Vivre sans volupté c’est vivre sous la terre.

Ronsard, Sonnets pour Hélène

 

O que deu para dar-se a natureza

Camões, Os Lusíadas, Canto IX

 

 

Sex contains all, bodies, souls,

Meanings, proofs, purities, delicacies, results, promulgations,

Songs, commands, health, pride, the maternal mystery, the seminal milk,

All hopes, benefactions, bestowals, all the passions, loves, beauties, delights of the earth,

All the governments, judges, gods, follow’d persons of the earth,

These are contain’d in sex as parts of itself and justifications of itself.

Walt Whitman, A Woman Waits For Me

 

 

Faire danser nos sens sur les débris du monde.

Apollinaire, Poèmes à Lou

 

 

Largos goces iniciados,

Caricias no terminadas,

Como si aun non se supiera

En qué lugar de los cuerpos

El acariciar se acaba,

Y anduviéramos buscándolo

En lento encanto, sin ansia.

Pedro Salinas, Poesía Junta

 

 

 

EM TEU CRESPO JARDIM, ANÊMONAS CASTANHAS

 

Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas

detêm a mão ansiosa: Devagar.

Cada pétala ou sépala seja lentamente

acariciada, céu; e a vista pouse,

beijo abstrato, antes do beijo ritual,

na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.

 

 

A BUNDA, QUE ENGRAÇADA

 

A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

 

Não lhe importa o que vai

pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora — murmura a bunda — esses garotos

ainda lhes falta muito que estudar.

 

A bunda são duas luas gêmeas

em rotundo meneio. Anda por si

na cadência mimosa, no milagre

de ser duas em uma, plenamente.

 

A bunda se diverte

por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas

avolumam-se, descem. Ondas batendo

numa praia infinita.

 

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz

na carícia de ser e balançar.

Esferas harmoniosas sobre o caos.

 

A bunda é a bunda,

redunda.

 

 

O CHÃO É CAMA

 

O chão é cama para o amor urgente,

amor que não espera ir para a cama.

Sobre tapete ou duro piso, a gente

compõe de corpo e corpo a úmida trama.

 

E, para repousar do amor, vamos à cama.

 

 

MULHER ANDANDO NUA PELA CASA

 

Mulher andando nua pela casa

envolve a gente de tamanha paz.

Não é nudez datada, provocante.

É um andar vestida de nudez,

inocência de irmã e copo d’água.

 

O corpo nem sequer é percebido

pelo ritmo que o leva.

Transitam curvas em estado de pureza,

dando este nome à vida: castidade.

 

Pelos que fascinavam não perturbam.

Seios, nádegas (tácito armistício)

repousam de guerra. Também eu repouso.

 

 

NO CORPO FEMININO, ESSE RETIRO

 

No corpo feminino, esse retiro

— a doce bunda — é ainda o que prefiro.

A ela, meu mais íntimo suspiro,

pois tanto mais a apalpo quanto a miro.

 

Que tanto mais a quero, se me firo

em unhas protestantes, e respiro

a brisa dos planetas, no seu giro

lento, violento... Então, se ponho e tiro

 

a mão em concha — a mão, sábio papiro,

iluminando o gozo, qual lampiro —

ou se, dessedentado, já me estiro,

 

me penso, me restauro, me confiro,

o sentimento da morte eis que adquiro:

de rola, a bunda torna-se vampiro.

 

 

À MEIA-NOITE, PELO TELEFONE

 

À meia-noite, pelo telefone,

conta-me que é fulva a mata do seu púbis.

Outras notícias

do corpo não quer dar, nem de seus gostos.

Fecha-se em copas:

“Se você não vem depressa até aqui,

nem eu posso correr à sua casa,

que seria de mim até o amanhecer?”

 

Concordo, calo-me.

 

 

NO PEQUENO MUSEU SENTIMENTAL

 

No pequeno museu sentimental

os fios de cabelo religados

por laços mínimos de fita

são tudo que dos montes hoje resta,

visitados por mim, montes de Vênus.

 

Apalpo, acaricio a flora negra,

e negra continua, nesse branco

total do tempo extinto

em que eu, pastor felante, apascentava

caracóis perfumados, anéis negros,

cobrinhas passionais, junto do espelho

que com elas rimava, num clarão.

 

Os movimentos vivos no pretérito

enroscam-se nos fios que me falam

de perdidos arquejos renascentes

em beijos que da boca deslizavam

para o abismo de flores e resinas.

 

Vou beijando a memória desses beijos.

 

 

ERA BOM ALISAR SEU TRASEIRO MARMÓREO

 

Era bom alisar seu traseiro marmóreo

e nele soletrar meu destino completo:

paixão, volúpia, dor, vida e morte beijando-se

em alvos esponsais numa curva infinita.

 

Era amargo sentir em seu frio traseiro

a cor de outro final, a esférica renúncia

a toda aspiração de amá-la de outra forma.

Só a bunda existia, o resto era miragem.

 

 

TENHO SAUDADES DE UMA DAMA

 

Tenho saudades de uma dama

como jamais houve na cama

outra igual, e mais terna amante.

 

Não era sequer provocante.

Provocada, como reagia!

São palavras só: quente, fria.

 

No banheiro nos enroscávamos.

Eram flamas no preto favo,

um guaiar, um matar-morrer.

 

Tenho saudades de uma dama

que me passeava na medula

e atomizava os pés da cama.

 

 

PARA O SEXO A EXPIRAR

 

Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante.

Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.

Amor, amor, amor — o braseiro radiante

que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.

 

Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,

a minha se rebela ante a morte anunciada.

Quero sempre invadir essa vereda estreita

onde o gozo maior me propicia a amada.

 

Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe?

enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer

antes que, deliciosa, a exploração acabe.

 

Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,

e assim possa eu partir, em plenitude o ser,

de sêmen aljofrando o irreparável ermo.