Sumário: 4.1. Introdução – 4.2. Fundamento constitucional – 4.3. Competência – 4.4. Art. 197 – Atentado contra a liberdade de trabalho: 4.4.1. Dispositivo legal; 4.4.2. Objetividade jurídica; 4.4.3. Objeto material; 4.4.4. Núcleo do tipo; 4.4.5. Sujeito ativo; 4.4.6. Sujeito passivo; 4.4.7. Elemento subjetivo; 4.4.8. Consumação; 4.4.9. Tentativa; 4.4.10. Ação penal; 4.4.11. Lei 9.099/1995; 4.4.12. Concurso material obrigatório; 4.4.13. Classificação doutrinária – 4.5. Art. 198 – Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta: 4.5.1. Dispositivo legal; 4.5.2. Introdução; 4.5.3. Objetividade jurídica; 4.5.4. Objeto material; 4.5.5. Núcleo do tipo; 4.5.6. Sujeito ativo; 4.5.7. Sujeito passivo; 4.5.8. Elemento subjetivo; 4.5.9. Consumação; 4.5.10. Tentativa; 4.5.11. Ação penal; 4.5.12. Lei 9.099/1995; 4.5.13. Concurso material obrigatório; 4.5.14. Classificação doutrinária – 4.6. Art. 199 – Atentato contra a liberdade de associação: 4.6.1. Dispositivo legal; 4.6.2. Objetividade jurídica; 4.6.3. Objeto material; 4.6.4. Núcleo do tipo; 4.6.5. Sujeito ativo; 4.6.6. Sujeito passivo; 4.6.7. Elemento subjetivo; 4.6.8. Consumação; 4.6.9. Tentativa; 4.6.10. Ação penal; 4.6.11. Lei 9.099/1995; 4.6.12. Concurso material obrigatório; 4.6.13. Classificação doutrinária – 4.7. Art. 200 – Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem: 4.7.1. Dispositivo legal; 4.7.2. Objetividade jurídica; 4.7.3. Objeto material; 4.7.4. Núcleo do tipo; 4.7.5. Sujeito ativo; 4.7.6. Sujeito passivo; 4.7.7. Elemento subjetivo; 4.7.8. Consumação; 4.7.9. Tentativa; 4.7.10. Ação penal; 4.7.11. Lei 9.099/1995; 4.7.12. Concurso material obrigatório; 4.7.13. Competência; 4.7.14. Classificação doutrinária – 4.8. Art. 201 – Paralisação de trabalho de interesse coletivo: 4.8.1. Dispositivo legal: 4.8.2. Introdução; 4.8.3. Objetividade jurídica; 4.8.4. Objeto material; 4.8.5. Núcleo do tipo; 4.8.6. Sujeito ativo; 4.8.7. Sujeito passivo; 4.8.8. Elemento subjetivo; 4.8.9. Consumação; 4.8.10. Tentativa; 4.8.11. Ação penal; 4.8.12. Lei 9.099/1995; 4.8.13. Competência; 4.8.14. Classificação doutrinária – 4.9. Art. 202 – Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem: 4.9.1. Dispositivo legal; 4.9.2. Introdução; 4.9.3. Disposições comuns aos crimes previstos no art. 202 do Código Penal; 4.9.4. Classificação doutrinária – 4.10. Art. 203 – Frustração de direito assegurado por lei trabalhista; 4.10.1. Dispositivo legal; 4.10.2. Introdução; 4.10.3. Objetividade jurídica; 4.10.4. Objeto material; 4.10.5. Núcleo do tipo; 4.10.6. Sujeito ativo; 4.10.7. Sujeito passivo; 4.10.8. Elemento subjetivo; 4.10.9. Consumação; 4.10.10. Tentativa; 4.10.11. Ação penal; 4.10.12. Lei 9.099/1995; 4.10.13. Concurso material obrigatório; 4.10.14. Classificação doutrinária; 4.10.15. Competência; 4.10.16. Figuras equiparadas: § 1.º; 4.10.17. Causas de aumento da pena: § 2.º; 4.10.18. Competência – 4.11. Art. 204 – Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho: 4.11.1. Dispositivo legal; 4.11.2. Introdução; 4.11.3. Objetividade jurídica; 4.11.4. Objeto material; 4.11.5. Núcleo do tipo; 4.11.6. Sujeito ativo; 4.11.7. Sujeito passivo; 4.11.8. Elemento subjetivo; 4.11.9. Consumação; 4.11.10. Tentativa; 4.11.11. Ação penal; 4.11.12. Lei 9.099/1995; 4.11.13. Concurso material obrigatório; 4.11.14. Competência; 4.11.15. Classificação doutrinária – 4.12. Art. 205 – Exercício de atividade com infração de decisão administrativa: 4.12.1. Dispositivo legal; 4.12.2. Objetividade jurídica; 4.12.3. Objeto material; 4.12.4. Núcleo do tipo; 4.12.5. Sujeito ativo; 4.12.6. Sujeito passivo; 4.12.7. Elemento subjetivo; 4.12.8. Consumação; 4.12.9. Tentativa; 4.12.10. Ação penal; 4.12.11. Lei 9.099/1995; 4.12.12. Competência; 4.12.13. Classificação doutrinária – 4.13. Art. 206 – Aliciamento para o fim de emigração: 4.13.1. Dispositivo legal; 4.13.2. Objetividade jurídica; 4.13.3. Objeto material; 4.13.4. Núcleo do tipo; 4.13.5. Sujeito ativo; 4.13.6. Sujeito passivo; 4.13.7. Elemento subjetivo; 4.13.8. Consumação; 4.13.9. Tentativa; 4.13.10. Ação penal; 4.13.11. Lei 9.099/1995; 4.13.12. Competência; 4.13.13. Classificação doutrinária – 4.14. Art. 207 – Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional: 4.14.1. Dispositivo legal; 4.14.2. Introdução; 4.14.3. Objetividade jurídica; 4.14.4. Objeto material; 4.14.5. Núcleo do tipo; 4.14.6. Sujeito ativo; 4.14.7. Sujeito passivo; 4.14.8. Elemento subjetivo; 4.14.9. Consumação; 4.14.10. Tentativa; 4.14.11. Ação penal; 4.14.12. Lei 9.099/1995; 4.14.13. Competência; 4.14.14. Classificação doutrinária; 4.14.15. Figura equiparada: art. 207, § 1.º; 4.14.16. Causa de aumento de pena: § 2.º – 4.15. Questões.
Os crimes relativos à liberdade ou organização do trabalho não foram, nem podiam ter sido conhecidos das antigas legislações penais, pelo menos segundo um critério sistemático. Exercido pelo escravo, que não passava de um res e carecia de personalidade jurídica, o trabalho humano, no Egito, na Grécia ou em Roma, não inspirava maior atenção que o serviço prestado pelas alimárias domésticas.1
Essa situação, entretanto, foi se alterando ao longo dos tempos.
No Brasil, o Código Penal Republicano de 1890 inseria os crimes de que ora se trata como subespécies dos crimes contra a liberdade (“crimes contra o livre gozo e exercício dos direitos individuais”), sob a epígrafe “Dos crimes contra a liberdade do trabalho”. Mas o Código Penal atual preferiu destacá-los em título autônomo, sob o rótulo “Dos crimes contra a organização do trabalho”.2 Eis as razões apontadas pela Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal:
A proteção jurídica já não é concedida à liberdade do trabalho, propriamente, mas à organização do trabalho, inspirada não somente na defesa e no ajustamento dos direitos e interesses individuais em jogo, mas também, e principalmente, no sentido superior do bem comum de todos. Atentatória, ou não, da liberdade individual, toda ação perturbadora da ordem jurídica, no que concerne ao trabalho, é ilícita e está sujeita a sanções repressivas, sejam de direito administrativo, sejam de direito penal. Daí, o novo critério adotado pelo projeto, isto é, a trasladação dos crimes contra o trabalho, do setor dos crimes contra a liberdade individual para uma classe autônoma, sob a já referida rubrica.
E, como destaca a mesma Exposição de Motivos, não foram trazidos para a seara do ilícito penal todos os fatos contrários à organização do trabalho: “são incriminados, de regra, somente aqueles que se fazem acompanhar da violência ou da fraude. Se falta qualquer desses elementos, não passará o fato, salvo poucas exceções, de ilícito administrativo”.
Cumpre destacar, todavia, que existem crimes contra a organização do trabalho que não estão capitulados no Código Penal. A propósito, a Lei 7.170/1983 – Lei de Segurança Nacional define delitos com igual objetividade jurídica, aplicáveis a fatos que tenham motivação político-social.
E, em sintonia com a orientação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o crime de redução a condição análoga à de escravo, tipificado pelo art. 149 do Código Penal, nada obstante previsto entre os crimes contra a pessoa, mais especificamente no capítulo dos crimes contra a liberdade individual, deve ser tratado como crime contra a organização do trabalho, nas hipóteses em que for praticado no contexto das relações de trabalho, ainda que contra uma só pessoa.3
A Constituição Federal, em diversas passagens, protege direitos inerentes ao trabalho do ser humano.
No art. 6.º, elenca o trabalho como um direito social. Em seu art. 7.º, por sua vez, arrola em 34 incisos uma série de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, destinados à melhoria de sua condição social. O art. 8.º, por outro lado, declara a liberdade de associação profissional ou sindical dos trabalhadores, e, além disso, o art. 9.º assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender.
