera o processo eleitoral. Assim, nos termos do art. 16 da CF/88, a nova regra, que entrou em vigor na data de sua publicação (09.03.2006), não poderia ser aplicada à eleição que ocorresse até um ano da data de sua vigência (09.03.2007).

O art. 16 da CF/88, reforçado pela regra que lhe foi conferida pela EC n. 4/94, consagra, de vez e claramente, a cláusula constitucional da anualidade, caracterizadora da segurança jurídica do processo eleitoral, evitando, assim, surpresas, tanto para o cidadão e eleitor como para o interessado em se candidatar.

Sepúlveda Pertence, ao comentar o art. 16 da CF/88, observou tratar-se de “... inovação salutar inspirada na preocupação de qualificada estabilidade e lealdade do devido processo eleitoral: nele a preocupação é especialmente de evitar que se mudem as regras do jogo que já começou, como era frequente, com os sucessivos ‘casuísmos’, no regime autoritário decaído” (voto em Consulta n. 715/TSE).

Celso de Mello, em igual sentido, em outro julgado, destacou a importância da regra do art. 16 da CF/88, mesmo antes de sua nova redação fortalecida pela EC n. 4/94: “... A norma inscrita no art. 16 da Carta Federal, consubstanciadora do princípio­ da anterioridade da lei eleitoral, foi enunciada pelo constituinte com o declarado­ propósito de impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações casuisticamente nele introduzidas, aptas a romperem a igualdade de participação dos que nele atuem como protagonistas principais: as agremiações partidárias e os próprios candidatos...” (STF, Pleno, ADI 353-MC/DF — DJ 1, de 12.02.1993, p. 1450).

Deve-se ressaltar que, no caso de lei definindo regras para a hipótese da eleição indireta no regime de dupla vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República (art. 81, § 1.º), não há falar em necessidade de observar o art. 16, já que, conforme interpretou o STF no julgamento das ADIs 4.298 e 4.309 (07.10.2009), não se cuida de lei materialmente eleitoral, mas de lei que trata de “... matéria político-administrativa que demandaria típica decisão do poder geral de autogoverno, inerente à autonomia política dos entes federados” (Inf. 562/STF — cf. item 10.4.6.3).

18.4.3. Ataques à regra da EC n. 52/2006, que expressamente acabou com a obrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias. Mantida a verticalização para as eleições de 2006 (anualidade eleitoral — art. 16 da CF). A EC n. 52/2006 entrou em vigor na data de sua publicação, mas somente poderá ser aplicada às eleições que ocorram até um ano da data de sua vigência

Conforme visto, o objetivo explícito da EC n. 52/2006 foi sepultar, de vez, a regra da obrigatoriedade das coligações partidárias, já que, ao modificar o art. 17, § 1.º, da CF/88, assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Buscando afastar essa nova prescrição trazida pela EC n. 52/2006, três medidas foram tomadas por aqueles que eram favoráveis à preservação do princípio da verticalização das coligações partidárias:

MS 25.811 — ajuizado em 27.01.2006 pelo Deputado Federal Miro Teixeira, ainda durante a tramitação do processo legislativo, buscava suspender a votação da referida PEC n. 548-B/2002, que objetivava o fim da verticalização das coligações políticas e viria a ser transformada na EC n. 52/2006.

O Ministro Cezar Peluso julgou prejudicado o referido MS, uma vez que veio a ser apreciado somente quando a PEC já havia se transformado em EC n. 52/2006. Consoante estudado no item 6.4.1.3 deste trabalho, o controle prévio ou preventivo rea­lizado pelo parlamentar para assegurar o devido processo legislativo de formação da lei visa, exclusivamente, “trancar” o andamento do processo legislativo. Quando o projeto se transforma em espécie normativa, perde utilidade o mandado de segurança, devendo a norma produzida ser atacada mediante controle difuso ou concentrado, posterior e repressivo.

Outro ponto a justificar o não conhecimento do MS foi o fato de o STF ter mantido a regra da verticalização no julgamento da ADI 3.685, como se verá a seguir, só que, dando interpretação conforme o art. 16 da CF/88, tendo em vista o princípio da anualidade.

