2.12. Na Livraria do Globo

A proposta da Globo é muito boa, tanto financeira como intelectualmente falando, Vou ganhar o dobro do Banco. E terei carta quase branca para negócios editoriais. (Edgard Cavalheiro)1



Segundo o jornal O Tempo, Edgard Cavalheiro transferiu-se para a Globo em 19422. Nelson Werneck Sodré supõe que Cavalheiro muda de empresa entre abril e julho de 19433. Hallewell aponta a data como “1943”, apenas4.

A primeira nota que a empresa de Porto Alegre divulga em sua Revista do Globo, tratando do ingresso de Edgard Cavalheiro naquela casa, é de 18 de dezembro de 1943 (p.30): “O escritor Edgard Cavalheiro, o biógrafo de Fagundes Varela, após um mês de permanência na casa matriz em Porto Alegre, regressou a São Paulo, onde irá instalar e dirigir o escritório da Livraria do Globo e representar seus interesses editoriais no estado bandeirante”.

2.12.1 A Livraria do Globo, empresa bem estabelecida e atuante no setor gráfico não exclusivamente literário, detectou um relativo aquecimento no consumo de livros na região sudeste do Brasil a partir da metade para o fim da década de 30, motivado, entre outros fatores culturais, pela fundação da Universidade de São Paulo, em 1934, e pela criação do Departamento de Cultura do município de São Paulo, em 1935. A Livraria do Globo investiga o mercado editorial paulista ao menos desde 1935, quando envia para a cidade o representante da seção editorial no Rio de Janeiro, Estevão Cruz. Este comunica, na ocasião: “– Vim visitar São Paulo para atender a uma alta necessidade brasileira: em melhorar e dar uma feição mais legítima ao nosso movimento cultural, enquanto possa ele depender da produção bibliográfica nacional”5. Em 1936 a Globo adquire, na Europa, direitos para tradução de obras literárias; segundo Érico Veríssimo, um dos diretores da empresa, “comprávamos mais direitos sobre livros estrangeiros do que nossa capacidade de editar permitia”6.

A empresa compreende que está distante dos grandes centros de produção e consumo e busca suprir a deficiência. Em 1943 Érico Veríssimo incumbe Maurício Rosemblatt de abrir a filial São Paulo e de gerenciar a filial Rio de Janeiro7. Edgard Cavalheiro é convidado para a gerência em São Paulo e aceita. Sobre isso escreveu Nelson Palma Travassos:

Inicialmente entrou ele para a Globo na qualidade de elemento de ligação entre os intelectuais paulistas e a editora. A princípio cuidava só desse aspecto, estando a parte comercial entregue a um outro representante. Nessa atividade levou Edgard Cavalheiro para a Globo muitos originais de paulistas, e principalmente de paulistas modernos, como Sérgio Milliet, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, e outros, como Ruth Guimarães, Amadeu de Queiroz [...] Enfim, o apoio intelectual e material para aceitação das suas obras no Estado de São Paulo foi tal que a Globo pensou em transferir para a Capital deste Estado a sua seção editorial. Mas veio a guerra, e a idéia foi abandonada.8

Sobre as realizações de Edgard Cavalheiro à frente da filial paulista da Livraria do Globo, editorial de O Tempo registra, em 25 de setembro de 1942:

Edgard Cavalheiro fez parte do grupo que com Érico Veríssimo, Hamilcar de Garcia e Maurício Rosemblatt deram à editora de Porto Alegre a grandeza que ela tem hoje. No escritório de São Paulo Edgard Cavalheiro conseguiu interessar grande número de escritores paulistas nos trabalhos da Globo, mobilizando-os para as tarefas de tradução, de prefácios, de revisão de textos, de notas. Levados por ele, Sérgio Milliet, o prof. Cruz Costa, Lourival Gomes Machado, Luis Martins e muitos outros prestaram e prestam excelentes serviços às edições Globo, que hoje se contam entre as melhores, as mais bem cuidadas que temos9.

Poucos anos depois do ingresso de Cavalheiro nos quadros da Globo, a empresa demonstra atravessar um momento administrativamente conturbado. Não consegue manter o plano de investimentos enquanto enfrenta custos sempre crescentes e, com isso, vai diminuindo suas edições de forma gradual, chegando ao número de 18 em 1950, enquanto que em 44 e 45 foram 230 obras publicadas10.

Em 1947, com a economia nacional ainda sofrendo pela virada econômica da segunda grande guerra, a empresa amarga um ano financeiramente ruim e decide simplificar procedimentos num de seus setores-chave em termos editoriais, o de traduções, que alocava especializada e custosa equipe de profissionais11. O escritor Paulo Rónai refere-se à década de 40 como “década de ouro” para as traduções na Globo. Herbert Caro, tradutor da empresa desde 1939, dela se desliga em 4812.