Esses dispositivos constitucionais legitimam a incriminação, nos arts. 197 a 207 do Código Penal, das condutas atentatórias à organização do trabalho.
Nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, a Justiça Federal é competente para processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho. Essa competência já havia sido prevista no art. 10, inciso VII, da Lei 5.010/1996, responsável pela organização da Justiça Federal em primeira instância.
Entretanto, é pacífico no Supremo Tribunal Federal o entendimento no sentido de que são da competência da Justiça Federal somente os crimes que ofendem o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, e também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, desde que praticados no contexto de relações de trabalho. Cabe à Justiça Federal, em síntese, “julgar os crimes que ofendam o sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores”.4
Consequentemente, a competência será da Justiça Estadual quando a conduta criminosa atingir um trabalhador ou um grupo de trabalhadores tão somente na esfera de sua liberdade individual.5
Anote-se que a Constituição Federal não confere competência criminal à Justiça do Trabalho, nem mesmo para os crimes contra a organização do trabalho. Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal:
COMPETÊNCIA CRIMINAL. Justiça do Trabalho. Ações penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação conforme dada ao art. 114, incs. I, IV e IX, da CF, acrescidos pela EC n.º 45/2004. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida com efeitos ex tunc. O disposto no art. 114, incs. I, IV e IX, da Constituição da República, acrescidos pela Emenda Constitucional n.º 45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações penais.6
É a liberdade de trabalho assegurada pela Constituição Federal a qualquer pessoa.
É a pessoa que suporta a conduta criminosa.
O núcleo do tipo é “constranger”, isto é, obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo contra sua vontade, retirando sua liberdade de autodeterminação. Constitui-se, por este motivo, em um crime de constrangimento ilegal especialmente considerado quando lesivo da liberdade de trabalho.
Os meios de execução são a violência e a grave ameaça.
Violência (vis absoluta) é o emprego de força física para superar uma resistência, aplicado sobre a pessoa para cercear-lhe a faculdade de comportar-se de acordo com sua própria vontade. Não é necessário que seja irresistível: basta que funcione como eficiente meio de coação.
Ameaça (vis compulsiva) é a violência moral, a intimidação (por palavras, escritos, gestos ou meios simbólicos) da intenção de causar a alguém, direta ou indiretamente, no momento atual ou em futuro próximo, um mal relevante. A lei menciona a grave ameaça, isto é, promessa de provocação de grave dano, que deve ser idônea a incutir temor na vítima, e possível de realização. Prescinde-se da injustiça do mal prometido (ao contrário do que se dá no crime tipificado pelo art. 147 do Código Penal): o sujeito pode ter a faculdade ou até mesmo o dever jurídico de produzir o mal (exemplo: notícia envolvendo crime de ação penal pública), mas não pode valer-se de uma ou de outro para conseguir de outrem uma ação ou omissão não legalmente exigível.
A ameaça não depende da presença do ameaçado: pode ser realizada mediante recado ou por escrito. Divide-se também em direta ou indireta, verificando-se esta última quando o mal prometido é endereçado a terceira pessoa, em relação ao qual o coagido encontra-se ligado por laços de parentesco ou de amizade.
Diversamente do que ocorre no crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146), a lei não utiliza a expressão “ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência”. A violência imprópria ou meio sub-reptício, portanto, não caracteriza o crime tipificado pelo art. 197 do Código Penal.
Com o emprego da violência ou da grave ameaça, busca o agente constranger o ofendido a uma dentre as quatro situações definidas pelo art. 197 do Código Penal, em seus incisos I e II. Vejamos cada uma delas.
O verbo “exercer” (desempenhar ou praticar) liga-se à habitualidade em relação à arte, ofício, profissão ou indústria, abrangendo, destarte, todas as formas de atividade econômica.
Todavia, o Código Penal disciplina somente as atividades exercidas por particulares, pois há regras específicas para as hipóteses em que são ofendidas funções públicas (exemplos: art. 197 da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 17 da Lei 7.170/1983 – Crimes contra a Segurança Nacional etc.). Essas atividades devem ser lícitas, pois, se ilícitas, não estará caracterizado o crime contra a organização do trabalho.
Arte é qualquer forma de atividade econômica que depende de técnica ou especial habilidade manual. Exemplo: restaurador de obras de arte.
Ofício é qualquer ocupação remunerada e habitual, consistente na prestação de serviços manuais. Exemplo: pedreiro.
Profissão é toda e qualquer espécie de atividade, material ou intelectual, desempenhada habitualmente com intuito de lucro. Compreende o comércio e as profissões liberais (exemplos: advogados, médicos, dentistas etc.).
Indústria, finalmente, é a atividade econômica destinada à transformação de produtos orgânicos ou inorgânicos, visando adequá-los às necessidades humanas. Exemplo: reciclagem de plásticos e papéis em geral.
O verbo “trabalhar” também é indicativo de habitualidade. A lei fala expressamente em “durante certo período” (exemplo: durante uma semana) ou “em determinados dias” (exemplo: somente as terças e quintas-feiras).
O estabelecimento de trabalho pode ser industrial, comercial ou agrícola. É qualquer local, fechado ou aberto, em que alguém desempenha atividade econômica (fábrica, oficina, fazendas, escritórios comerciais, usinas etc.).
Tanto faz seja o constrangimento destinado a abrir ou fechar o estabelecimento comercial. Na primeira hipótese (“abrir”), o estabelecimento pode ter sido fechado pelo respectivo dono por um motivo qualquer: desistência em continuar na atividade explorada, conserto de máquinas, lock-out (suspensão de trabalho pelos empregadores) etc. Na segunda hipótese (“fechar”), busca-se com o fechamento do estabelecimento de trabalho a cessação ou interrupção da sua atividade ou funcionamento. Pouco importa o móvel do crime (exemplos: livrar-se de um concorrente, represália pessoal etc.).
Parede é o abandono coletivo do trabalho por parte de algum estabelecimento ou empresa industrial, comercial ou agrícola. Utilizou-se este termo para evitar a palavra “greve”,7 pois o fim imediato da coação é forçar o sujeito passivo à “participação da parede”.
O direito de greve8 é disciplinado pela Lei 7.783/1989. A paralisação deve ser pacífica, vedando-se o uso de qualquer tipo de constrangimento pelos grevistas para convencerem outras pessoas a juntarem-se ao movimento. Consequentemente, é punível a conduta consistente em cercear, com violência o ou grave ameaça, a liberdade de trabalho.
Não se confunde o emprego de violência para a participação de parede (crime que ora se trata) com a participação voluntária em parede seguida de violência (CP, art. 200).
Paralisação de atividade econômica, por sua vez, é a cessação temporária ou definitiva. Pressupõe-se que seja a atividade econômica desempenhada por uma pluralidade de pessoas, pois do contrário não se poderia falar em “participação”, que implica coatividade.
Qualquer pessoa (crime comum).
Pode ser qualquer pessoa, desde que na condição de trabalhador, seja patrão ou empregado.
Prevalece o entendimento de que somente a pessoa física pode ser vítima do delito, uma vez que o art. 197 do Código Penal elenca em seus incisos I e II situações inerentes às pessoas humanas. Nada obstante, Magalhães Noronha sustenta que o pronome indefinido “alguém”, previsto no caput, pode compreender a pessoa jurídica, malgrado admita que o constrangimento há de recair sobre a pessoa física que a representa.9
É o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica. Não se admite a modalidade culposa.
Em qualquer das suas modalidades, o crime se consuma quando o agente produz o resultado mencionado pela lei, isto é, quando a pessoa efetivamente constrange alguém, com emprego de violência ou grave ameaça:
(1) a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria;
(2) a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias;
(3) a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho; ou
(4) a participar de parede ou paralisação de atividade econômica.
Trata-se, sempre, de crime permanente: a consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. Será possível a prisão em flagrante enquanto subsistir a conduta criminosa.
É possível.
A ação penal é pública incondicionada, em todas as espécies do crime.
No inciso I, a pena é de detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa; no inciso II, a pena é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Em qualquer caso, o crime é definido como infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
Em ambos os incisos do art. 197 do Código Penal, o agente suporta a pena cominada ao atentado contra a liberdade de trabalho, sem prejuízo da pena correspondente ao crime provocado pela violência (homicídio, lesão corporal etc.). É o que ocorre, exemplificativamente, quando o emprego de força física sobre a vítima nela também produz lesões corporais de qualquer natureza.
O crime é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material (depende da produção do resultado naturalístico, qual seja o efetivo atentado à liberdade de trabalho); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e permanente (a consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente).
O art. 198 do Código Penal contempla dois crimes distintos: atentado contra a liberdade de trabalho (1.ª parte) e boicotagem violenta (2.ª parte). Em qualquer caso, a pena é de detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, além da pena correspondente à violência.
É a liberdade de trabalho.
É a pessoa sobre a qual recai a conduta criminosa.
O núcleo do tipo é “constranger”. E também com violência ou grave ameaça. Vale, portanto, o que foi dito no tocante ao crime de atentado contra a liberdade de trabalho, tipificado pelo art. 197 do Código Penal (item 4.4).
Em seguida ao constrangimento, despontam os dois crimes distintos: atentado contra a liberdade de celebrar contrato de trabalho (1.ª parte) e boicotagem violenta (2.ª parte). Analisemos em separado cada um dos delitos.
