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Capítulo Sete

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Flores pulam na

Carícia da primavera.

Eu compartilho seus prazeres.

Nunca tinha visto a Tia despenteada antes. Nunca sonhara que alguma coisa pudesse deixá-la desanimada. Mas aqui estava ela, cacarejando como uma galinha-mãe, reunindo seus filhotes.

- Eu deveria usar uma peruca, Tia? Uma pergunta totalmente irrelevante, é claro, mas eu estava tão extasiada que mal sabia o que estava dizendo ou fazendo. A Tia, de fato, chegou a pensar na resposta por um segundo. Realmente, um dia dos acontecimentos mais estranhos!

– Não, eu não penso assim. Vamos colocar o seu cabelo para cima, é claro, e estilizá-lo adequadamente para você. Lembro-me que ele gostava do seu cabelo, então sem peruca. Seu quimono verde, claro, – como se eu tivesse outro que fosse adequado para sair – e a maquiagem completa. Uma de minhas garotas não será vista de maneira inadequada.

Quase ri alto por causa do último comentário. Quando, imaginei perguntando-me se alguma das garotas da Casa Oculta nunca fora "vista fora", apropriadamente ou inadequadamente. Nós éramos joias “ocultas”, flores muito estranhas para serem vistas pela luz do dia. Nas raras ocasiões em que uma ou duas de nós tínhamos sido enviadas para participar de uma reunião especialmente importante dentro do Mundo Flutuante, éramos colocadas em uma carruagem fechada e escoltadas pelos Garotos. Nunca acontecera comigo, mas Carpi tinha ido uma vez, em companhia de uma garota que já havia sido comprada por uma danna. Eu não conseguia lembrar o nome dela, mas estava sempre quieta. Perguntei a Carpi sobre isso depois, e ela simplesmente deu de ombros, se virou com um sorriso amaríssimo.

– Não foi nada demais!

Baixei o rosto e, novamente, ela deu de ombros quase se desculpando.

– A Tia nos colocou na carruagem pela porta e fechou as cortinas nos vedando. Os Garotos viajaram conosco e nos entregaram quando chegamos no destino. Não fazia ideia de onde "estava". Quando o patrono terminou conosco, fomos colocadas de volta na carruagem e entregues à porta da Casa Oculta. E foi isso. Afinal, um patrono é um patrono, “aqui ou ali”.

Agora o momento tinha chegado e estava tão excitada que achei difícil de respirar. Agradeci de joelhos. Era uma sensação exatamente como se Danjuro tivesse ouvido Bigger conversando comigo sobre ele e Big. No momento, estava animada demais para me preocupar com qualquer um dos Garotos.

Depois de meses e meses pensando em Danjuro, perguntando sobre ele em todos os momentos possíveis e sonhando com ele, parecia que de repente acordara de um sono próprio e o colocara na cabeça que tinha que me encontrar. Iria assistir a uma apresentação do kabuki! E, como se fosse possível ficar melhor, ele até dissera que eu não seria escoltada pelos Garotos, mas deveria ir ao kabuki sozinha, acompanhada, como era apropriado, pela pequena Suzume, que atuaria como minha criada.

Ele, é claro, ficaria feliz em pagar a taxa por mim durante toda a noite, e haveria um bom presente para Suzume.

Embora não tivesse visto Big, quase pude sentir seu ódio fervendo.

Bigger veio e apontou a cabeça no meu quarto. Malvado como sempre, não falou, mas simplesmente balançou a cabeça tristemente e lambeu os dentes de uma forma melindrosa, atravessando-me com os olhos fingindo uma grande tristeza. Não sei até hoje o que me possuiu para fazer isso, mas de repente me encontrei arrastando no tapete de joelhos. Joguei meus braços ao redor de seus joelhos e enterrei minha cabeça em seu robe.

– Oh, Bigger! – lamentei – Não sei o que fazer. Só sei que o Big vai me odiar se eu for, mas se eu não, a Tia vai me dar mandar para Big me punir de qualquer maneira, então estou indecisa. Oh, me ajude, Bigger, por favor!

Eu poderia dizer que ele estava satisfeito com o meu pedido. Acariciou minha cabeça como se eu fosse um cachorrinho e senti ele dar de ombros.

– Bem, parece-me que você não tem como voltar, não é?

Uma lembrança veio para mim desse homem terrível acariciando meu minúsculo gatinho indefeso e eu gemi ainda mais alto.

– Eu só tenho você, Bigger! Não tenho mais ninguém no mundo para quem recorrer!

Por um momento horrível, achei que ia me dar um chute e contar a Big como eu estava triste. Mas não o fez.

– Mmm. Bem, suponho que poderia ajudá-la um pouco. Se eu quiser e você fizer valer a pena...

Fazer valer a pena? Como eu poderia? Eu não tinha nada de valor, não despertava atração nenhuma para ele uma vez que já havia deixado isso claro. Eu poderia tê-lo divertido uma vez, mas não me iludiria pensando que ele fosse gostar de receber outra sessão. Meu estômago se contraiu com tanta força que senti como se tivesse sido chutada.

