CAPÍTULO 1

Primeiros elementos para uma teoria geral dos recursos

1. CONSTRUINDO UMA TEORIA GERAL DOS RECURSOS

Sem prejuízo das considerações feitas pelo ns. 1 e 2 da Introdução, importa destacar, para a construção de uma teoria geral dos recursos, a divisão que faz, a respeito, o Título X do Livro I do Código de Processo Civil, que compreende os arts. 496 a 565. Trata-se, como se dá em diversas outras passagens do Código, de setorização que deve ser recebida com ressalvas pelo intérprete.

É que o Capítulo I daquele Título, voltado a apresentar as “disposições gerais” (arts. 496 a 512), é insuficiente para embasar todas as espécies recursais disciplinadas pelos cinco Capítulos seguintes dedicados à apelação (arts. 513 a 521), ao agravo (arts. 522 a 529), aos embargos infringentes (arts. 531 a 534), aos embargos de declaração (arts. 535 a 538) e aos “recursos para o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça” (arts. 539 a 546).

Diferentemente do que se poderia supor, diversas disposições que se encontram no Capítulo II, voltado à apelação, são, elas próprias, tanto quanto as já referidas, regras inerentes à construção de uma teoria geral dos recursos. É o que se verifica com os arts. 515 a 519, que se aplicam, ainda que com alguns temperamentos, a outros recursos que não o de apelação. Se é certo que, por razões históricas, o recurso de apelação desempenhou o papel de recurso por excelência, quiçá o único recurso cabível, sendo, por este motivo, apto a embasar a construção de uma teoria geral dos recursos que o considerasse como verdadeiro e insuprimível paradigma, esta não é – há tempos – a realidade normativa vigente, inclusive no sistema processual civil brasileiro.

De outra parte, o Capítulo VII, “Da ordem dos processos nos Tribunais”, que conclui, com os arts. 547 a 565, o referido Título X, está mal alocado no Código de Processo Civil. Seu conteúdo auxilia não só a construção de uma teoria geral dos recursos e, portanto, a apreensão de cada uma das modalidades recursais, mas, mais amplamente, também das demais técnicas de impugnação a decisões jurisdicionais que não são recursos. Neste sentido, aliás, ele atrita com o Título IX do mesmo Livro I do Código de Processo Civil, voltado a tratar “Do processo nos Tribunais”, razão pela qual aqueles dispositivos merecem exame preambular, verdadeiramente introdutório, como faz o Capítulo 5, para alimentar também as considerações desenvolvidas pelas Partes II e III.

Assim, a exemplo de diversas outras iniciativas ao longo do Curso, a “teoria geral dos recursos” aqui apresentada toma como base não só o que o Código de Processo Civil fornece, ainda que de maneira pouco linear, como material para sua construção, mas, superiormente, o “modelo constitucional do direito processual civil” e a necessidade de ser apresentado, como produto final, um sistema processual civil minimamente coerente à luz das tão variadas quanto profundas modificações por ele experimentadas mais recentemente (v. n. 2.7 do Capítulo 2 da Parte I do vol. 1).

É esta a razão, ademais, pela qual ocupam Capítulos próprios, além do “procedimento recursal no plano dos Tribunais”, temas como seus “princípios”, seu “juízo de admissibilidade e o juízo de mérito” e seus “efeitos”. A iniciativa quer dar àqueles assuntos espaço próprio e independente, viabilizando, com isto, que cada uma das partes possa ser devidamente compreendida em prol da compreensão do todo.

2. NATUREZA JURÍDICA

É intensa, na doutrina, a discussão sobre a “natureza jurídica” dos recursos, isto é, sobre o que eles são para e no próprio direito positivo.

Para este Curso, os recursos representam prova segura do acerto da percepção de que o direito de ação e o direito de defesa ensejam verdadeiros desdobramentos durante o processo. Os recursos são, assim, direito subjetivo público exercitado em face do Estado-juiz com vistas à revisão, em sentido amplo, de uma dada decisão jurisdicional.