Nota-se inicialmente que a lei omitiu as palavras “ou não”, depois do verbo “celebrar”, em que pese serem de igual gravidade o constrangimento tanto para celebrar como para não celebrar contrato de trabalho. Como, contudo, não se admite a analogia in malam partem no Direito Penal, o constrangimento para não celebrar contrato de trabalho somente poderá ser enquadrado no art. 197, inciso I, ou no art. 203 (frustração de direito assegurado por lei trabalhista), ou no art. 146 (constrangimento ilegal), todos do Código Penal.
O contrato de trabalho pode ser individual ou coletivo. Trata-se de norma penal em branco homogênea, uma vez que o conceito de contrato de trabalho, individual e coletivo, encontra-se na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.
Contrato individual de trabalho é o “acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” (CLT, art. 442). De outro lado, contrato coletivo de trabalho é o “acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho” (CLT, art. 611).
Qualquer das espécies de contrato de trabalho (individual ou coletivo) pode ensejar o crime em análise.
A palavra “boicotagem” vem do nome de um administrador agrícola, na Irlanda, James Boycott, com quem os camponeses e fornecedores da região romperam relações (forçando-o a emigrar para a América), em represália à sua atuação vexatória. Trata-se de uma espécie de ostracismo econômico: a pessoa atingida pela boicotagem é posta à margem do círculo econômico a que pertence, vendo-se na contingência de cessar sua atividade, porque ninguém lhe fornece os elementos indispensáveis a ela, nem lhe adquire os produtos. O fato é lesivo da normalidade econômica, mas a lei penal somente o incrimina quando intervém violência, física ou moral, quer contra os possíveis fornecedores ou adquirentes, quer contra o próprio boicotado. As pessoas forçadas à boicotagem contra outrem não são agentes, mas instrumentos passivos e vítimas do crime.10
O não fornecimento ou não aquisição dizem respeito à matéria-prima ou ao produto industrial ou agrícola. Fornecer é abastecer ou prover; adquirir equivale à conduta de comprar, obter ou conseguir.
Matéria-prima é a substância fundamental, orgânica ou inorgânica, da qual se faz ou se fabrica alguma coisa. Exemplos: minerais e vegetais.
Produtos industriais são os resultados do trabalho manual ou mecânico. Exemplos: aparelhos, veículos, máquinas em geral etc.
Produtos agrícolas, por sua vez, são os concebidos pela indústria agrícola. Exemplos: silvicultura, agricultura, pecuária etc.
É irrelevante que sejam as matérias-primas ou produtos industriais ou agrícolas nacionais ou estrangeiros. Também não importa o título assumido pelo fornecimento ou aquisição (alienação, doação, aluguel, compra e venda com reserva de domínio etc.).
Pode ser qualquer pessoa (crime comum).
Qualquer pessoa. O constrangimento contra mais de uma pessoa caracteriza crime único, salvo quanto aos resultados ocasionados pela violência, que constituem tantos crimes quantos são os ofendidos.
É o dolo, sem nenhuma finalidade específica. É indiferente o motivo que leva o sujeito a agir: represália, hostilidade econômica, concorrência desleal etc. Se a finalidade almejada, contudo, é extorquir dinheiro ou qualquer outra vantagem econômica, estará tipificado o crime definido pelo art. 158 do Código Penal.
Desaparece o crime quando há justa causa na conduta, tal como quando o sujeito busca impedir o sucesso de um contrabandista ou de uma indústria ilícita. Subsiste, porém, a punibilidade pela violência empregada contra a vítima.
Não se admite a modalidade culposa.
O crime de atentado contra a liberdade de trabalho consuma-se com a efetiva celebração do contrato de trabalho (crime material). O crime é instantâneo. É irrelevante que se trate de contrato inicial, ou renovação ou alteração de contrato.
No contrato verbal ou por adesão, o momento consumativo é aquele em que o ofendido se oferece ao trabalho. A anulação ulterior do contrato de trabalho pela coação não afasta o delito.
No crime de boicotagem violenta, dá-se a consumação com a abstenção do fornecimento ou aquisição de matéria-prima, produto industrial ou agrícola (crime material). Cuida-se de crime permanente, pois seus efeitos prolongam-se no tempo, enquanto perdurar a recusa no fornecimento ou na aquisição.
É possível, qualquer que seja o crime.
A ação penal é pública incondicionada, tanto no atentado contra a liberdade de contrato de trabalho como na boicotagem violenta.
A pena máxima cominada em abstrato (detenção de 1 ano) classifica os crimes tipificados pelo art. 198 do Código Penal como infrações penais de menor potencial ofensivo, compatíveis com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
Em qualquer dos crimes – atentado contra a liberdade de contrato de trabalho ou boicotagem violenta – o sujeito responde pelo crime tipificado pelo art. 198 do Código Penal, além da pena correspondente à violência (homicídio, lesão corporal etc.).
Os crimes de atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta são comuns (podem ser cometidos por qualquer pessoa); materiais (dependem da produção do resultado naturalístico, qual seja, a efetiva celebração do contrato de trabalho ou a recusa no fornecimento ou na aquisição de matéria-prima, produto agrícola ou industrial); dolosos; de forma livre (comportam qualquer meio de execução); unissubjetivos, unilaterais ou de concurso eventual (podem ser praticados por uma só pessoa, mas admitem o concurso); em regra plurissubsistentes (as condutas criminosas podem ser fracionadas em diversos atos); e instantâneo (atentado contra a liberdade de contrato de trabalho) ou permanente (boicotagem violenta).
A lei penal protege a liberdade de associação constitucionalmente assegurada a todas as pessoas. Com efeito, “é plena a liberdade de associação para fins lícitos” (CF, art. 5.º, inc. XVII), e “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato” (CF, art. 8.º, inc. V).
A liberdade sindical e de associação representam um dos pressupostos de um Estado Democrático de Direito. Pelos termos do art. 199 do Código Penal, a tutela penal abrange as diversas modalidades de associações e sindicatos, pois o que protege é exatamente a liberdade associativa.11
É a pessoa sobre a qual incide a conduta criminosa.
O núcleo do tipo é “constranger”.12
O constrangimento, contudo, deve ser praticado visando um objetivo expressamente previsto em lei: forçar ou fazer o ofendido participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional. Conclui-se, pois, que o constrangimento a participar ou não participar, genericamente, de qualquer sindicato ou associação profissional não configura o crime em análise, mas sim o delito de constrangimento ilegal (CP, art. 146).
Participar é associar-se, isto é, tomar parte de algo. O constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, destina-se a forçar alguém a filiar-se (ação) ou não se filiar (omissão) a um sindicato ou associação profissional.
O art. 199 do Código Penal pode ser classificado como norma penal em branco homogênea. O intérprete precisa socorrer-se de outra lei para encontrar os conceitos de associação profissional e de sindicato. E, nesse contexto, a associação profissional pode ser definida como gênero da qual o sindicato é espécie.
Com efeito, associação profissional é a união ou agrupamento de pessoas que se destina à defesa, estudo ou coordenação dos interesses profissionais que constituem ou integram a respectiva entidade associativa (Decreto-lei 1.402/1939, art. 1.º, e CLT, art. 511); sindicato, de outro lado, é associação profissional reconhecida pelo Poder Público como legítima representante da classe de sindicalizados (Decreto-lei 1.402/1939, art. 50, e CLT, art. 561). Nas palavras de Mauricio Godinho Delgado:
Sindicatos são entidades associativas permanentes, que representam trabalhadores vinculados por laços profissionais e laborativos comuns, visando tratar de problemas coletivos das respectivas bases representadas, defendendo seus interesses trabalhistas e conexos, com o objetivo de lhes alcançar melhor condições de labor e vida.13
Anote-se que o crime de atentado contra a liberdade de associação foi tratado no Título IV da Parte Especial do Código Penal, ou seja, entre os crimes contra a organização do trabalho. Consequentemente, não se protegem direitos individuais do empregado ou do empregador. De fato, a lei resguarda unicamente o trabalho enquanto instituto de interesse coletivo, razão pela qual somente estará tipificado o crime em apreço quando restar provado o perigo à existência ou ao funcionamento do sindicato ou da associação profissional.
Pode ser qualquer pessoa, inclusive os membros ou integrantes de sindicato ou associação (crime comum).
Se o sujeito ativo for funcionário público, estará caracterizado crime de abuso de autoridade, nos termos do art. 3.º, f, da Lei 4.898/1965.
Qualquer pessoa, desde que seja trabalhador ou profissional apto a integrar algum sindicato ou associação de classe.
Na conduta “deixar de participar”, o ofendido somente pode ser um membro ou integrante de associação ou sindicato, que seja constrangido a abandoná-lo.
É o dolo. Não se exige nenhuma finalidade específica, e não se admite a modalidade culposa.
Trata-se de crime material. Verifica-se a consumação quando o sujeito ativo, após empregar violência ou grave ameaça contra a vítima, força sua participação ou não participação em determinado sindicato ou associação profissional. O crime pode ser instantâneo ou permanente, conforme seja a vítima compelida a permanecer ao longo do tempo associada ou não associada em entidade representativa de classe.
É possível.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena máxima cominada em abstrato (detenção de 1 ano) autoriza a inserção do atentado contra a liberdade de associação entre as infrações penais de menor potencial ofensivo, compatível com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
No crime de atentado contra a liberdade de associação, deve ser também imputada ao agente a pena correspondente à violência (homicídio, lesão corporal etc.).
