CINQUENTA E SEIS

Rachel estava sentada em frente à TV, vendo a sequência de imagens e rostos coloridos e hipnóticos. Se alguém desligasse a TV e lhe perguntasse a que estava assistindo, ela não saberia responder.

Poderia pegar o telefone naquele exato momento e fazer com que John-Paul fosse preso por assassinato. Poderia fazer isso nesse instante, em uma hora ou pela manhã. Podia esperar até que Polly tivesse alta do hospital, ou mais alguns meses. Seis meses. Um ano. Dar a ela mais um ano com o pai e depois levá-lo embora. Poderia esperar até que o acidente ficasse no passado e fosse apenas uma lembrança. Poderia esperar as meninas Fitzpatrick crescerem um pouco mais, tirarem carteira de habilitação e não precisarem mais do pai.

Era como se tivessem lhe dado uma arma carregada, junto com a permissão para atirar no assassino de Janie a qualquer momento. Se Ed ainda fosse vivo, o gatilho já teria sido puxado. A polícia já teria sido chamada há horas.

Pensou nas mãos de John-Paul em volta do pescoço de Janie e sentiu aquela antiga e conhecida raiva brotar em seu peito. Minha garotinha.

Pensou na garotinha dele. No capacete rosa cintilante. Freio. Freio. Freio.

Se contasse à polícia sobre a confissão de John-Paul, será que os Fitzpatrick revelariam a confissão que ela fizera? Será que seria presa por tentativa de homicídio? Foi pura sorte ela não ter matado Connor. Será que seu pé no acelerador era um pecado equivalente às mãos de John-Paul no pescoço de Janie? Mas o que aconteceu com Polly foi um acidente. Todo mundo sabia disso. Ela foi com a bicicleta direto para a frente do carro. Deveria ter sido Connor. E se Connor tivesse morrido esta noite? A família dele recebendo o telefonema, aquele que faria com que, pelo resto da vida, eles nunca mais ouvissem o toque do telefone ou a campainha sem sentir um calafrio.

Connor estava vivo. Polly estava viva. Só Janie havia morrido.

E se ele ferisse mais alguém? Ela se lembrou do rosto dele no hospital, devastado de preocupação diante do corpo mutilado da filha. “Ela riu de mim, Sra. Crowley.” Ela riu de você? Seu filho da mãe idiota, egoísta. Isso bastou para que você a matasse? Para que acabasse com a vida dela? Acabasse com todos os dias que ela poderia ter vivido, os diplomas que nunca ganhou, os países que nunca visitou, o marido com quem nunca se casou, os filhos que nunca teve? Rachel tremia tanto que sentia os dentes batendo.

Ela se levantou. Foi até o telefone e o tirou do gancho. Seu polegar pairou sobre as teclas. Lembrou-se de quando ensinou Janie a ligar para a polícia em caso de emergência. Na época ainda tinham aquele velho telefone verde de disco. Ela deixara a filha treinar discando os números, e depois desligava antes que começasse a chamar. Janie queria fazer uma encenação completa. Fez Rob se deitar no chão da cozinha enquanto ela gritava ao telefone: “Preciso de uma ambulância! Meu irmão não está respirando! Pare de respirar”, ordenou ela. “Rob, consigo ver que você está respirando.” Seu irmão quase desmaiara tentando agradá-la.

A pequena Polly Fitzpatrick não teria mais a mão direita. Será que era destra? Provavelmente. A maioria das pessoas é destra. Janie era canhota. Uma das freiras tentara fazer com que ela escrevesse com a mão direita, e Ed fora à escola e dissera: “Irmã, com todo o respeito, quem a senhora acha que a fez canhota? Foi Deus! Então vamos deixar ela ser assim.”

Rachel apertou uma tecla.

— Alô? — Atenderam muito mais rápido do que ela estava esperando.

— Lauren — disse Rachel.

— Rachel. Rob já vai sair do banho. Está tudo bem?

— Sei que é tarde — reconheceu Rachel, sem nem mesmo olhar a hora. — E sei que eu não deveria incomodar tanto assim, depois de todo o tempo que vocês passaram comigo ontem, mas eu estava pensando se poderia passar a noite aí. Só dessa vez. Por algum motivo, não sei qual, mas não me sinto capaz de…

Claro que pode — disse Lauren e, de repente, gritou: — Rob! — Rachel ouviu o som grave da voz do filho ao fundo. Escutou Lauren falar: — Vá buscar sua mãe.

Pobre Rob. Em rédea curta, teria dito Ed.

— Não, não — interveio Rachel. — Ele acabou de sair do banho. Eu mesma vou de carro.

— De jeito nenhum — retrucou Lauren. — Ele já está indo. Não estava fazendo nada! Vou arrumar o sofá-cama. É incrivelmente confortável! Jacob vai ficar tão feliz de vê-la amanhã de manhã. Mal posso esperar para ver o rostinho dele.

— Obrigada — disse Rachel.

Ela sentia-se ao mesmo tempo aquecida e sonolenta, como se alguém tivesse colocado um cobertor em cima dela.

— Lauren? — disse ela, antes de desligar. — Você não tem mais daqueles macarons, não é? Iguais aos que trouxe para mim segunda à noite? Estavam divinos. Absolutamente divinos.

Houve uma pausa quase imperceptível.

— Na verdade, tenho, sim. — A voz de Lauren tremeu. — Podemos comer alguns com uma xícara de chá.