Também aqui é importante discernir a “ação” e, por identidade de motivos, a “defesa”, do pedido de tutela jurisdicional, a exemplo do que já foi demonstrado em outras passagens do Curso (v., em especial, o n. 4 do Capítulo 3 da Parte II do vol. 2, tomo I). No plano dos recursos, não há novo pedido com vistas à concessão de tutela jurisdicional ou à sua negação. O que há, bem diferentemente, é pedido para que o órgão jurisdicional competente reaprecie, para anular, reformar ou integrar, uma decisão jurisdicional já proferida nos casos admitidos pelo sistema processual civil. É certo que, a depender do resultado do recurso, a decisão proferida pelo órgão julgador, porque substitui a anterior (v. n. 9 do Capítulo 4), concederá, ela própria, a tutela jurisdicional pedida pela parte. Isto, contudo, é consequência do julgamento do recurso; não a causa de sua interposição.

É importante desenvolver as considerações dos parágrafos anteriores.

Este Curso, desde o n. 1 do Capítulo 2 da Parte III do vol. 1, propõe o entendimento de que o “direito de ação” não é tão somente exercitado quando da ruptura da inércia da jurisdição. Ele também é exercitável ao longo de todo o processo até que seja prestada, ao autor, a tutela jurisdicional que requereu e que, em última análise, é a razão de ele ter se dirigido ao Estado-juiz. O réu, por sua vez, sem prejuízo de exercitar o direito de ação ao longo do processo, exerce, em nítida contraposição àquele, seu “direito de defesa”, que, de acordo com o “modelo constitucional do direito processual civil”, deve ser tido como verdadeira contraposição ao “direito de ação” na medida em que exercido e exercitado pelo autor (v. n. 1 do Capítulo 4 da Parte III do vol. 1).

Decorre do entendimento sumariado pelos parágrafos anteriores a conclusão de que os “direitos”, “deveres”, “ônus”, “faculdades” e “obrigações” que as partes têm ou desfrutam ao longo do processo decorrem daqueles direitos, de inspiração constitucional, e não de alguma peculiaridade do próprio plano do processo, diferentemente do que sustenta, a este respeito, a doutrina tradicional (v. n. 1 do Capítulo 3 da Parte III do vol. 1).

Um destes direitos, exercitado tanto pelo autor como pelo réu e, até mesmo, por terceiros intervenientes, incluindo neste rol o Ministério Público quando atua na qualidade de fiscal da lei, é o de recorrer das decisões que, em alguma medida, criam embaraços às suas legítimas expectativas obtidas ou obteníveis no plano do processo e, consequentemente, no plano material.

O recurso é, assim, um direito – um “direito subjetivo público” – exercitado pelas partes (autor e réu) e pelos terceiros, representando verdadeiro desdobramento do direito de ação (e do direito de defesa) que permeia o desenvolvimento de todo o processo – do mesmo processo (v. n. 3, infra) –, até a obtenção da tutela jurisdicional para aquele que, na ótica dos órgãos jurisdicionais, detém em face de outrem posição jurídica de vantagem no plano material. Não se trata, destarte, de uma nova ação, mas da mesma, originalmente exercitada, que é renovada, desdobrada, exercitada ao longo do processo com vistas à obtenção de uma específica situação de vantagem e que, pelas razões expostas pelo n. 1 do Capítulo 2 da Parte III do vol. 1, é também exercitável pelo réu, ainda que sob as vestes de um “direito de defesa”, e por eventuais terceiros intervenientes.

3. DEFINIÇÃO

A doutrina brasileira concorda, em sua ampla maioria, sobre a definição de recurso. Para demonstrar isto, é pertinente colacionar a definição dada por dois dos maiores processualistas brasileiros e profundos conhecedores do tema.

Para José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 233), recurso é “o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”.

Para Nelson Nery Jr. (Teoria geral dos recursos, p. 212), recurso é o “meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada”.