Cuida-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material (depende da produção do resultado naturalístico, qual seja o efetivo atentado à liberdade de associação); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e instantâneo ou permanente (dependendo da prorrogação ou não da situação ilícita ao longo do tempo).
É a liberdade de trabalho.
É a pessoa ou a coisa que suporta a violência.
O núcleo do tipo é “participar”, ou seja, associar-se, tomar parte de algo. É imprescindível uma pluralidade de pessoas, pois o parágrafo único do art. 200 do Código Penal estatui que “para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados”.
O agente deve participar da suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa (exemplo: ferindo pessoas) ou coisa (exemplo: destruindo objetos pertencentes à empresa empregadora). A lei incrimina somente a paralisação violenta da atividade laborativa. Fica claro, pois, que participar de greve, por si só, não é crime. Aquele que assim se comporta atua no exercício regular de direito, disciplinado pela Lei 7.783/1989, que assim dispõe em seu art. 2.º: “considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.
Suspensão de trabalho é o lockout, a greve patronal, é dizer, o abandono do trabalho pelos empregadores. Abondono coletivo de trabalho, por seu turno, é a greve, ou seja, o abandono do trabalho pelos empregados. Pouco importa, para fins da tipificação do delito, seja a greve lícita ou ilícita. Basta a intervenção de alguém mediante violência contra pessoa ou coisa, pois em nenhuma hipótese os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem. Além disso, as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa (Lei 7.783/1989, art. 6.º, §§ 1.º e 3.º). Confira-se, a propósito, a lúcida lição de Nélson Hungria:
A violência (vis physica), aqui, tanto é a empregada contra a pessoa como a dirigida contra a coisa, e não para coagir alguém a participar da greve ou lockout (crime previsto no art. 197, II), mas, no curso, de uma ou outro, para tornar mais eficiente a pressão, evitar a intervenção conciliatória de terceiros (autoridades ou não), ou por mero espírito de brutalidade ou vandalismo, ou para demonstrar superioridade ou intransigência, ou pela propensão a excessos de quem faz parte da multidão excitada etc.14
No caso de abandono de trabalho, figuram como sujeitos ativos os empregados que, participando da greve, praticam o ato violento ou para ele concorrem. É indispensável o concurso de ao menos três empregados para que se considere coletivo o abandono de trabalho, nos termos do art. 200, parágrafo único, do Código Penal. Mas, nada obstante esta regra, não se trata de crime de concurso necessário, isto é, aquele que somente pode ser praticado por mais de uma pessoa. O que pretende o legislador com esta norma explicativa é proporcionar um adequado entendimento do tipo, evidenciando que o abandono coletivo necessita ocorrer com, no mínimo, três empregados agrupados.15
De fato, é suficiente que um só agente se valha de violência contra pessoa ou coisa, desde que ao movimento de que participa tenham aderido no mínimo outras duas pessoas.
Por outro lado, na suspensão de trabalho (lockout), os empregadores são os sujeitos ativos. A lei não exige o número mínimo de três pessoas. Contudo, o verbo “participar” exige a pluralidade de pessoas, sendo suficiente a presença de um só empregador (exemplo: um empregador e dois empregados).
Pode ser qualquer pessoa física, no tocante à violência contra a pessoa, e também a pessoa jurídica, relativamente aos danos a ela causados.
É o dolo. Não se reclama nenhuma finalidade específica, e também não se admite a modalidade culposa.
O crime se consuma com a prática, pelo empregador ou pelo empregado, durante o lockout ou greve, de ato violento contra pessoa ou coisa.
É possível.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena máxima cominada em abstrato (detenção de 1 ano) autoriza a colocação do crime tipificado pelo art. 200 do Código Penal entre as infrações penais de menor potencial ofensivo. É compatível, portanto, com a transação penal, com a suspensão condicional do processo e com o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
No crime de paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem, deve ser também imputada ao agente a pena correspondente à violência, empregada contra pessoa ou coisa (homicídio, lesão corporal, dano etc.).
Será sempre da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, uma vez que a suspensão ou abandono de trabalho são coletivos.
O crime é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa, desde que empregador ou empregado); material (depende da produção do resultado naturalístico, qual seja lesão à integridade física ou destruição do patrimônio alheio); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo).
Em conformidade com o art. 9.º da Constituição Federal:
Art. 9.º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1.º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2.º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
O § 1.º do art. 9.º da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei 7.783/1989 – Lei de Greve, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.
O direito de greve é permitido para as atividades não essenciais e essenciais, definidas pelo art. 10 da Lei 7.783/1989. No tocante às últimas, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim compreendidas aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população (Lei 7.783/1989, art. 11 e parágrafo único).
A análise de tais mandamentos constitucionais e legais autoriza a conclusão no sentido de que o direito de greve, relativamente às atividades não essenciais, é ilimitado. Nesse campo, por corolário, não tem mais aplicação a figura típica prevista no art. 201 do Código Penal, por se tratar de conduta cometida sem violência ou grave ameaça. Repita-se: não há crime no exercício pacífico do direito de greve constitucionalmente consagrado.
Entretanto, no que concerne às atividades essenciais, o direito de greve é limitado. Como podem ser cometidos abusos (Lei 7.783/1989, art. 14), nasce a possibilidade de caracterização do crime definido pelo art. 201 do Código Penal, em sintonia com o mandamento contido no art. 9.º, § 2.º, da Constituição Federal.
Em tais casos, a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos em geral ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. E deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito (Lei 7.783/1989, art. 15 e parágrafo único).16
Tutela-se o interesse social na manutenção de obras públicas ou serviços de interesse coletivo.
É o trabalho paralisado mediante suspensão ou abandono coletivo.
O núcleo do tipo, mais uma vez, é “participar”, no sentido de associar-se ou tomar parte de suspensão (lockout) ou abandono coletivo de trabalho (greve), dando causa à interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo.
Obra pública, para os fins do art. 210 do Código Penal, é aquela que a Administração Pública determina a execução por pessoas estranhas ao quadro de agentes públicos. Com efeito, a atividade deve ser praticada por particulares, pois em caso contrário estaria delineado um crime praticado por funcionário público contra a Administração Pública (CP, arts. 312 a 326); serviço de interesse coletivo, por sua vez, é o que atinge as necessidades da coletividade como um todo, tais como iluminação, segurança pública, água e esgoto etc.
Ao reverso do que ocorre nos crimes anteriores contra a organização do trabalho, não há emprego de violência ou grave ameaça na paralisação de trabalho de interesse coletivo.
Pode ser qualquer pessoa, desde que empregador ou empregado, pois o tipo penal dispõe acerca da paralisação do trabalho.
É a coletividade (crime vago).
É o dolo. Exige-se também uma finalidade específica, consistente no propósito de participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho para interromper obra pública ou serviço de interesse coletivo.
Não se admite a modalidade culposa.
Dá-se a consumação com a efetiva interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo (crime material).
É possível.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena máxima cominada em abstrato (detenção de 2 anos) classifica o crime tipificado pelo art. 202 do Código Penal entre as infrações penais de menor potencial ofensivo. Admite, pois, a transação penal, a suspensão condicional do processo e segue o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, pois se trata de paralisação de trabalho de interesse coletivo.
Trata-se de crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa, desde que empregador ou empregado); material (depende da produção do resultado naturalístico, qual seja a efetiva interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); plurissubjetivo, plurilateral ou de concurso necessário (só há interrupção de obra pública ou de serviço de interesse coletivo com a atuação conjunta de uma pluralidade de pessoas); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica: a coletividade); e instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo).
O art. 202 do Código Penal contempla dois crimes diversos contra a organização do trabalho:
(1) invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, em sua primeira parte; e
(2) sabotagem, na parte final.
Enfrentemos separadamente cada um deles.
O bem jurídico penalmente tutelado é a liberdade de trabalho.
É o estabelecimento comercial, industrial ou agrícola (espécies de estabelecimento de trabalho, conforme exposto no art. 197 do Código Penal, item 4.4.3) criminosamente invadido ou ocupado.
O tipo penal possui dois núcleos: invadir e ocupar.
Invadir é ingressar sem autorização, de modo arbitrário, em algum local. É a ação de quem está de fora. Ocupar, por outro lado, é tomar posse indevidamente de algo, com prejuízo ao seu proprietário, tal como na hipótese em que os funcionários de uma empresa se apossam do lugar em que trabalham, não agindo como empregados, mas como ocupantes.
Trata-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado: estará caracterizado crime único quando o sujeito invade e ocupa, no mesmo contexto fático, um só estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho. Em outras palavras, a ocupação pode ser, ou não, precedida de invasão, e ainda, quando o seja, há unidade de crime.
Dá-se a consumação com a efetiva invasão ou ocupação do estabelecimento de trabalho, ainda que o sujeito não consiga impedir ou embaraçar o trabalho ali desenvolvido. O crime é formal, de resultado cortado ou de consumação antecipada.
Cuida-se, também, de crime permanente: a consumação se prolonga no tempo, enquanto subsistir a invasão ou a ocupação, pouco importando sua maior ou menor duração.
