Ana Dourado
Christine Dabat
Teresa Corrêa de Araújo
Pouco se sabe e pouco se fala sobre o trabalho infantil na agroindústria da cana-de-açúcar. A exploração de crianças e adolescentes nas atividades agrícolas canavieiras só recentemente passou a ser objeto de preocupação dos formuladores e executores de políticas públicas. O interesse do Estado para com os trabalhadores rurais da cana-de-açúcar como um todo remonta apenas há 35 anos, a não ser no seu aspecto repressivo, que perdurou por mais de quatro séculos.
No contexto histórico ainda impregnado pela herança escravista, os movimentos sociais no campo sempre tiveram como objetivo a melhoria da situação do conjunto da população trabalhadora rural. Nesta perspectiva, a sorte dos mais novos membros da coletividade era contemplada automaticamente no futuro comum. Tanto mais assim, que, por definição, a condição de criança e de jovem é transitória. Por muito tempo, reivindicações trabalhistas específicas à infância não apareceram em movimentos expressivos dos canavieiros, como as Ligas Camponesas ou o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais até a retomada das lutas coletivas, pois o trabalho das crianças era visto como parte integrante da força de trabalho familiar. Sendo comuns a exploração e a miséria, sofridas igualmente por todos os membros das famílias canavieiras, as lutas e as reivindicações o eram também. Presentes nas assembleias, passeatas e piquetes de greve, as crianças e os adolescentes eram considerados parte integrante da classe trabalhadora, sem distinção.
No entanto, em época mais recente, a mobilização social que resultou, em 1990, na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente contribuiu para que a situação das crianças e adolescentes trabalhadores na palha da cana se tornasse foco das ações das organizações não governamentais (ONGs) e dos órgãos públicos responsáveis pelas políticas públicas de assistência social, saúde e educação. Em Pernambuco, uma pesquisa realizada entre 1992 e 1993 pelo Centro Josué de Castro1 estimou em um quarto da força de trabalho a participação de crianças e adolescentes; 42,2% destes trabalhavam sem remuneração direta, tendo seu salário embutido no pagamento da força de trabalho do pai ou responsável.2
Apesar da proibição legal ao trabalho infantojuvenil ter sido objeto de diversos decretos e legislações, desde 18913, os resultados de uma fiscalização efetiva por parte do Ministério do Trabalho só começaram a fazer parte da realidade das crianças trabalhadoras da cana de Pernambuco muito recentemente. Os números levantados pela pesquisa do Centro Josué de Castro foram divulgados de maneira expressiva pela mídia nacional e internacional, provocando uma intensa pressão social para que os empregadores da Zona da Mata pernambucana cumprissem o Estatuto da Criança e do Adolescente. A realidade de exclusão vivida pela população infantojuvenil dessa região guarda, nos anos 1990, resquícios do sistema secular de exploração da cana-de-açúcar por meio do trabalho escravo. Assim como as crianças e os adolescentes moradores das antigas senzalas, os trabalhadores-mirins entrevistados pelo Centro Josué de Castro, em 1992, revelaram a continuidade de um ciclo de vida do qual estão excluídas condições básicas de alimentação, moradia, saúde, educação e garantias trabalhistas. No município de Ipojuca, um dos mais representativos da história colonial pernambucana, 59% das crianças e adolescentes entre sete e 17 anos, que já trabalharam no corte da cana, são analfabetos, 62% começaram a trabalhar na faixa etária que vai de sete a dez anos, 41% não recebe remuneração e a taxa de evasão escolar chega a 24%.4
Tanto em Pernambuco quanto em Alagoas, regiões tradicionais da agroindústria sucroalcooleira, talvez para fugir à fiscalização das leis definidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a preferência por crianças e adolescentes esteve presente nas usinas e engenhos de forma constante. As “características de docilidade, agilidade, baixo poder de contestação, sentimento de impotência e facilidade de demissão” foram fatores que certamente contribuíram para a utilização ilegal da mão de obra infantil nos últimos cinquenta anos da economia da cana-de-açúcar.5
Às razões dos empregadores utilizarem crianças no corte da cana somaram-se as necessidades de sobrevivência e de complementação de renda por parte das famílias que tradicionalmente trabalharam nas empresas canavieiras – até por falta absoluta de opção, sobretudo pelo monopólio da terra que os grandes proprietários sempre detiveram na região.6
Josino, oito anos, começa o trabalho às cinco da manhãpara ajudar o pai a ganhar um salário-mínimo.
Outros elementos inviabilizaram mudanças nas relações trabalhistas; ao contrário, vieram reforçar o padrão com o qual historicamente se incorporou o trabalho de crianças na agroindústria açucareira. Os senhores de engenho coloniais pagavam preços mais altos para escravos adolescentes que demonstrassem força física e vitalidade, esperando que eles tivessem uma vida produtiva mais longa. A partir dos 14 anos, o jovem escravo passava a ser classificado como adulto, incluindo-se numa faixa etária limite de cinquenta anos, quando se iniciava a velhice, nos padrões de uma economia onde o trabalho na cana já havia consumido toda a força vital do trabalhador escravo.7 As atividades desempenhadas por esses adolescentes não variaram com o decorrer do tempo, tampouco suas condições de vida, apesar dos diversos episódios de “modernização sem mudança”8 – sempre com o generoso financiamento do Estado para os proprietários – cujo desdobramento recente mais marcante foi o Programa Nacional do Álcool – Proálcool (1975).9
Tanto nas ilustrações de viajantes europeus que vieram ao Brasil no século XIX, quanto nas entrevistas e fotografias feitas com crianças trabalhadoras da cana em anos recentes, observa-se que um dos trabalhos constantes dos jovens consiste na amarração de feixes de cana, tarefa complementar ao corte efetuado tanto pelo pai ou responsável, quanto pela própria criança. Essa atividade permite a quantificação do trabalho realizado e, consequentemente, influi no total do pagamento. Com a mecanização do transporte da cana solta – cortada queimada – até o caminhão10, os trabalhadores mais novos permaneceram no corte da cana e em tarefas de semeadura e adubação. Essas atividades, aparentemente mais leves, são no entanto repletas de perigos, particularmente para organismos jovens, na medida em que comportam um contato direto com defensivos agrícolas (as sementes são embebidas de pesticidas) e outros agrotóxicos, sem mesmo os equipamentos de proteção elementares previstos pela legislação.11 Todos os canavieiros, grandes e pequenos, são familiarizados, inclusive por experiência própria, com os sintomas de envenenamento por estes produtos: os mais frequentes atingem as vias respiratórias, a pele e os olhos.
Além do mais, as populações da região como um todo são expostas direta e indiretamente aos efeitos da poluição que o uso intensivo de produtos químicos nesta atividade acarretam. Não existem estudos específicos sobre as consequências desta exposição relacionados à malformação congênita, mas os próprios trabalhadores relatam casos corriqueiros de abortos, já que as mulheres grávidas não são poupadas.
Neste contexto, a situação atual vivida por crianças e adolescentes na Zona da Mata de Pernambuco que trabalham, ou que muito recentemente deixaram de trabalhar nos canaviais, não é expressão de uma situação momentânea particular, mas é decorrente da história de pobreza que tem sua origem num modelo de desenvolvimento secular, centrado no princípio da grande lavoura e do monopólio da terra, gerando um ciclo de oportunidades perdidas.12
Além do monopólio da terra, proibindo o acesso dos trabalhadores ao principal meio de produção na região, a falta de opções educacionais concretas é um dos grandes motores de preservação desse ciclo que se reproduz, de geração em geração, nas histórias de vida dos trabalhadores canavieiros. Com efeito, a escolarização de crianças na área rural tem ocorrido de maneira desigual, ausente ou fragmentada em toda a história do país. Dados de 1867 revelam que a população infantojuvenil brasileira em idade escolar era de aproximadamente 1,2 milhão, mas a instrução primária atingia apenas 107.483 crianças, as quais, na sua grande maioria, recebiam uma educação voltada basicamente para o “ensino de leitura, escrita e cálculo, sem nenhuma estrutura e sem caráter formativo”.13
Enquanto os filhos das elites econômicas brasileiras frequentavam escolas especializadas, recebendo uma formação que os destinava a profissões liberais, as camadas populares, sobretudo no que se refere aos filhos dos trabalhadores rurais, não foram alvo de um projeto de educação consistente de âmbito nacional e, quando muito, contavam com a filantropia de alguns latifundiários que construíram escolas em seus engenhos e fazendas.