As definições expostas, como enfatizam seus elaboradores, são voltadas a descrever a figura aqui examinada tendo presente as peculiaridades do direito brasileiro e as opções feitas pela legislação processual civil nacional. Em outros sistemas jurídicos, pode haver outros recursos que, para nós, não têm esta natureza e vice-versa. O desenvolvimento da questão é desinteressante para este Curso, que se limita, neste volume, a descrever e a oferecer uma proposta de ampla compreensão e operatividade dos recursos e de outras técnicas de controle das decisões jurisdicionais, para o direito processual civil brasileiro.

Ambas, é importante o destaque, dão evidência a quem são os legitimados para recorrer, assunto ao qual se volta o n. 2.2 do Capítulo 3, e também à finalidade recursal, isto é, o que podem pretender os recursos no direito processual civil brasileiro, o que, de acordo com o n. 3 do mesmo Capítulo, integra o chamado “juízo de mérito recursal”, que é examinado nos Capítulos 6 a 12 desta Parte I, dedicados às diversas modalidades recursais referidas no art. 496.

As duas definições também destacam que o recurso seja apresentado na mesma “relação processual”, o que, na nomenclatura adotada por este Curso, quer significar no mesmo “processo”, porque se trata de característica do direito positivo brasileiro. Os recursos, para nós, não dão ensejo ao nascimento de novos processos, porque é suficiente, para o seu regular exercício, o processo já existente e que se desenvolve desde a provocação inicial do autor, com a ruptura originária da inércia da jurisdição. Trata-se, ainda que de diversa perspectiva de análise, da maior confirmação do acerto das considerações que ocupam o número anterior: os recursos nada mais são do que o exercício do (mesmo) “direito de ação” (ou, da perspectiva do réu, do “direito de defesa”) ao longo de um mesmo processo, consoante seja necessária, ao autor, ao réu e a eventuais terceiros, a ocupação de determinadas posições de vantagem em busca da obtenção da tutela jurisdicional em seu favor, a eles negada por anterior decisão jurisdicional.

Significativa, no particular, a lição de José Frederico Marques (Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 2-3), para quem “O direito de recorrer é um direito que se insere nos desdobramentos dos atos processuais cuja prática resulta do direito de ação ou do direito de defesa”.

Naqueles casos em que o contraste de uma dada decisão jurisdicional impuser ao legitimado a necessidade de um novo rompimento da inércia jurisdicional, a hipótese não pode ser entendida, estudada e sistematizada como recurso. É esta, sem prejuízo do que assinalado pelo n. 2 da Introdução, a razão pela qual as Partes II e III deste volume se voltam ao estudo de outros mecanismos que, a despeito de questionarem decisões jurisdicionais, não podem ser tratados como recursos, de acordo com o direito processual civil brasileiro.

4. CLASSIFICAÇÃO

A doutrina, em geral, apresenta alguns critérios classificatórios sobre os recursos, que, como tais, têm como finalidade viabilizar uma melhor e mais didática aproximação da matéria.

É este o objetivo dos números seguintes, reservando-se os demais Capítulos ao longo do volume a aplicar os critérios aqui expostos.

4.1. Recursos totais ou parciais

O primeiro classificatório leva em conta a extensão do inconformismo do recorrente quando comparado com a decisão que lhe é desfavorável. Para este fim, o grau de inconformismo do recorrente pode ser total ou parcial, consoante ele impugne toda a decisão ou apenas parte dela.

O próprio art. 505 admite a distinção – embora se refira unicamente à apelação (v. n. 1, supra) – quando prevê que “a sentença pode ser impugnada no todo ou em parte”. A primeira hipótese é a do recurso total; a segunda, do parcial.

Como todos os recursos, no direito positivo brasileiro, pressupõem o elemento volitivo (v. n. 7 do Capítulo 2), não há imposição para que as partes ou eventuais terceiros interponham das decisões que lhe são desfavoráveis quaisquer recursos, e, caso o façam, também não existe nenhuma obrigatoriedade de que toda a decisão, em todas as partes (capítulos) que lhes sejam desfavoráveis, seja questionada.