A palavra sabotagem origina-se do francês sabotage, cuja raiz sabot significa tamanco. Sabotar é atamancar, ou seja, executar (um trabalho) às pressas e sem cuidado. Por extensão é que foi o termo sabotage aplicado ao crime em questão.17
É o patrimônio do proprietário do estabelecimento industrial, comercial ou agrícola.
É o estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, bem como as coisas nele existentes, que o agente criminosamente danifica ou dispõe.
O tipo penal apresenta dois núcleos: danificar e dispor.
Danificar é destruir, deteriorar, inutilizar, estragar, total ou parcialmente, coisas imóveis ou móveis. O objeto da danificação pode ser o estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, bem como as coisas nele existentes, relativas ao trabalho ali exercido, tais como máquinas, utensílios, produtos em geral etc.
Dispor, por sua vez, é comportar-se em relação a algum bem como se seu dono fosse. É o que se verifica, exemplificativamente, quando o sujeito vende, troca ou aluga as coisas alheias existentes em um estabelecimento industrial, comercial ou agrícola.
O crime de sabotagem se consuma com a danificação do estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, ou com a danificação ou disposição das coisas nele existentes. Cuida-se, agora, de crime material e instantâneo.
Qualquer pessoa (funcionário do estabelecimento ou terceiro) pode ser sujeito ativo da invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola e também da sabotagem. São crimes comuns.
É o proprietário do estabelecimento industrial, comercial ou agrícola e das coisas nele existentes, e, mediatamente, a coletividade, quando privada de algum serviço prestado pelo estabelecimento.
É o dolo. Não se admite a modalidade culposa.
Exige-se também um especial fim de agir (elemento subjetivo do tipo ou do injusto no finalismo penal, ou dolo específico na teoria clássica), representado pela expressão “com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho”. Ausente tal finalidade, a conduta de invadir estabelecimento industrial, comercial ou agrícola pode caracterizar esbulho possessório (CP, art. 161, § 1.º, inciso II, se praticada a conduta com violência ou grave ameaça, ou mediante concurso de duas ou mais pessoas), enquanto a atividade de danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor pode configurar os crimes de dano (CP, art. 163) ou de disposição de coisa alheia como própria (CP, art. 171, § 2.º, inc. I).
Os crimes de invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola e sabotagem admitem tentativa.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena cominada a ambos os crimes é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Não se constituem em infrações penais de menor potencial ofensivo, mas sim em crimes de médio potencial ofensivo, pois a pena mínima não ultrapassa o limite de 1 (um) ano. Destarte, é possível a utilização do instituto da suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.
Os crimes são comuns (podem ser cometidos por qualquer pessoa); formal (invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola) ou material (sabotagem); dolosos; de forma livre (admitem qualquer meio de execução); unissubjetivos, unilaterais ou de concurso eventual (praticados por uma só pessoa, mas admitem o concurso); em regra plurissubsistentes (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e instantâneo (sabotagem) ou permanente (invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola).
O Código Penal novamente se utiliza de uma norma penal em branco homogênea. É imprescindível analisar a legislação trabalhista (CLT – Consolidação das Leis do Trabalho e outras leis esparsas) para conhecer a extensa relação de direitos assegurados aos trabalhadores em geral. Há, também, diversos direitos trabalhistas garantidos pela Constituição Federal, especialmente em seu art. 7.º, muitos dos quais já foram ou devem ser regulamentados pela legislação ordinária.
A lei penal protege a organização do trabalho e a legislação que lhe é correlata.
É o direito trabalhista violado pela conduta criminosa.
O núcleo do tipo é “frustrar”, indicativo de impedir ou privar alguém de direito que lhe é assegurado por lei trabalhista. Para alcançar este objetivo, o sujeito se vale de fraude ou violência. Fraude consiste no engodo, artifício ou ardil utilizado para enganar,18 enquanto violência é o emprego de força física (lesão corporal ou vias de fato) sobre o ofendido. Não se admite a utilização de grave ameaça, por ausência de previsão legal nesse sentido.
Pode ser qualquer pessoa (crime comum).
É o titular do direito assegurado por lei trabalhista (empregador ou empregado) que foi frustrado mediante fraude ou violência.
É o dolo. Não se exige nenhuma finalidade específica, e também não se admite a modalidade culposa.
Trata-se de crime material: consuma-se com a efetiva frustração do direito assegurado por lei trabalhista.
A indenização, pelo empregador, do dano provocado ao trabalhador, buscando reparar os males do crime de frustração a direito trabalhista anteriormente cometido, não autoriza a extinção da punibilidade.19
É possível.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena máxima prevista em abstrato (detenção de 2 anos) autoriza a colocação do crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista entre as infrações penais de menor potencial ofensivo. Aplicam-se, portanto, os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, bem como o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
Deve ser também imputada ao autor do crime tipificado pelo art. 203 do Código Penal a pena correspondente ao resultado produzido pela violência por ele empregada (homicídio, lesão corporal etc.).
O crime é comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); material (a consumação depende da produção do resultado naturalístico, consistente na frustração do direito assegurado pela legislação trabalhista); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo).
A competência para o processo e julgamento do crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista é da Justiça Estadual, pois a conduta atinge unicamente interesses privados, haja vista que acarreta prejuízo apenas aos empregados, não havendo lesão à organização do trabalho propriamente dita.20
Em seu § 1.º, o art. 203 do Código Penal define figuras equiparadas ao crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Vejamos.
Obrigar é forçar alguém a fazer algo, ao passo que coagir significa intimidar ou constranger alguém mediante o emprego de violência ou grave ameaça.
Estas condutas se relacionam com a atividade de usar mercadorias de determinado estabelecimento. Exige-se habitualidade, caracterizada pelo emprego do verbo “usar”.
Ao contrário da figura penal prevista no caput, aqui se reclama um especial fim de agir: “para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida”.
O escopo do legislador, ao criar este tipo penal, foi combater o comportamento daqueles que forçam os trabalhadores a contrair dívidas (geralmente de impossível pagamento) em estabelecimentos do empregador, impedindo-os, por tal motivo, de se desligarem do serviço a que se encontram vinculados. Tal impedimento pode ser feito mediante o emprego de violência ou grave ameaça, mas normalmente se concretiza pelo fato de o local de trabalho ser muito distante dos centros urbanos, e o patrão não disponibilizar meio de transporte para os trabalhadores para lá se dirigirem.
Como mencionado na análise do art. 149 do Código Penal (item 1.6.1.4.5.1), o crime em estudo é subsidiário perante o delito de redução à condição análoga à de escravo.21 Neste, visualiza-se uma restrição à liberdade de locomoção do empregado (restrição física), enquanto no crime previsto no art. 203, § 1.º, inciso I, do Código Penal verifica-se uma restrição moral, ou seja, não há impedimento à liberdade de locomoção do empregado.
Impedir é obstruir ou vedar alguém quanto a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Neste caso, a conduta alcança o trabalhador que deseja desligar-se do serviço. Para tanto, o agente se vale de coação (emprego de violência à pessoa ou grave ameaça)22 ou retenção de documentos pessoais ou contratuais.
Veja-se que a retenção utilizada como meio de execução do crime diz respeito aos documentos pessoais ou contratuais do empregado. Se presente a retenção física do trabalhador, o crime será o de redução à condição análoga à de escravo (CP, art. 149).
Nesta hipótese, o sujeito tem em sua posse ou sob sua guarda os documentos pessoais (exemplos: carteira de trabalho, certidão de nascimento, CPF etc.) ou contratuais (exemplo: contrato de trabalho) do trabalhador, e os retêm para impedir que ele consiga novo emprego. Aproveita-se das dificuldades que as pessoas em geral, e notadamente as mais humildes, encontram na obtenção da segunda via de seus documentos, e até mesmo da ignorância quanto a tal possibilidade.
Nos termos do art. 203, § 2.º, do Código Penal, a pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
Cuida-se de causa especial de aumento da pena. Incide na terceira e última fase da dosimetria da pena privativa de liberdade. A elevação da reprimenda se justifica pela maior reprovabilidade da conduta, pois o agente se vale da especial condição da vítima, que a torna mais vulnerável, para frustrar direito a ela assegurado pela legislação trabalhista.
Pessoa menor de 18 (dezoito) anos de idade é a criança ou adolescente (Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 2.º, caput).
Idosa é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso, art. 1.º).
Gestante é a mulher grávida. Para evitar a responsabilidade penal objetiva, é imprescindível o conhecimento do sujeito ativo acerca desta condição da vítima.
Quando o crime definido pelo art. 203 do Código Penal for cometido contra pessoa menor de 18 anos de idade, idosa ou gestante, incide a causa de aumento de pena em análise. Para afastar o inaceitável bis in idem, todavia, não se aplicam as agravantes genéricas definidas pelo art. 61, inciso II, h, do Código Penal.
Pessoa portadora de deficiência é aquela que, em decorrência de alguma enfermidade, permanente ou transitória, enfrenta debilidade em sua capacidade física ou mental. É importante destacar, no campo da frustração de direito assegurado por lei trabalhista, que o art. 7.º, inciso XXXI, da Constituição Federal veda qualquer espécie de discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência.
Indígena, finalmente, também chamado de índio ou silvícola, é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional (Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio, art. 3.º, inc. I). De outro lado, comunidade indígena ou grupo tribal é o conjunto de famílias ou comunidades indígenas, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem, contudo, estarem neles integrados (Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio, art. 3.º, inc. II).
