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Freud é a visão do expressionismo judaico vienense enfocando os gregos de maneira peculiar, enfatizando o aspecto dionisíaco, a visão dos instintos, “antepondo-a” à visão apolínea com a qual a civilização helênica havia sido tradicionalmente interpretada pela Europa durante séculos, a partir do Renascimento.

A visão poética de Nietzsche foi a fonte primeira dessa visão. A de Freud, sua visão científica. A libido, eros, o instinto da morte e o da vida, uma procura do prazer, o hedonismo, a redescoberta do corpo, a condenação da visão da “eternidade” para uma afirmação plena no instante aqui-agora.

Pousado nos ombros dos gigantes trágicos, Ésquilo, Sófocles, Eurípides, denunciou as trapaças & hipocrisias de toda uma sociedade ocidental repressiva. Foi o grande deflagrador de novos mitos poéticos, muito diferentes do compasso rítmico do drama ocidental de então.

O próprio Freud mergulhou na dúvida, no desespero (não dramático) trágico-cósmico da existência em todas as suas dimensões. Propôs caminhos, desiludiu-se, e em seu último grande trabalho, O mal-estar na civilização, surge como trágico pessimista, como se fosse um daqueles gregos profundos e terríveis.

A redescoberta em nova leitura (industrial-ocidental-europeia) de mitos válidos a respeito do mistério humano modificou a visão e a existência de grandes partes do planeta. O planeta é antes de Freud e depois dele. Grande divisor de águas, foi no entanto nas Américas que o freudianismo libertado de seu pessimismo (herdeiro de contradições vitorianas) conseguiu superar-se e encarnar-se como práxis atuante & cantante na figura de Bob Dylan e em todos os blues & sambas maracatus do novo mundo.

 

 

Freud & Bob Dylan, ambos profetas e messias de um novo sistema nervoso. Seu discípulo Wilhelm Reich (função do orgasmo, revolução sexual) foi até mesmo grande influenciador do pensamento da geração beat americana. Ginsberg, o poeta máximo dessa corrente, afirma em um de seus principais poemas: “meu psicanalista reichiano...”.

A ponte profunda entre o Velho Mundo e o Novo estava aberta. Isso no plano oficial da cultura declarada como tal, mas na cultura profunda dos subterrâneos da história outra ponte com afirmações paralelas e até mais densas já estava em curso há muito: a ponte africana dos atabaques a afirmarem a plena libido e seus filhos escravos no continente descoberto da existência, mesmo nas condições tão adversas da escravatura total nas mãos tão adversas dos colonizadores brancos nas Américas.

É essa a ponte Freud-Bob Dylan.

Bob Dylan inventou para a imprensa toda uma mitologia de sua vida, e foi esse o primeiro grande evento pop da história contemporânea oficialmente considerado como tal. A mentira sobre sua vida era já um happening, uma obra de arte, como se fosse outra canção do menino judeu-americano de Nova Jersey.