QUARENTA E SETE

— Não seja tão pão-dura com a manteiga — reclamou Lucy. — Pães de passas devem ser servidos com manteiga pingando. Será que não lhe ensinei nada?

— Nunca ouviu falar de “colesterol”? — rebateu Tess, mas pegou a faca da manteiga.

Ela, a mãe e Liam estavam sentados no quintal, ao sol da manhã, tomando chá e comendo pães de passas tostados. Lucy estava usando o roupão rosa acolchoado por cima da camisola, e Tess e Liam estavam de pijama.

O dia tinha começado melancólico, bem apropriado para uma Sexta-feira Santa, mas mudara de ideia de repente e decidira dar uma virada e mostrar todas as cores do outono. Havia uma brisa refrescante e encantadora, e o sol se derramava pelas folhas vermelhas do flamboyant de sua mãe.

— Mãe? — disse Liam, de boca cheia.

— Hum? — murmurou Tess.

Ela estava com o rosto voltado para o sol, os olhos fechados. Parecia em paz e sonolenta. Na noite anterior, fizera mais sexo no apartamento de Connor, depois que voltaram de moto da praia. Fora ainda mais espetacular do que da primeira noite. Ele tinha certas habilidades que eram mesmo… fora de série. Tinha lido um livro, talvez? Will nunca lera esse livro então. Era curioso como até a semana anterior o sexo era apenas um passatempo divertido e meio regular sobre o qual ela nunca pensava de fato. E agora, naquela semana, a consumia por completo, como se fosse tudo o que realmente importava em sua vida, como se aqueles momentos entre os encontros sexuais fossem irrelevantes, não fossem vida de verdade.

Ela sentia que estava ficando viciada em Connor, na curva característica do seu lábio superior, nos seus ombros largos, em seu…

— Mãe! — repetiu Liam.

— O quê?

— Quando é…

— Não fale de boca cheia.

— Quando é que papai e Felicity vão chegar? Para a Páscoa?

Tess abriu os olhos e encarou a mãe, que arqueou as sobrancelhas.

— Não tenho certeza — respondeu a Liam. — Tenho que ver com eles. Talvez precisem trabalhar.

— Eles não podem trabalhar na Páscoa! Quero ver o papai bater com a cabeça do meu coelho.

De algum modo, eles haviam criado aquela tradição um tanto violenta de começar o domingo de Páscoa com o ritual de bater com a cabeça de um coelho de chocolate. Will e Liam achavam o pobre rosto destruído do coelho incrivelmente engraçado.

— Bem — falou Tess.

Ela não tinha a menor ideia do que fazer com relação à Páscoa. Será que havia sentido em fazer a encenação da família feliz pelo bem de Liam? Eles não eram atores muito bons. Ele perceberia na hora. Ninguém podia esperar isso dela, não é?

E se ela convidasse Connor? Sentaria-se no colo dele como uma adolescente querendo provar ao ex-namorado que tinha virado a página e agora estava com ninguém menos que o atleta musculoso da escola. Poderia pedir a ele que aparecesse com sua moto rugindo. Ele poderia fazer o ritual de bater com a cabeça do coelho de Liam. Poderia fazer isso melhor que Will.

— Vamos ligar para o papai mais tarde — disse ela a Liam. Sua sensação de paz tinha sido arruinada.

— Vamos ligar para ele agora! — Liam correu para dentro de casa.

— Não! — exclamou Tess, mas ele já tinha ido.

— Ai, meu Deus — falou a mãe dela, dando um suspiro e largando seu pão de passas.

— Não sei o que fazer — começou Tess, mas Liam voltou correndo com o celular dela estendido na mão.

O toque de mensagem soou quando ele estava indo lhe entregar o aparelho.

— É uma mensagem do papai? — perguntou o menino.

Tess pegou o telefone, em pânico.

— Não. Não sei. Vou ver.

A mensagem era de Connor. Pensando em você. Bjs. Tess sorriu. Assim que terminou de ler, o telefone tocou de novo.

