TRINTA E UM

— Como assim não vamos comer cordeiro? — perguntou Polly. — Sempre comemos cordeiro assado quando papai volta para casa.

Descontente, ela espetou o garfo no pedaço de peixe passado demais no seu prato.

— Por que você fez peixe para o jantar? — perguntou Isabel a Cecilia. — O papai odeia peixe.

— Eu não odeio peixe — contestou John-Paul.

— Odeia, sim — insistiu Esther.

— Está certo, não é meu prato favorito — concordou John-Paul. — Mas este aqui está muito bom mesmo.

— Hum, não está muito bom, não. — Polly largou o garfo e suspirou.

— Polly Fitzpatrick, onde estão seus modos? — repreendeu John-Paul. — Sua mãe teve um trabalhão para preparar isso…

— Não. — Cecilia ergueu a mão.

Por um momento, o silêncio pairou sobre a mesa, enquanto todos esperavam que ela dissesse mais alguma coisa. Ela largou o garfo e tomou um grande gole de vinho.

— Achei que você não iria tomar vinho durante a Quaresma — comentou Isabel.

— Mudei de ideia — disse Cecilia.

— Você não pode simplesmente mudar de ideia! — Polly estava horrorizada.

— Todas tiveram um bom dia hoje? — perguntou John-Paul.

— Esta casa está cheirando a óleo de gergelim — reparou Esther, fungando.

— É, achei que fôssemos comer frango xadrez — disse Isabel.

— Peixe é alimento para o cérebro — alegou John-Paul. — Ele nos deixa inteligentes.

— Então por que os esquimós não são, tipo, as pessoas mais inteligentes do mundo? — questionou Esther.

— Talvez sejam — respondeu John-Paul.

— O peixe está com um gosto muito ruim — disse Polly.

— Algum esquimó já ganhou o Prêmio Nobel? — indagou Esther.

— Está mesmo com um gosto estranho, mãe — disse Isabel.

Cecilia se levantou e começou a jogar fora a comida dos pratos das meninas, ainda cheios. Suas filhas ficaram chocadas.

— Vocês podem comer torrada.

— Está bom! — protestou John-Paul, segurando as bordas do prato com os dedos. — Eu estava gostando.

Cecilia puxou o prato dele.

— Não estava, não.

Ela evitou os olhos do marido. Não fizera contato visual com John-Paul desde que ele chegara em casa. Se agisse normalmente, se apenas deixasse a vida seguir em frente, não o estaria perdoando? Aceitando o que ele fizera? Traindo a filha de Rachel Crowley?

Só que não fora exatamente isso o que ela decidira fazer? Não fazer nada? Então que diferença faria se ela fosse fria com John-Paul? Ela achava mesmo que isso mudava alguma coisa?

Não se preocupe, Rachel, estou sendo muito cruel com o assassino da sua filha. Nada de cordeiro assado para ele! Não, senhor!

A taça dela estava vazia de novo. Meu Deus. Acabara rápido. Ela pegou a garrafa de vinho na geladeira e a encheu até a borda.

* * *

Tess e Connor estavam deitados de costas, ofegantes.

— Então — disse Connor, por fim.

— Pois é, então — falou Tess.

— Parece que estamos no corredor — comentou ele.

— Parece que sim.

— Eu estava tentando levá-la pelo menos até a sala.

— O corredor me parece muito bom — elogiou Tess. — Não que eu tenha conseguido ver muita coisa.

Estavam no apartamento escuro de Connor, deitados no chão do corredor. Ela sentia um tapete fino em suas costas, e possivelmente as tábuas do assoalho. O apartamento tinha um cheiro agradável de alho e sabão em pó.

Ela o seguira até em casa no carro da mãe. Ele a beijara no portão do prédio, em seguida a beijara outra vez na escada, e por um longo tempo na porta de casa, depois de novo com a chave na fechadura, e então estavam fazendo aquela coisa louca de “um arrancar as roupas do outro esbarrando nas paredes”, o que nunca se faz quando se está numa relação duradoura porque parece muito dramático e, de qualquer modo, não vale o esforço, especialmente se tem algo bom passando na TV.