Essa ausência de uma ação nacional voltada para a educação pública estava relacionada à ideologia da classe dirigente que elegeu o trabalho como elemento dignificador dos pobres. A encíclica papal “De Rerum Novarum” (1891) serviu de inspiração para esses esforços de “modernização” social. Na passagem do século XIX para o século XX, médicos, juristas e políticos higienistas e eugenistas investiram no sentido de intervir na realidade das crianças pobres dos centros urbanos brasileiros. O fim da escravatura e o início da República marcaram, no Brasil, a construção de uma nova identidade nacional, vista pela elite política como meio de igualar o país às grandes nações europeias em um novo conceito de civilização e desenvolvimento.
Intensas discussões sobre a criança pobre aconteceram nesse período, mas os projetos dirigidos a esse público tinham muito mais o objetivo de corrigir as distorções e vícios existentes nas aglomerações urbanas do que criar alternativas socialmente equilibradas de inserção dos filhos dos trabalhadores urbanos e rurais nesse projeto de construção nacional. A alternativa para os filhos dos pobres seria a sua “transformação em cidadãos úteis e produtivos para o país, assegurando a organização moral da sociedade”14.
Com o Estado Novo e a exaltação da figura de Getúlio Vargas, “o pai dos pobres”, o Estado investiu-se da responsabilidade de regulamentar e controlar as formas de “fazer progredir o povo”, por meio de uma legislação trabalhista detalhada, mas de alcance apenas urbano-industrial. “Pobre, mas trabalhador”, pois o trabalho era considerado “o atributo de honestidade que neutralizava, em termos de honra, o estigma da pobreza”.15
No campo, a ausência de oportunidades educacionais foi ainda mais absoluta. Colocados a salvo dos distúrbios morais que proliferavam nos centros urbanos, as crianças e os adolescentes das áreas rurais não foram considerados como objetos dignos do interesse dos juristas, médicos e políticos higienistas. As leis que incorporaram regulamentações específicas à infância, no início do século XX16, deixavam de lado o trabalho rural das crianças e adolescentes, certamente porque este era considerado natural e até mesmo saudável, por acontecer, na maioria das vezes, coletivamente, entre os membros do núcleo familiar.
Por outro lado, o campo, nessa época, era visto como símbolo do atraso, em contraposição à cidade, e os trabalhadores rurais considerados uma massa homogênea, quase como mais um recurso natural de propriedade dos latifundiários. Portanto, nenhuma medida de alcance foi tomada nesse período, nem pelos empregadores, nem pelo Estado para oferecer o acesso ao conhecimento formal básico, ou seja, ao ensino primário.
O reflexo desta situação é manifesto: o analfabetismo dos adultos na Zona da Mata atinge geralmente três quartos da população rural.17 Os velhos trabalhadores canavieiros que aprenderam a assinar o nome são raros; tanto assim que a grande maioria entre eles somente votou a partir do momento em que se permitiu esse direito básico de cidadania aos analfabetos:
Ir para a escola, para um colégio, não existia isto. Escola! Por debaixo dos panos. O senhor, que sabia leitura, morava num engenho e dizia assim: – Olhe, seu fulano, eu vou botar um filho do senhor pra estudar. Pagava uma besteira.18
O privilégio – pago – de “aprender a fazer o nome”, era reservado aos mais novos, numa faixa etária considerada hoje precoce para uma boa alfabetização:
Tinha uma mulher aqui, que sabia ler; se você tinha quatro, cinco filhos, aí botava aquele menino na casa dessa fulana pra ela ensinar quem era mais pequeno. Era uma professora particular. – Eh, vocês, meninos, dois mil réis por mês. Pronto, botava lá três mil réis por mês. Só os pequenos. Gente grande não ia pra escola mais. [O entrevistado começou a trabalhar com sete anos] Ah, já tinha aprendido o que aprendeu; e o que não aprendeu, não aprendia mais. Ia aprender trabalhar de enxada.19
Criança trabalhando no canavial, formando os feixes de cana.De cinco da manhã ao meio-dia, cada criança cortacana para amarrar, em média, sessenta a setenta feixes.
Na ausência de acesso ao ensino formal, a educação ficava inteiramente a cargo dos pais e na medida de suas próprias possibilidades.
Dentro do engenho, não tinha essas escolas não. Não tinha educação não. Nem escola, não aprendia. Alguns que aprendiam em casa quando o pai e a mãe sabiam de alguma coisa, que ensinavam em casa, ele aprendia; e quando não tinha, criava-se assim mesmo. O que educava ele era o trabalho.20
Até os anos 70, os filhos de trabalhadores rurais da zona canavieira não tiveram acesso à rede pública de ensino; a aprendizagem, no ambiente privado, reduzia-se portanto a assinar o nome, no melhor dos casos; mas a iniciação ao difícil mundo do trabalho assalariado na cana-de-açúcar era imediata, irremediável.
Eu sou analfabeto [diz um velho trabalhador canavieiro], porque o ensino que meu pai me ensinou foi cortar cana; foi o que eu aprendi. Eu já sei que, o que eu aprendi, a minha orientação, foi o que o meu pai disse: “Vamos trabalhar.” Era no roçado, que era capim, era cortando cana, limpando cana, e a parada era essa.
Essa onipresença do trabalho agrícola na vida e na consciência infantil se reflete até hoje nas evocações das próprias crianças da região. Assim, durante o Primeiro Encontro de Crianças da Palha da Cana, organizado pelos Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Vitória de Santo Antão, Moreno e Jaboatão21, aproximadamente setenta crianças de menos de 14 anos tiveram a oportunidade de expressar, por diversos meios (inclusive teatrais), seus sonhos, suas aspirações: estudar, dormir, brincar! Mas, ao descrever seu dia a dia, estas crianças só representavam situações de trabalho – geralmente conflituosas – “exatamente como nós”, diziam, surpresos, os dirigentes sindicais presentes.
Desviadas da trajetória normal dos brasileiros da sua faixa etária, as crianças passam na palha da cana o tempo da infância em que deveriam estar recebendo condições adequadas de alimentação, saúde, estudo e lazer. Longe dos padrões elementares de cidadania, esses membros da comunidade nacional são expostos a situações desumanas de vida e de trabalho. Sem tempo para desenvolver uma sociabilidade normal à sua idade, eles são levados a assumir comportamentos típicos do universo adulto. Deste modo, lhes é negada a oportunidade de vivenciar a infância e as diversas fases do seu desenvolvimento, tanto na família, quanto na escola ou na sociedade em geral.
A situação desoladora das escolas no meio rural da zona canavieira tem contribuído para perpetuar uma situação de carência educacional secular. Quando existem, as escolas têm
grande número de alunos, são desaparelhadas, em muitos casos sem condições de funcionamento na época de chuvas. O ensino é precário, agravado pelo baixo preparo das professoras que lecionam para alunos da 1a, 2a e 3a séries do 1o grau.22
A repetida ausência das professoras e a falta de merenda comprometem igualmente o funcionamento destas escolas. Além do mais, o currículo escolar pouco se adequa ao universo real das crianças: o conteúdo proposto está completamente alheio ao seu mundo, fazendo com que se sintam deslocados e incompetentes. Soma-se a isto a expectativa negativa ou a omissão de um corpo docente sem motivação nem incentivo. É necessário ainda contabilizar os efeitos perversos, no desempenho escolar, de uma alimentação deficitária e do cansaço acumulado nas horas de um trabalho físico estafante, para completar o retrato de uma situação desesperadora que desemboca quase que obrigatoriamente em resultados desastrosos. Mesmo os alunos que frequentaram estes estabelecimentos por vários anos, não conseguem sequer se alfabetizar. Triste paradoxo na terra que viu o método Paulo Freire ser elaborado e aplicado pela primeira vez.