Bigger, não tenho nada. Devo tudo a Tia –. Mesmo em meu desespero, percebi que era melhor não tentar oferecer meus serviços para Bigger. Uma palavra errada e eu poderia me encontrar comprometido com algo ainda pior do que qualquer patrono poderia infligir em mim.

– Shhh, pequena Midori, shhh –. Bigger parecia tão satisfeito, comecei a me sentir muito mal. Apesar da minha cautela, teria me deixado levar por algo que me arrependeria para sempre? Oh Danjuro. O que você fez comigo? Mesmo quando pensei, sabia que não queria dizer isso. Não havia nada que pudesse imaginar que não faria por Danjuro. – Há algo que você pode fazer por mim. Uma coisa muito fácil. Algo que acho que você gostará muito.

Jogando a cautela para o espaço, – Qualquer coisa! – gritei.

– Faça Danjuro se apaixonar por você.

Eu estava tão surpresa que, realmente, fiquei atordoada, então olhei para Bigger. Pensei que devia estar zombando de mim, mas o rosto dele estava extremamente sério. Segurou meus ombros em suas mãos e me sacudiu gentilmente.

– Você pode fazer isso, Midori? Pense com cuidado antes de responder. Não me diga que tentará ou fará o melhor que puder. Diga-me a verdade. Consegues fazê-lo?

– Sim –. A palavra escapou por entre meus lábios antes que eu pudesse pará-las. Sabia da grandiosidade que havia dito. Os japoneses não amavam as mulheres. Eles usavam-nas. Quando se casavam, era para produzir filhos ou para ganhar renome com pessoas importantes. Não amavam suas esposas; muito raramente confessavam amar suas amantes. Talvez um homem em dez mil amasse uma mulher com intensidade suficiente para se matar por ela, porém mesmo isso não servia de consolo, já que se esperava que a mulher se matasse ao mesmo tempo. E agora eu sabia que Danjuro era um homem famoso. Um homem rico. Um homem que deve ser adorado por milhares de mulheres e homens.

Um homem que foi amado por Big. Uma vez que esse pensamento me ocorreu, entendi tudo. Bigger amava Big, assim como Big amava Danjuro. Ele faria qualquer coisa para se interpor entre eles. Danjuro também amava Big, eu me perguntava? O pensamento era repugnante e o empurrei para longe. Claro que não! Por que ele teria me protegido na festa, então? Por que estava me convidando agora, pedindo para que fosse encontra-lo sozinha? Eu podia ver Bigger assistindo a esses pensamentos passarem pela minha mente e sabia que se eu desistisse agora estaria arriscando tudo. Provavelmente até a minha vida. Mesmo assim, eu disse de novo.

– Sim. Farei Danjuro me amar. Vou tirá-lo de Big. Eu prometo. Vou fazê-lo esquecer que Big existiu para ele.

Bigger assentiu e respirou profundamente. Mergulhou na manga de seu robe e pegou uma pequena faca. A lâmina cintilou maliciosamente quando captou a luz. Ele se abaixou, pegou minha mão, então, ofeguei quando cortou meu dedo médio profundamente. Imediatamente, o sangue escorreu, mas antes que pudesse cair no chão, Bigger havia cortado o próprio dedo e pressionado contra o ferimento.

– Aqui. A promessa é feita e selada com sangue. Se você não fizer isso, não me importarei com o que a “Tia” dirá. Se tiver que fazer isso para chegar até você, matarei a própria “Tia”. Se você fracassar, farei de sua vida um inferno por tanto tempo quanto puder suportar para mantê-la viva. Todo dia irei até você, Midori. Compreende?

Balancei a cabeça assentindo. Suas palavras penetraram em minha mente. Não tinha nenhuma dúvida de que ele fizesse o que dissera.

Não obstante, não falharei.

Danjuro seria meu. Com certeza. Isso iria machucar Big, ao mesmo tempo em que satisfaria Bigger. Que confusão estava tudo isso! Mas não me importei. Pelo menos agradaria um dos Garotos, assim como a mim mesma. Esperava e rezava para que conseguisse agradar ao Danjuro também.

Sorri.

A Tia se ficou agitada ao meu redor por tanto tempo que comecei a pensar que a apresentação estaria terminada antes de eu chegar ao kabuki. Minha maquiagem estava perfeita. Meu cabelo preso, com cada cacho colocado cuidadosamente em seu lugar. Meu obi e quimono foram presos pela própria Tia.

Finalmente, sua expressão estava com ar de satisfeita, então enxotou-me para fora da porta. Suzume sabia onde ficava o Teatro Ichimura-za Kabuki. Não era longe, ainda ficava dentro do Mundo Flutuante. Eu estava ansiosa para perguntar como Suzume sabia onde o teatro kabuki era localizado, mas estava ainda mais ansiosa para sair, então fiquei em silêncio.