ADI 3.685 — ajuizada em 09.03.2006, pelo Conselho Federal da OAB, objetivava reconhecer a inconstitucionalidade da nova regra por violação ao art. 16 da CF/88;

ADI 3.686 — ajuizada em 09.03.2006, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), também pretendia a declaração de inconstitucionalidade da EC n. 52/2006, aduzindo diversos argumentos.6

O STF, em um primeiro momento, tendo em vista a conexão da ADI 3.686 com a de n. 3.685, determinou o julgamento conjunto das ações.

Em 15.03.2006, porém, a Ministra Relatora, Ellen Gracie, entendeu que, em relação à ação ajuizada pela CONAMP, não se reconhecia a necessária pertinência temática entre os fins institucionais da Associação de Classe do MP e o alcance da norma impugnada, qual seja, a EC n. 52/2006. Assim, negou seguimento à ADI 3.686.7

Restou o julgamento da ADI 3.685, ajuizada pela OAB, que restringia o pedido à violação do art. 16 da CF/88.

Em nosso entender, a EC n. 52/2006 deveria ter sido reconhecida como totalmente inconstitucional, já que violou a cláusula pétrea do direito e garantia individual,­ do caráter nacional dos partidos políticos e da segurança jurídica — art. 60, § 4.º, IV, c/c os arts. 17, I; 16; e 5.º, caput, todos da CF/88.

Contudo, por 9 x 2, tendo em conta o chamado “princípio” (mais tecnicamente, verdadeira “regra”) da anualidade, previsto expressamente no art. 16 da CF/88, e buscando evitar o atalhamento da Constituição,8 o STF estabeleceu que a nova disposição não poderia ser aplicada às eleições de 2006.

Nesse sentido, reconheceu que “a emenda violou a Constituição Federal e julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002’, contida no artigo 2.º da emenda atacada. A Ministra também deu interpretação conforme à Constituição à parte remanescente da emenda, no sentido de que as novas regras sejam aplicadas somente após um ano da data de sua vigência” (Notícias STF, 22.03.2006. Cf. ADI 3.685, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 22.03.2006, DJ de 10.08.2006).

18.5. fidelidade partidária

O tema da fidelidade partidária é extremamente relevante e decorre de uma análise sistemática da Constituição. Em um primeiro momento, não havia lei dis­ciplinando o assunto, e, então, diante dessa lacuna, o TSE normatizou por meio de resolução.

Parte da doutrina e alguns parlamentares sustentavam que o TSE, ao legislar, teria usurpado competência legislativa e, acima de tudo, criado mais uma hipótese de perda de mandato não expressa no art. 55 da CF.

Apesar da excelência dos argumentos, sustentamos que as regras definidas pela Corte Eleitoral por meio de resolução encontram fundamento no art. 55, V, que estabelece a perda do mandato “quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição”.

Posteriormente, o tema veio a ser regulamentado pela Lei n. 13.165/2015 (minirreforma eleitoral).

18.5.1. Sistema proporcional

Em relação ao sistema proporcional (eleição de deputados federais, estaduais, distritais e vereadores), o STF, em 03 e 04.10.2007, julgando os MS 26.602, 26.603 e 26.604, resolveu a matéria e estabeleceu que a fidelidade partidária deve ser respeitada pelos candidatos eleitos.

Dessa forma, teoricamente, aquele que mudar de partido (transferência de legenda) sem motivo justificado perderá o cargo eletivo.

Isso porque reconheceu o STF o caráter eminentemente partidário do sistema proporcional e as inter-relações entre o eleitor, o partido político e o representante eleito.

Mudar de partido caracteriza desvio ético-político e gera desequilíbrio no Parlamento. É fraude contra a vontade do povo.

No caso dos referidos mandados de segurança, deixamos claro novamente, o STF os apreciou somente em relação aos mandatos eletivos sob as regras do sistema proporcional (deputados e vereadores). Nesse sentido, seguindo o julgamento pelo TSE na CTA n. 1.398, o STF fixou a data de 27.03.2007 como o marco a partir do qual qualquer eleito (pelo sistema proporcional) que mudar de partido, sem justo motivo, estará violando as regras de fidelidade partidária.

Em complemento ao tema, cabe observar decisão bastante complexa proferida pelo STF em relação à transferência ou não do direito de sucessão ao novo partido em razão de mudança por justa causa, na hipótese de superveniente vacância, no caso concreto, em razão de morte do parlamentar eleito.

