SETE

TERÇA-FEIRA

Cecilia passou a maior parte do funeral da Irmã Ursula pensando em sexo. Não em sexo pervertido. Sexo suave, conjugal, aprovado pelo papa. Mas mesmo assim. A Irmã Ursula provavelmente não teria gostado disso.

— A Irmã Ursula era devotada às crianças da St. Angela.

O Padre Joe segurou com força os dois lados do púlpito, encarando com seriedade o pequeníssimo grupo de enlutados (embora, para falar a verdade, será que alguém naquela igreja estava mesmo de luto pela Irmã Ursula?), e por um momento seus olhos encontraram os de Cecilia, como se pedisse aprovação. Cecilia assentiu e abriu um breve sorriso para dizer a ele que estava fazendo um bom trabalho.

Padre Joe tinha apenas trinta anos e não era um homem sem atrativos. O que levava um homem dessa idade a escolher o sacerdócio hoje em dia? Escolher o celibato?

Então, de volta ao sexo. Perdão, Irmã Ursula.

Pelo que lembrava, fora no último Natal que percebera que havia algo errado com a sua vida sexual. Ela e John-Paul não estavam indo se deitar na mesma hora. Ou ele ficava acordado até tarde, trabalhando ou navegando na internet, e ela caía no sono antes que ele fosse para a cama, ou então ele anunciava de repente que estava exausto e ia dormir às nove da noite. As semanas se passavam, e de vez em quando ela pensava: Nossa, já faz tanto tempo, mas depois esquecia o assunto.

Então houve aquela noite em fevereiro, quando ela saiu para jantar com as mães do quarto ano e bebeu mais do que de costume, porque Penny Maroni estava dirigindo. Cecilia foi para a cama entusiasmada, mas John-Paul afastou a mão dela e murmurou: “Estou muito cansado. Deixe-me em paz, sua bêbada.” Ela riu e pegou no sono, nem um pouco ofendida. Da próxima vez que ele tomasse a iniciativa, ela iria fazer um comentário espirituoso, como: “Ah, então agora você quer?” Mas nunca teve a oportunidade. Foi quando começou a registrar o passar dos dias. O que estava acontecendo?

Cecilia achava que já devia fazer uns seis meses, e quanto mais o tempo passava, mais confusa ela ficava. Ainda assim, sempre que as palavras começavam a se formar em sua boca — Ei, o que está acontecendo, querido? —, algo a impedia. Sexo nunca tinha sido um ponto de discórdia entre eles, do jeito que ela sabia que era entre muitos casais. Ela não o usava como arma ou para barganhar. Era algo implícito, natural e bonito. E não queria arruinar isso.

Talvez apenas não quisesse ouvir a resposta dele.

Ou, pior, a falta de resposta. No ano passado, John-Paul tinha começado a praticar remo. Ele adorava, e todo domingo chegava em casa falando alegremente sobre quanto tinha se divertido. Mas então, inesperada e inexplicavelmente, ele saíra da equipe. “Não quero falar sobre isso”, dissera, quando ela ficou perguntando, desesperada para entender o porquê. “Dê um tempo.”

Às vezes, John-Paul era muito estranho.

Ela afastou depressa aquele pensamento. Além do mais, tinha quase certeza de que todos os homens eram eventualmente estranhos.

E também, seis meses não eram tanto tempo assim, não é? Não para um casal de meia-idade. Penny Maroni disse que eles faziam uma vez por ano, com sorte.

No entanto, nos últimos tempos, Cecilia andava se sentindo como um menino adolescente, pensando em sexo com frequência, imagens levemente pornográficas passando pela sua cabeça na fila do mercado, quando estava de pé junto com os outros pais assistindo às crianças praticarem esportes e pensando no hotel em Canberra, onde John-Paul tinha amarrado os pulsos dela com a faixa elástica azul que o fisioterapeuta dera a ela para praticar exercícios com o tornozelo.

Eles deixaram a faixa azul no quarto do hotel.