O despreparo e o distanciamento das crianças trabalhadoras ficam evidentes nos seus depoimentos:
A gente não sabe quase nada, aprende só um pouquinho, mas a professora é muito ignorante, fica gritando com a gente, ameaçando botar pra fora, expulsar, porque a gente não sabe quase nada ou aprende devagar23.
A memória viva dos trabalhadores rurais da zona canavieira traz lembranças de uma inserção extremamente precoce no mundo do trabalho. Pedro Amaro dos Santos, de 72 anos, conta: “Com sete anos já amarrava a cana de meu pai. Meu pai cortava cana. Naquele tempo, a cana era dez pedaços o feixe; era cana grossa, era por cento. Amarrava tudo num feixe e tinha os outros com as folhinhas soltas.” O trabalho era pesado e “pra valer”, pois a produção, e portanto o ganho da família, dependia dele: “Se fizesse um cem, era a diária. Sempre duzentos feixes, trezentos. Meu pai mesmo, que eu ajudava muito ele, era trezentos feixes, quatrocentos, todo dia.”24
O trabalho das crianças e dos adolescentes era banal, correspondia a uma realidade histórica com a qual não tinha sido possível romper: “Todo mundo que era menino trabalhava”. O dia de trabalho era longo, até para adultos: “A gente pegava no trabalho, era de cinco horas às seis da tarde.”25
A generalização da atividade profissional das crianças e dos adolescentes fazia parte de uma estratégia forçada de sobrevivência do grupo familiar. A questão crucial era, e permanece, a luta contra a fome. E, nesse sentido, a participação de cada um, por mínima que seja, pode fazer toda a diferença entre manter-se vivo e morrer por inanição. As taxas de desnutrição, mortalidade infantil, esperança de vida (46 anos atualmente) e morbidade são testemunhos da gravidade do problema.
No auge do movimento social na região, no fim dos anos 50, começo dos anos 60, as reivindicações tanto das Ligas Camponesas quanto do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR) objetivavam, em primeiro lugar, o reconhecimento da categoria profissional como um todo e de seus direitos mais elementares: proteção trabalhista de base, salário-mínimo etc. O Estatuto do Trabalhador Rural (1963) marcou o início da extensão ao mundo rural – vinte anos após a CLT – destas garantias elementares. Com a agitação social dos anos 50 e 60 no campo e a atuação conjugada das Ligas Camponesas e do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais nascente, exigiu-se o respeito às disposições mais importantes desta lei, em particular a percepção do salário-mínimo, as férias, o repouso semanal remunerado, décimo terceiro mês e indenização em caso de demissão sem justa causa.26 A recente criação de juntas de conciliação e julgamento em áreas geográficas mais acessíveis e o papel importante dos sindicatos de trabalhadores rurais na defesa destes direitos fizeram com que a legislação trabalhista brasileira, há decênios garantida aos trabalhadores urbanos e industriais, se tornasse efetiva – mesmo parcialmente – para os trabalhadores da cana. Familiarizados com estes “direitos” pela proximidade do mundo industrial no campo – ou seja, as usinas – eles consideram que seus direitos foram, então, não criados, mas “descobertos” ou “desengavetados”27. Os trabalhadores canavieiros recordam com precisão e até emoção este período que finalmente lhes deu visibilidade e direitos básicos como trabalhadores. Esta transformação abrange naturalmente as crianças, na medida em que a lei trabalhista as protege – a CLT já proibia o trabalho de menores de 14 anos e o Estatuto do Trabalhador reitera esta cláusula. O direito à aposentadoria veio (de forma reduzida em relação a seu equivalente urbano) apenas em 1971.
José Ilton, três anos. Muitas vezes crianças aindamuito pequenas acompanham os pais no canavial.
A outra grande linha de luta era a terra, a reforma agrária. Portanto, nos documentos que sobreviveram aos tempos difíceis subsequentes, constata-se grande preocupação para com esses direitos básicos, o que nós chamaríamos talvez de cidadania elementar. Nela, estava juntamente explícita a reivindicação do acesso à educação, tanto para os adultos quanto para as crianças. Assim, a “Cartilha do trabalhador do campo” (cap. iv), de Francisco Julião, mentor das Ligas Camponesas, encoraja os trabalhadores rurais a juntarem-se aos sindicatos, no intuito, entre outros direitos, de obter assistência médica e dentária, proteção à maternidade e “escola para teus filhos.” Muitos outros textos das Ligas Camponesas evidenciam a necessidade de lutar contra o analfabetismo28. Na “Carta de alforria do camponês”, Francisco Julião associa esta reivindicação a uma dimensão política imediata: no capítulo vii, que trata do “voto para o analfabeto”, ele argumenta:
Com esse voto tu mudarias a face do Parlamento... Com o teu voto tu farias nascer escolas por toda parte. Para ensinar os teus filhos. E tu também aprenderias a ler. Com o teu voto viria uma lei humana e justa para o campo.29
Da mesma forma, as reivindicações mais frequentes nos documentos do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais mencionam a assistência médica e dentária e o direito à escola. A questão do trabalho infantil puramente não aparece, pois era concebida como parte do destino da família, ou aliás, da classe trabalhadora rural como um todo. A oportunidade de evitar a brutalidade do trabalho canavieiro para seus filhos viria por meio da melhoria da vida dos pais, situação ideal onde estariam incluídos salários dignos, acesso à terra via reforma agrária, o cumprimento da Lei do Sítio, garantia de escolas públicas, de assistência médica etc. Não se imaginava, então, tentar resolver a situação de uma parte apenas da categoria, deixando as demais no “sofrimento” e na “injustiça”. Portanto, não é por falta de consciência ou de desejo de tirar as crianças dos canaviais que tal reivindicação não aparece. Mas a conquista de um projeto social – e político – global, que viesse a atingir a população trabalhadora como um conjunto, teria por efeito imediato a realização deste desejo profundo de todos os pais canavieiros: retirar as crianças da cana.
Um exemplo dessas expectativas é fornecido pela Cooperativa Tiriri, no município do Cabo, em Pernambuco. Na etapa inicial, antes do golpe militar de 1964, ela constituiu um laboratório social e político, montado sob a orientação de militantes e simpatizantes do Partido Comunista Brasileiro, por meio da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).30 Com a preocupação de manter uma eficiência produtiva máxima, os trabalhadores membros decidiram, como lhes era doravante facultado, manter a organização do trabalho nos moldes anteriores à fundação desta cooperativa de produção, abrangendo quatro engenhos. No entanto, a primeira medida que tomaram foi retirar as crianças da palha da cana, embora isto constituísse uma perda de ganho em termos de unidade familiar.31 Da mesma forma, a unanimidade imediata dos cooperados se fez em torno da questão das escolas: “Eles queriam escolas para seus filhos.”32 A primeira tarefa que ocupou os membros da cooperativa foi a construção de escolas em todos os engenhos.