— Dessa vez deve ser do papai!

Liam saltitava na frente dela, na ponta dos pés, como se estivesse jogando futebol.

Tess leu a mensagem. Também era de Connor.

Está um dia ótimo para soltar pipa, se você quiser vir com Liam para a pista de corrida um pouquinho. Eu levo a pipa! (Mas entendo se você achar que não é uma boa ideia.)

— Não são do seu pai — disse ela ao filho. — São do Sr. Whitby. Você sabe. Seu novo professor de educação física.

Liam ficou inexpressivo. Lucy pigarreou.

— Sr. Whitby — repetiu Tess. — Ele é seu professor de…

— Por que ele está mandando mensagens para você? — perguntou o menino.

— Você vai terminar de comer seu pãozinho, Liam? — interrompeu Lucy.

— Na verdade, o Sr. Whitby é um velho amigo meu — explicou Tess. — Lembra-se de quando o encontrei na secretaria da escola? Eu o conheci anos atrás. Antes de você nascer.

— Tess — disse a mãe, com um tom de advertência.

— O que foi? — perguntou ela, irritada.

Por que ela não podia dizer a Liam que Connor era um velho amigo? Que mal havia nisso?

— O papai também conhece ele?

As crianças pareciam tão alheias aos relacionamentos dos adultos, até que quando menos se esperava elas diziam algo assim, algo mostrando que, de certa forma, entendiam tudo.

— Não — respondeu Tess. — Foi antes de eu conhecer o seu pai. Enfim, o Sr. Whitby me mandou uma mensagem porque ele tem uma pipa incrível e quer saber se você e eu gostaríamos de ir à pista de corrida para soltá-la.

— Hein? — Liam fez uma cara feia, como se ela tivesse sugerido que ele arrumasse o quarto.

— Tess, meu amor, você acha mesmo que é… você sabe. — A mãe dela ergueu a mão até um lado da boca, escondendo-a, e, em silêncio, articulou a palavra apropriado.

Tess a ignorou. Ela não aceitaria que a fizessem se sentir culpada por isso. Por que ela e Liam deveriam ficar em casa sem fazer nada, enquanto Will e Felicity faziam fosse lá o que estivessem fazendo hoje? Além disso, ela queria mostrar àquela terapeuta, aquela invisível presença crítica na vida de Connor, que não era apenas uma mulher louca e magoada usando-o para sexo. Ela era boa. Era legal.

— Ele tem uma pipa incrível — improvisou Tess. — E achou que você fosse gostar de empinar, só isso. — Olhou para a mãe. — Ele está sendo simpático porque sabe que somos novos na escola. — Tornou a se virar para Liam. — O que acha de irmos encontrá-lo? Só por meia hora?

— Tudo bem — concordou Liam, de má vontade. — Mas quero ligar para o papai primeiro.

— Assim que estiver pronto — falou Tess. — Vá vestir a calça jeans. E a camisa de rúgbi. Está mais frio do que eu pensava.

— Está bem — disse Liam, e saiu se arrastando.

Ela digitou uma mensagem para Connor: Encontraremos você na pista em meia hora. Bjs.

Antes de apertar o botão de enviar, apagou os beijos. Para o caso de a terapeuta achar que isso poderia encorajá-lo. Então pensou nos beijos de verdade que haviam trocado na noite anterior. Ridículo. Ela poderia muito bem mandar beijos na mensagem. Voltou a escrever o bjs e ia enviar, mas aí se perguntou se o plural era um exagero e mudou só para bj, mas isso parecia algo mesquinho se comparado ao que ele mandara, como se ela quisesse dizer alguma coisa. Estalou a língua, voltou a escrever o “s” e enviou. Ergueu os olhos e viu que a mãe a observava.

— O que foi? — perguntou ela.

— Cuidado — alertou a mãe.

