CINQUENTA E UM
Rachel viu o homem com a pipa descer do meio-fio. Cuidado com o trânsito, cara. Isso aí não é uma faixa de pedestres.
Ele virou a cabeça na direção dela.
Era Connor Whitby.
Estava olhando direto para ela, mas parecia que o carro de Rachel era invisível, como se ela não existisse, como se fosse completamente irrelevante para ele, como se ele tivesse a escolha de incomodá-la e obrigá-la a diminuir a velocidade se assim quisesse. Ele atravessou a rua depressa, alegre, com certeza absoluta de que ela iria parar. Uma rajada de vento soprou, fazendo a pipa girar de modo preguiçoso.
O pé de Rachel deixou o pedal do acelerador e pairou acima do freio.
Então caiu de novo no acelerador como um tijolo.
* * *
Não aconteceu em câmera lenta. Foi tudo num instante.
Não havia carro algum. A rua estava vazia. E então, do nada, surgiu um carro. Um veículo azul pequeno. Mais tarde, John-Paul iria dizer que sabia que tinha um carro vindo atrás deles, mas, para Cecilia, ele simplesmente se materializou do nada.
Sem carro. Carro.
O pequeno veículo azul parecia uma bala. Não tanto pela velocidade, mas porque dava a impressão de estar numa trajetória irrefreável, como se tivesse sido lançado por alguma coisa.
Cecilia viu Connor Whitby correr. Como um homem numa cena de filme de ação, pulando de um prédio para outro.
Um segundo depois, Polly foi com a bicicleta direto para a frente do carro e desapareceu debaixo dele.
Os barulhos foram baixos. Um baque. Um som metálico. O guincho longo e agudo dos freios.
E então o silêncio. Normalidade. O canto de um pássaro.
Cecilia não sentiu nada além de confusão. O que tinha acabado de acontecer?
Ouviu passos pesados e se virou para ver John-Paul correndo. Ele passou direto por ela. Esther gritava. Sem parar. Um som feio, terrível. Pare com isso, Esther, pensou Cecilia.
Isabel agarrou o braço da mãe.
— O carro pegou Polly!
Um abismo se abriu em seu peito.
Ela se livrou da mão de Isabel e correu.
* * *
Uma garotinha. Uma garotinha de bicicleta.
Rachel continuava com as mãos no volante. Seu pé ainda pisava com força no freio. O pedal estava tão fundo que encostava no chão do carro.
Devagar, com cuidado, tirou a mão esquerda trêmula do volante e puxou o freio de mão. Levou a mão esquerda de volta ao volante e, com a direita, girou a chave na ignição, desligando o motor. Então, com muita cautela, tirou o pé do freio.
Olhou pelo retrovisor. Talvez a garotinha estivesse bem.
(Só que ela havia sentido. A suave lombada sob as rodas. Sabia com uma certeza absoluta e terrível o que fizera. O que deliberadamente fizera.)
Viu uma mulher correndo, os braços balançando de um jeito estranho ao lado do corpo, como se estivessem paralisados. Era Cecilia Fitzpatrick.
Garotinha. Capacete rosa cintilante. Rabo de cavalo preto. Freio. Freio. Freio. Seu rosto de perfil. A menina era Polly Fitzpatrick. A pequena e linda Polly Fitzpatrick.
Rachel uivou como um cão. Em algum lugar ao longe, alguém gritava sem parar.
* * *
— Alô?
— Will?
Liam não parava de perguntar quando o pai chegaria, e, de repente, Tess sentiu-se furiosa com sua passividade, esperando que Felicity e Will aparecessem da forma que haviam programado. Ela tinha ligado para o celular dele. Seria fria, controlada e lhe daria uma primeira ideia da tarefa hercúlea que o aguardava.
— Tess — disse Will. Ele parecia perturbado e estranho.
— Felicity falou que você está vindo para cá…
— Estou — interrompeu Will. — Estava. Num táxi. Tivemos que parar. Houve um acidente justo na esquina da casa da sua mãe. Eu vi tudo. Estamos esperando a ambulância. — A voz dele falhou e ficou abafada: — Foi terrível, Tess. Uma garotinha de bicicleta. Mais ou menos da mesma idade de Liam. Acho que ela está morta.