A situação concreta envolvia a mudança de partido pelo então Deputado Federal Clodovil Hernandez, famoso estilista, tendo sido reconhecida a justa causa pelo TSE.

Com a morte de Clodovil, surgiu a questão de saber se o suplente deveria ser do partido pelo qual ele foi eleito ou do novo partido que o recebeu em virtude da mudança por justa causa.

A questão foi resolvida pelo Pleno no julgamento do MS 27.938, nos seguintes termos:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. TROCA DE PARTIDO. JUSTA CAUSA RECONHECIDA. POSTERIOR VACÂNCIA DO CARGO. MORTE DO PARLAMENTAR. SUCESSÃO. LEGITIMIDADE. O reconhecimento da justa causa para transferência de partido político afasta a perda do mandato eletivo por infidelidade partidária. Contudo, ela não transfere ao novo partido o direito de sucessão à vaga. Segurança denegada” (MS 27.938, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11.03.2010, Plenário, DJE de 30.04.2010).

Conforme anotou o Min. Joaquim Barbosa, “como a troca de partidos não é submetida ao crivo do eleitor, o novo vínculo de fidelidade partidária não recebe legitimidade democrática inequívoca para a sua perpetuação e, assim, não há a transferência da vaga à nova sigla”.

18.5.2. Sistema majoritário

O TSE, no julgamento da CTA 1.407, entendeu, em um primeiro momento, que também para os cargos eletivos pelo sistema majoritário incidiria a regra de perda do cargo para o eleito infiel (salvo, claro, justa causa). Para esses cargos, a data-marco foi 16.10.2007, ou seja, qualquer eleito pelo sistema majoritário (Chefes de Executivo e Senadores) que mudasse de partido a partir de referida data perderia o cargo, salvo justo motivo.

Esse entendimento foi confirmado pela Corte Eleitoral na Res. n. 22.610/2007 que disciplinou o processo de perda de cargo eletivo, bem como o de justificação de desfiliação partidária.

O STF definiu como competente a Justiça Eleitoral para dispor sobre o tema da perda de mandato, tendo em vista o seu poder regulamentar (ADI 3.999 e ADI 4.086, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 12.11.2008, DJE de 17.04.2009).

CONTUDO, em momento seguinte, outro ponto diverso foi trazido na ADI 5.081, proposta pelo PGR: a Justiça Eleitoral teria legitimidade para estender a regra da fidelidade partidária aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário (Chefes do Executivo e Senadores da República)?

NÃO.

Em 27.05.2015, a Corte, por unanimidade, fixou a seguinte tese: “a perda do mandato em razão da mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor”.

De acordo com o item 3 da ementa do voto do Min. Barroso, “o sistema majoritário, adotado para a eleição de Presidente, Governador, Prefeito e Senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (CF, art. 1.º, par. ún., e art. 14, caput)”. Assim, a perda de mandato por troca de partido não se aplica ao sistema majoritário.

Esse entendimento agora está explícito na S. 67/TSE: “a perda do mandato em razão da desfiliação partidária não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário” (j. 10.05.2016, DJE de 24, 27 e 28.06.2016).

18.5.3. Resolução do TSE x Minirreforma Eleitoral (Lei n. 13.165/2015). Aspectos sobre a justa causa para desfiliação partidária e o caso específico do sistema majoritário

O processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, foi, inicialmente, estabelecido na Res. n. 22.610/2007 do TSE, com a redação dada pela Res. n. 22.733/2008, também do TSE, mas sem a sua aplicação para os candidatos eleitos pelo sistema majoritário.

A ação tramitará perante o TSE para pedidos relativos a mandato federal e, nos demais casos, perante o TRE do respectivo Estado.

Segundo a Resolução, considera-se justa causa:

incorporação ou fusão do partido;

criação de novo partido;

mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

grave discriminação pessoal.

Em momento seguinte, a Lei n. 13.165/2015, ao introduzir o art. 22-A na Lei n. 9.096/95, passou a prever, expressamente, regras sobre “fidelidade partidária”, ao estabelecer que perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Para a nova regra (art. 22-A, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95), consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

grave discriminação política pessoal; e

mudança de partido efetuada durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

As duas primeiras já estavam previstas na resolução do TSE, tendo sido criada uma nova, qual seja, uma “janela” admitindo expressamente a mudança de partido nesse único período de 30 dias antes do prazo que a lei exige para a filiação partidária. No caso, o art. 9.º da Lei n. 9.504/97 estabelece que, para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, 1 ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo 6 meses antes da data da eleição (lembrando que esse prazo foi diminuído de 1 ano para 6 meses pela minirreforma eleitoral — Lei n. 13.165/2015).

