VINTE
— Aí! Está vendo?
Rachel apertou o botão de pause, congelando o rosto zangado de Connor Whitby na tela. Era o rosto de um monstro. Seus olhos eram dois buracos negros e cruéis. Os lábios estavam comprimidos, com um desdém furioso. Ela já assistira à gravação quatro vezes, e a cada uma delas ficava mais convencida. Aquilo era impressionantemente conclusivo, pensava ela. Mostre isso a qualquer júri e eles o condenarão.
Rachel se virou para olhar Rodney Bellach, sentado em seu sofá, inclinado para a frente com os cotovelos nos joelhos, e o viu tapar a boca com a mão, para esconder um bocejo.
Bem, estava no meio da noite. Era óbvio que o Sargento Bellach — “Você pode me chamar de velho Rodney agora”, ele vivia repetindo para ela — estava dormindo profundamente quando ela ligou. A esposa dele atendera o telefone, e Rachel a ouvira tentando acordá-lo. “Rodney. Rodney. É para você!” Quando enfim ele pegou o aparelho, sua voz estava grossa e incompreensível de sono. “Estou indo para aí, Sra. Crowley”, dissera ele finalmente, assim que ela conseguira fazê-lo entender e, enquanto ele desligava o telefone, Rachel ouviu sua esposa perguntar: “Aonde, Rodney? Aonde você está indo? Por que isso não pode esperar até amanhã de manhã?”
A mulher do Sargento parecia ser uma velha resmungona.
Era provável que aquilo pudesse esperar até amanhecer, refletia Rachel agora, ao ver Rodney lutar bravamente para conter outro grande bocejo e esfregar os nós dos dedos nos olhos embaçados. Pelo menos ele estaria mais alerta. Não parecia nada bem mesmo. Pelo visto, havia pouco tempo, ele tinha sido diagnosticado com diabetes tipo 2. E tivera que fazer algumas mudanças radicais na alimentação. Ele mencionara tudo isso enquanto se sentavam para assistir ao vídeo. “Cortei de vez o açúcar”, dissera ele, triste. “Nada de sorvete na sobremesa.”
— Sra. Crowley — disse ele, por fim. — Vejo claramente por que a senhora acha que isso prova que Connor tinha algum motivo, mas, sendo sincero, não penso que seja o suficiente para convencer a polícia a dar mais uma olhada no caso.
— Ele estava apaixonado por ela! — exclamou Rachel. — Ele estava apaixonado e ela o rejeitou.
— Sua filha era uma garota muito bonita — disse o Sargento Bellach. — Provavelmente havia muitos garotos apaixonados por ela.
Rachel ficou chocada. Como nunca notara que Rodney era tão estúpido? Tão obtuso? O diabetes havia afetado seu QI? Será que a falta de sorvete tinha feito seu cérebro encolher?
— Mas Connor não era um garoto qualquer. Ele foi o último a vê-la antes de ela morrer — relembrou Rachel, devagar e com cuidado, para garantir que ele entenderia.
— Ele tinha um álibi.
— A mãe dele era o álibi! — explodiu Rachel. — Ela mentiu, é óbvio!
— E o namorado da mãe dele também confirmou — disse Rodney. — Porém, o mais importante é que um vizinho viu Connor levar o lixo para fora às cinco da tarde. O vizinho era uma testemunha bastante confiável. Advogado e pai de três filhos. Eu me lembro de todos os detalhes do caso de Janie, Sra. Crowley. Posso lhe garantir que, se eu achasse que ele tinha qualquer coisa…
— Mentira nos olhos dele! — interrompeu Rachel. — Você disse que havia mentira nos olhos de Connor Whitby! Bem, você estava certo! Absolutamente certo!
— Mas olhe só, tudo o que isso prova é que eles tiveram um pequeno desentendimento — ponderou Rodney.
— Um pequeno desentendimento! — gritou Rachel. — Olhe para a cara do garoto! Ele a matou! Eu sei que ele a matou. Sei do fundo do coração, no meu…
Ela ia dizer “corpo”, mas não queria parecer uma maluca. No entanto, era verdade. Seu corpo estava lhe dizendo o que Connor tinha feito. Ele queimava por completo, como se ela estivesse com febre. Até a ponta dos seus dedos estavam quentes.
— Bem, quer saber, vou ver o que posso fazer, Sra. Crowley — disse Rodney. — Não posso prometer que isso vá levar a algum lugar, mas posso jurar que esse vídeo vai chegar nas mãos certas.
— Obrigada. É tudo que posso pedir.
Era mentira. Ela poderia pedir muito mais. Ela queria que uma viatura da polícia, com uma sirene aguda e luzes girando, corresse para a casa de Connor Whitby naquele segundo. Queria que Connor fosse algemado, enquanto um policial forte e com cara de mau lia para ele seus direitos. Ah, e ela não queria que o policial protegesse a cabeça de Connor quando o pusesse no banco de trás da viatura. Queria que a cabeça de Connor fosse golpeada várias vezes, até que não restasse nada além de uma massa sangrenta.
— Como está o seu netinho? Crescendo depressa?
Rodney pegou uma foto de Jacob no console da lareira enquanto Rachel ejetava a fita cassete.
— Ele vai para Nova York.
Rachel entregou a fita a ele.
— Não brinca? — Rodney pegou a fita e pôs a foto de Jacob de volta no lugar com cuidado. — Minha neta mais velha foi para Nova York também. Ela está com dezoito anos agora. A pequena Emily. Conseguiu uma bolsa para uma universidade de ponta. A Big Apple, como eles chamam, não é? Queria saber por que será que a chamam assim.
Rachel abriu um sorrisinho frágil e o conduziu até a porta.
— Não tenho a menor ideia, Rodney. A menor ideia.