Embora fosse bem cedo e início da noite em um dia nublado, a Tia tinha insistido para que eu levasse uma sombrinha que protegesse minha pele de qualquer raio solar que pudesse surgir. Fiz como me foi dito. Afinal de contas, nunca em toda a minha vida pisei fora dos limites da Casa Oculta.

Mal conseguia respirar de pavor. A porta externa foi fechada atrás de mim e tive que respirar fundo antes que pudesse me mover. Pela primeira vez, estava grata pelo apertado quimono ao redor das minhas pernas, pois sem isso, acho que meus joelhos teriam cedido. Podia senti-los tremendo juntos. Suzume puxou minha manga e impeliu-me para frente.

– Por aqui – ela disse confiante e partiu. Tive que prosseguir. Se eu não o fizesse, teria voltado para a porta da Casa Oculta e batido na porta, pedindo permissão para voltar. A ideia ainda era muito atraente, mas com isso veio a lembrança do canivete malvado de Bigger. Estava entre a cruz e a espada. Poderia seguir Suzume com temores inimagináveis ou voltar para a segurança da Casa Oculta e enfrentar ameaças muito piores de Bigger.

O medo de Bigger ganhou. Suzume tinha voltado para mim e estava olhando para o meu rosto, sua expressão era de preocupação.

– Venha – persuadiu-me suavemente. Percebi que ela entendia pelo menos um pouco do desprezível preparo.

– Eu nunca estive fora antes – falei.

A boca de Suzume se abriu em descrença. – Nunca? – repetiu. Balancei a cabeça pauperrimamente. Ela olhou para mim e depois assentiu rapidamente. Se eu não estivesse tão assustada, teria me divertido com a repentina confiança da pequena criada.

– Não se preocupe – disse ela decisivamente. – Conheço bem o mundo flutuante. Nasci aqui e conheço cada esquina. Cuidarei de você. Consegue andar?

Fiz uma careta. Será que consigo? Realmente não sabia se minhas pernas se sustentariam ou não. Estava apoiando no canto da parede da Casa Oculta como se minha vida dependesse disso. Fui com muito cuidado, para ver se eu ainda podia ficar de pé e fiquei surpresa ao descobrir que podia.

– Acho que posso.

– Você deve! ­– o rostinho de Suzume estava sério. – Se você não for ao teatro, a Tia vai ficar muito brava contigo –. A Tia ficaria com raiva? Isso não seria nada, absolutamente nada, comparado à reação de Bigger! Essa comparação me deu o ímpeto que precisava. Respirei fundo e sacudi meu leque, escondendo meu rosto por trás com sutileza.

– Vá em frente! – falei rapidamente, tentando me convencer de que eu poderia fazer isso. Afinal, Danjuro tinha me convidado, não é? Meu lindo Danjuro estava me esperando. Ele, a quem esperei por tanto tempo. O que ele pensaria se não tivesse coragem de ir até lá? Ele nunca mais pensaria em mim, simples assim. Big teria ganho, e Bigger, provavelmente, me mataria.

– Vá! – disse novamente –.  Não tenho escolha, certo? Suzume estava sacudindo a cabeça.

– Não – disse com firmeza. – Você é uma gueixa; deve andar na minha frente. Seguirei atrás e me certificarei de que seu quimono não fique sujo em alguma lama. Falarei em voz baixa e lhe direi que direção seguir. Mantenha sua sombrinha para cima, parece que vai chover, ninguém achará estranho, e seu leque na frente do seu rosto.

Ganhei coragem da pequena e confiante Suzume e dei um passo. Pela primeira vez em toda a minha vida, deixei a Casa Oculta. Andei pelas ruas do Mundo Flutuante entre pessoas que não pagaram por mim. Entre estranhos. Tive que abrir muito os olhos para evitar que lágrimas rolassem.

Como Suzume dissera, a noite estava nublada. Nem fria e nem quente. Eu mal notei, poderia estar chovendo canivetes e eu não teria percebido. Dei meus primeiros indecisos passos com meu geta de madeira e aguardei. Esperei pelo alvoroço que sabia que viria assim que a primeira pessoa notasse minhas “deformidades”. Esperei que as pessoas do Mundo Flutuante se aglomerassem em torno de mim, olhassem para mim. Talvez para cuspir no meu cabelo, como o meu primeiro danna fizera. Para beliscar e morder em mim, só para ver se eu era real. Talvez para se afastar de mim, murmurando uma oração no caso de eu ser um espírito maligno andando entre eles. No mínimo, para rir e tirar sarro de mim. Assim como a Tia sempre dizia que eles fariam.

De repente, uma sensação de choque me atingiu como uma onda de água fria. Por que, por que a Tia me deixou sair agora? Por que, uma vez que sempre me protegeu do mal? A Tia, assim como Big, me odeiam? Ela queria se livrar de mim? Auto piedade se misturou com o medo de me deixar quase desmaiando. De repente, senti que odiava Danjuro. Isso foi tudo culpa dele. Se nunca tivesse gostado de mim em primeiro lugar, estaria segura. Segura na Casa Oculta.