A “incorporação ou fusão do partido” e a “criação de novo partido” deixaram de se caracterizar como justa causa para a nova legislação, pois, naturalmente, agora, com a normatização pelo Congresso Nacional, não se mostra adequado aplicar, também, a antiga Res. n. 22.610/TSE.

Essa mudança na regra do jogo foi questionada no STF na ADI 5.398, e o Min. Barroso, em 09.11.2015, concedeu liminar, ad referendum do Plenário, para determinar a devolução do prazo integral de 30 dias para detentores de mandatos eletivos filiarem-se aos novos partidos registrados no TSE imediatamente antes da entrada em vigor da Lei n. 13.165/2015 (pendente de apreciação plenária).

Conforme alegado na ADI pela Requerente, Rede Sustentabilidade, até então, valia a regra da Resolução n. 22.610/2007 do TSE, que incluía a criação de novo partido entre as hipóteses de justa causa. Ao julgar a Consulta 755-35, por sua vez, o TSE confirmou o seu entendimento, qual seja, o período de 30 dias, a partir do registro do novo partido, como prazo razoável para a migração de detentores de mandato.

A “janela” que antes era admitida para troca de partidos sem a perda do mandato sempre que fosse criado novo partido e dentro de 30 dias agora passou a ser apenas nessa única hipótese de mudança de partido efetuada durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido na lei, no caso, o art. 9.º, da Lei n. 9.504/97.

A mudança das regras do jogo, de fato, conforme sustenta o Ministro, são se mostra razoável, havendo forte plausibilidade jurídica na alegação de inconstitucionalidade, por violação ao princípio da segurança jurídica, ao direito adquirido e às legítimas expectativas, inclusive confirmadas na referida consulta ao TSE.

No momento em que foi editada a lei, três partidos tinham acabado de ser registrados no TSE: Rede Sustentabilidade, Partido Novo e Partido da Mulher Brasileira. Com a nova regra, esses novos partidos recém-criados não poderiam receber parlamentares de outros partidos, sob pena de perda de mandato, pois a permitida “janela” de 30 dias, que até então se admitia (“criação de novo partido”), deixou de ser contemplada pela nova lei como hipótese de justa causa para troca de partido.

Finalmente, um ponto tem de ser observado em relação ao sistema majoritário. Conforme alertamos e inclusive agora está pacificado na S. 67/TSE, que foi editada em 2016, portanto já na vigência da Lei n. 13.165/2015, a perda do mandato em razão da desfiliação partidária não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário.

Assim, se a perda do mandato não se aplica ao sistema majoritário, não nos parece lógico ter o legislador estabelecido como justa causa para mudança de partido, sem a perda do mandato, aquela efetuada durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição majoritária (art. 22-A, parágrafo único, III, da Lei n. 9.096/95) (tema pendente de apreciação pelo STF).

18.5.4. EC n. 91/2016 (“Janela Partidária Constitucional”) e Minirreforma Eleitoral (“Janela Partidária Legal”)

Conforme já tivemos a oportunidade de observar, a EC n. 91/2016 não altera formalmente nenhum artigo da Constituição, nem introduz disposição na Carta. No caso, estamos diante de uma norma constitucional que está fora do texto, mas, que, naturalmente, pelo conceito de “bloco de constitucionalidade”, tem, inegavelmente, caráter constitucional.

Pois bem, a reforma constitucional passou a admitir, expressamente, mais uma “janela” a permitir a mudança de partido, sem a perda do mandato.

Assim, estabelece ser facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos 30 dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.

Assim, diferente da “janela” introduzida no art. 22-A, parágrafo único, III, da Lei n. 9.096/95 (pela Lei n. 13.165/2015), que é permanente e vale para as eleições futuras (observadas as regras que estabelece), a nova “janela” constitucional prevista na emenda é temporária, porque estabelecida apenas para o período que definiu, qual seja, nos 30 dias seguintes à sua promulgação (18.02.2016).

18.6. a vaga decorrente do licenciamento de titulares de mandato parlamentar deve ser ocupada pelos suplentes das coligações OU dos partidos?

