Oh! A biblioteca do Lindor! Como eu lamento nessa hora não ser um altisonante poeta para cantá-la! Que de alexandrinos clangorosos a lira entoaria em seu louvor! Era uma biblioteca eclética, com grandes e pequenas obras. (Edgard Cavalheiro)1
Em 1929, após dois anos e meio trabalhando na São Paulo Railway, companhia que administrava a estrada de ferro posteriormente batizada Santos-Jundiaí2 e cujos escritórios eram localizados dentro da Estação da Luz, Edgard Cavalheiro passa a atuar, em meados da década de 30, como funcionário do Banco do Estado de São Paulo. Em 1934, tem seu nome vinculado à biblioteca do Sindicato dos Bancários, no edifício Martinelli3. Entre esse ano e 1936, além dos mais de cem textos publicados em jornais e revistas, publica 16 artigos no Jornal do Funcionário, periódico do banco que o empregava e que teve sua primeira edição em 1934.
Enquanto isso, Edgard segue produzindo textos. Em junho de 1934 participa de concurso de críticas promovido pela Folha da Manhã e pela Companhia Editora Nacional, fazendo jus ao sexto lugar. Depois, novo concurso e nova relativa boa colocação parecem sedimentar o caminho para a aceitação de seus escritos nesse periódico4. No ano seguinte, publica o seu primeiro artigo no “Suplemento” dominical do periódico, focalizando “As mulheres na vida de Dostoiévski”, texto ilustrado por Belmonte5. Passa também a colaborar com a Folha da Noite, do mesmo grupo. Décadas mais tarde, Edgard creditaria a entrada nas Folhas ao auxílio e à generosidade do então diretor do jornal, Rui Bloem6.
Em dezembro de 1934, seus escritos recebem a acolhida dos periódicos fluminenses. O primeiro veículo a publicá-lo é A Nação7, jornal “oficioso”, a serviço do tenentismo, segundo Leôncio Basbaum8.
Más notícias em agosto de 1936: o pai de Edgard falece aos 48 anos. Com isso, aos 25 anos de idade, Cavalheiro torna-se o homem mais velho de uma prole de sete filhos, enfrentando, daí por diante, novas responsabilidades familiares.
Em 13 de maio de 1938 presencia as comemorações do cinquentenário da Abolição da Escravatura, ao lado de Jorge Amado, Mário Donato, Rossine Camargo Guarnieri, Oswald de Andrade e Arthur Ramos”9. Nesse ano, segundo Nelson Werneck Sodré, Edgard Cavalheiro era “escritor, bancário e jornalista, depois assessor da Livraria Martins Editora”10.
A atividade literária de Edgard corre em paralelo à atuação burocrática em um banco. Publica artigos na imprensa não apenas para cumprir um pendor artístico e crítico, mas, certamente, para aumentar seus proventos. Não é outra a impressão que se obtém da leitura de uma carta que endereça a Érico Veríssimo em 19 de maio de 194211; o remetente conta que se encontrava sem tempo por ter sido promovido (depois de dez anos de carreira), a sub-contador da agência do Brás, ocasião em que passaria a contar com uns “cobres”, como ele mesmo escreve, a mais.
Edgard Cavalheiro estudou em duas escolas de comércio, sem concluir os cursos; trabalhou na contadoria da estrada de ferro e, depois, tornou-se sub-contador no Banco do Estado de São Paulo. Nesse mesmo período, colaborou em diversos jornais, discorrendo sobre vários temas e em variados gêneros, característica típica dos polígrafos.
1 AS HOMENAGENS a Edgard Cavalheiro. A Folha, Espírito Santo do Pinhal-SP, 26 fev. 1956.
2 Dados da Inventariança da Extinta Rede Ferroviária Federal S. A.: ingresso: 1 jun. 1927; desligamento (solicitado pelo empregado): 1 dez. 1929; cargo: escriturário; ficha funcional n. 315.
3 ANDRADE, Milton; BRITTO, Edsel; JATOBÁ, Roniwalter. José Bento: dias de Mário. Memória, São Paulo, ano 5, n. 17, p. 10, jan./fev./mar. 1993.
4 AFRÂNIO [Edgard Cavalheiro]. Notas à margem de um concurso de contos. Folha da Manhã, São Paulo, 27 jun. 1934; GRIEQUINHO [Edgard Cavalheiro]. Contos brasileiros. Folha da Manhã, São Paulo, 25 jul. 1934.
5 As mulheres na vida de Dostoiévski. Folha da Manhã, São Paulo, 7 abr. 1935.
6 Discurso de 23 dez. 1955, cf. item “Anexos”, nesta dissertação.
7 Um homem útil. A Nação, Rio de Janeiro, 4 nov. 1934.
8 BASBAUM, Leôncio. História sincera da República: de 1930 a 1960. 4. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1976, p. 22.
9 LEITE, José Correia. ...E disse o velho militante José Correia Leite: depoimentos e artigos. Cuti (org.). São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p. 133-137.
10 SODRÉ, Nelson Werneck. Em defesa da cultura. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 172.
11 Arquivo da Coordenadoria de Literatura do Instituto Moreira Salles-RJ, ref. 02b1773-1942.