Desde os primórdios na agricultura canavieira, as tarefas consideradas mais “leves” são preferencialmente reservadas aos mais novos:
Com sete anos, eu ajudava, semeava, ganhava um cruzado pra semear uma conta; cada conta era um cruzado. Eu ficava mais para semeação de cana; era menino. Depois o administrador tirou eu pra pastorar boi; eu fiquei maiorzinho, aí tinha uma burrinha lá, pequena, aí ele disse: – Você vai cambitar. Tá certo. Eu não sei cambitar, não. Mas eu disse: – Vamos embora; botei cangalha na burra, fui pra lá, fui pra cá. Ele começou a me ensinar: bata ali, cai aqui o feixe de cana e ia embora.33
Nas entrevistas realizadas junto a trabalhadores rurais morando na ponta de ruaa, os relatos mostram que para a metade deles, a estreia na palha da cana se dava antes dos dez anos. Com 13 anos, mais de dois terços já “pegavam no serviço” como os adultos e só uma pequena minoria esperava a idade legalmente autorizada de 14 anos para entrar no mundo do trabalho. A presença de crianças e jovens adolescentes trabalhando como canavieiros era tão comum que os juízes do Trabalho passaram a tratá-los como tais: trabalhadores por inteiro, aceitando suas queixas e julgando-as sem que a precocidade do envolvimento trabalhista desses empregados-mirins fosse um argumento que invalidasse suas reivindicações.34
O grupo familiar trabalhava junto, embora o salário fosse individual e medido como tal, levando em consideração o sexo e a idade, além da quantidade de trabalho exigida. Os mais antigos se lembram com precisão de sua infância:
O salário... quando eu comecei a trabalhar, um homem ganhava seis mil réis, a mulher ganhava cinco e o menino quatro, o que mais trabalhasse. O que trabalhasse menos ganhava dois; 1,500. Tinha diária nessa época, existia diária; a diária começava às seis até as seis!35
Desde a época da escravidão, a presença de mulheres no trabalho da cana foi sempre constante, inclusive aquelas ainda muito jovens:
Mais ou menos 12 anos acima já começava a pegar na ticuca. Conheci muitas que, coitadas, ia pra ticuca, tirava aquela ticuca quando chegava em casa, o pai dizia: é o seguinte: “olhe, minha filha, tem uma conta de roça pra limpar. Você só vai almoçar quando tirar aquela conta”; a pobre ia fazer os pés, aonde por uma parte, era bom. Mas por outra, era o sofrimento também.36
Em certas famílias, as mulheres só trabalhavam no eito em caso de necessidade absoluta, sobretudo quando da doença ou morte do chefe de família. As meninas ficavam geralmente com as mães para cuidar do roçado, das criações, além do trabalho doméstico. Nenhuma delas era empregada, segundo estes trabalhadores, nas tarefas internas à casa-grande.
As moças ficavam para tomar conta da casa e cuidar do roçado. Era criar, os que podiam criar, compravam um garrote, uma garrota pra criar e criava. Quem não podia, comprava uma cabrazinha. Quem queria assim, continuava. Mas que as minhas irmãs nunca trabalharam em corte de cana, não, porque o velho, meu pai, é um cabra de muita luta.37
Embora o salário fosse calculado individualmente, o pagamento era efetuado junto ao chefe de família, que assumia o contrato coletivo de seu grupo frente ao empregador:
Eu ganhava, mas saía tudo num bolo só; eu não tinha direito a receber o dinheiro; quem recebia era meu pai; se eu trabalhasse quatro ou cinco dias na fazenda, meu pai é quem recebia.38
Isto se traduziu por uma precariedade maior para os dependentes do chefe de família, na medida em que sua sorte era absolutamente solidária. Como morador, o pai assumia a responsabilidade de satisfazer as exigências do proprietário – inclusive com a participação produtiva dos outros membros –, bem como garantia a estabilidade da família. Então, seu desaparecimento ou sua incapacidade para o trabalho, levavam corriqueiramente à expulsão do grupo da propriedade, perdendo além de moradia sua fonte de renda. Da mesma forma, alguma desavença de um membro da família com as autoridades da plantação, colocava o grupo em situação de ostracismo ou até mesmo de perigo.
José Cícero, 12anos, cortando canacom a foice,um instrumentoresponsável por82,4% dos acidentesenvolvendo criançase adolescentesnos canaviais.
À solidariedade de fato muito forte no seio do grupo familiar, acrescenta-se, portanto, uma comunhão de destino, imposta pelo sistema de relações de trabalho existente. Se o pai é membro do sindicato, os filhos podem ser privados de emprego, independentemente de sua própria atitude. Se um dos familiares encontra-se envolvido num conflito com o cabo, administrador ou proprietário, os demais componentes da família podem também ser expostos a situações de risco e optam, muitas vezes, por uma saída rápida da empresa para evitar maiores problemas. Preferem enfrentar o perigo de ficarem desabrigados, andando pelas estradas à procura de um emprego, com crianças e velhos passando fome, do que permanecer expostos à violência patronal até hoje praticamente impune.
A memória coletiva, inventariando os casos mais sérios, às vezes fatais, banalizados pela frequência, impõe tal decisão. Nesse contexto, as crianças são, muitas vezes, vítimas passivas e têm seu mundo habitual transtornado de uma hora para outra; elas sobretudo sofrem os azares da estrada, na busca de uma sobrevivência incerta em outro engenho ou numa ponta de rua. Mas elas podem também desencadear tragédias, caso peguem bananas para matar a fome sem autorização, atravessem área proibida de um engenho ou plantação vizinha etc. Episódios como estes, cujo motivo parece inócuo ao observador estranho ao mundo dos canaviais, já colocaram em risco a vida de trabalhadores: tanto da própria criança, quanto do seu responsável.39 Por conta da grande vulnerabilidade das famílias de trabalhadores rurais nos assentamentos, particularmente os mais recentes, as crianças estão sempre entre as primeiras vítimas, inclusive das agressões, tanto de armas convencionais40 quanto daquelas oriundas da “guerra química”, quando jagunços dos grandes proprietários aliam o uso da espingarda à aspersão de agrotóxicos para destruir as culturas alimentícias dos assentados.41
Tais abusos, bem como o simples emprego da mão de obra infantil, são dificilmente apurados por meio de mecanismos legais que incriminem e punam os patrões. O Estado brasileiro, em seus diversos níveis, tende a mostrar-se muito benevolente com as classes chamadas de “produtoras”, ou seja, os proprietários dos canaviais. No que se refere aos trabalhadores, o Estado manifestou por muito tempo exclusivamente seu lado repressivo. Como já foi mencionado, a legislação trabalhista urbana-industrial brasileira limitou, desde cedo, o trabalho dos adolescentes e proibiu aquele das crianças.
Porém, no caso do campo, o atraso trabalhista se manifestou também nesta área. Até o Estatuto do Trabalhador Rural (1963)42, o assalariado agrícola não tinha realmente um amparo legal protegendo seus direitos. Neste contexto, o período que seguiu o golpe militar de 1964 resultou num retrocesso que só não foi absoluto pela permanência – embora muitas vezes sob intervenção – dos sindicatos de trabalhadores rurais. Isto permitiu um renascimento das lutas sociais coletivas na época da abertura política, com as greves e a convenção coletiva de trabalho de 1979.
A fiscalização mais efetiva, por parte da Delegacia Regional do Trabalho, em Pernambuco, também iniciou-se com a abertura política de 1979. Mesmo então, foram muitas as dificuldades encontradas pelos fiscais para fazer cumprir a lei, no que se refere, entre outros, aos abusos da exploração do trabalho de crianças e adolescentes nos canaviais. Os trabalhadores rurais ligados aos sindicatos começavam a vislumbrar a possibilidade de criar alternativas de vida para os seus filhos, mas tiveram que lutar contra a tradição dos empregadores. Os relatos de lideranças mais antigas do movimento sindical revelam as estratégias utilizadas pelos donos de engenhos, para esconder as crianças e adolescentes que trabalhavam quase sempre em regime de semiescravidão.
