4.20. Seleta de artigos


CAVALHEIRO, Edgard. Biografias e biógrafos. Curitiba: Guaíra, 1943, p. 11-14. (Caderno Azul, 12).



Biografias



Nota da pesquisa: capítulo publicado, com modificações, como artigo em 27 abr. 1941, em O Estado de S. Paulo, São Paulo.



Uma estatística sobre o movimento editorial na Inglaterra, durante o ano de 1938, revela um decréscimo acentuado em todos os gêneros literários, menos no referente aos estudos críticos e biográficos, os únicos a conseguirem aumento em quantidade sobre o ano anterior. Se tivéssemos o hábito das estatísticas, com toda certezas verificaríamos fato idêntico entre nós, tanto na produção de original como na escolha das obras a serem traduzidas.

Inúmeras teorias já apareceram com o intuito de esclarecer e justificar o porque desse absorvente recuo ao passado, dessa inquieta ressurreição dos mortos e, sobretudo, da indiscutível preferência do grande público pelos estudos biográficos. Entre muitas outras generalizações sobre o assunto, destaca-se aquela que dá como causa primordial do predomínio do gênero biográfico, o “declínio do valor humano dentro da sociedade moderna, onde o indivíduo isolado cada vez mais desaparece na massa popular”, resultando disso a procura de compensação através das reconstituições críticas ou históricas dos grandes personagens, daqueles “que ultrapassaram as medidas normais da espécie”. No fundo, como acentuou o sr. Genolino Amado, uma tentativa desesperada de salvar, “através das intelectualidades empolgantes, o ideal ameaçado do individualismo”.

Outro ensaísta, porém, afirma que essa febre de reviver ambientes ou figuras do passado traz, em si, simplesmente, a necessidade insopitável de exteriorizar pensamentos, trabalhar ideias, de certa forma peadas por fatores políticos, numa fuga angustiada dos tempos presentes. Nessa fuga dos tempos presentes, vai muito da tragédia do intelectual diante dos problemas contemporâneos, problemas que na maioria das vezes nem sequer pode comentar, quanto mais analisá-los.

As explicações contudo, não param, aí. Viana Moog, por exemplo, considera que os biógrafos constituem, a partir de Plutarco, “a grande paixão das épocas em que determinado tipo de civilização está prestes a corromper-se”. Nos tempos que correm, completa o biógrafo de Eça de Queirós e o século XIX, “chega-se a ter a impressão de que os escritores pressentindo que a decadência é já fatal e talvez irremediável, já não se preocupam com outra coisa que não seja fazer o inventário dos grandes nomes da cultura em pleno naufrágio”. À conclusão quase semelhante chega outro ensaísta, ao afirmar que o “fenômeno da biografia no tempo atual não exprime tanto as forças das personalidades do presente”. Não é essa, no entanto, a opinião do sr. Tristão de Athayde, para quem a “biografia representa uma face de nossa moderna sedução pela verdade, pelas coisas concretas, por tudo o que representa um reflexo do “ser”.

Seria fácil continuar transcrevendo. As citações se multiplicariam indefinidamente. O certo é que todos esses esclarecimentos só nos trazem meia verdade, fato aliás normalíssimo em todas as generalizações. Tirando-se, no entanto, a média desses modos de ver, a que resultado chegaremos?

Em lugar de responder a essa pergunta, – o que nos levaria a uma outra generalização que exprimiria sem dúvida outra meia verdade – vejamos no que consiste a biografia tal como é praticada atualmente. Para isso, nada mais lógico do que o seu estudo através dos mestres do gênero. Passando-os em revista, analisando seus métodos e ideias, com certeza chegaremos a compreender o interesse dos leitores por ela, interesse oriundo não somente do valor intrínseco da obra como documento artístico, como afirmaram apressadamente, mas sim, e sobretudo, como documento humano, como mensagem espiritual, como reconstituição de épocas e ambientes do passado. É claro que jamais chegaremos a uma certeza, a uma fórmula exata e precisa. O terreno é acidentado, escorregadio e, em se tratando de esquematizar assunto tão amplo e complexo, o mais que se poderá atingir será a exposição do problema, na esperança de que a conclusão se imponha por si mesma, de que a verdade (fugitiva e duvidosa verdade) salte finalmente aos olhos de qualquer um. Aliás, pouco importa neste caso a fórmula, a definição. Por isso mesmo preferimos abordar o problema num sentido antes narrativo que interpretativo. Mas para atingirmos os modernos, aqueles que tornaram o gênero acessível, ou melhor, transitável, precisamos, antes de mais nada, nos deter um pouco no pai de todos, o grande e vivíssimo Plutarco.