O tornozelo de Cecilia ainda estalava quando ela o virava de uma determinada maneira.

Como o Padre Joe conseguia? Cecilia era uma mulher de quarenta e dois anos, uma mãe exausta de três filhas, com a menopausa logo à frente. Se ela estava desesperada por sexo, então o Padre Joe Mackenzie, um homem jovem e saudável, que tinha horas de sono suficientes, sem dúvida achava isso difícil.

Será que ele se masturbava? Os padres tinham permissão para isso ou era considerado não condizente com a ideia de toda essa coisa de celibato?

Espere, masturbação não era pecado para todo mundo? Isso era algo que suas amigas não católicas esperariam que ela soubesse. Elas pareciam achar que Cecilia era uma Bíblia ambulante.

Para falar a verdade, se tivesse tido tempo para pensar no assunto, ela não teria tanta certeza de que continuava uma fã tão entusiasmada de Deus. Ele parecia ter jogado a toalha havia muito tempo. Coisas terríveis aconteciam com crianças, no mundo inteiro, todo santo dia. Era imperdoável.

O pequeno Homem-Aranha.

Ela fechou os olhos, afastando aquela imagem.

Cecilia não ligava para o que as letras miúdas diziam sobre livre-arbítrio, os desígnios misteriosos de Deus e blá-blá-blá. Se Deus tivesse um supervisor, ela teria mandado uma de suas famosas cartas de reclamação muito tempo atrás. “Você perdeu uma cliente.”

Olhou para o rosto sério e de pele lisa do Padre Joe. Certa vez, ele lhe dissera que achava “realmente interessante quando as pessoas questionavam a própria fé”. Mas ela não achava suas dúvidas tão relevantes assim. Acreditava de todo coração em St. Angela: a escola, a paróquia, a comunidade que representava. Acreditava que “amar uns aos outros” era um adorável código moral segundo o qual viver. Os sacramentos eram cerimônias bonitas e atemporais. A Igreja Católica era o time pelo qual ela sempre torcera. Quanto a Deus e se ele (ou ela — o que parecia mais provável!) existia ou não, bem, quando todas as meninas estivessem no ensino médio talvez ela tivesse mais tempo para pensar sobre isso.

E ainda assim todos achavam que ela era a mais católica de todas.

Pensou no que Bridget dissera outra noite durante o jantar: “Como você acabou se tornando tão católica?”, quando Cecilia mencionara alguma coisa perfeitamente normal sobre a primeira confissão de Polly no ano seguinte (ou reconciliação, como chamavam hoje em dia), como se a irmã dela não tivesse sido a rainha das orações na época da escola.

Cecilia doaria um rim para a irmã mais nova sem hesitar, mas, às vezes, tinha vontade de se sentar em cima dela e esfregar um travesseiro na sua cara. Esse tinha sido um jeito eficiente de mantê-la na linha quando crianças. Era uma pena como os adultos tinham que reprimir seus verdadeiros sentimentos.

Bridget também doaria um rim para Cecilia, é claro. Ela só iria choramingar muito mais durante a recuperação e mencionaria isso sempre que tivesse oportunidade, e garantiria que Cecilia arcasse com todas as despesas.

Padre Joe havia terminado. O disperso grupo de pessoas na igreja se levantava para o hino final com um murmúrio suave e suspiros reprimidos, tosses sufocadas e o estalar de joelhos de meia-idade. Os olhos de Cecilia encontraram os de Melissa McNulty do outro lado do corredor; Melissa ergueu as sobrancelhas como se dissesse: Não somos ótimas pessoas por termos vindo ao funeral da Irmã Ursula, sendo que ela era tão terrível e nós temos tantas coisas a fazer?

Cecilia respondeu com um dar de ombros desanimado que queria dizer: Mas não é sempre assim?