Os fiscais se acostumavam a aceitar as desculpas dos empregadores e não puniam as usinas e refinarias. Os donos de engenho mandavam os meninos se esconderem no canavial quando chegava a fiscalização ou até o carro do sindicato. Então só se encontrava cinco ou seis meninos, onde tinha realmente quarenta ou cinquenta. Outro problema eram os empreiteiros, que serviam como intermediários pelo emprego das crianças. Eram pobres e não acontecia nada. Esses “gatos” eram utilizados tanto por senhores de engenho quanto por usineiros, para desrespeitar os direitos trabalhistas. Nem o trabalhador-mirim, nem o adulto, teria vínculo com a usina, só com os “gatos”, que não podiam pagar nada de multas ou indenizações. Esse sistema lesou muitos dos trabalhadores.43
Ainda na época da escravidão, a existência de uma economia paralela e complementar à do açúcar, baseada na produção de alimentos, em terras cedidas à margem das plantações de cana, abastecendo mercados locais além das próprias famílias produtoras – os escravos –, foi batizada por estudiosos de “brecha camponesa”.44 Após a abolição da escravatura, sua extensão a boa parte da mão de obra doravante assalariada permitiu a sobrevivência de famílias de trabalhadores com salários irrisórios. Ao mesmo tempo garantiu, em reduzida medida, uma experiência comum de vida camponesa a um proletariado rural historicamente isolado de suas raízes campesinas. As atividades produtivas eram realizadas pelo conjunto do grupo familiar, cada um na medida de suas capacidades físicas e técnicas, o que constituía também uma possibilidade de aprendizagem de gestão de uma unidade de produção, por mais reduzida que fosse; de técnicas agrícolas para culturas diversas de raízes, legumes, frutas etc.; de técnicas de armazenamento e transformação (da mandioca, por exemplo); de conhecimentos diversificados para a pequena criação permitida no âmbito do engenho (para os moradores de condição) ou praticamente livre (para os foreiros). Ou seja, além de trabalharem no eito, junto ao seu pai, os meninos e as meninas aprendiam as bases da atividade agrícola na medida em que a família constituía também uma unidade de produção camponesa.
Mas isto ocorreu de forma muito precária, como explica o geógrafo Manuel Correia de Andrade:
o escravo que se viu liberto de uma hora para outra, sem nenhuma ajuda, sem terras para cultivar, sem assistência dos governos, sentiu que a liberdade adquirida se constituía apenas no direito de trocar de senhor na hora que lha aprouvesse.45
Bem nomeada, a brecha camponesa, em terras cedidas apenas provisoriamente do ponto de vista legal, nunca ganhou a perenidade de uma efetiva propriedade. Pelo contrário, a tendência histórica do século XX, em particular da sua segunda metade, foi a privação deste acesso limitado à terra, com a expulsão dos trabalhadores rurais dos engenhos para as “pontas de rua”.
Até então, o primeiro local de trabalho das crianças era precisamente o pequeno lote cedido ao pai: “Quem cuidava da roça era a gente mesmo, era. Trabalhava na fazenda seis dias e cuidava do roçado.”46 Os mais novos trabalhavam na roça com a mãe, os mais velhos só quando terminavam as tarefas de corte ou amarração da cana. Esse esforço, somado ao do trabalho assalariado propriamente dito, garantia em regra geral apenas uma barriga menos vazia, uma fome enganada com macaxeira e farinha de mandioca.
Pequeno trabalhador aplicando agrotóxico sem proteção alguma.
Esta situação de extrema miséria e dependência da mão de obra rural na zona canavieira permanece até hoje. Nenhuma mudança estrutural veio afetar a condição deste proletariado agrícola, a não ser a perda do acesso à terra cedida, o sítio e o roçado. A presença crescente das usinas no decorrer deste século, mas sobretudo a modernização da atividade com os grandes programas financiados pelo governo, tenderam a piorar a vida dos trabalhadores relativamente mais abastados. A luta dos foreiros, em particular, nos anos 50 e começo dos anos 60, evidenciou-se com as Ligas Camponesas. Sua derrota brutal, com o Golpe Militar de 1964, afetou a região como um todo, na medida em que a produção alimentícia, abastecendo os mercados locais, desenvolvia-se em boa parte nas terras que eles perderam, geralmente sem indenização pelas benfeitorias. Eles foram reduzidos à condição mais submissa e precária da massa dos assalariados, moradores de condição, trabalhadores do eito. Seus filhos, portanto, perderam a relativa estabilidade de uma vida familiar mais protegida, menos exposta aos ditames do proprietário e sobretudo dos seus prepostos; perderam também o relativo conforto alimentar e o aprendizado, junto ao pai, da gestão de uma pequena fazenda, embora em terra alugada. A queda de estatuto, de foreiro para assalariado, privou por consequência a sociedade regional de um contingente, renovado a cada geração, de pessoas competentes para a produção de alimentos.47
Filhos de moradores, talvez netos de foreiros, os jovens de hoje perdem progressivamente o conhecimento da agricultura que seus pais adquiriram no trabalho diário na roça familiar. Morando na ponta de rua ou em pequenas aglomerações da zona canavieira, sem acesso à terra, mesmo restrito, as crianças e os adolescentes são completamente isolados do mundo rural, a não ser nas tarefas estritamente parcelizadas da cultura canavieira. Este paradoxo é tanto mais evidente nas áreas de assentamento, onde é necessário que se providencie, mesmo informalmente, uma aprendizagem elementar da agricultura de base para os mais novos integrantes. Criados na ponta de rua, oriundos do emprego na cana em tarefas específicas, sem conhecimento empírico nem teórico da agricultura, certos jovens assentados não conseguem sequer plantar corretamente uma maniva de mandioca.
As aspirações dos pais para seus filhos e netos são a dimensão clara da dureza da vida que lhes é imposta. Em resumo, diz José Francisco da Silva, 64 anos, de Igarassu: “Desejo pra meus filhos é ter outra vida melhor do que a minha.”48
A grande maioria dos pais entrevistados49 têm ambições urbanas; os mais esperançosos sonham com um futuro de “doutor”; boa parte desejam um emprego de assalariado “mais limpo” e estável (bancário, funcionário público, professora, comerciário) contando com vantagens e segurança. Eles são conscientes da necessidade de formação para tais setores, o que resulta em preferência ou esperança de uma residência urbana, que ofereceria mais acesso à escola para seus filhos, e maiores perspectivas nesta trajetória social. Esses depoimentos revelam uma rejeição marcada pela vida que levaram: “tudo menos canavieiro!” afirmam – embora sejam eles mesmos filhos de trabalhadores da cana-de-açúcar. Apenas uma fração mínima dos pais vislumbra um futuro rural, todavia apenas em condições de agricultor autônomo. Esta aspiração evidencia-se claramente na fala de pessoas que trabalharam a vida toda nos canaviais, pois para seus filhos desejam:
Que eles tivessem terra, tivessem escola pra poder se criar; que tivéssemos direito a médico; que tivessem direito a tudo que era pra eles se criarem e aprenderem alguma coisa, pra quando fosse na velhice não estar que nem eu50,
diz um velho delegado sindical de Rio Formoso, trabalhando na cana desde os oito anos de idade. Seus filhos tiveram que migrar
pra não morrer de fome, o patrão não dava mais serviço a eles porque eu sou delegado, porque eu sou do sindicato. Quem é do sindicato agora não tem direito de se fichar mais, entonces eles se desabaram pelo São Paulo, estão até vivendo, de vez em quando eles escrevem que tão vivendo até melhor do que aqui. Mas tão longe da família!... Então, ficam os pais e as crianças; e os filhos jovens vão embora.51
Embora desejada, na medida em que dá potencialmente acesso à escola e aos serviços médicos, essa migração para a cidade está, segundo os depoimentos, repleta de perigos; além de perder a terra, a família canavieira encontra-se dispersa em locais de trabalho diversos, sem a proteção e orientação do grupo, fadada, muitas vezes, à marginalização: “Vão embora tudo, as filhas vão embora; às vezes pra cidade, trabalhar nas cozinhas dos outros”, afirma um velho trabalhador canavieiro, lembrando a falta de oportunidades de emprego, a ausência de formação profissional e as condições de trabalho nem sempre vantajosas.
Eu tenho duas filhas que são empregadas domésticas, estão pra lá, tão empregadas; passam dois, três dias sem vir, trabalham lá por uma boia, para um casal. Não têm uma hora de serviço na carteira, já faz dois anos que trabalham, não têm uma hora de serviço. E trabalham mais nesta casa do que aqui.52
Os depoimentos dos pais são reforçados pelos das crianças:
Eu sonho em poder deixar de cortar cana... Se pudesse deixar de cortar cana, pra mim esse sonho já bastava. Trabalhar na cana é muito ruim, mas é o que faz toda moça que vive aqui. Eles [os donos da terra] pagam muito pouco pelo trabalho no corte da cana. O dinheiro que a gente ganha não dá pra quase nada... Carne, nem pensar, e se tiver menino pequeno [risos] é que não dá mesmo...53
O mercado de trabalho na região, até nas áreas urbanas, é extremamente limitado, pois a atividade sucroalcooleira sempre monopolizou as terras, as energias, os projetos de desenvolvimento. Nenhuma alternativa concreta foi oferecida até hoje no local, além da cana. A vulnerável “indústria do turismo” está atualmente apontada como uma saída para o emprego dos jovens. Mas de criança canavieira analfabeta e subnutrida a membro do seleto elenco poliglota de empregados de um hotel internacional cinco estrelas, há uma distância difícil de vencer. Tanto mais assim que poucas providências estão sendo tomadas para colocar uma formação profissional de qualidade ao alcance dessas crianças.
Com o agravamento da situação do emprego e a crise de certas usinas, além da “flexibilização” da legislação trabalhista que fragiliza cada vez mais a posição do assalariado, o objetivo urbano parece diminuir. Atualmente, os trabalhadores anteveem outras possibilidades de sobrevivência, no campo mesmo. A onda de ocupações e assentamentos que abrange toda a região canavieira de Pernambuco, talvez mais do que as promessas governamentais, faz aparecer outras possibilidades para um futuro melhor: “Gostaria que meus filhos vivessem bem, com sua casinha para morar primeiro; que cada um tivesse seu pedacinho de terra, que dissesse: é meu!” Esta posição dos trabalhadores é cada vez mais frequente e firme: o que eles desejam para seus filhos e netos é “a terra, para eles trabalhar, plantar. O futuro do pobre é plantar mesmo. Na terra sua. Na terra dos outros, só dá confusão.”54
Contra a fome, o desemprego, os problemas envolvendo violência patronal, o desterro precário “em São Paulo”, as ameaças físicas, morais e financeiras que rondam as famílias que se mudaram para a cidade, os velhos canavieiros veem hoje apenas uma saída:
Terra, que é pra mode poder plantar e ele ficar; ali, naquela terrinha pra plantar, mas ser dele! Terra!... Terra! Pra meus filhos trabalharem e serem libertos. É, terra! Pro mode eles ficarem no lugar deles e dizer: “Aqui é meu! Quem manobra sou eu! Foi a autoridade que me deu e primeiramente Deus.” É isso.55
Prezando muito o estudo e a formação profissional, alguns pais procuram combinar essas duas aspirações:
Para meus filhos eu desejaria um crescimento, um desenvolvimento, tanto que eles trabalhassem na terra, como que pudessem se desenvolver para chegar a ser até um agrônomo ou uma pessoa que tivesse condição de tanto trabalhar na terra, como ensinar, ou um professor que pudesse desenvolver as expectativas do Brasil.56
Crianças esperam distribuição de tarefas na frente de trabalho.
A partir da mobilização da sociedade civil que resultou na concepção de infância e de adolescência presente no artigo 227 da Constituição Federal de 198857 e na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o trabalho infantojuvenil passou a ocupar a pauta da mídia nacional e internacional e, consequentemente, foi sendo incorporado na elaboração e execução das políticas públicas. Os anos de 1993 e 1994 simbolizam marcos importantes na cronologia da “visibilidade” de milhões de crianças e adolescentes trabalhadoras desse país. Foi nesse período que a existência de pelo menos 7,3 milhões de trabalhadores de dez a 16 anos foi revelada ao público pelos órgãos de comunicação. As manchetes dos jornais se juntaram aos documentários de tv específicos sobre o tema, para estampar a dura realidade desses trabalhadores invisíveis, que passaram parte de suas vidas nas carvoarias do Mato Grosso do Sul, nos canaviais de Pernambuco ou nas indústrias de calçados de Franca, em São Paulo.58
As histórias de vida das crianças e adolescentes trabalhadores da cana foram divulgadas em todo o país, servindo de inspiração para a elaboração de políticas públicas e de campanhas de combate ao trabalho infantojuvenil. Carlos Adriano, que trabalhou na palha da cana desde os sete anos de idade, teve seus sonhos divulgados em vídeo:
O que eu sonho?... Eu sonho é ter vida boa, andando de bicicleta pelo mundo todo. Ler eu não sei muito não. Mas já sei escrever o meu nome, da minha mãe, dos meus irmãos... Um dia eu me cortei, saí de casa sem comer e quando levantei o facão para cortar a cana... ele cortou foi minha mão. Foi um corte feio, levei cinco pontos, mas não deixei de trabalhar não.59
Os relatos sobre as infâncias perdidas nas carvoarias e canaviais serviram de ponto de partida para a elaboração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. Uma experiência piloto foi iniciada em 1996, no Mato Grosso do Sul, por meio de uma ação direta com os trabalhadores das carvoarias menores de 14 anos. As famílias das crianças e adolescentes selecionadas pelo programa passaram a receber um auxílio financeiro de R$ 50,00 chamado de bolsa-escola, na condição dos pais garantirem a frequência dos seus filhos à escola. Em 1997, o programa foi estendido para os canaviais de Pernambuco onde, segundo a pesquisa já citada do Centro Josué de Castro, trabalhavam cortando, limpando ou amarrando a cana-de-açúcar, cerca de sessenta mil crianças e adolescentes, algumas menores de cinco anos de idade.
A ação do Programa Brasil Criança Cidadã recebeu alguns ajustes em Pernambuco, a fim de atender a algumas das necessidades específicas das famílias dos trabalhadores canavieiros. O Projeto Mão Amiga, como foi chamado até o final de 1998, foi previsto em duas etapas, uma iniciada em fevereiro de 1997, cujo fim era direcionar a bolsa-escola para aproximadamente trinta mil crianças e adolescentes de 13 municípios da Zona da Mata e uma segunda fase, ampliando a abrangência da concessão da bolsa para cem mil crianças de 53 municípios da mesma zona geográfica.A ideia, em Pernambuco, era não apenas atender os menores de 14 anos que trabalharam em algum momento no corte da cana, mas também evitar a iniciação precoce no mundo do trabalho de crianças e adolescentes que vivem na área rural dos municípios da Zona da Mata. Porém, com essa opção, foram deixadas de fora do programa as famílias dos trabalhadores rurais que migraram para a periferia dos municípios da Zona da Mata pernambucana. Expulsos de suas terras nas últimas décadas, esses trabalhadores vivem hoje em piores condições socioeconômicas que aqueles que ainda permanecem na área rural, que podem, ao menos, plantar algo para a sobrevivência. Não há, portanto, razões convenientes para essas famílias que habitam a chamada ponta de rua terem sido excluídas de um programa que tem por princípio afastar as crianças e adolescentes do risco de inserção precoce no mundo do trabalho.
Apesar da comprovada melhoria na vida das famílias das 27 mil crianças e adolescentes beneficiadas até setembro de 1998 pelo Programa Brasil Criança Cidadã, em Pernambuco, problemas diversos ainda comprometem suas estratégias gerais. A complexidade socioeconômica da Zona da Mata açucareira, atrelada à falta de vontade política dos governantes, têm provocado o fracasso de uma série de projetos de desenvolvimento para a região. Para os representantes das organizações não governamentais (ONGs), reunidos no Fórum de Articulação de Entidades da Mata Sul, esses projetos, na maioria das vezes, não saem do papel por causa do antagonismo existente entre os interesses conflitantes que separam os empresários dos movimentos e instituições ligados à luta pela terra.
Existe um cenário de disputa, pois de um lado o empresariado aposta na retomada do Proálcool como alternativa para manter a atual estrutura fundiária da Zona da Mata. De fato, a concentração de terras ainda está sendo mantida, pois os usineiros esperam a volta do Proálcool. Por outro lado, os trabalhadores rurais lutam pela democratização do acesso à terra e pela diversificação produtiva da região, que tradicionalmente foi explorada através do monopólio da cana-de-açúcar.60
Sem coragem ou vontade política para tomar posições mais definidas diante desse impasse, os governos em todos os níveis (federal, estadual e municipal) têm apenas conseguido aliviar a situação de miséria dos trabalhadores canavieiros por intermédio de intervenções paliativas, fadadas a tornarem-se insustentáveis a longo prazo. Dados fornecidos pela Secretaria de Ação Social do Estado de Pernambuco61, e confirmados por representantes das ONGs, mostram que uma grande parcela da população da Zona da Mata não consegue suprir suas necessidades básicas por meio do trabalho, seja individual ou familiar. A saída para esse enorme contingente de miseráveis tem sido a de contar com os programas emergenciais do governo, desde a bolsa-escola até a distribuição de cestas básicas. Por enquanto, a eficácia desses programas só está sendo medida no que se refere a essas ações imediatas, desenvolvidas para garantir a sobrevivência básica dos agricultores e moradores das periferias. As políticas voltadas para mudanças estruturais e para a criação de alternativas de inserção social da população ainda não conseguiram se efetivar.
No que se refere às crianças que trabalharam no corte da cana-de-açúcar, todas elas sonham com a permanência e ampliação do Programa Brasil Criança Cidadã, para que a bolsa-escola seja mantida e elas não tenham que abandonar os estudos e voltar ao trabalho. A esperança de uma vida adulta diferente da vida de seus pais está presente nas atuais reivindicações dos beneficiados pelo Programa Mão Amiga, em Pernambuco. Reunidos em agosto com ONGs que estão avaliando as ações do programa, cerca de cinquenta crianças e adolescentes mostraram ter lucidez e compreensão suficientes para apresentar as fragilidades das ações até então desenvolvidas pelo Mão Amiga. Se por um lado acreditam que a educação é a chave para um futuro profissional, as crianças apontam a má qualidade da escola rural e a falta de cursos profissionalizantes adaptados à realidade econômica da região como os dois principais entraves para o sucesso desses jovens na disputa por um lugar no mercado de trabalho.
Enquanto não se criarem possibilidades concretas de os filhos de trabalhadores rurais se igualarem às crianças das classes médias nas oportunidades de uma educação mais avançada, a escola rural deve ser melhorada. É preemente que sejam oferecidos meios acadêmicos e financeiros para compensar as etapas do processo de aprendizagem que foram perdidas pelas crianças e adolescentes trabalhadoras do campo, inclusive permitindo-se o acesso aos níveis superiores de ensino. Necessita-se, sobretudo para os adolescentes semi ou totalmente analfabetos, de programas específicos que permitam a recuperação do tempo escolar perdido, com meios didáticos que respondam adequadamente a tamanho desafio, valorizando sua experiência devida.
As afirmações das crianças e adolescentes que participaram da avaliação do Programa Mão Amiga, em Pernambuco, podem até carregar um certo pessimismo, pois nos lembram o enorme universo de problemas que ainda terão de ser superados na construção de possibilidades concretas de inserção social dos filhos dos canavieiros de Pernambuco. Mas, por outro lado, ao escutar ideias tão coerentes, ditas com tanta segurança por pessoas tão jovens e já tão marcadas, temos a sensação de que algo mudou nessa parte do Brasil. Olhando para o passado de tantas gerações de cortadores de cana que perderam sua infância nos canaviais, vemos o quanto é difícil encontrar o registro do que eles pensavam e diziam, quando eram crianças. Hoje, esses “trabalhadores invisíveis” não precisam mais correr em meio às plantações de cana-de-açúcar, para esconder a exploração da qual foram vítimas durante cinco séculos. Suas vozes estão sendo ouvidas e sonhos tão simples como o de “viver muitos e muitos anos para estudar e ser professora”62 podem virar realidade, pois suas vidas não serão mais ceifadas na rapidez dos golpes da foice, como era no passado.
a Área da periferia dos municípios da Zona da Mata pernambucana, com ausência total de infraestrutura.
1 “Os Trabalhadores Invisíveis – Crianças e Adolescentes dos Canaviais de Pernambuco”, Centro Josué de Castro, 1992/1993. Pesquisa financiada pela ong britânica Save the Children Fund (UK).
2 Centro Josué de Castro, op. cit., p. 33.
3 Segundo Evaristo de Moraes (1905), o Decreto 1.313, de 1891, “dispunha que os menores do sexo feminino de 12 a 15 anos e os de sexo masculino de 12 a 14 anos só poderiam trabalhar, no máximo, sete horas por dia, não consecutivas, de modo que nunca excedesse de quatro horas de trabalho contínuo; e os do sexo masculino de 14 a 15 anos, até nove horas por dia, nas mesmas condições. Os menores aprendizes que nas fábricas de tecidos poderiam ser admitidos desde oito anos só trabalhariam três horas”. Citado por Tânia da Silva Pereira in Direito da criança e do adolescente – Uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, Apoio Unicef. 1996. p. 328.
4 Iolanda Huzak e Jô Azevedo. Crianças de fibra. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1994.
5 Jornal do Commércio, Recife, 1/8/96. Entrevista como médico Álvaro Vieira de Melo, participante da pesquisa do Centro Josué de Castro, op. cit.
6 Propriedades de cem ha e mais: elas ocupam em média regional perto de 70% da área considerada pelo Incra, e em nove municípios mais de 90%. Christine Rufino Dabat, “A Terra-Privilégio. Estudo sobre a estrutura fundiária na zona canavieira de Pernambuco”, Anais do Encontro de Geografia Agrária, Rio de Janeiro, ufrj,1990, p. 133-150. Ver também Manuel Correia de Andrade. “A propriedade da terra e a questão agrária em Pernambuco”. In: andrade, Manuel Correia de, redwood iii, John e fiorentino, Raul. A propriedade da terra e as transformações recentes na agricultura pernambucana. Recife, mdu, ufpe, maio de 1982, p. 4.
7 Stuart Schwartz. Segredos internos engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 288.
8 Expressão cunhada por Peter Eisenberg, que descreve muito apropriadamente a ausência de ação pública no que diz respeito aos aspectos sociais na região, enquanto que vultosos apoios financeiros aos empresários eram concedidos pelas autoridades públicas. Modernização sem mudança. A indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
9 Marcelo Paixão. Os vinte anos do proálcool: as controvérsias de um programa energético de biomassa. Rio de Janeiro: Fase, s.d.
10 Espedito Rufino de Araújo. O Trator e o ‘Burro sem Rabo’. Consequências da modernização agrícola sobre a mão de obra na região canavieira de Pernambuco – Brasil. Genève, IUED (mimeo), 1990.
11 Idem p. 270 et ss.
12 “Os trabalhadores invisíveis”, op. cit.
13 Fernando de Azevedo. A cultura brasileira. Brasília/Rio de Janeiro: unb/ufrj, 1996, p. 561.
14 Irene Rizzini. “Crianças e menores do pátrio poder ao pátrio dever – Um histórico da legislação para a Infância no Brasil (1830-1990).” In: piloctti, Francisco e rizzini, Irene. A arte de governar crianças – a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Montevideo/Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Niño/Editora Universitária Santa Úrsula/Amais Livraria e Editora, 1995.
15 Angela de Castro Gomes. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2. e. 1994, p. 208.
16 O Código de Menores de 1927 é a legislação mais importante da primeira metade do século XX, tratando especificamente sobre a infância. A introdução de um capítulo sobre o trabalho infantil foi uma das principais contribuições dessa lei que estabelece a proibição do emprego de menores de 12 anos em todo o território da República. “Seus dispositivos impõem restrições rigorosas quanto aos locais, horários e pessoas que empregassem menores, exercendo vigilância e inspeção dos mesmos, sob pena de multa ou prisão celular para os infratores” (Irene Rizzini, op. cit. p. 132). A regulamentação do trabalho infantil, no Código de Menores de 1927, entrava em detalhes sobre o espaço das ruas, estabelecendo que “Nenhum varão menor de 14 annos, nem mulher solteira menor de 18 annos, poderá exercer ocupação alguma que se desempenhe nas ruas, praças ou lugares publicos; sob pena de ser apprehendido e julgado abandonado e, imposta ao seu responsável legal 50$ a 500$ de multa e 10 a 30 dias de prisão cellular” (art. 112).
17 Censo Demográfico, 1980. Com base nos dados do IBGE calculamos as taxas de analfabetismo da população total e rural de mais de 10 e mais de 15 anos na zona canavieira. Sem contar com os municípios da região metropolitana do grande Recife, beneficiados por uma rede de escolas mais densa, os municípios considerados apresentam entre 60 e 70% de analfabetos na população rural de mais de 15 anos podendo, em certos lugares (como em Gameleira e São Benedito do Sul), esta proporção ultrapassar os 80%. Estes dados são convergentes com aqueles apresentados na pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) que encontrou entre 80 e 85% de analfabetos entre os chefes de família e em torno de 65% entre os membros de mais de sete anos de idade. Christine Rufino Dabat, A situação dos trabalhadores rurais de ponta de rua na zona canavieira de Pernambuco. Recife: 1991 (Relatório de pesquisa cnpq), mimeo, 185 p.
18 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas no quadro da pesquisa em andamento (Christine Rufino Dabat, “Les coupeurs de canne dans le Pernambouc, Brésil, de 1940 a 1975, Relations de travail, conditions de vie et interprétations de la ‘morada’”)
19 Idem.
20 Idem.
21 7-8 de novembro de 1987, em Jaboatão.
22 fiam, Levantamento socioeconômico das pequenas localidades da Zona da Mata Sul, Recife (mimeo), 1987, v. I e II.
23 Rosicleide, 14 anos. Entrevista realizada por Teresa Corrêa de Araújo em março de 1993, por ocasião das gravações do vídeo “Os trabalhadores invisíveis”. Município de Cortês, Pernambuco.
24 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
25 Idem.
26 As normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) só foram estendidas plenamente aos trabalhadores rurais em 1973, com a lei no 5.889/73 que definiu esse grupo de trabalhadores afirmando que: “empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob dependência deste e mediante salário”. Idem.
27 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
28 “Avança a União Operária e Camponesa”, contra o analfabetismo. In: A Liga, n. 1, 9/10/62.
“abc do Camponês” ponto 7 s/ RA “é escola para o camponês aprender”. In: A Liga, n. 4, 30/10/62.
29 A liga, n. 6, p. 4.
30 Christine Rufino Dabat. “Os primórdios da cooperativa de Tiriri”, in Clio, Revista de Pesquisa Histórica, Série História do Nordeste, n. 16, 1996, p. 41-63.
31 Entrevista com Jader de Andrade, coordenador do projeto na Sudene.
32 Entrevista com Jader de Andrade, coordenador do projeto na Sudene.
33 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
34 Entrevista com um advogado de sindicatos rurais.
35 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
36 Idem.
37 Idem.
38 Idem.
39 Christine Rufino Dabat e Leonardo Guimarães Neto. Zona da Mata: emprego, relações de trabalho e condições de vida. Recife: IICA/SEPLAN, (mimeo), 1993, p. 62 et ss.
40 Ver, por exemplo JC...
41 Denúncia da cpt à rede cbn de rádio em 18 de setembro de 1998.
42 O Estatuto do Trabalhador Rural, bem como seu substituto de 1973 (tanto a lei no 5889/73 quanto a de no 5890/73, esta última específica ao adolescente trabalhador rural), estipula no seu artigo 11: “Ao empregado rural maior de 16 anos, é assegurado salário-mínimo igual ao do empregado adulto. § único. Ao empregado menor de 16 anos, é assegurado o salário-mínimo fixado em valor correspondente à metade do salário-mínimo estabelecido para o adulto”.43 A CLT, no cap. iv “Da proteção do trabalho do menor” conta entre as disposições gerais, a definição do trabalhador menor: “de 12 a 18 anos” e estipula as condições do seu emprego: “a) garantia de frequência à escola que assegure sua formação ao menos em nível primário; b) serviços de natureza leve, que não sejam nocivos à sua saúde e ao seu desenvolvimento normal” (Novo Estatuto do Trabalhador Rural e Legislação Aplicável. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas SA, 1973, p. 37)44
43 Entrevista realizada em 14/9/98 por Christine Dabat, com o diretor da Federação Estadual dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (Fetape), Severino Domingos de Lima, Beija-Flor e com a advogada da instituição, Maria Goretti de Vasconcelos Aquino.
44 Ciro Flamarion S. Cardoso. Escravo ou Camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasiliense, 1987. Sidney W. Mintz, “Was the Plantation Slave a Proletarian”, in Review II, 1, Summer, 1978, p.81-98. Traduction de Christine Rufino Dabat: “Era o escravo de plantação um proletário?”, in Revista de Geografia, Recife: ufpe, 1992, v. 8, n. 1/2, p. 97-120.
45 Manuel Correia de Andrade, A Terra e o Homem do Nordeste. São Paulo: Livraria Ed. Ciências Humanas, [1963] 1980, p. 92.
46 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
47 Entrevista realizada por Christine Dabat com Euclides do Nascimento.
48 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
49 Espedito Rufino de Araújo. O Trator e o ‘Burro sem Rabo’, op. cit. Tabela v. 23, p. 337.
50 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
51 Idem.
52 Idem.
53 Lúcia Maria, 15 anos. Entrevista realizada por Teresa Corrêa de Araújo em março de 1993, por ocasião das gravações do vídeo “Os trabalhadores invisíveis” Município de Cortês, Pernambuco.
54 Entrevistas com velhos canavieiros realizadas por Christine Dabat.
55 Idem.
56 Idem.
57 Segundo Tânia da Silva Pereira (op. cit., p.24), “O art. 227-CF é reconhecido na comunidade internacional como a síntese da Convenção da ONU de 1989, ao declarar os direitos especiais da criança e do adolescente como dever da família, da sociedade e do Estado: direito à vida, à alimentação, ao esporte e lazer, à profissionalização e à proteção ao trabalho, à cultura e educação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
58 Tânia da Silva Pereira. op. cit., p. 330-331.
59 Carlos Adriano, 12 anos. Entrevista realizada por Teresa Corrêa de Araújo em março de 1993, por ocasião das gravações do vídeo “Os trabalhadores invisíveis”. Município de Cortês, Pernambuco.
60 Entrevista realizada com Evanildo Barbosa da Silva, coordenador da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase Nordeste), realizada em 08/09/98.
61 Entrevista realizada por Ana Dourado em 02/09/98, com Lilia Dobbin, então diretora de Planejamento da Secretaria do Trabalho e Ação Social de Pernambuco.
62 Entrevista realizada por Ana Dourado em 31/8/98, com Maria José Viana da Silva, 12 anos, ex-cortadora de cana.