2.11. Sociedade Livro-do-Mês Ltda.

Que importa o tempo para quem tem a imortalidade garantida? (Edgard Cavalheiro)1



A Sociedade Livro-do-Mês foi fundada em junho de 1944 e tinha por objetivo indicar o lançamento literário que tivesse a melhor qualidade, conforme juízo crítico de um corpo de notáveis. Nos dizeres de seu anúncio, “surgiu com o intuito de poupar ao leitor o trabalho de escolha e excessiva despesa com a aquisição dos livros que vão aparecendo no mercado livreiro nacional”2.

Para assegurar a apreciação das obras em tempo hábil, a Sociedade comprometia-se a ler provas tiradas especialmente de dentro das editoras, antes que os lançamentos estivessem disponíveis para o público. Elencam, em seu anúncio publicitário, cerca de duas dezenas de editoras parceiras que facilitariam tal trâmite.

2.11.1 Para o leitor interessado em usufruir as vantagens alegadas, o compromisso era a aquisição de ao menos quatro das 12 obras indicadas pela Sociedade no período de um ano. Não havia taxa adicional de nenhuma espécie e os usuários recebiam um catálogo mensal.

O chamado “Conselho de Críticos da Sociedade”, responsável pelas apreciações literárias, contava entre os seus membros: Edgard Cavalheiro, Monteiro Lobato, Jorge Amado, José Lins do Rego, Rachel de Queiróz, Rui Bloem, Galeão Coutinho e Mário da Silva Brito, todos sócios no empreendimento.

Não se tratava de um clube de livros nos moldes daquele da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, por exemplo, que era destinada a tiragens de luxo para seus associados3.

A iniciativa foi inspirada nos populares “Book of the Month Clubs” existentes nos Estados Unidos. Sendo a escolha feita com o livro já pronto mas ainda não distribuído, ou ainda em provas, a iniciativa poderia gerar aumento de tiragem com consequente barateamento do exemplar.

Essa sociedade teve também o seu próprio periódico, chamado Atualidades Literárias, com o primeiro número editado em julho de 19464.

São numerosas as referências a “livro do mês” em periódicos da época. Edgard Cavalheiro assinou alguns desses artigos enfocando discussões da Sociedade Livro-do-Mês5, algo que refletia, em âmbito nacional, um movimento que se desenvolvia também em outros países. Gordon Brown registrou o fenômeno dos clubes de livros nos Estados Unidos:

Basicamente, os clubes de livros do mês são empresas que se dedicam a vender livros pelo correio a diferentes classes de leitores. Em 1946 existiam nos Estados Unidos 26 destas empresas, com um número total de sócios de mais de três milhões, seiscentos mil, muitos dos quais viviam em aldeias situadas a mais de cem quilômetros da livraria mais próxima.
O "Book of the Month Club", primeira empresa deste gênero, contava com 40.000 sócios no fim de seu primeiro ano de existência, em 1927. Em 1943 foi obrigado a limitar o número de seus sócios a 600.000, devido à escassez de papel que impunha sérias restrições à indústria do livro durante a segunda guerra mundial.
O "Literary Guild", outra célebre empresa desta espécie, tinha em 1946 mais de 1.250.000 subscritores para suas seleções. Estas duas sociedades, com seus numerosos competidores, operaram uma revolução na indústria do livro americano, acostumando milhões de norte-americanos a comprar e a ler os livros do momento, muitos dos quais possuem verdadeiro valor literário e, com o passar do tempo, se converteram em obras clássicas6.

Para dar uma ideia mais aproximada do contexto em que se desenvolveu aqui no Brasil, e um ponto de vista sobre o funcionamento da Sociedade Livro-do-Mês, destaque-se o que escreveu o jornalista e historiador Carlos Reverbel:

O livro é artigo de luxo no Brasil, quando deveria ser gênero de primeira necessidade. E é artigo de luxo por uma série de condições terrivelmente básicas da vida nacional: analfabetismo, baixo poder aquisitivo etc, etc.
Afora essas dificuldades maiores, de natureza substancial e irremovível por enquanto, há diversas outras que sempre se fizeram sentir no nosso mercado livreiro, não constituindo, no entanto, um entrave de caráter mais sério, porque podem ser resolvidos de um momento para outro. São aquelas que dizem respeito à política dos poderes públicos em relação ao livro, como isenção de direitos alfandegários para o papel e material gráfico em geral, facilidades e barateamento de transportes e outras tantas vantagens, concedidas em vários países, à começar por vizinhos nossos como a Argentina, por exemplo.
A isenção para o papel já foi conseguida, muito embora os respectivos proveitos ainda nos sejam desconhecidos, porque a medida protecionista chegou justamente numa época em que não há papel para importação em parte alguma. Essa providência indica, no entanto, uma disposição realmente promissora dos poderes públicos no sentido de retificar a sua desastrosa política em relação ao livro, criando condições que permitam o pleno desenvolvimento da indústria editorial do país.
Mas enquanto isso não se cristaliza numa série de outros fatos tão ou mais necessários do que a isenção do papel, o problema da expansão do livro brasileiro fica praticamente afeto à iniciativa particular, responsável por quase tudo o que este país apresenta em matéria de progresso, particularmente no setor das indústrias.
O livro não fugiu à regra. Tudo quanto representa entre nós, já agora, deve-se quase que exclusivamente ao esforço individual de nossos editores. Não se pode, no entanto, deixar de reconhecer a contribuição de organizações, como a Sociedade Livro-do-Mês, de São Paulo, cujo desenvolvimento, à sombra da indústria editorial brasileira, é um admirável índice de vitalidade, nos enche das maiores esperanças.
A Sociedade Livro-do-Mês conseguiu trazer para o nosso país, onde reina a dispersão e a desordem, um sistema de distribuição de livros que só parecia possível nos Estados Unidos. E, tendo começado modestamente, é hoje em dia uma entidade sólida, que opera sobre uma base superior a mil associados, com tendência para aumentar sempre, tais são os cuidados da sua organização e as vantagens que oferece.7

Seguem-se alguns dos escolhidos “livros do mês”, segundo divulgado na imprensa: O morro voraz, Daphne Du Maurier (jul. 1944); A promessa, Pearl Buck (jan. 1946); Carolina, Theodore Dreiser (abr. 1946); A princesa branca, Maurice Baring (maio 1946); A comédia humana – tomo I, Balzac (out. 1946); A túnica e os dados, José Geraldo Vieira (mar. 1947); Judas, o obscuro, Thomas Hardy (jan. 1949); José no Egito, Thomas Mann (fev. 1949); Carlota Joaquina, Marques Cheke (abr. 1949).



1 Aventuras e desventuras de um biógrafo. Jornal da Manhã, São Paulo, 25 maio 1941.

2 O QUE é a Sociedade Livro-do-Mês Ltda. Revista do Globo, Porto Alegre, p. 59, 8 set. 1945.

3 HALLEWELL, op. cit., p. 497.

4 GRIFO Sete. Folha da Manhã, São Paulo. 21 jul. 1946, 3º Caderno, p. 3.

5 Alguns deles: 1 jul. 1946; 1 out. 1946; 1 jan. 1947.

6 BROWN, Gordon. A indústria do livro nos Estados Unidos. Boletim Informativo União Cultural Brasil-Estados Unidos, São Paulo, ano 5, n. 11, nov. 1953.

7 REVERBEL, Carlos. Livro de mês. Revista do Globo, Porto Alegre, p. 18, 8 mar. 1947.