Ela estava com uma encomenda de Tupperware no carro para entregar a Melissa depois do funeral, e precisava lembrar de confirmar se ela poderia tomar conta de Polly na aula de balé naquela tarde, porque tinha que levar Esther à consulta com a fonoaudióloga e Isabel para cortar o cabelo. Por falar nisso, Melissa precisava urgentemente retocar a tintura. Suas raízes pretas estavam horríveis. Não era nada gentil da parte de Cecilia reparar naquilo, mas ela não conseguia se esquecer de quando estava na cantina com Melissa no mês passado e ela reclamara que o marido queria sexo a cada dois dias, como um reloginho.

Enquanto cantava o hino “Quão grande és Tu”, Cecilia pensou na provocação de Bridget durante o jantar e entendeu por que havia ficado chateada.

Foi por causa do sexo. Porque, se não estava fazendo sexo, não era nada além de uma mãe de meia-idade, sem graça e desmazelada. A propósito, ela não era desmazelada. No dia anterior mesmo, um caminhoneiro dera um longo assobio de admiração enquanto ela atravessava a rua correndo, com sua roupa de ginástica, para comprar coentro.

O assobio sem dúvida tinha sido para ela. Estava sozinha e havia checado para ter certeza de que não havia nenhuma outra mulher à vista, mais jovem e atraente. Na semana anterior, ela vivenciara a constrangedora experiência de ouvir alguém assobiar quando ela estava com as filhas no shopping e, ao se virar, tinha visto Isabel com o olhar fixo à frente, as bochechas coradas. Isabel tinha se desenvolvido de repente: já era da altura de Cecilia, seus quadris estavam se alargando, a cintura afinando, e os seios crescendo. Ultimamente vinha usando o cabelo preso num rabo de cavalo alto com uma grossa franja reta, que ficava bem em cima dos olhos. Ela estava crescendo, e não era só a mãe que tinha reparado.

Está começando, pensara Cecilia, com tristeza. Desejou que pudesse dar a Isabel um escudo, como aqueles que a polícia usava, para protegê-la dos olhares dos homens, daquela sensação de estar sendo avaliada sempre que andava pela rua, dos comentários aviltantes gritados dos carros, daquela olhadela casual. Teve vontade de sentar-se com Isabel e conversar sobre o assunto, mas não saberia o que dizer. Ela mesma nunca tinha entendido muito bem. Não era nada de mais. Era sim. Eles não têm o direito de fazer você se sentir assim. Ou, apenas ignore, um dia você fará quarenta anos e aos poucos vai perceber que não sente mais os olhares, e a liberdade é um alívio, mas de certa forma também vai sentir falta deles, e quando um caminhoneiro assobiar enquanto você atravessa a rua, vai pensar: Sério? Para mim?

Também havia parecido um assobio realmente sincero, amigável.

Era um pouco humilhante quanto tempo ela tinha dedicado a analisar aquele assobio.

Bem, de todo modo, ela não estava preocupada que John-Paul estivesse tendo um caso. Definitivamente não. Essa não era uma possibilidade. Nem mesmo uma possibilidade remota. Ele não teria tempo para um caso! Quando conseguiria encaixar isso na agenda?

Mas John-Paul viajava bastante. Poderia ter um caso nessas ocasiões.

O caixão de Irmã Ursula estava sendo carregado da igreja por quatro jovens de ombros largos, cabelos desgrenhados, que usavam terno e gravata, com os rostos cuidadosamente inexpressivos. Pelo que sabia, eram sobrinhos dela. Quem diria que a Irmã Ursula compartilhava o mesmo DNA de jovens tão atraentes! Era provável que eles também tivessem passado todo o funeral pensando em sexo. Aqueles garotos com suas jovens libidos vibrantes. O mais alto era particularmente bonito, com aqueles olhos escuros e brilhantes…

Deus do céu. Agora ela estava imaginando fazer sexo com um dos carregadores do caixão da Irmã Ursula. Uma criança, a julgar pela aparência. Provavelmente ainda estava no ensino médio. Seus pensamentos não eram apenas imorais e inadequados, mas também ilegais. (Era ilegal imaginar? Desejar o carregador do caixão da sua professora da terceira série?)