Então, passado o momento, queria desesperadamente estar a salva. Mas não na Casa Oculta. Não, melhor com Danjuro cujo risco eu estava disposta a correr.

As ruas estavam lotadas. Nunca tinha visto, nunca imaginei tantas pessoas juntas. Mantive minha cabeça baixa, meu rosto escondido pelo meu leque. Suzume trotou, bem próxima, atrás de mim. Olhei para o pavimento de pedras debaixo dos meus pés. Alguns passos adiante, ouvi Suzume dizer em voz baixa:

– Vire à esquerda em cinco passos.

Fiz o que me disse.

A rua seguinte parecia ainda mais cheia do que a primeira. Fiquei um pouco tonta com tanta coisa. Tanto barulho, vozes gritando e rindo, vozes de mercadores e saltimbancos. Podia ouvir animais em algum lugar próximo. Um galo cantou e um burro zurrou repetidamente. Ninguém parecia estar apenas falando, todos falavam gritando. E os cheiros eram ainda piores. Estava fresca do banho e minha própria pele cheirava doce e estava limpa. Mas alguns dos corpos ao meu redor cheiravam mal. Fediam a suor e roupas que tinham sido usadas por muito tempo. Alguns dos cheiros sequer tentei descobrir, mas eram simplesmente fedorentos. As próprias ruas eram abarrotadas com sujeira, então fui forçada a segurar minha sombrinha na dobra do meu braço e puxar meu quimono para longe do pavimento de pedras. Segurei meu leque mais perto do meu rosto em uma tentativa de afastar o fedor.

– Vire à esquerda, agora –. A voz suave de Suzume quase se perdeu no alvoroço. Eu me virei e me encontrei quase cara a cara com um homem, que virou a esquina com um ar arrogante. Então era isso. O abuso, o desprezo, estava prestes a começar. Se tivesse muita sorte e os deuses estivessem comigo, eu não sofreria abuso físico.

Mantive meus olhos cabisbaixos e parei. Podia ver pelas suas vestes e espadas que o homem que encontrara era um samurai. Dificilmente poderia ter sido pior. Eu me preparei para o golpe de uma de suas duas espadas curtas e rezei em silêncio esperando que seu objetivo fosse verdadeiro e, então, que a próxima encarnação fosse melhor que esta. Afinal de contas, se um samurai fosse autorizado a atacar um camponês simplesmente porque imaginava testar o gume de uma de suas espadas, que chance eu teria, uma mulher deformada que tivera a ousadia de realmente empurrar um cavalheiro? Foi quase um alívio; o pior aconteceu. A Tia tinha razão o tempo todo.

– Agora, então –. Seu tom era jocoso. Por favor não. Ele ia me provocar antes de terminar comigo. Parei petrificada. – O que temos aqui? Perdeu sua voz, garota?

Eu consegui esboçar aquilo que deveria ser uma risadinha, mas minha garganta estava tão seca que o som emergiu como um suspiro rouco. Ainda não há som de uma espada sendo desenhada.

Um dedo empurrou meu leque para baixo. Mantive meus olhos baixos, modestamente. O dedo correu pelo meu rosto e agarrou sob o meu queixo, empurrando minha cabeça para cima.

– Bem, bem, bem. Uma pequena flor exótica, com certeza. Qual é o seu nome, gueixa?

Gueixa? Ele estava realmente me chamando de gueixa? Apesar de todas as muitas vezes em que me assegurei de que era uma gueixa, fiquei contente em ouvir esse estranho dizer isso. Meu coração começou a bater a tal ponto que tive certeza de que deveria ter soado como um tambor.

– Midori No Me, senhor – consegui sussurrar.

– Sim – empurrou minha cabeça para frente. – Adequada o suficiente. Bem, você não é uma beleza clássica, certo, Midori No Me? Mas você é diferente, vou te dar isso.

Ele se afastou e me examinou criticamente. Inclinei-me contra a parede, o mais discretamente que pude. Era isso ou colapsar em um monte de pedras.

– Não, senhor – sussurrei.

Ele  acariciou seu queixo pensativamente.

– Onde você mora, Midori No Me? – estava prestes a deixar escapar o nome da Casa Oculta quando a pequena Suzume falou chiadamente:

– Minha ama mora na Casa de Chá Verde na Rua Willow, meu senhor.

– Ela agora?! E onde sua Senhora irá esta noite, pequenina? O samurai parecia divertido. Eu estava profundamente grata pela coragem de Suzume em falar, porque duvidava que eu pudesse ter pronunciado palavras tão sensatas.

– Estamos indo para o teatro Ichimura-za Kabuki, senhor. Danjuro solicitou a presença de minha Senhora.

Podia sentir uma mudança na atitude do samurai. Ele ainda permaneceu ali, de repente, pareceu se endurecer.

– Danjuro?

Balancei a cabeça positivamente.

– Você tem um patrono muito distinto, Midori No Me. Ele é seu danna?

– Não, senhor –. Tinha conseguido pronunciar essas duas palavras antes, então decidi ficar com elas.