Importa saber se o recurso é total ou parcial para verificar se a decisão, ou parte dela, precluiu ou transitou em julgado, o que é relevante para fins de sua efetivação concreta, isto é, para a verificação de qual o regime jurídico, vale dizer, qual disciplina, dará supedâneo à realização prática de seus efeitos.

4.2. Recursos de fundamentação livre e de fundamentação vinculada

Levando em conta os tipos de vícios que uma decisão possui e que desafiam seu contraste por recursos, eles podem ser distinguidos em “recursos de fundamentação livre” e “recursos de fundamentação vinculada”.

Os “recursos de fundamentação livre” são aqueles em que o interesse do recorrente toma como base, apenas e tão somente, o gravame experimentado pela decisão. O seu mero inconformismo com a decisão, tal qual proferida, é suficiente para o cabimento do seu recurso. Basta que a decisão tenha acarretado a alguém, em alguma medida, prejuízo, para que caiba o recurso.

Os “recursos de fundamentação vinculada”, por seu turno, impõem que o recorrente demonstre, além do (genérico) interesse recursal, um prejuízo específico, previamente valorado pelo legislador, sem o que não se abre a via recursal. As razões do inconformismo são, por assim dizer, somente aquelas tipificadas pelo legislador. São, portanto, recursos que têm como finalidade a correção de específicos vícios de atividade ou de julgamento, os quais, se ausentes, não dão margem ao contraste da decisão.

De fundamentação vinculada são o recurso de embargos de declaração, o recurso extraordinário e o recurso especial; todos os demais são de fundamentação livre. Os recursos de fundamentação vinculada só cabem na medida em que estejam presentes, na decisão recorrida, determinados vícios exigidos pelo sistema processual civil. Não são recursos, por isto mesmo, que buscam reparar qualquer tipo de prejuízo experimentado pelas partes ou por eventuais terceiros, mas, apenas e tão somente, aqueles previamente idealizados, isto é, tornados típicos, pelo legislador.

Esta característica de tais recursos acarreta interessante questão no que diz respeito à superação de seu juízo de admissibilidade e ao enfrentamento de seu juízo de mérito, que é abordada pelo n. 3 do Capítulo 8, com relação aos embargos de declaração, e pelo n. 5 do Capítulo 11, com relação ao recurso extraordinário e ao recurso especial.

4.3. Recursos ordinários e extraordinários

A distinção entre “recursos ordinários” e “recursos extraordinários”, no sistema processual civil brasileiro, é útil para distinguir os recursos que viabilizam o total e amplo reexame da causa em todas as suas partes, inclusive com o reexame de provas e os que não o admitem porque voltados, em última análise, ao atingimento de outra finalidade, qual seja, a uniformização da interpretação do direito constitucional federal e do direito infraconstitucional federal em todo o território brasileiro.

São “recursos extraordinários”, de acordo com o critério classificatório aqui proposto, o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, o recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça e os embargos de divergência, que são cabíveis, apenas, de alguns acórdãos proferidos por aqueles mesmos Tribunais.

Todos os demais são, na consonância desse critério classificatório, “recursos ordinários”.

4.4. Recursos principal e adesivo

O critério classificatório elege como paradigma a forma de interposição do recurso, se “principal” ou se “adesiva”.

O “recurso principal”, ou, como se lê do art. 500, “independente”, é aquele interposto pelas partes ou pelo terceiro tão logo tenham ciência da decisão, valendo-se, para tanto, do prazo pertinente. É manifestação imediata, por assim dizer, do inconformismo com uma decisão proferida contra os seus interesses.

O “recurso adesivo”, por sua vez, novidade trazida ao sistema processual civil brasileiro com o Código de Processo Civil de 1973, é recurso que é interposto se a outra parte (e não o terceiro; v. n. 2.2.2 do Capítulo 3), também prejudicada pela mesma decisão, tiver manifestado seu inconformismo imediato contra ela, apresentando seu recurso no prazo que tiver para tanto. É o que se lê do caput do art. 500: “Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte”.