O STF, no julgamento dos MS 30.260 e 30.272, em 27.04.2011, por 10 x 1, entendeu que a vaga decorrente do licenciamento de titulares de mandato parlamentar, no caso para assumir cargos de secretarias de Estado, deve ser ocupada pelos suplentes das coligações, e não dos partidos.

Pode-se afirmar, então, que, se houve formação de coligação, o que é opcional e encontra fundamento na Constituição (art. 17, § 1.º), a vaga de suplência pertente a esta, e não ao partido político.

A suplência no caso das coligações também não se confunde com a infidelidade, já que esta se caracteriza como deslealdade ao partido político e fraude ao eleitor, conforme visto, sendo que, no entanto, o candidato eleito por coligação acaba se beneficiando da referida aliança.

Nesse sentido, como definido pelo STF, o que pedimos vênia para transcrever em razão da clareza,9 “as coligações são conformações políticas decorrentes da aliança partidária formalizada entre dois ou mais partidos políticos para concorrerem, de forma unitária, às eleições proporcionais ou majoritárias. Distinguem-se dos partidos políticos que as compõem e a eles se sobrepõem, temporariamente, adquirindo capacidade jurídica para representá-los”.

“A figura jurídica derivada dessa coalizão transitória não se exaure no dia do pleito ou, menos ainda, apaga os vestígios de sua existência quando esgotada a finalidade que motivou a convergência de vetores políticos: eleger candidatos. Seus efeitos projetam-se na definição da ordem para ocupação dos cargos e para o exercício dos mandatos conquistados.”

“A coligação assume perante os demais partidos e coligações os órgãos da Justi­ça Eleitoral e, também, os eleitores, natureza de superpartido; ela formaliza sua composição, registra seus candidatos, apresenta-se nas peças publicitárias e nos horários eleitorais e, a partir dos votos, forma quociente próprio, que não pode ser assu­mido isoladamente pelos partidos que a compunham nem pode ser por eles apropriado.”

“O quociente partidário para o preenchimento de cargos vagos é definido em função da coligação, contemplando seus candidatos mais votados, independentemente dos partidos aos quais são filiados. Regra que deve ser mantida para a convocação dos suplentes, pois eles, como os eleitos, formam lista única de votações nominais que, em ordem decrescente, representa a vontade do eleitorado.”

“A sistemática estabelecida no ordenamento jurídico eleitoral para o preenchimento dos cargos disputados no sistema de eleições proporcionais é declarada no momento da diplomação, quando são ordenados os candidatos eleitos e a ordem de sucessão pelos candidatos suplentes. A mudança dessa ordem atenta contra o ato jurídico perfeito e desvirtua o sentido e a razão de ser das coligações.

“Ao se coligarem, os partidos políticos aquiescem com a possibilidade de distribuição e rodízio no exercício do poder buscado em conjunto no processo eleitoral.”

18.7. FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS — ADI 4.650, ADI 5.394 (aspectos da minirreforma eleitoral) e ADI 5.494

Pela regra que era prevista na Lei das Eleições, as pessoas jurídicas podiam doar até 2% do seu faturamento bruto do ano anterior à eleição (art. 81, § 1.º, da Lei n. 9.504/97).

Criticava-se o uso e influência do poder econômico sobre o político.

O Conselho Federal da OAB ajuizou em 05.09.2011 a ADI 4.650, questionando as regras sobre doações privadas para campanhas eleitorais e partidos políticos e, assim, atacando dispositivos da Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97) e Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95), que regulam as contribuições de pessoas jurídicas e pessoas físicas para as campanhas eleitorais.

Ilustrando a questão, em seu voto, destaca o Min. Fux: “em 2002 foram gastos no país R$ 798 milhões em campanhas eleitorais, e em 2012, o valor foi de R$ 4,5 bilhões — um crescimento de 471%. O gasto per capita do Brasil com campanhas supera o de países como França, Alemanha e Reino Unido, e como proporção do PIB, é maior do que os EUA. Em 2010, o valor médio gasto por um deputado federal eleito no Brasil chegou a R$ 1,1 milhão, e um senador, R$ 4,5 milhões. Esses recursos, por sua vez, são doados por um universo pequeno de empresas — os dez maiores doadores correspondem a 22% do total arrecadado” (Notícias STF, 11.12.2013).