– E você mora na Rua Willow? ... Bem, Midori No Me, posso muito bem ir visitar você no futuro. Gostaria disso?

– Sim senhor. Muito. Esperava que o grasnido do corvo que emergiu entre os meus lábios soasse rouco e não aterrorizado. Deve ter dado certo, porque o samurai fez um estalo com a língua, olhou debaixo do meu queixo e se afastou. Assim que ele se foi, Suzume puxou meu quimono e me tirou da parede, quase me empurrando para me movimentar.

– Apenas continue andando – ela sussurrou.

Fiz o que ela instruiu, mal conseguindo acreditar que eu ainda estava viva. Depois de alguns momentos, um pensamento me ocorreu.

– Por que você não disse a ele que eu era da Casa Oculta? Por que você mentiu?

– Se tivesse dito o nome da Casa Oculta, ele teria tratado você como uma prostituta comum – disse Suzume em voz baixa. – Mesmo com Danjuro nomeado como seu patrono, poderia facilmente ter feito você ir com ele. Teria pensado que poderia fazer o que quisesse com você. De fato, teria feito com certeza, porque pensaria que você o enganou e perderia a cabeça. Mas, ele achou que você era uma gueixa livre e estava interessada.

Eu estava perplexa. A Tia sempre insistiu que éramos gueixas. Todas nós poderíamos cantar e dançar, todas nós fomos treinadas nas artes de uma verdadeira gueixa. Nós éramos todas muito talentosas. Se não o fôssemos, a Tia nunca nos teria tolerado nem por um dia. Ao contrário de uma gueixa do mundo, esperava-se que nós tivéssemos intimidade com nossos clientes, mas esses ele eram muito bem escolhidos pela Tia. E todo mundo sabia que a gueixas tinham amantes. Será que minha própria mãe, que ainda era mencionada como a gueixa mais bonita e talentosa de sua geração, não teve um amante? Claro que teve, foi assim que nasci no Mundo Flutuante, depois que ela se atreveu a fugir com seu amante e deixou a Casa de Chá Verde e Edo bem para trás. Abri a boca para explicar isso a inocente Suzume, todavia me impediu

– Você está escondida – disse pacientemente –. Todas na Casa Oculta devem ser mantidas longe do mundo. Você não tem permissão para andar pelas ruas como uma gueixa comum.

Pensei sobre isso por um momento enquanto caminhávamos.

– Mas as gueixas são tão escravas quanto nós – indaguei. – A menos que possam encontrar um danna para comprá-las, nunca poderão quitar suas dívidas. Elas não têm mais liberdade do que nós.

Podia sentir a impaciência de Suzume, mas fiquei intrigada. De fato não conseguia entender o que ela queria dizer. A Tia protegeu-nos como gueixa da Casa Oculta para o nosso próprio bem-estar. Quantas vezes nos explicara que não poderíamos sair, nem mesmo para o Mundo Flutuante, pois assim assinaríamos nossa própria sentença de morte? Nos disse, repetidas vezes, que pessoas normais nos considerariam repugnantes. Que eles nos insultariam, cuspiriam em nós, provavelmente nos tratariam com menos respeito do que um animal. Carpi não tinha me contado que ela havia sido mantida em uma gaiola pelo burakumin quando criança? Que tinha sido exibida, como uma besta selvagem hedionda? Foi por isso que nossos clientes foram selecionados com muito cuidado. A Tia teve o cuidado de permitir a entrada apenas aqueles que nutriam um gosto pelo exótico, bem como aqueles que tinham a carteira bem cheia.

Sim, ainda éramos gueixas. Apenas... diferentes.

Parei de repente, tão de repente que Suzume tropeçou nas minhas costas.

– Por favor, Midori No Me – disse ela. – Por favor, continue andando. Se você continuar parando assim, atrairá mais atenção. E se fizer isso, a Tia vai ficar com raiva de mim.

Levantei os olhos sobre o meu leque e observei as pessoas passando por nós. Apesar de toda minha “feiura”, meus seios e nariz enormes, altura extrema, cabelos ruivos e olhos excêntricos. Apesar de todas as minhas “deformidades”, ninguém me dava uma segunda olhada. Até mesmo o samurai que esbarrara em mim estava interessado em vez de sentir repulsa.

Eu estava aturdida.

Por que eu não fui atacada com coisas jogadas sobre mim? No mínimo, ser ridicularizada pelas multidões de pessoas que passaram por nós? Enquanto olhava ao meu redor, um homem, andando com aquela que eu achava ser sua esposa cujo quimono era muito simples e trotava com um geta alto mantendo o olhar fixo no chão sob a peruca de uma mulher mais velha, olhou para mim com aparente interesse. Na verdade, pensei por um segundo que ele iria se afastar de sua esposa para se aproximar de mim. Foi apenas o suave gemido de terror de Suzume que me fez mover novamente.