A melhor compreensão do instituto depende de um aclaramento quanto ao nome pelo qual a figura é conhecida. “Recurso adesivo” não é, com efeito, denominação correta para descrever o fenômeno em pauta. Não é o recurso, em si mesmo, que difere dos demais, embora existam algumas peculiaridades procedimentais, abaixo examinadas, mas, notadamente, a sua forma de interposição. É ela, a interposição do recurso, que é, como quer a lei, adesiva, ou, como prefere, com acerto, José Afonso da Silva (Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, p. XVI), subordinada ou dependente.

Não se trata, pois, de um recurso diferenciado dos demais, mas de uma maneira diferenciada de interposição do recurso de apelação, do recurso de embargos infringentes, do recurso extraordinário e do recurso especial (art. 500, II) nos casos em que há “sucumbência recíproca”, isto é, em que a decisão gera gravame ao autor e ao réu concomitantemente, inclusive no que diz respeito a questões processuais (STJ, 4ª Turma, REsp 1.109.249/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.un. 7.3.2013, DJe 19.3.2013). Em tais casos, como se lê do art. 500, caput, e do respectivo inciso I, a parte que não recorreu poderá, no prazo que dispõe para apresentar contrarrazões, interpor o seu próprio recurso.

A propósito de um tal pressuposto, cabe a colação da Súmula 326 do STJ, segundo a qual “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”, o que, no contexto aqui discutido, significa o não cabimento do recurso adesivo para majorar o valor imposto pela sentença àquele título. A orientação, com as vênias de estilo, só pode prevalecer quando o autor não houver formulado, como deve fazer, pedido certo quanto ao valor da indenização pelos danos morais, assunto para o qual se volta o n. 7.1.1 do Capítulo 1 da Parte II do vol. 2, tomo I. Há interessante acórdão da 4ª Tuma do STJ sobre o tema que merece ser lido até porque, posto ter havido unanimidade no resultado, há divergência na fundamentação dos votos então proferidos pelos Ministros João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão. Trata-se do REsp 543.133/PR, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. un. 5.5.2009, DJe 28.9.2009.

A justificativa usualmente encontrada em doutrina para defender o “recurso adesivo” é a de que, com a possibilidade da sua interposição subordinada, o sucumbente tende a conformar-se com aquilo que a decisão lhe concedeu, já que não é impositivo que ele, desde logo, apresente recurso seu, independentemente da postura a ser tomada pelo adversário afetado também pela mesma decisão. No aguardo da postura a ser tomada pela parte contrária, a tendência é que nenhuma delas recorra, precluindo ou, se for o caso, transitando em julgado a decisão tal qual proferida, mesmo que parcialmente contrária a seus interesses.

É a hipótese, para figurar um exemplo, daquele que, tendo seu pedido de tutela jurisdicional acolhido pela sentença, vê o réu apelar dela e decidir, por isto, apresentar apelação adesiva para a majoração dos honorários de advogado. Não fosse pela iniciativa do réu, o autor teria se conformado, desde logo, com a sentença tal qual proferida, inclusive com a fixação das verbas de sucumbência. A admissão do recurso adesivo para esta finalidade é amplamente aceita na jurisprudência do STJ como faz prova o seguinte acórdão: 4ª Turma, REsp 1.056.985/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. un. 12.8.2008, DJe 29.9.2008.

Também é comum o entendimento de que a previsão legislativa expressa do recurso adesivo confirma a vedação da reformatio in pejus (v. n. 12 do Capítulo 2), uma vez que o agravamento da situação jurídica do recorrente “principal” depende da iniciativa do “recorrido”, que, querendo, interporá o recurso adesivo, tornando-se, por isto, também recorrente, embora de forma subordinada.