E afirma: “o exercício de direitos políticos é incompatível com as contribuições políticas de pessoas jurídicas. Uma empresa pode até defender causas políticas, como direitos humanos, mas há uma grande distância para isso justificar sua participação no processo político, investindo valores vultosos em campanhas”, contrariando, assim, a essência do regime democrático (idem).

Pois bem, o STF, em 17.09.2015, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, julgou procedente em parte o pedido formulado na ADI em referência para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, vencidos, em menor extensão, os Ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Gilmar Mendes, que davam interpretação conforme, nos termos do voto reajustado do Ministro Teori Zavascki. O Tribunal rejeitou a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade por não ter alcançado o número de votos exigido pelo art. 27 da Lei n. 9.868/99. Consequentemente, a decisão aplica-se às eleições de 2016 e seguintes, a partir da Sessão de Julgamento, independentemente da publicação do acórdão. Com relação às pessoas físicas, as contribuições ficam reguladas pela lei em vigor.

Em razão dessa decisão, duas questões podem ser observadas depois da publicação da chamada minirreforma eleitoral (Lei n. 13.165/2015): a) financiamento de campanha por pessoa jurídica; b) financiamento de campanha por pessoa física.

Em relação ao financiamento por pessoa jurídica, o projeto de lei o admitia (art. 24, XII e §§ 2.º e 3.º, bem como arts. 24-A e 24-B, todos da Lei n. 9.504/97, inseridos pelo art. 2.º da proposta legislativa aprovada pelo parlamento).

Contudo, a Presidente da República Dilma Rousseff vetou essa possibilidade, com a seguinte justificativa: a possibilidade de doações e contribuições por pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais, que seriam regulamentadas por esses dispositivos, violaria a igualdade política e os princípios republicano e democrático, como decidiu o STF na ADI 4.650 (Mensagem n. 358/2015).

Em relação à segunda questão, a minirreforma eleitoral estabelece que as pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto na referida lei. Em tese, a decisão do STF delegou para o legislador essa definição.

Acontece que o julgamento da ADI 4.650 se deu em 17.09.2015, antes, portanto, da minirreforma eleitoral, Lei n. 13.165, de 29.09.2015.

Em seu art. 28, § 12 (Lei n. 9.504/97, na redação introduzida pela minirreforma), os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores.

O STF, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, no julgamento da ADI 5.394, em 12.11.2015, deferiu medida cautelar para suspender, até o julgamento final da ação, a eficácia da expressão “sem individualização dos doadores”, introduzida pela reforma, conferindo, ainda, efeitos ex tunc à decisão.

Em nosso entender, acertada a decisão da Corte ao proibir as criticáveis “doações ocultas”, dificultando a prestação e o controle de contas, em total desrespeito à sociedade. Nas palavras do Min. Teori Zavascki, relator, “ao determinar que as doações feitas a candidatos por intermédio de partidos sejam registradas sem a identificação dos doadores originários, a norma institui uma metodologia contábil diversionista, estabelecendo uma verdadeira cortina de fumaça sobre as declarações de campanha e positivando um controle de fantasia. Pior, premia um comportamento elusivo dos participantes do processo eleitoral e dos responsáveis pela administração dos gastos de campanha. Isso atenta contra todo um bloco de princípios constitucionais que estão na medula do sistema democrático de representação popular” (Notícias STF, 12.11.2015 — mérito da ADI pendente de julgamento).

Outro ponto específico sobre a doação por pessoas físicas é o debate que está sendo travado na ADI 5.494, ajuizada pelo Partido da República (PR) contra o art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, que veda doações efetuadas por “autoridades”. O ponto a ser debatido é que se trata de pessoas físicas, hipótese admitida pelo STF, que, contudo, não analisou essa situação específica na ADI 4.650 (tema pendente).

18.8. QUESTÕES

1. (MP/81.º/2.ª Prova) Os partidos políticos:

a) são pessoas jurídicas de direito público interno; devem ter caráter nacional; seu patrimônio, bens e serviços, bem como os de suas fundações, não sofrem, por força de vedação constitucional, a instituição de impostos;

b) são pessoas jurídicas de direito público interno; devem ter caráter nacional; não podem subordinar-se a governo estrangeiro;

c) são pessoas jurídicas de direito privado; acham-se proibidos de receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes, mas não têm direito à imunidade tributária;

d) são pessoas jurídicas de direito privado; devem ter caráter nacional; desfrutam de imunidade tributária; sujeitam-se à proibição de receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

e) são pessoas jurídicas de direito público; não podem subordinar-se a entidade ou governo estrangeiros, mas deles podem receber recursos financeiros, sendo-lhes também assegurada imunidade tributária.