Andei, seguindo as instruções de Suzume. Lentamente, meu terror inicial começou a diminuir e foi substituído por uma curiosidade tão intensa que era quase assombrosa. Embora mantivesse meus olhos baixos como qualquer outra mulher em Edo, arrisquei um olhar ao meu redor sempre que pensava que era seguro.

Durante anos, sonhei com o que o mundo parecia fora da Casa Oculta. Quando tive a chance, obviamente, falei sobre isso para as meninas da Casa de Chá Verde que estavam livres para sair para o Mundo Flutuante. Mas era tudo comum a elas, e nada do que dissessem poderia ter me preparado para essa maravilha. A admiração de tudo isso fez até com que me esquecesse do nervosismo do meu compromisso do dia, uma vez que estava quase conseguindo esquecer que não tinha nenhum lugar palatável aqui, que eu era uma aberração que pertencia à Casa Oculta. Correto?

Foram as pessoas que me fascinaram. Para começar, havia muitas delas. Cada centímetro da estrada parecia estar abarrotado por corpos. Principalmente homens, claro, mas com uma boa quantidade de mulheres entre eles. Algumas delas pareciam esposas; pareciam ainda mais subservientes do que eu me sentia ser. Algumas eram gueixas, vestidas com lindos quimonos e acompanhadas por uma ou duas criadas. Apesar da marcha trotante imposta pelos seus quimonos e o geta alto, estas eram, obviamente, mulheres que estavam simplesmente fora para aproveitar a noite, felizes por estarem sozinhas. As cortesãs estavam vestidas com mais esplendor do que as gueixas. Suas perucas eram ainda maiores e usavam o obi preso na parte de trás e não na frente. Seus olhos estavam ... inquietos. Uma foi abordada por um homem de meia-idade, não um camponês, mas também não era abastado, a julgar pelas roupas. A Tia nunca teria permitido que entrasse na Casa Oculta. A mulher era linda e elegante, mas o homem imediatamente colocou o braço em volta dela e começou a sentir seus seios. Ela baixou os olhos e riu do jeito dele, e depois de um ou dois segundos de conversa, saiu com ele. Devo ter parado para olhar porque ouvi Suzume me incitando.

Então vi as mulheres engaioladas. As outras meninas tinham falado dessas pobres mulheres com frequência e sempre com simpatia, mas realmente não entendia o que elas estavam falando.

Agora entendia.

Passamos por duas celas em prédios muito próximos um do outro. Ambas as casas pareciam ter tido dias muito melhores, mas as celas brilhavam com dourado e luz refletidas de dentro. Diminuí o ritmo tanto quanto ousava dar uma olhada melhor.

Certamente não estava sozinha no meu interesse. A estrada em frente das casas estava repleta de homens. Alguns estavam a poucos metros de distância das treliças, como se as mulheres lá dentro fossem macacos que poderiam atacá-los caso se aventurassem perto demais. Dificilmente poderia culpá-los. A Tia teve um macaco como animal de estimação, uma vez. Um animal minúsculo e de uma expressão doce, com uma forte listra marcada do tamanho de seu corpo. Tinha mordido um dos fregueses uma vez e desapareceu no mesmo dia. Aqui, outras almas mais corajosas, na verdade, descansavam contra a treliça, inspecionando as mulheres agrupadas atrás com os lábios franzidos. Eu achava que pareciam homens que estavam examinando um banquete preparado para eles, parando antes de comerem para decidir qual era o pedaço mais saboroso.

As mulheres atrás das grades flertavam com seus olhos, seus leques, seus corpos. Elas se inclinavam para frente e gritavam. Quando passei, um homem na frente de uma das celas decidiu e entrou. Passei rápido demais para ver qual mulher havia escolhido.

De repente, fiquei agradecida pela proteção constante da Tia. Nossos patronos eram homens invariavelmente ricos. Homens que eram examinados pela Tia e apresentados por um patrono conhecido. Homens que, se ultrapassassem as regras não escritas e fossem longe demais com as meninas, seriam rapidamente "educados" pelos rapazes.

Pois a Casa Oculta era o nosso mundo, e não importava quão alto ou rico fosse um patrono, a regra básica era sempre a mesma. As meninas não deveriam ser prejudicadas, pelo menos não permanentemente, ou de qualquer maneira que ficasse aparente.

Essas pobres meninas não tinham nada nem ninguém para cuidar delas.

– Midori No Me. Pare. Aqui estamos. A voz de Suzume interrompeu meus pensamentos errantes.

Nós estávamos na frente de um enorme prédio cujo brilho cintilava como a luz do próprio sol. Eu me perguntei se Suzume tinha se enganada. Será que não tínhamos parado em frente ao palácio do Shogun? Ou na frente de alguma mansão de algum nobre? Mas não, esse era o teatro. As pessoas entravam e saíam pelas largas portas de entrada e eu as observava com fascinação.