Quando John-Paul voltasse para casa na Sexta-Feira Santa, eles fariam sexo todas as noites. Redescobririam a vida sexual. Seria incrível. Eles sempre foram muito bons juntos. Ela sempre achara que a qualidade do sexo que eles faziam era melhor que a de todo mundo. Esse fora um pensamento muito animador durante as festinhas da escola.

John-Paul não conseguiria sexo melhor em nenhum outro lugar. (Cecilia tinha lido muitos livros. Mantinha suas habilidades atualizadas, como se fosse uma exigência profissional.) Ele não precisava de um caso. Sem falar que era uma das pessoas mais éticas, morais e cumpridoras das regras que ela conhecia. Ele não faria uma ultrapassagem proibida nem por um milhão de dólares. Infidelidade não era uma opção para ele. Simplesmente não faria isso.

Aquela carta não tinha nada a ver com um caso. Não estava nem pensando na carta! Para ver o quanto ela nem estava ligando para aquilo. Aquele breve momento na noite passada, quando ela achou que ele estava mentindo ao telefone, foi completamente bobo. O constrangimento com relação à carta foi só por causa do constrangimento inerente aos telefonemas de longa distância. Não eram naturais. Estavam em lados opostos do mundo, em extremos diferentes do dia, então não era possível sincronizar bem as vozes: uma pessoa muito agitada, a outra muito tranquila.

Abrir a carta não resultaria em nenhuma revelação chocante. Não era, por exemplo, sobre uma outra família que ele sustentava em segredo. John-Paul não tinha a organização necessária para lidar com a bigamia. Já teria escorregado há muito tempo. Aparecido na casa errada. Chamado uma das mulheres pelo nome da outra. Deixaria constantemente suas coisas no lugar errado.

A menos, é claro, que essa sua falta de jeito fizesse parte do disfarce.

Talvez ele fosse gay. E por essa razão não faziam mais sexo. Ele fingira sua heterossexualidade todos aqueles anos. Bem, sem dúvida tinha fingido muito bem. Ela se lembrou dos primeiros anos, quando faziam sexo três ou quatro vezes por dia. Teria realmente sido mais que exagerado se ele estivesse apenas fingindo interesse.

Ele gostava bastante de musicais. Amava Cats! E era melhor do que ela na hora de arrumar o cabelo das meninas. Sempre que Polly tinha uma apresentação de balé, insistia para que fosse John-Paul a fazer seu coque. Ele podia falar sobre arabesques e piruetas com Polly tão bem quanto falava sobre futebol com Isabel e Titanic com Esther. Além disso, ele adorava a mãe. Os gays não eram particularmente ligados às mães? Ou isso era um mito?

John-Paul tinha uma camisa polo cor de pêssego e ele próprio a passava.

Sim, provavelmente era gay.

O hino terminou. O caixão da Irmã Ursula deixou a Igreja, e havia uma sensação de dever cumprido enquanto as pessoas pegavam suas bolsas e seus casacos e se preparavam para dar início ao dia.

Cecilia largou o hinário. Pelo amor de Deus. Seu marido não era gay. Ela viu a imagem de John-Paul, andando de um lado para o outro na lateral do campo durante a partida de futebol de Isabel na semana passada, gritando palavras de incentivo. Junto com a barba grisalha de um dia, ele tinha dois adesivos purpurinados de bailarina em cada bochecha. Polly os colara ali por diversão. Cecilia sentiu uma onda de amor ao se lembrar disso. Não havia nada de afeminado em John-Paul. Ele apenas era bastante seguro. Não tinha que provar nada a ninguém.

A carta não tinha nada a ver com a falta de sexo. Não tinha a ver com nada. Estava seguramente trancada no arquivo, dentro do envelope pardo com as cópias de seus testamentos.

Ela prometera que não abriria. Portanto, não podia e não iria abri-la.