Interessa-nos, isto sim, o problema humano. A literatura como expressão de vida e não de esnobismo estéril. (Edgard Cavalheiro)1
Data da metade da década de 1940 o início da amizade entre Edgard Cavalheiro e Diaulas Riedel, editor que desde 1943 comanda a Editora O Pensamento, em São Paulo. Em 1946 ambos fazem parte do grupo fundador da Câmara Brasileira do Livro e, desde 1948, Edgard colabora na Revista d'“O Pensamento” e no Almanaque d'“O Pensamento”. Em 1952 Cavalheiro assina o prefácio de Hei de Vencer, livro de Arthur Riedel, pai de Diaulas. A obra apresenta uma coleção das concorridas palestras motivacionais de Arthur, taquigrafadas sem o conhecimento dele, pois não tinha pretensão de divulgá-las em livro2.
Pouco depois da metade da década de 40, inicia-se a amizade entre Edgard Cavalheiro e José Paulo Paes, este recém-chegado a São Paulo, vindo de Curitiba3. O poeta conta em seu livro de memórias: “Acabei arranjando emprego numa editora de livros para a qual, por intermédio de Edgard Cavalheiro, eu já havia feito trabalhos avulsos”4. A editora era a Pensamento, de Diaulas Riedel, empresa que, a partir de 1956, cria uma nova linha editorial, independente, batizada de Cultrix5, com produções voltadas para temas como literatura e filosofia6.
A Editora Cultrix é fundada para que o selo original, Pensamento, se consolidasse como editora especializada em assuntos esotéricos, naquele momento a única do ramo. Diaulas Riedel, presidente da Editora Pensamento, cria a Cultrix com o auxílio de Leandro Meloni, funcionário do grupo desde 1945 e pessoa já experimentada, em termos de reformas administrativas, dentro da casa. Meloni testemunha: “Quem fez a Cultrix fui eu e o Diaulas, nós que inventamos a Cultrix, com o apoio do Zé Paulo, que era intelectual, tradutor, e entendia do assunto, e do Edgard Cavalheiro que já vinha da Editora Globo”7.
Edgard Cavalheiro e José Paulo Paes são considerados cofundadores da Cultrix pela atuação conjunta na editora desde as primeiras atividades8. Segundo Hallewell, sob a direção de Edgard Cavalheiro, a subsidiária Cultrix pretendeu “editar textos literários, particularmente clássicos brasileiros e obras de história do Brasil, história e teoria literárias, linguística, comunicação e cibernética”. Edgard “introduziu uma série de traduções literárias que bem pode ter sido inspirada em sua experiência na Globo”9.
Nessa mesma época, na metade dos anos 50, enquanto se desligava da Livraria do Globo e auxiliava na criação da Cultrix, Edgard Cavalheiro fundou sua própria editora na capital de São Paulo, a Companhia Distribuidora de Livros (CODIL). Segundo nota na imprensa, de 25 de dezembro de 1955, o contrato já havia sido assinado e a empresa contava com quatro diretores: Edgard Cavalheiro, Nelson Palma Travassos, Octalles Marcondes Ferreira e Caio Marcondes Ferreira: “suas atividades, já programadas, compreenderão: coleções para o crediário, lançamento de autores novos, reedições, obras avulsas que formarão coleções por assuntos e também a impressão de livros para outras editoras”10.
Segundo José Fernando de Barros Martins, Octalles e Nelson, ambos muito ligados a Monteiro Lobato, criaram a CODIL especialmente para a gestão de Edgard Cavalheiro, o primeiro com um aporte financeiro e o segundo com equipamentos11.
Segundo Mário Donato registrou em livro, na criação da CODIL, a gerência de Edgard Cavalheiro, ocorreu
graças ao apoio que lhe deram Octalles Marcondes Ferreira, da Companhia Editora Nacional, e Nelson Palma Travassos, da Revista dos Tribunais, para que montasse, com os “royalties” do primeiro e a gráfica do segundo, a Companhia Distribuidora de Livros, CODIL, que Edgard dirigiu até morrer.12
Em entrevista na imprensa, Edgard Cavalheiro se referiu à criação da editora:
Travassos me procurou para que fundássemos uma editora em São Paulo, em vista do que conhecia eu no ramo depois de tantos anos de diuturno trabalho nesse setor. Acedi. Entretanto, procurou-me também o meu particular amigo Octalles Marcondes, com o plano de organizarmos um grande crediário para a sua organização. Fiz-lhe ver a impossibilidade da minha cooperação com o compromisso que assumira com o Travassos. Em suma, como consequência dessas duas ofertas e mútuo entendimento, surgiu a ideia de efetivar em São Paulo uma grande organização editorial com base principal no crediário. E é nisso que temos trabalhado, numa fusão da Editora Nacional com a empresa “Revista dos Tribunais” com planos que haverão de se concretizar oportunamente13.
Pela CODIL, Edgard Cavalheiro e Raimundo de Menezes se responsabilizam pela seleção, apresentação e notas de Histórias de Crimes e Criminosos, livro publicado em 1956. Monteiro Lobato: vida e obra, de Edgard Cavalheiro, ao menos em sua segunda edição, também de 1956, apresentou em sua página de rosto a informação de que a obra fora editada pela CODIL “especialmente” para a Companhia Editora Nacional.
1 Depoimento. In: NEME, Mário (Org.). Plataforma da nova geração. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945, p. 129.
2 RAMACHANDRA, Adilson Silva. “O Pensamento” em evolução: Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento: 100 anos – 1909-2009. São Paulo: Pensamento, 2010, p. 118.
3 PAES, Dora. Entrevista concedida a Silvio Tamaso D'Onofrio. São Paulo, 20 jul. 2010.
4 PAES, José Paulo. Quem eu? Um poeta como outro qualquer. 4. ed. São Paulo: Atual Editora, 1996, p. 51.
5 HALLEWELL afirma que ano é 1955. Op. cit., p. 332.
6 RAMACHANDRA, Adilson Silva. Pensamento em mutação: a trajetória de uma editora: Pensamento-Cultrix 100 anos: 1907-2007. São Paulo: Pensamento, 2007, p. 87.
7 MELONI, Leandro. Entrevista concedida a Silvio Tamaso D'Onofrio. São Paulo, 20 ago. 2012.
8 Em entrevista concedida a Silvio Tamaso D'Onofrio (São Paulo, 2 jan. 2013), o professor Massaud Moisés, um dos colaboradores iniciais da Cultrix, afirmou sobre a fundação dessa editora: “Leandro Meloni cuidava da administração e tesouraria. Edgard Cavalheiro teria auxiliado com a linha editorial”. O professor confirma que os fundadores da Cultrix foram Diaulas Riedel e Leandro Meloni.
9 HALLEWELL, op. cit., p. 332 e 407.
10 ESCADA Rolante. Folha da Manhã, 25 dez. 1955.
11 MARTINS, José Fernando de Barros. Entrevista concedida a Silvio Tamaso D'Onofrio. São Paulo, 17 jul. 2010.
12 DONATO, op. cit., p. 7
13 CAVALHEIRO, Edgard. Falta ao escritor brasileiro a consciência de profissional. Última Hora, São Paulo, p. 2, 4 jan. 1956. Entrevista concedida a Ramão Gomes Portão.