Suzume disse algo que se perdeu no alvoroço das conversas, gritou mais do que falou, e acenei a minha mão em reconhecimento. Mal a notei desaparecer. Pareceu-me que o mundo inteiro estava ocupado em entrar e sair do teatro. A grande maioria era de homens, mas não, como eu havia esperado ingenuamente, apenas homens ricos. Os obviamente ricos, literalmente, limpavam os ombros quando se esbarravam nos muitos pobres, com uma boa pitada do que pareciam ser homens de classe média. Havia mulheres também. Algumas obviamente gueixas, cambaleando em quimonos apertados e com os getas. Outras eram cortesãs, ambas grandes e bem vestidas e algumas não mais do que em curtas vestes de algodão baratas. Até mesmo alguns grupos respeitáveis de mulheres casadas, entrando em grupos de quatro ou cinco e todos rindo alegremente entre si.

O mais estranho sobre todas essas mulheres era que era óbvio que estavam aqui para se divertir, não para atrair clientes ou para agir como companheiras para seus homens. Elas estavam simplesmente aqui como elas mesmas.

Muitas delas me encararam, porém com uma alegria crescente; percebi que não estavam olhando por causa da minha estranha aparência, mas simplesmente porque eu estava sozinha. Isso, aparentemente, não era feito fora do teatro kabuki.

Olhei em volta ansiosamente buscando por Suzume e fiquei imensamente aliviada ao vê-la trotar junto com um homem idoso seguindo seu serelepe passo. Quando chegou até mim, fez uma profunda reverência e pediu desculpas por ter demorado tanto. Algumas mulheres que estavam me encarando curiosamente perderam imediatamente o interesse e voltaram à conversar.

Uma grito borbulhou na minha garganta. Por um momento, esqueci que era uma aberração. Que era uma escrava da Casa Oculta, onde teria que voltar depois do meu momento de liberdade. Para esta noite, eu era simplesmente Midori No Me. Uma gueixa sortuda que havia sido convidada para o teatro por Danjuro, a estrela da produção.

Se não fosse tão estritamente contra o protocolo, adoraria ter gritado em alto tom. Ergui minha voz acima do burburinho e chamei o nome de Danjuro. Cheia e transbordando de felicidade como estava, não eufórica o suficiente para fazer isso. De qualquer forma, o homem com Suzume estava me reverenciando profundamente. Reverenciando-me! Para mim!

– Midori No Me-san. Bem-vinda ao kabuki! Danjuro reservou uma caixa para você. Por favor siga-me.

O homem se virou e o segui, com Suzume atrás de mim. Uma vez lá dentro, parei e engasguei, perdida neste incrível novo mundo. De todos os choques que sofri naquele dia mais estranho, esse talvez tenha sido o mais incrível. Ouvi Suzume tossir impaciente, e sua mão nas minhas costas me alavancou para frente implacavelmente.

O palco se projetava em direção ao corpo do teatro como uma língua quadrada. A performance já estava bem adiantada, com um grupo de atores circulando no meio de todos os patronos do teatro. Por toda parte, os espectadores estavam dispostos no térreo em pequenas caixas. Camadas de caixas fechadas subiam de cada lado do palco e, para meus olhos deslumbrados, parecia que todos os espaços estavam ocupados. Quando parei, desesperada para saborear todos os detalhes deste lugar milagroso, um rugido de riso subiu de cem, mil gargantas, de homens e mulheres.

O companheiro de Suzume escolheu o caminho entre as caixas no chão e eu o segui da melhor maneira que pude. Tinha certeza que iria tropeçar em alguém e estava grata pela ajuda de Suzume. Não funcionou muito, pelo fato de eu não conseguir tirar os olhos do palco por medo de perder uma única sílaba, um único gesto.

No momento em que nosso guia nos deixou em nossa caixa fechada, perto do palco e levemente escondida atrás de uma larga treliça cruzada de madeira dourada, fiquei fascinada.

O homem inclinou-se profundamente para mim novamente.

– Se você precisar de alguma coisa, Midori No Me-san, basta pedir a sua empregada para pegar para você. Danjuro deixou instruções que você deve ter o de melhor que esta pobre casa pode oferecer. Eu poderia recomendar o saque, amor? É o melhor encontrado em toda a Edo.

Concordei vagamente e, alguns instantes depois, um frasco de saquê já aquecido foi deixado em nossa “caixa”. Suzume serviu uma xícara para mim e ficou espantada quando lhe disse para servir-se também. Ocorreu-me que eu estava nervosa demais para comer qualquer coisa o dia todo e que logo estaria bêbada.

– Você acha que poderíamos conseguir algo para comer? perguntei esperançosa –. Suzume acenou com a cabeça e acenou para um homem que passava abaixo de nós com uma bandeja cheia de tigelas de macarrão cujo cheiro era delicioso, e fiquei instantaneamente voraz.

O homem chegou em nossa “caixa” rapidamente. Suzume se inclinou e gesticulou por duas tigelas, dizendo que éramos hóspedes de Danjuro. As tigelas amontoadas, junto com os hashis, foram passadas imediatamente e o homem fez uma reverência tão profunda que achei que perderia o resto da apresentação.