— É melhor eu pegar uma camisinha — dissera Connor em seu ouvido, num momento crucial do processo.

— Tomo pílula. Você não parece ter nenhuma doença, então, apenas, por favor, ah, meu Deus, por favor, apenas continue.

— Tá — respondera ele, e fez o que ela pediu.

Agora Tess ajeitava suas roupas e esperava sentir-se envergonhada. Era uma mulher casada. Não estava apaixonada por aquele homem. O único motivo para ela estar ali era porque seu marido tinha se apaixonado por outra pessoa. Apenas alguns dias antes, aquela cena seria inconcebível, uma piada. Ela estaria se condenando. Devia estar se sentindo uma miserável, uma piranha, pecadora, mas, na verdade, o que sentia agora era… alegria. Alegria mesmo. Na verdade, estava quase absurdamente feliz. Pensou em Will e Felicity e em seus rostos tristes e sérios antes de ela jogar café frio neles. Lembrou que Felicity estava usando uma blusa nova de seda branca. Aquela mancha de café nunca sairia.

Os olhos dela se acostumaram com a pouca luz, mas Connor ainda era apenas uma silhueta escura deitada ao seu lado. Ela sentia o calor do corpo dele ao longo de seu lado direito. Ele era maior, mais forte e estava muito mais em forma que Will. Ela pensou no corpo do marido, pequeno, atarracado e peludo — tão conhecido e querido, o corpo de alguém familiar, embora sempre sexy para ela. Ela pensara que Will seria o último marco de seu histórico sexual. Achara que nunca mais iria dormir com outra pessoa na vida. Lembrou-se da manhã depois que ela e Will ficaram noivos, quando aquele pensamento lhe ocorrera pela primeira vez. A gloriosa sensação de alívio. Nada mais de corpos novos, desconhecidos. Nada mais de conversas constrangedoras sobre métodos contraceptivos. Apenas Will. Ele era tudo de que ela precisava, tudo o que ela queria.

E agora ali estava ela, deitada no corredor de um ex-namorado.

“A vida sabe nos surpreender”, dizia sua avó, em geral sobre acontecimentos nada surpreendentes, como uma gripe forte, o preço das bananas e coisas assim.

— Por que nós terminamos? — perguntou ela a Connor.

— Você e Felicity decidiram se mudar para Melbourne — disse ele. — E você nunca me perguntou se eu queria ir junto. Então pensei: Certo. Parece que acabei de levar um pé na bunda.

Tess se encolheu.

— Eu fui tão horrível assim? Parece que sim.

— Você me magoou — declarou Connor, em tom de lamento.

— Sério?

— É possível — disse ele. — Ou você, ou a outra garota que namorei na mesma época, chamada Teresa. Sempre confundi vocês duas.

Tess deu uma cotovelada nele.

— Você era uma boa lembrança — confessou Connor, mais sério. — Fiquei feliz de revê-la no outro dia.

— Eu também — disse Tess. — Fiquei feliz de ver você.

— Mentirosa. Você parecia horrorizada.

— Fiquei surpresa. — Ela mudou de assunto: — Você ainda tem aquele colchão d’água?

— Infelizmente, o colchão d’água não sobreviveu ao novo milênio. Acho que deixava Teresa enjoada.

— Pare de falar de Teresa.

— Tudo bem. Quer ir para um lugar mais confortável?

— Estou bem.

Eles ficaram deitados num silêncio amigável por alguns minutos, e então Tess disse:

— Humm. O que você está fazendo?

— Só vendo se ainda conheço o caminho.

— Isso é um pouco, não sei, rude? Machista? Ah. Ah, tudo bem.

— Gosta disto, Teresa? Espere, qual é o seu nome, mesmo?

— Pare de falar, por favor.