2. (MP/Minas Gerais — XLIV 2004) Assinale a alternativa CORRETA:

a) Partidos políticos que se propõem a disputar apenas eleições estaduais registram seus estatutos no Tribunal Regional Eleitoral da respectiva unidade da Federação.

b) O partido político é associação de pessoas que, após o registro de seus estatutos no órgão eleitoral competente, adquire natureza de pessoa jurídica de direito público interno.

c) É livre a criação de partidos políticos, mas a C.F. vigente, para preservação do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos fundamentais da pessoa humana, prevê controle ideológico ou qualitativo sobre as citadas agremiações.

d) Lei que alterar processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação sendo aplicável às eleições que ocorram a partir da sua vigência.

e) Segundo a vigente C.F., fidelidade e disciplina partidárias são matérias que devem ser regulamentadas por lei, cabendo aos partidos adequar seus estatutos às normas legais.

3. (juiz/TRF 5RG/2007) Acerca dos partidos políticos, julgue o seguinte item.

Mantidas as atuais regras eleitorais, nas eleições de 2010, os partidos políticos não estarão vinculados, no plano estadual, ao princípio da simetria de coligações partidárias que se realizem para a eleição presidencial.

4. (DP/SE/2005) No que se refere aos direitos e garantias fundamentais, julgue o item que se segue.

A personalidade jurídica dos partidos políticos é adquirida na forma da lei civil.

5. (DP/TO/CESPE/UnB/2008) Considerando o que dispõem as normas a respeito dos direitos políticos e partidos políticos constantes da Constituição Federal, julgue o seguinte item.

Apesar de terem organização e caráter nacional, os partidos políticos, no Brasil não estão obrigados à vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal.

6. (TRF 5/CESPE/UnB/2009) Com relação aos partidos políticos, ao alistamento, à eleição e aos direitos políticos, assinale a opção correta.

Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica com registro dos seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

7. (Exame de Ordem Unificado.2 — set./2009 — CESPE/UnB/2009) Assinale a opção correta a respeito dos partidos políticos:

a) a CF consagra o princípio da liberdade partidária de modo ilimitado e irrestrito, não admitindo condicionantes para a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos.

b) os partidos políticos somente adquirem personalidade jurídica após duplo registro: no registro civil das pessoas jurídicas e no tribunal regional eleitoral do estado em que estão sediados.

c) como sujeitos de direitos, os partidos políticos têm legitimidade para atuar em juízo, e, se tiverem representação no Congresso Nacional, podem ajuizar mandado de segurança coletivo.

d) somente os partidos com representação no Congresso Nacional podem usufruir dos recursos do fundo partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

8. (Agente Administrativo — MMA — CESPE/UnB/2009) A respeito do direito constitucional, julgue o item que se segue:

Para que um partido político tenha representação no Congresso Nacional, é suficiente que o partido tenha um só parlamentar em qualquer uma das Casas do Congresso.

9. (Técnico Judiciário — TRE-CE — Área Administrativa — FCC/2012) Determinado partido político deseja se utilizar de organização paramilitar no combate ao nepotismo e à corrupção, cuja utilização, segundo a Constituição Federal, é:

a) lícita, mediante prévia consulta popular através de plebiscito.

b) lícita, mediante prévio registro no Superior Tribunal Eleitoral.

c) lícita, mediante prévia autorização do Senado Federal.

d) vedada.

e) lícita, mediante prévia autorização das Forças Armadas.

10. (Analista Judiciário/TSE — Área Administrativa — CONSULPLAN/2012) Quanto aos partidos políticos, é correto afirmar que:

a) o registro de seus estatutos no TSE somente ocorrerá após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil.

b) têm direito a recursos do fundo partidário e acesso ao rádio e televisão, este mediante pagamento de uma taxa de utilização.

c) em virtude da autonomia de que desfrutam, é possível que recebam recursos financeiros de governos estrangeiros.

d) devem ter caráter nacional, o que obriga à vinculação das candidaturas em âmbito federal.