O art. 4.º da Lei 6.001/1973 divide os índios em três grupos:
(a) isolados: quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes por meio de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;
(b) em vias de integração: quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; e
(c) integrados: quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.
É valido destacar que, no caso de crime contra a pessoa, contra o patrimônio ou contra a dignidade sexual, em que o ofendido seja um índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço (Lei 6.001/1973 – Estatuto do Índio, art. 59).
O art. 14 da Lei 6.001/1973 estabelece que “não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas e de previdência social”.
O Estatuto do Índio dispõe que será nulo o contrato de trabalho ou de locação de serviços realizado com os índios isolados (art. 15). Em tal caso, poderá restar também caracterizado o crime de redução à condição análoga à de escravo (CP, art. 149), pois referidos silvícolas não têm a mínima compreensão da vida civilizada. Autoriza tal prática, porém, no que concerne aos índios em vias de integração, desde que exista prévia aprovação do órgão de proteção ao índio, ou seja, da Funai – Fundação Nacional de Amparo ao Índio (art. 16, caput). Finalmente, os índios integrados podem livremente celebrar contrato de trabalho, pois se encontram no pleno gozo de seus direitos civis.
A competência para o processo e julgamento do crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista é da Justiça Estadual, pois a conduta atinge unicamente interesses privados, haja vista que acarreta prejuízo apenas aos empregados, não havendo lesão à organização do trabalho propriamente dita.23
Esse tipo penal se fundamenta, originariamente, na Constituição Federal de 1937, que previa em seu art. 153,24 no capítulo inerente à Ordem Econômica, a fixação de porcentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos comerciais e industriais. Nesse sentido, a lei penal tutela o interesse na nacionalização do trabalho, assegurando aos brasileiros maiores condições na competição do mercado de trabalho relativamente ao estrangeiro. Entretanto, como destaca Julio Fabbrini Mirabete:
(...) a Constituição de 1988, garantindo expressamente a igualdade de direitos entre os brasileiros e os estrangeiros residentes no país, não estabeleceu qualquer diferença para fazer com que sejam proibidos aqueles em desfavor destes. Assim, passaram a ser incompatíveis com a Carta Magna as obrigações legais relativas à nacionalização do trabalho, tornando inócuo o dispositivo em estudo.25
Entendendo-se, todavia, que o art. 204 do Código Penal foi recepcionado pela atual Constituição Federal, há de ser consignado que se trata de norma penal em branco homogênea, uma vez que os arts. 352 a 371 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452/1943) contêm as regras acerca da nacionalização do trabalho, isto é, as normas relacionadas à obrigatoriedade de contratação de mão de obra brasileira.
É o interesse do Estado em assegurar mercado de trabalho para brasileiros.
São os contratos laborais celebrados com violação às regras atinentes à nacionalização do trabalho.
O núcleo do tipo é “frustrar”, aqui compreendido como ludibriar, enganar ou iludir, no tocante à obrigação legal de nacionalização do trabalho.
A frustração se dá mediante fraude ou violência. Fraude é o engodo, o artifício ou ardil utilizado para enganar (exemplos: alteração do conteúdo de livros empresariais, rasura de registros trabalhistas etc.), enquanto violência é o emprego de força física. Não se admite a utilização de grave ameaça, por ausência de previsão legal nesse sentido.
Pode ser qualquer pessoa.
É o Estado.
É o dolo. Não se exige nenhuma finalidade específica, e também não se admite a modalidade culposa.
Dá-se com a frustração relativa à nacionalização do trabalho, que se concretiza no momento em que o empregador abriga um número maior de trabalhadores estrangeiros do que o legalmente permitido.
É possível.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena máxima cominada em abstrato (detenção de 1 ano) autoriza a inserção do crime definido pelo art. 204 do Código Penal entre as infrações penais de menor potencial ofensivo. Aplicam-se, portanto, os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, bem como o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
No crime de frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho deve ser também imputada ao agente a pena correspondente à violência (homicídio, lesão corporal etc.).
Se a conduta também resultar na frustração de direito individual do trabalho, estará caracterizado concurso formal com o crime definido pelo art. 203 do Código Penal.
É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, pois envolve interesse coletivo relacionado ao trabalho.
O crime é comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); material (a consumação depende da produção do resultado naturalístico, consistente na frustração do cumprimento das regras legais relativas ao número máximo de trabalhadores estrangeiros a serem contratados por empregados brasileiros); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo).
É o interesse do Estado no cumprimento das suas decisões relativas ao exercício de atividades trabalhistas. A decisão administrativa a ser respeitada obviamente há de ter amparo legal, uma vez que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (CF, art. 5.º, inc. XIII).
É a atividade desempenhada por quem estava impedido de fazê-lo por decisão administrativa.
O núcleo do tipo é “exercer”, que equivale a praticar ou desempenhar. O verbo empregado pelo legislador transmite a clara ideia de habitualidade, pois é equivocado afirmar que alguém exerce determinada atividade uma única vez. Trata-se, portanto, de crime habitual: é composto por uma reiteração de atos, os quais representam um indiferente penal se isoladamente considerados.26
Atividade significa qualquer trabalho, ocupação ou profissão, desde que de natureza lícita (exemplos: médicos, dentistas, engenheiros, advogados etc.).
O crime reclama a existência de decisão administrativa anterior (emanada de qualquer órgão da Administração Pública, federal, estadual, distrital ou municipal), que impede o exercício da atividade pelo sujeito. É o caso do advogado que tem o exercício da sua profissão suspenso pelo Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, na forma prevista nos arts. 70 a 74 da Lei 8.906/1994, e pelos arts. 49 a 61 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.
A decisão judicial não é abarcada pelo dispositivo em análise, pois a desobediência à ordem judicial poderá configurar o delito previsto no art. 359 do Código Penal (crime de desobediência à decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito). O exercício ilegal de função pública, por sua vez, configura o delito previsto no art. 324 do Código Penal.27
Cuida-se de crime próprio, pois somente pode ser cometido pela pessoa administrativamente impedida de exercer determinada atividade.
É o Estado, pois suas decisões administrativas devem ser integralmente cumpridas por aqueles que a elas se sujeitam.
É o dolo. Não se exige nenhuma finalidade específica, nem se admite a modalidade culposa.
Prevalece o entendimento de que se trata de crime habitual. Logo, não é suficiente a prática de um único ato. A consumação do delito se dá com o desempenho reiterado e contínuo da atividade. Constitui-se em crime de mera conduta, pois se esgota com o exercício da atividade administrativamente suspensa, sem a previsão de resultado naturalístico pelo tipo penal.
Não é admissível. A ampla maioria da doutrina sustenta a inaceitabilidade da tentativa (conatus) nos crimes habituais.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena máxima cominada em abstrato (detenção de 2 anos) autoriza a inclusão do crime tipificado pelo art. 205 do Código Penal entre as infrações penais de menor potencial ofensivo. Admite a transação penal e a suspensão condicional do processo, e segue o rito sumaríssimo, na forma prevista na Lei 9.099/1995.
Em regra, a competência para processar e julgar o crime de exercício de atividade com infração de decisão administrativa é da Justiça Estadual, pois não diz respeito a interesse coletivo do trabalho.
Será competente a Justiça Federal, contudo, quando o crime for praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. É o que se dá, exemplificativamente, quando um médico suspenso por decisão do Conselho Federal de Medicina exerce a medicina.
O crime é próprio (somente pode ser cometido pela pessoa que estiver com sua atividade administrativamente suspensa); de mera conduta (o tipo penal não contém resultado naturalístico); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e habitual (a caracterização da conduta criminosa pressupõe uma reiteração de atos inerentes ao desempenho da atividade administrativamente suspensa).
Tutela-se o interesse do Estado brasileiro em manter seus trabalhadores, sua mão de obra, em território nacional.
Em um país como o Brasil, em que é sensível a falta de braços, a emigração de trabalhadores representa uma séria perturbação à economia nacional. Se a lei não a proíbe, quando espontânea (em respeito à liberdade individual), nada justifica que se abstenha de intervir no aliciamento de trabalhadores em tal sentido.28
É a pessoa recrutada mediante fraude para ser levada para território estrangeiro.
O núcleo do tipo é “recrutar”, ou seja, aliciar, no sentido de seduzir, atrair interessados.
Mas não basta recrutar trabalhadores a emigrar para outro país, com o fim de lá trabalhar, a exemplo do que acontecia antes da alteração do art. 206 do Código Penal pela Lei 8.683/1993. É imprescindível seja o recrutamento efetuado mediante fraude, isto é, com emprego de artifício, ardil ou de qualquer outro meio fraudulento. Exemplo: falsa promessa de emprego honesto em determinado país, com altos salários, quando, na realidade, as pessoas irão trabalhar em condições precárias e com vencimentos aviltantes.
A lei fala em “trabalhadores”. Surge assim uma questão: qual o número mínimo de trabalhadores que devem ser recrutados para a configuração do crime em análise? Entendemos pela necessidade de no mínimo três pessoas. Com efeito, quando o Código Penal deseja somente duas pessoas (exemplos: arts. 155, § 4.º, inc. IV, 157, § 2.º, inc. II, 158, § 1.º etc.) ou então ao menos quatro indivíduos (exemplo: art. 288) ele o faz expressamente. Quando reclama várias pessoas, sem apontar quantas, há necessidade de no mínimo três indivíduos (exemplos: arts. 137, 141, inc. III etc.).29
Pode ser qualquer pessoa (crime comum).
É o Estado, e, mediatamente, os trabalhadores recrutados mediante fraude.
É o dolo. Não se admite a modalidade culposa.
É imprescindível, ainda, um especial fim de agir, representado pela expressão “com o fim de levá-los para território estrangeiro”.
O crime é formal, de resultado cortado ou de consumação antecipada. Consuma-se com o recrutamento mediante fraude. É dispensável a efetiva saída dos trabalhadores do território nacional.
É possível.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena cominada é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Não se trata de infração penal de menor potencial ofensivo. Constitui-se, porém, em crime de médio potencial ofensivo (pena mínima igual ou inferior a um ano): é cabível a suspensão condicional do processo, se presentes todos os requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.
É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, pois o crime diz respeito a interesses coletivos.
Cuida-se de crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa, desde que empregador ou empregado); formal (prescinde da saída dos trabalhadores do território nacional); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução, desde que presente a fraude); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e instantâneo (consuma-se em um momento determinado, com o recrutamento fraudulento, sem continuidade no tempo).
No art. 207, o Código Penal atende à necessidade de reprimir um fato que tem trazido grave prejuízo à normalidade da vida econômica do País: a catequese de trabalhadores no sentido de afastá-los de uma região para outra do território nacional. O desnível de prosperidade entre as regiões provoca o êxodo de operários para aquela que apresenta melhores condições ao trabalho; mas isso com agravação das dificuldades da outra, que, às vezes, vem a sofrer um verdadeiro colapso na sua vida econômica. A lei penal não proíbe o êxodo em si mesmo, seja espontâneo ou provocado; mas, neste último caso, intervém para reprimir a ação dos aliciadores.30
Ao contrário do que ocorre no crime de aliciamento para fim de emigração, definido pelo art. 206 do Código Penal, aqui não se exige seja a conduta cometida com emprego de fraude. Destarte, caracteriza o delito em análise a simples atividade de aliciar, ainda que mediante promessas verdadeiras de melhores salários e mais adequadas condições de vida. Busca-se, assim, impedir a fuga de mão de obra e o despovoamento de determinadas regiões do território nacional.
Protege-se o interesse estatal em preservar os trabalhadores nos seus locais de origem.
É a pessoa aliciada pela conduta criminosa.
O núcleo do tipo novamente é “aliciar”, no sentido de recrutar ou atrair trabalhadores para levá-los a outra localidade do território nacional. Note-se que o tipo penal não se contenta com o aliciamento perante uma só pessoa. É indispensável seja a conduta dirigida a uma pluralidade de trabalhadores.
O delito admite qualquer meio de execução (crime de forma livre). Em regra, é cometido por ação, mas nada impede a omissão penalmente relevante (crime omissivo impróprio, espúrio ou comissivo por omissão), nas hipóteses em que o sujeito pode agir, mas nada faz para impedir o aliciamento, embora tenha o dever jurídico de agir (CP, art. 13, § 2.º).
Pode ser qualquer pessoa (crime comum).
É o Estado, e, mediatamente, os trabalhadores aliciados.
É o dolo. Reclama-se também um especial fim de agir, representado pela expressão “com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional”.
Não se admite a figura culposa.
Dá-se com o simples aliciamento dos trabalhadores, prescindindo-se da real transferência para outra localidade do País. O crime é formal, de resultado cortado ou de consumação antecipada.
É possível.
A ação penal é pública incondicionada.
A pena em abstrato varia entre 1 (um) a 3 (três) anos de detenção, e multa. Não se trata de infração penal de menor potencial ofensivo. Constitui-se, porém, em crime de médio potencial ofensivo (pena mínima igual ou inferior a um ano): é cabível a suspensão condicional do processo, se presentes todos os requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.
É da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, pois o delito envolve interesses coletivos.
O crime é comum (pode ser cometido por qualquer pessoa, desde que empregador ou empregado); formal (prescinde da transferência dos trabalhadores de uma para outra localidade do território nacional); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos); e instantâneo (consuma-se em um momento determinado, com o aliciamento, sem continuidade no tempo).
Em conformidade com o § 1.º do art. 207 do Código Penal, incluído pela Lei 9.777/1998, “incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem”.
Nos ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt:
O tipo descrito no § 1.º é um misto das infrações descritas nos arts. 206 e 207, ao menos em uma de suas modalidades, onde consta como meio executório “mediante fraude”. Daquele dispositivo contém a exigência de “fraude”, e, deste, o êxodo de trabalhadores limita-se ao território nacional. Apresenta três formas: (a) mediante fraude; (b) cobrança de valores do trabalhador; e (c) não assegurar condições de retorno ao local de origem. As duas primeiras modalidades são de fácil comprovação; a terceira apresenta uma dificuldade dogmática: prática condicional do crime. A ação típica será o “recrutamento de trabalhadores” ou “a não facilitação do retorno à origem”? E se o trabalho no local recrutado durar dez anos? Qual será o iter criminis? É de difícil configuração.31
Cumpre destacar que na modalidade “não assegurar condições do seu retorno ao local de origem” o crime é omissivo próprio ou puro: a omissão está descrita no próprio tipo penal, e, por se tratar de delito unissubsistente, consuma-se com a simples omissão, não admitindo a tentativa. Em síntese, o patrão, ao contratar empregados de outra localidade, deve, com o término da prestação dos serviços, a eles assegurar todas as condições de retorno ao local de origem. É irrelevante, para a consumação, que o trabalhador, por outros meios, consiga retornar à sua localidade.
Finalmente, anote-se que na figura equiparada não se pune a transferência dos trabalhadores de uma localidade a outra do território nacional. Preocupa-se a lei com o aliciamento, seja em razão do emprego de fraude ou mediante cobrança de quantia de qualquer natureza do empregado para recrutá-lo fora da localidade da execução do trabalho, bem como a omissão que se verifica quando o patrão não assegura ao trabalhador condições adequadas para o seu retorno ao local de origem.
O § 2.º foi inserido no art. 207 pela Lei 9.777/1998, com a seguinte redação: “A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental”.32
Em tais situações, a conduta do agente reveste-se de maior grau de reprovabilidade, pois para cometer o crime ele se aproveita da reduzida (ou nenhuma) capacidade de discernimento ou resistência da vítima, justificando a elevação da sanção penal.
1. (Juiz do Trabalho TRT/15.ª Região 2008 – XXIII) Nos crimes contra a organização do trabalho é certo afirmar:
(A) o sujeito ativo do crime de paralisação do trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem, pode ser qualquer pessoa sem nenhuma condição especial;
(B) para que se considere coletivo o abandono de trabalho, é indispensável o concurso de, pelo menos, 02 (dois) empregados;
(C) o crime de invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola consuma-se com a invasão ou ocupação, com a danificação ou disposição, sem dependência da obtenção da finalidade proposta;
(D) o delito de paralisação de trabalho de interesse coletivo não admite tentativa;
(E) todas as alternativas estão incorretas.
2. (Juiz do Trabalho TRT/15.ª Região 2008 – XXIII) No tocante ao crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, é correto afirmar que:
(A) o delito em apreço não admite a tentativa;
(B) admite modalidade dolosa e culposa;
(C) a ação penal é pública condicionada à representação do ofendido;
(D) as penas cominadas, cumulativamente, são detenção e multa, além da pena correspondente à violência;
(E) a pessoa, desde que mantenha vínculo empregatício, pode ser sujeito ativo do crime.
3. (Auditor Fiscal da Receita Federal – ESAF – 2009) Paulo, dirigente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, constrange Márcia, metalúrgica não Aliada, a participar do sindicato dos metalúrgicos, ameaçando-a de ser demitida caso não se associe imediatamente. Tal ameaça foi presenciada por policial que se encontrava casualmente ao lado de Márcia. À luz do Código Penal, julgue os itens abaixo assinalando o correto.
(A) Márcia não tem direito de se opor à filiação, desse modo a conduta de Paulo é lícita.
(B) Paulo cometeu o crime de atentado contra a liberdade de trabalho.
(C) Paulo cometeu o crime de atentado contra a liberdade de associação.
(D) Caso Paulo seja preso em flagrante, este deverá ser preso junto com os outros detentos até que seja paga fiança ou decretada a sua liberdade provisória.
(E) Paulo estará sujeito a advertência administrativa, não tendo cometido nenhum delito.
4. (Juiz do Trabalho TRT/15.ª Região 2007 – XXII) Aquele que obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de divida:
(A) não comete crime, por falta de capitulação legal;
(B) comete crime de constrangimento ilegal;
(C) comete crime de atentado contra a liberdade de trabalho;
(D) comete crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista;
(E) nenhuma das alternativas acima:
5. (Juiz do Trabalho TRT/15.ª Região 2007 – XXII) Aquele que, mediante violência ou grave ameaça constrange alguém a trabalhar ou não trabalhar durante certo período:
(A) não comete crime, por falta de capitulação legal;
(B) comete crime de constrangimento legal;
(C) comete crime de atentado contra liberdade de trabalho;
(D) comete crime por frustração de direito assegurado por lei trabalhista;
(E) comete crime de atentado contra a liberdade do contrato de trabalho.