A disciplina do “recurso adesivo” não difere da do “recurso independente” (art. 500, parágrafo único), que só pode ser o de apelação, de embargos infringentes, o recurso extraordinário e o recurso especial, a não ser por alguns pontos expressamente previstos pelo Código de Processo Civil, que são os seguintes:

Como decorrência da sua própria finalidade, o prazo para sua interposição não tem início com a intimação da decisão nos moldes do art. 506 (v. n. 2.5 do Capítulo 3). A fluência do prazo recursal dá-se quando da intimação da parte que não recorreu para apresentar suas contrarrazões ao “recurso principal”. O órgão jurisdicional perante o qual o “recurso adesivo” deve ser interposto é o mesmo do “recurso independente” (art. 500, I), que, exercendo “juízo positivo de admissibilidade”, determinará a oitiva do recorrido (o recorrente principal) a seu respeito, quando terá prazo para apresentação de contrarrazões ao recurso adesivo, observado o art. 508.

Cabe uma consideração sobre o conteúdo do parágrafo anterior. Por força da teoria geral dos recursos, é irrecusável que também ao recurso interposto na forma adesiva apliquem-se as exigências relativas à “regularidade formal” (v. n. 2.6 do Capítulo 3), é dizer, ele deverá evidenciar o pedido de reforma com fundamentação que lhe dê sustento. Isto, contudo, não quer dizer que necessariamente o recurso adesivo tenha de ser apresentado em petição distinta das contrarrazões. Do mesmo modo que este Curso sustenta não haver qualquer mácula processual na apresentação formalmente una da contestação e da reconvenção e, até mesmo, da exceção de incompetência (v. n. 2.2.2, n. 3.1.1 e n. 4, todos do Capítulo 3 da Parte II do vol. 2, tomo I), cabe verificar se a apresentação formalmente conjunta das contrarrazões e do recurso adesivo gera algum prejuízo para os litigantes e para o próprio processo. Se não, a hipótese é de mera irregularidade formal, devendo ser descartada a existência de qualquer vício no ato tal qual praticado. É essa a razão pela qual não há como concordar, com o devido respeito, com a decisão proferida pela 3ª Turma do STJ no REsp 1.105.923/DF, rel Min. Massami Uyeda, j. un. 4.8.2009, ainda não publicado, que deixou de conhecer de apelação que, a despeito de ter sido nominada de adesiva era, em função do prazo em que apresentada, principal. Ademais, mesmo nos casos em que se constatar a ocorrência de algum prejuízo – a falta de intimação do “recorrente principal” para responder ao “recurso adesivo”, por exemplo –, a escorreita aplicação do art. 515, § 4º (v. n. 6.1 do Capítulo 5), tem a aptidão de remediá-la, possibilitando, desta perspectiva, o conhecimento do recurso.

Também por força de sua interposição derivada, os recursos “adesivos” tornam-se “subordinados”, verdadeiramente dependentes, ao “recurso principal”. É esta a razão pela qual, de acordo com o inciso III do art. 500, o “recurso adesivo” “não será conhecido, se houver desistência do recurso principal, ou se for ele declarado inadmissível ou deserto”. O juízo de admissibilidade positivo do “recurso principal”, destarte, é fator decisivo, verdadeira questão prejudicial, para o conhecimento e, se for o caso, para o julgamento do mérito do “adesivo”.

E porque se trata do mesmo recurso embora interposto em prazo diferenciado, é amplamente vencedor o entendimento no sentido de que a parte que interpôs o “recurso principal” não pode valer-se do prazo para contrarrazões para recorrer novamente, quiçá complementando as razões recursais anteriormente apresentadas, ou, no caso de haver algum fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer (v. n. 2.8 do Capítulo 3), pretender burlar a consumação daqueles pressupostos recursais negativos com a apresentação de um “recurso adesivo”.

Além das que ocupam os parágrafos anteriores, o recurso interposto adesivamente não tem nenhuma outra peculiaridade a distingui-lo das demais apelações, embargos infringentes, recursos extraordinários ou recursos especiais. Sua disciplina, como se lê do parágrafo único do art. 500, é rigorosamente idêntica à exposta pelos Capítulos 6, 9 e 11, respectivamente, desnecessários, por isto mesmo, outros comentários a seu respeito nesta sede.