11. (Analista Ministerial — MP/PE — FCC/2012) O partido político URTJ, com autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, bem como para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, deverá, segundo o inciso III do artigo 17 da Constituição Federal, prestar contas:

a) ao Tribunal de Contas da União.

b) à Justiça Eleitoral.

c) ao Congresso Nacional.

d) ao Conselho Nacional de Justiça.

e) ao Supremo Tribunal Federal.

12. (Analista de Procuradoria — PGE-BA — Área de Apoio Calculista — FCC/2013) Ao enunciar a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, a Constituição Federal determina expressamente que o exercício desse direito deve resguardar determinados bens ou valores constitucionais. Encontram-se, entre eles:

a) o pluripartidarismo, a soberania nacional e a separação dos poderes.

b) a forma federativa de Estado, os direitos fundamentais da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa.

c) o pluralismo político, a forma federativa de Estado e a redução das desigualdades regionais e sociais.

d) a soberania nacional, os direitos fundamentais da pessoa humana e a forma federativa de Estado.

e) o pluripartidarismo, a soberania nacional e o regime democrático.

13. (Exame de Ordem Unificado-X — 1.ª Fase — FGV/2013) Apesar da existência de vários partidos políticos por força de questões regionais, conjunturais e do vínculo da fidelidade partidária, é comum a cada ano o surgimento de novas agremiações no cenário nacional. Quanto ao funcionamento dos partidos políticos, à luz das normas constitucionais, assinale a afirmativa correta:

a) Podem receber recursos financeiros de governo estrangeiro.

b) Devem prestar as contas partidárias perante Conselho Especial.

c) Podem ter caráter regional, representando pelo menos duas regiões.

d) Têm acesso gratuito ao rádio e à televisão nos limites legais.

14. (Promotor de Justiça — MP-SC) Analise o enunciado da questão abaixo e assinale “certo” ou “errado”:

Pela disciplina constitucional do Brasil, os partidos políticos somente podem receber recursos financeiros de entidades estrangeiras se, regularmente constituídos e sem pendências com a Justiça Eleitoral, obtiverem aprovação do correlato plano de investimentos junto ao Tribunal Superior Eleitoral.

GABARITO

1. “d”. Art. 17, c/c o art. 150, VI, “c”, da CF/88.

2. “c”. No tocante à alternativa “a”, o registro dos estatutos é no TSE (art. 17, § 2.º). A letra “b” está errada, já que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado. A letra “d” está errada, pois, consagrando o dito “princípio” (verdadeira regra) da anualidade, o art. 16 da CF/88 estabelece que a lei que alterar o processo eleitoral, de fato, entrará em vigor na data de sua publicação. Contudo, só poderá ser aplicada na eleição que ocorrer a partir de um ano da data de sua vigência. Por fim, a letra “e” está errada, já que, nos termos do art. 17, § 1.º, os estatutos é que estabelecerão normas de disciplina e fidelidade partidária.

3. “certo”.

4. “certo”.

5. “certo”. De fato, apesar da regra do art. 17, I (caráter nacional), a EC n. 52/2006, ao modificar o art. 17, § 1.º, admitiu o fim da verticalização das coligações partidárias.

6. “errado”, pois, conforme visto na parte teórica, a constituição dos partidos políticos consolida-se na forma da lei civil, perante o Serviço de Registro Civil de Pessoas Jurídicas competente (na Capital Federal, Brasília — art. 8.º da Lei n. 9.096/95) e, posteriormente, já tendo adquirido a personalidade jurídica, formaliza-se por meio do registro de seus estatutos perante o TSE.

7. “c”, nos termos do art. 5.º, LXX, “a”, da CF/88.

8. “certo”.

9. “d”, nos termos do art. 17, § 4.º, da CF/88.

10. “a”, nos termos do art. 17, § 2.º, da CF/88.

11. “b”.

12. “e”, de acordo com o art. 17, caput.

13. “d”, de acordo com o art. 17, § 3.º. A letra “a” está errada, por violar o art. 17, II (proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes). A letra “b” está errada, porque a prestação de contas se dá em relação à Justiça Eleitoral (art. 17, III). A letra “c” viola a regra segundo a qual os partidos políticos terão, necessariamente, nos termos do art. 17, I, caráter nacional.

14. “errado”, por violar o art. 17, II, que proíbe o recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes.