O ser humano nasceu na África,
daí se espalhou para todos os lugares.
E viva o rei Zumbi do Quilombo dos Palmares!!!!
“Onde foi que Jesus ensinou sua filosofia?
Foi na Bahia, foi na Bahia!”
Noel Rosa
Miriam em aramaico é Maria.
Miriam de Migdal, Maria Madalena.
Aqui é Miriam Maria de Bethânia.
Ela vem do mais profundo início do teatro de Ésquilo onde as falas são cantadas.
Mas é mais atrás, é mais agonal
vem da grande mitologia
da literatura oral de Homero
Hesíodo
dos candomblés
de Dom Sebastião que morreu em Alcácer-Quibir
de cânticos de luz de axé de flores amores que é
Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé.
O perfeito equilíbrio simultâneo
quando ela canta ela irradia
entre o esplendor de todos os paganismos
e o esplendor de todos os cristianismos
humanismos democracia anarquismo socialismo pacifista
da Amálgama,
com a qual José Bonifácio nos definiu em 1823 dizendo:
“diferente dos outros povos e culturas, nós somos a Amálgama,
esta Amálgama tão difícil de ser feita”.
Quando ela entra no palco transforma o palco em altar
e ao mesmo tempo-espaço em terreiro.
O altar é de Palas Atena
e o terreiro é de Iansã.
Sua presença é um incêndio de paixão que ressuscita o tempo todo
o seu canto nagô que é banto e é o amor
e que em sua voz tão bela e cheia de bem-querer
é Benguela e Gegê,
pra irradiar a instantaneidade da vibração da vida
com todos os entrelaçamentos das dimensões da graça divina
que começa lá na infância
em sua família
lá em Santo Amaro
desta Bahia onde o Brasil começou
e não é à toa
que foi seu irmão Caetano
quem lhe deu o nome
inspirado na música
cantada por Nelson Gonçalves.
Ela é poeta
filósofa
pensadora
ativista social política
pioneira dos feminismos
irradiadora de um conhecimento absorvido
em leituras incessantes
de Fernando Pessoa
dos filósofos
e também não foi à toa
que foi lançada pelo magnífico Vinicius de Moraes
que a trouxe para o Rio de Janeiro.
Ela vive perto de Jorge de Lima
da neurociência
e o que é mais impressionante para mim
é um constante mistério
que ela irradia com seu talento
que é ao mesmo tempo antiquíssimo
e reflete todas as emoções e informações dos ancestrais
e ao mesmo tempo, de novo a simultaneidade,
traz sempre a novidade
é o eternamente novo.
Na verdade são cânticos religiosos
incluindo cânticos das religiões ateias
mas todas anunciando a mensagem
do presente
que arrasta o passado
em direção ao futuro
e se eu fosse resumir
em todas as miríades
de interpretações e composições
de Dorival Caymmi a outros tantos
gênios da cultura brasileira e internacional
eu acho que está no Evangelho de São João em que uma voz anuncia:
“Uma criança nasceu entre nós”.
Ela tem o expressionismo com um afastamento mediúnico,
ela tem também Villa-Lobos que disse:
“aprendam harmonia e contraponto a fundo e depois esqueçam tudo”
mas o que ela tem é ela mesma e isso se reflete em tudo
em mensagem permanente de ressurreição.
Com Fernando Pessoa
lado a lado com Seu Esteves e a tabacaria
a presença onipresente dos fados imortais.
E aqui eu pergunto:
Nasceram os fados no Brasil?
Amália Rodrigues
a grande fadista portuguesa
canta “De São Paulo de Luanda”
de Capiba:
“minha mãe chorava, kalunga,
e eu cantava, kalunga,
maracatu! Maracatu!
Nação do preto nagô”.
Bethânia quando canta
seus cantos também são acalantos
de ninar
de adormecer
a criança que nasceu entre nós
para ela ser feliz
e para morar na felicidade.
Dizem que nossa arte é barroca,
ela é mais do que isso,
é maneirista
e o maneirismo já é quântico.
Sua majestade tem tamanha plenitude que se apresenta com a mais extrema humildade.
Sua voz ecoa sempre nos batuques em homenagem ao rei Zumbi do Quilombo dos Palmares
ela ecoa em todos os lugares, e este canto
tem sempre aquela cor azul dos primeiros raios da manhã
que o pintor Fra Angelico captava em seus quadros.
Claro que a primeira luz do azul de anil
assim canta e caminha a rainha
porta-estandarte e porta-bandeira da bandeira brasileira.
A voz do candomblé que irradia
o Sermão da Montanha,
Maria Bethânia.
Eu a conheço há milênios
e me lembro que assistimos juntos
à entrada em Jerusalém
de Jesus de Nazaré montado em seu burrico.
No candomblé existe a árvore Iroko
que é a árvore do tempo
mas no tempo antes do tempo
Orun, o céu e suas estrelas
ou Olorun, seu orixá
habitavam aqui no planeta Terra com nossos ancestrais.
Acontece que de repente
os nossos ancestrais
começaram a tratar Orun e Olorun
com muita falta de respeito.
Alguns usavam a lua como travesseiro
outros chegavam a cuspir e urinar nas estrelas.
Então Orun e Olorun não se queixaram
porque os deuses não se queixam
apenas decidiram
já que a coisa era assim
se afastar do planeta Terra e ir morar lá no alto
onde estão até agora,
no entanto
quando Maria Bethânia canta
Orun, o céu estrelado e
Olorun, seu orixá,
voltam para ficar em nossa presença
e se o espectador prestar bem atenção
perceberá que o sol
a lua
as estrelas
os cometas descem até o chão.
Quando ela para de cantar
Orun e Olorun voltam lá para o alto
para morar no infinito novamente.
Vem do mal vendaval,
tem mania de ventania
o tempo do vento
que monta e que se encontra
no lento contratempo
do tempo e do vento
que vem cem por cento
além do otimismo
e aquém do pessimismo
e que vem no abismo zen,
na luz dos azuis da cruz
de Jesus de Jerusalém
e que tenta e que venta
e que entra e adentra
e precisa voar.
Desliza no ar.
Sereia do mar.
Mas a ressurreição do vento quente é,
na sua antiga versão de azuis,
Marisa, a brisa do mar.
Pura e dura
ditadura do não
que perfura o chão
do ser do furacão.
Exu então
no tufão
é parceiro
é por e com pulsão
do sopro que desliza em cima
do mar e sopra no terreiro,
na copa do coqueiro,
no leste da saudade,
no agreste da feliz felicidade
do ser da tempestade
e que só se acalma e se acalmaria
no pé da palma da alma,
no nó do ebó da alma
da calmaria amada
que lembra a Ave Maria sagrada
em sua cavalgada.
Exu, irmão que fura o cão
e entra no vão do tufão em vão
e assim as coisas vêm e vão.
Fiz isso
pra Omulu. Exu
chamou para apaziguar
Ararô Ararô Iamogibá.
Brilha o brilho dos cristais
no filho e na filha dos casais
de quem trilha o trilho
dos mais altos astrais
que vêm do além
do abismo do budismo zen
como alguém
que feliz diz amém
e ao perdoar
não se humilha,
faz e traz do mar e da ilha
de maravilha
o que faz e traz a paz em Brasília
de leste a oeste,
de norte a sul.
De sul a norte,
de norte a sul
chega o canto da fé
voando pelo céu mais azul
o encanto que se irradiou
sem fel, só puro mel
do acalanto, do axé
do amor de Raul,
de Raul de Xangô.
Adonai, evoé, Kolofé,
Oxalá abençoai
saravá oh meu pai.
Erês e orixás
Vade retro, Satanás