5.1. Discurso na inauguração da Biblioteca Edgard Cavalheiro no Esporte Clube Comercial de Espírito Santo do Pinhal-SP, em 13 maio 1951.


Biblioteca inaugurada com a doação de 5.000 exemplares do acervo particular de Edgard Cavalheiro; a placa comemorativa em bronze, descerrada na inauguração, encontra-se afixada no local até hoje (jul. 2012). A Biblioteca foi desativada nos anos 1980-1990. Trata-se de datiloscrito inédito do autor, conservado no Arquivo Maria Helena Cavalheiro.



Meu amigos.

Não é só a grande honra de ver o meu nome ligado a este clube que me alegra e me comove. Quando aqui estive, há um ano atrás, nesta mesma sala adolescentes barulhentos se debruçavam sobre a mesa de snooker. Agora se debruçarão, silenciosos, sobre os livros. A diferença é grande, e podemos, com toda a segurança, garantir que para melhor. Entre o jogo, mesmo inocente, e o livro, mesmo o menos importante, não há dúvida na escolha. Vocês preferiram, como é de hábito entre gente de bom senso, o lado melhor. Os votos de louvores, cabem, portanto, a vocês meus amigos e conterrâneos.

Uma frase que se tem repetido com muita insistência ultimamente, é a de que o tempo do livro é passado. O livro está destinado a desaparecer, dizem com alguma convicção e muita leviandade os falsos profetas. E acrescentam que agora a técnica tem a palavra e meios mais aperfeiçoados e cômodos para a transmissão das ideias. E citam o rádio, a vitrola, o cinema, a televisão. Esses instrumentos estão desalojando o livro, cuja missão cultural-histórica está prestes a findar. Como se iludem! O livro nada tem a temer da técnica, mesmo porque esta onde é aprendida e aperfeiçoada senão nos próprios livros?

Por toda a parte, diz Stefan Zweig, o livro é o começo e o fim de todo saber humano. E quanto mais intimamente se vive com eles, mais se vive a totalidade da vida, pois sendo maravilhosamente vário, o leitor, graças ao seu auxílio admirável, vê e penetra o mundo não só com os olhos mas também com o olhar da alma. Através do livro ninguém está murado dentro de si próprio. Pelo contrário, participa parcialmente de todo acontecimento passado, e presente, de todo o pensamento e o sentimento da humanidade. O mundo só pode ser observado de muitos planos a quem adquiriu, além dos seus conhecimentos, aqueles guardados nos livros. Porta aberta para o mundo, estreitos são os horizontes daqueles que se recusam ao seu convívio. Em todo livro há um ensinamento, uma lição. E quando não há nada disso, há o consolo, a alegria de encontrarmos em sentimentos expressos por almas alheias, sentimentos e emoções que são também nossas. Essa comunhão de sentimentos entre seres humanos de raças e latitudes tão diversas, não será o único nem o maio milagre proporcionado pelo livro.

Há um provérbio indu que diz:

Um livro aberto é um cérebro que fala;

Fechado, um amigo que espera;

Esquecido, uma alma que perdoa;

Destruído, um coração que chora.

Aí estão, meus amigos, inúmeros cérebros prontos a darem a resposta a inquietações e ânsias de saber. São amigos silenciosos, que nada pedem e tudo oferecem. Mesmo quando não compreendidos, ou não amados, jamais se irritam. Perdoam sempre. Só se lamentam quando são destruídos. Conservai-os, pois. Vocês construíram, à custa de esforços realmente extraordinários, esta magnífica casa, um clube que é motivo de justo orgulho e alegria para todos nós, filhos de Pinhal. Mas faltava, e instintivamente todos o sabiam, algo nesta casa. Talvez a frase de Cícero, lida ou ouvida em tempos perdidos, tivesse sido guardada no subconsciente e ressurgisse de quando em quando: “Dotar uma casa de uma biblioteca”, disse o grande tribuno, “é dotá-la de alma”.

Eis o que vocês acabam de fazer, criando esta Biblioteca. O gesto é tão belo, tão nobre, que até fica fácil perdoá-los por terem-na batizado com o meu nome, quando tantas figuras realmente importantes melhor o mereciam. Mas também aqui, possivelmente, vocês tenham sido traídos pelo subconsciente. Homenagear um conterrâneo, um filho de Pinhal, é, de certa forma, homenagear o próprio Pinhal, o chão de todos nós, a casa para onde sempre retornamos, vencidos e vencedores. Estamos em família, e é no tom familiar que vos agradeço:

- Obrigado, minha gente.