6. (Magistratura do trabalho – TRT 21.ª REGIÃO/2010) Indique a alternativa correta:
(A) não constitui crime, mas motivo ensejador de justa causa para a rescisão indireta do contrato de trabalho, a conduta do empregador que se apodera de objetos pessoais do trabalhador, apenas com o objetivo de retê-lo no local de trabalho;
(B) a restrição imposta ao trabalhador, quanto à sua locomoção, em razão de dívida contraída com o preposto do empregador, não tipifica o crime de “redução à condição análoga à de escravo”;
(C) não configura crime contra a organização do trabalho, mas ilícito de natureza tipicamente contratual, o ato de simplesmente frustrar, mediante fraude, direitos assegurados pela legislação laboral;
(D) submeter o trabalhador a uma jornada de trabalho exaustiva caracteriza o crime de “redução à condição análoga à de escravo”;
(E) nenhuma das alternativas está correta.
7. (Magistratura do trabalho – TRT 21ª REGIÃO/2010) O representante legal da empresa que, para reduzir o valor das parcelas devidas à Previdência Social, omite propositalmente da sua folha de pagamento o nome de vinte empregados contratados:
(A) incide no crime de falsidade ideológica;
(B) incide no crime de sonegação de contribuição previdenciária;
(C) incide no crime de falsificação de documento público previdenciário;
(D) incide no crime de apropriação indébita previdenciária;
(E) nenhuma das alternativas está correta.
8. (Magistratura/AC – CESPE/2012) Assinale a opção correta no que se refere aos crimes em espécie.
(A) É atípica, no ordenamento jurídico brasileiro, a conduta daquele que, não sendo casado, contraia casamento com pessoa casada, ainda que esteja ciente dessa circunstância.
(B) O comerciante que, tendo recebido, de boa-fé, uma nota falsa de R$ 100,00, resolva, após constatar a falsidade da moeda, restituí-la à circulação comete crime de moeda falsa, punido com a mesma pena aplicável àquele que tiver falsificado a nota.
(C) No caso de crime de peculato culposo, a reparação do dano, desde que anterior à denúncia, extingue a punibilidade.
(D) O agente que dá causa à instauração de investigação policial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, comete o crime de comunicação falsa de crime.
(E) O agente que exerce atividade para cujo exercício está impedido por decisão administrativa pratica crime contra a organização do trabalho.
9. (Procurador Federal/AGU – CESPE 2010) Acerca dos crimes contra a organização do trabalho, julgue o seguinte item.
189 – Os crimes contra a organização do trabalho podem ofender o sistema de órgãos e instituições destinados a preservar coletivamente o trabalho — caso em que são de competência da justiça federal —, ou apenas violar os direitos de determinados trabalhadores, configurando interesses individualizados — caso em que competem à justiça estadual.
10. (Juiz do Trabalho – 9.ª Região – 2009) Assinale a proposição correta:
(A) A exortação para o exercício do direito de greve configura crime de atentado contra a liberdade do trabalho.
(B) Contratar trabalhadores e não promover o pagamento de seus salários configura o crime de estelionato.
(C) O recrutamento de trabalhadores para trabalhar em território estrangeiro configura delito penal.
(D) Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional configura crime.
(E) No crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (artigo 203 do Código Penal) o sujeito passivo necessariamente deve ser o empregador.
11. (Juiz do Trabalho/TRT 5ª Região – CESPE/2013) Assinale a opção correta em relação aos crimes contra a organização do trabalho.
(A) Comete o crime de redução à condição análoga à de escravo aquele que contrata trabalhadores de localidade diversa daquela onde será executado o trabalho e não assegura condições de seu retorno ao local de origem.
(B) Podem ser sujeitos ativos do crime de paralisação de trabalho, seguido do crime de perturbação da ordem, tanto os empregados que participam do abandono coletivo de trabalho, com violência exercida contra coisa, quanto o empregador que paralisa as atividades empresariais para frustrar negociação coletiva, fato conhecido como lockout.
(C) O crime de paralisação de trabalho de interesse coletivo consiste na participação de abandono coletivo de trabalho que resulte na interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo, como, por exemplo, a construção de estádio de futebol com vistas à realização da Copa do Mundo de Futebol em 2014.
(D) Para a consumação do crime de sabotagem agrícola, exige-se que ao menos parte da safra seja destruída, estragada ou inutilizada, admitindo-se que o dano seja causado também às máquinas e instrumentos, utensílios, matérias-primas e instalação elétrica.
(E) O indivíduo que, mediante fraude consistente em falsa promessa de alto salário, recruta um dentista para trabalhar no exterior e, ao chegar ao destino, retém seu passaporte, impedindo-o de retornar ao Brasil, pratica o crime de aliciamento para o fim de emigração.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
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1 HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 14.
2 Há quem critique esta denominação, por considerar que a expressão “organização do trabalho” revela uma ideia autoritária. Seria mais correto, portanto, falar em proteção à dignidade, liberdade, segurança e higiene do trabalho, valores históricos dos trabalhadores assalariados, além de suas reivindicações na defesa de seus interesses. Nesse sentido: ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: RT, 1995. p. 91.
3 Nesse sentido: STF: RE 398.041/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, j. 30.11.2006, e RE 541.627/PA, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, j. 14.10.2008, noticiado no Informativo 524. No STJ: HC 26.832/TO, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5.ª Turma, j. 16.12.2004, e CC 95.707/TO, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3.ª Seção, j. 11.02.2009, noticiado no Informativo 383.
4 STF: RE 588.332/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, j. 31.03.2009, noticiado no Informativo 541. É também a posição a que se filia o Superior Tribunal de Justiça: “Os crimes contra a organização do trabalho devem ser julgados na Justiça Federal somente se demonstrada lesão a direito dos trabalhadores coletivamente considerados ou à organização geral do trabalho. O crime de sabotagem industrial previsto no art. 202 do CP, apesar de estar no Título IV, que trata dos crimes contra a organização do trabalho, deve ser julgado pela Justiça estadual se atingir apenas bens particulares sem repercussão no interesse da coletividade” (CC 123.714/MS, rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), 3.ª Seção, j. 24.10.2012, noticiado no Informativo 507).
5 STF, RE 541.627/PA, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, j. 14.10.2008, noticiado no Informativo 524. É também o entendimento de MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2007. v. 2, p. 373.
6 STF: ADI-MC 3.684/DF, rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, j. 1.º.02.2007.
7 A palavra “greve”, com que os franceses designam o abandono coletivo de trabalho, origina-se do ato pelo qual outrora os operários parisienses sem trabalho costumavam reunir-se na praça de Gréve, à espera de que alguém os fosse ajustar (HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 33).
8 Para Renato Saraiva, “greve é a paralisação coletiva e temporária do trabalho a fim de obter, pela pressão exercida em função do movimento, as reivindicações da categoria, ou mesmo a fixação de melhores condições de trabalho” (SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 395).
9 MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 3, p. 49.
10 HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 37.
11 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3, p. 373.
12 Remetemos o leitor, para o estudo aprofundado do núcleo do tipo, ao crime de atentado contra a liberdade de trabalho (art. 197, item 4.4.).
13 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTR, 2007. p. 1.325.
14 HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 39-40.
15 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 839.
16 Com posição diversa, Celso Delmanto sustenta que, “em face da CF/1988, que consagrou o direito de greve de forma ampla, o dispositivo do art. 201 do CP não está a merecer aplicação” (DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 339). Discordamos, uma vez que o art. 9.º, § 1.º, da Constituição Federal foi claro ao determinar à lei um tratamento diferenciado na greve envolvendo atividades essenciais e não essenciais.
17 HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8.
18 “Pagar salário a menor do que consta na anotação da carteira de trabalho configura, ao menos em tese, o delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, tipificado no art. 203 do Código Penal” (STJ, RHC 15.713/MG, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6.ª Turma, j. 29.11.2005).
19 Cf. STJ, RHC 18.010/PR, rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 07.03.2006.
20 STJ: CC 114.168/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3.ª Seção, j. 10.11.2010, noticiado no Informativo 455; e CC 96.365/PR, rel. Min. Jorge Mussi, 3.ª Seção, j. 26.05.2010, noticiado no Informativo 436.
21 “Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto” (destacamos).
22 Quando praticado mediante coação, o crime pode ser definido como uma modalidade especial de constrangimento ilegal. Em igual sentido: GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 6. ed. Niterói: Impetus, 2009. v. 3, p. 417.
23 CC 96.365/PR, rel. Min. Jorge Mussi, 3.ª Seção, j. 26.05.2010, noticiado no Informativo 436.
24 “Art. 153. A lei determinará a porcentagem de empregados brasileiros que devem ser mantidos obrigatoriamente nos serviços públicos dados em concessão e nas empresas e estabelecimentos de indústria e de comércio”.
25 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 2, p. 383.
26 Em sentido contrário, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que, “basta um ato de desobediência à decisão administrativa, para que se configure o delito em questão (art. 205)” (HC 74.826/SP, rel. Min. Sydney Sanches, 1.ª Turma, j. 11.03.1993).
27 Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p. 637.
28 HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 47.
29 Em sentido contrário: “Não tendo usado o termo no singular, exige-se, pelo menos, dois para o crime se configurar” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 848).
30 HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 8, p. 47.
31 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte especial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3, p. 404.
32 Para a exata compreensão de cada um destes termos, vide a análise do art. 203 do Código Penal, item 4.10.16.