— O que exatamente você quer dizer com isso? — Havia certa truculência no tom de voz de Tess, que ela reconheceu de sua adolescência.

— Só estou dizendo que você não vai querer ir longe demais por um caminho do qual não conseguirá voltar.

Tess olhou para a porta dos fundos, para se certificar de que Liam estava lá dentro.

— Não há nada para o que voltar! Claro que devia haver algo muito errado com nosso casamento…

— Besteira! — interrompeu a mãe, de forma tão veemente que Tess ficou surpresa. — Babaquice! Isso é um grande absurdo. O tipo de bobagem que se lê nas revistas femininas. Essas coisas acontecem na vida. As pessoas metem os pés pelas mãos. Somos feitos para nos sentirmos atraídos uns pelos outros. Isso definitivamente não significa que havia algo de errado com o seu casamento. Eu via você e Will juntos. Sei o quanto se amam.

— Mas, mãe, Will se apaixonou por Felicity. Não foi apenas um beijo quando ficaram bêbados na festa da firma. É amor. — Ela franziu os olhos, fitando as unhas, e baixou a voz até um sussurro: — E talvez eu esteja me apaixonando por Connor.

— E daí? As pessoas se apaixonam e desapaixonam o tempo todo. Eu me apaixonei pelo genro de Beryl uma semana dessas. Não é um sinal de que seu casamento estava arruinado. — Lucy mordeu um pedaço do pão de passas e disse, com a boca cheia: — É claro que ele está arruinado agora.

Tess deu uma gargalhada e ergueu as mãos, com as palmas para cima.

— Então pronto. Estamos de saco cheio.

— Não se os dois estiverem dispostos a deixar o ego de lado.

— Não se trata apenas de ego — disse Tess, irritada.

Aquilo era ridículo. A mãe dela não estava falando coisa com coisa. O genro de Beryl, pelo amor de Deus.

— Ah, Tess, minha querida, na sua idade tudo é uma questão de ego.

— Então, o que está sugerindo? Que eu deveria deixar meu orgulho para lá e implorar para Will voltar para mim?

Lucy revirou os olhos.

— Claro que não. Só estou dizendo para não fechar as portas, mergulhando de cabeça num relacionamento com Connor. Você tem que pensar em Liam. Ele…

Tess estava furiosa.

— Eu estou pensando em Liam! — Ela fez uma pausa. — Você pensou em mim quando se separou do papai?

A mãe abriu um sorrisinho humilde para ela.

— Talvez não tanto quanto deveria. — Ela pegou a xícara de chá, mas logo tornou a pousá-la. — Às vezes olho para trás e penso, meu Deus, nós levávamos nossos sentimentos tão a sério. Tudo era preto no branco. Ocupávamos nossas posições e ponto final. Ninguém iria ceder. Aconteça o que for, não se torne tão rígida, Tess. Esteja disposta a ser um pouco… flexível.

— Flexível — repetiu Tess.

A mãe dela ergueu uma das mãos e inclinou a cabeça.

— Isso foi a campainha?

— Não ouvi — disse Tess.

— Se for a chata da minha irmã aparecendo de surpresa de novo, vou ficar muito irritada. — Lucy se empertigou e estreitou os olhos. — Faça o que quiser, mas não lhe ofereça uma xícara de chá!

— Acho que foi impressão sua.

— Mãe! Vovó!

A porta de tela dos fundos da casa foi escancarada e Liam pulou para fora, ainda de pijama, o rosto iluminado.

— Vejam quem está aqui! — Ele segurou a porta, escancarando-a, e fez um gesto exagerado, como se apresentasse um show. — Tarããã!

Uma mulher loura e bonita entrou pela porta. Por uma fração de segundo Tess não a reconheceu e apenas admirou o efeito estiloso que ela produzia em contraste com as folhas do outono. Estava usando um daqueles cardigãs brancos volumosos com botões de madeira, um cinto de couro marrom, calça jeans skinny e botas.

— É Felicity! — gritou Liam.