Tem-se a impressão de que Érico Veríssimo considera 1948 como o ano em que a editora muda de rumos e abandona a busca pela liderança do mercado literário. Nesse ano falece o diretor veterano José Bertaso e a empresa abre seu capital tornando-se sociedade anônima, “da qual a Editora Globo torna-se uma filial. A direção da empresa é transferida para os filhos de Henrique, José Otávio e Fernando Bertaso13. O processo se consolida em 1956, quando a empresa passa a ser Livraria do Globo S.A. e Editora Globo S.A.”14. De 1956 em diante Veríssimo teve sua atuação bastante reduzida “tecnicamente pelo menos, se não sentimentalmente”15, na casa editora em que deitou fundas raízes.

Segundo José Otávio Bertaso, filho do diretor-geral, Henrique Bertaso, e neto do “fundador” José Bertaso, Edgard foi demitido porque a empresa foi desmembrada, tendo sido a parte editorial (a Editora Globo) vendida para as Organizações Globo do Rio de Janeiro, grupo de Roberto Marinho, na época principiando ascensão16.

As datas, novamente, confundem. Heitor Paixão, diretor de marketing da editora em 1988, afirma que a venda para o grupo de Roberto Marinho deu-se em 198217. Hallewell afirma ser 1986 o ano, apesar de admitir que os descendentes de José Bertaso detinham 45% das ações em 198318.

Para o editor Ênio Silveira, a demissão foi solicitada por Edgard Cavalheiro: “nem mesmo podemos discutir a decisão dos diretores daquela conceituada empresa ao aceitarem o pedido de demissão apresentado por Edgard Cavalheiro. Cabe-nos apenas manifestar nossa estranheza diante do ocorrido”19.

Edgard Cavalheiro sai da Globo por volta de 1955 (Hallewell afirma ter sido em 1953), ano de publicação da primeira edição de seu Monteiro Lobato: vida e obra, livro que chegou a ser anunciado na Revista do Globo, com previsão de lançamento para setembro daquele ano, em edição da casa sulina, com o nome de Retrato de Monteiro Lobato20: “Editada esta obra a Editora Globo se orgulha de ter realizado dois esplêndidos feitos editoriais: o lançamento da biografia de um grande brasileiro, e, simultaneamente, o lançamento do livro de um grande biógrafo21“. Após isso, nenhuma menção à biografia escrita por Cavalheiro ocorre naquela revista, excetuando-se as listagens de obras mais vendidas nas livrarias do grupo, local em que Monteiro Lobato: vida e obra se destaca, como ocorre nas edições de 14 e 28 de janeiro e 25 de fevereiro de 1956. O livro chegara ao mercado no final de 1955, sob a chancela da Companhia Editora Nacional.

Na edição de 15 de outubro de 1955, o nome Edgard Cavalheiro deixa de constar na seção de créditos da Revista do Globo como sendo o responsável pelo escritório paulista da editora.



1 Carta a Nelson Werneck Sodré. SODRÉ, N. W. Em defesa da cultura. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 286.

2 EDGARD Cavalheiro e a Globo. O Tempo, São Paulo, 25 set. 1942.

3 SODRÉ, op. cit., p. 283-287.

4 HALLEWELL, op. cit., p. 407.

5 O MOVIMENTO editorial no Brasil. Folha da Noite, 23 abr. 1935.

6 VERÍSSIMO, Érico. Um certo Henrique Bertaso: pequeno retrato em que o pintor também aparece. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1973, p. 70.

7 SILVEIRA, Elcyr Job Diniz. Breve perfil de um semeador. Correio do Povo, Porto Alegre, p. 7, 30 out. 1983.

8 A contribuição editorial paulista para a difusão nacional do livro. Folha da Manhã, São Paulo, 24 jan. 1954.

9 EDGARD Cavalheiro e a Globo. O Tempo, São Paulo, 25 set. 1942.

10 TORRESINI, Elisabeth Rochadel. Editora Globo: uma aventura editorial nos anos 30 e 40. São Paulo: EDUSP; Com-Arte; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999, p. 99 e 104. (Memória Editorial, 1).

11 VERÍSSIMO, op. cit., p. 51.

12 HALLEWELL, op. cit., p. 405.

13 VERÍSSIMO, op. cit., p. 88-89.

14 TORRESINI, op. cit., p. 105.

15 VERÍSSIMO, op. cit., p. 93.

16 BERTASO, José Otávio. Entrevista concedida a Silvio Tamaso D'Onofrio. Porto Alegre, 24 dez. 2010.

17 PAIXÃO, Heitor. Editora Globo. In: Anuário Editorial Brasileiro. São Paulo: Cone Sul, 1988, p. 79-83.

18 HALLEWELL, op. cit., p. 414.

19 SILVEIRA, Ênio. Um cavalheiro solto no globo. Boletim Bibliográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 4, v. 3, jul./ago. 1955.

20 AUTORES e acontecimentos. Revista do Globo, Porto Alegre, p. 19, 22 jan. 1955.

21 NOTICIÁRIO. Revista do Globo, Porto Alegre, p. 12, 3 set. 1955.