Eram macarrões bem grossos, e sempre achei que não me importava muito com isso. Neste dia, eu os amava. Até bebi mais saquê para ajudar na descida.

Mas ainda estava fixada no palco, ainda mais faminta e sedenta pela ação embaixo de nós do que por comida e bebida. Vários atores estavam no palco, todos usando maquiagem e perucas pesadas. Enquanto eu observava, uma mulher idosa, estava bem corcunda, mancou para o palco, empurrando uma mulher mais jovem diante dela. A jovem escondeu o rosto atrás de um leque e deu uma risadinha. Percebi rapidamente que a velha estava tentando vender a filha para o que parecia ser um rico nobre. As roupas desse homem eram tão opulentas que brilhavam à luz das tochas. Depois de uma negociação prolongada, a jovem foi levada para os braços de seu comprador e sua mãe deixou o palco.

Ambos os atores que permaneceram explodiram em canção e foram então interrompidos por um recém-chegado, um homem jovem e vigoroso que começou a discutir acaloradamente com o nobre, tentando puxar a mulher de seus braços. O público obviamente adorou, quando começaram a gritar e a chiar, agitando os punhos no ar. Depois de um momento ou dois, entendi o enredo. A velha tinha vendido sua filha ao nobre, contra a vontade da mulher mais jovem, e esse jovem bonito era seu amante, que estava tentando levá-la de volta e se casar com ela. Infelizmente, ele não tinha nem dinheiro nem família e parecia óbvio que suas intenções estavam condenadas.

Assisti encantada, com Suzume inclinando-se ao meu lado para ter uma visão melhor.

A única coisa que impediu que a coisa toda fosse absolutamente perfeita era que não podia ver Danjuro em nenhum lugar. Sussurrei minha decepção para Suzume.

– Pensei que era a estrela do teatro? Por que ele não está aqui?

Ela olhou para mim estranhamente e começou a rir.

– Você não consegue vê-lo? – perguntou.

Eu olhei ao redor do teatro, imaginando como Suzume o havia percebido no meio dessa enorme multidão quando eu não conseguia. Ela riu novamente e apontou  para  o  palco.

– Lá! Olha, Danjuro é o jovem pretendente. Ele era a velha mãe também.

– Não! – exclamei. Olhei fixamente para o jovem no palco e depois prendi a respiração em descrença. Agora que sabia, podia ver que era Danjuro sob a pesada maquiagem branca. Mas poderia ele ter sido a velha também?

– Ele provavelmente fará a outra parte – disse Suzume com confiança.

Poupei-lhe um olhar. Como, exatamente, a pequena Suzume sabia disso tudo? Como chegou a esse ponto? O que aconteceu com a pequena e tímida empregada Suzume da Casa Oculta? Eu teria uma longa conversa com ela quando voltássemos.

O pensamento de voltar para a Casa Oculta me deprimiu por um momento, mas tamanha era a exuberância do kabuki que a tristeza sumiu num piscar de olhos. Sim, teria que voltar. Sim, Bigger exigiria que eu mantivesse o meu lado no trato. Sim, haveria outros clientes em outras noites, mas seria depois. Esta noite, andei pelas ruas do Mundo Flutuante como dona de mim. No momento, estava assistindo ao kabuki como a convidada de honra do grande Danjuro. Viveria por este momento, esta noite. Esperava com todo o meu coração, pelo resto da noite que estava por vir.

Agora que eu sabia o que procurar, pude localizá-lo com facilidade. A produção foi uma das coisas que pegou no meu coração. Era um conto de dois amantes que foram separados por circunstâncias da vida e, eventualmente, fugiram juntos. Em vez de se separarem novamente, cometeram suicídio. Assim como Suzume dissera, Danjuro também fazia o papel de um samurai e depois voltou como o jovem amante. Quando os dois amantes cometeram haraquiri juntos, todo o teatro explodiu em um rugido de aplausos. Foi tão realista que parecia ter sangue em todo o lugar, que fiquei horrorizada. Foi somente quando os amantes mortos se levantaram e fizeram suas reverências que pude respirar novamente.

Atrás de mim, Suzume deu um suspiro de contentamento.

Outra produção seguiu, mas Danjuro não apareceu. Depois de um tempo, o homem que nos acompanhou até a nossa “caixa” apareceu. Curvando-se profundamente,   ele  disse:

– Midori No Me-san, Danjuro lhe chama.

Fiquei de pé em um instante; de repente, a peça foi perdendo sua atração. Suzume escondeu um sorriso e disse que ficaria onde estava, que a funcionária do teatro tivesse a gentileza de chamá-la quando fosse procurada.

Mantive meus olhos nas costas do homem. Minha cabeça ainda estava cheia das maravilhas da peça, e por mais que quisesse ver Danjuro, para agradecê-lo por me convidar, e tocá-lo, para que me tocasse, eu queria mais do que tudo dizer-lhe o quanto amei a peça. Como foi de tirar o fôlego.

Ele estava andando de um lado para o outro, no que eu achava que era seu camarim, tão inquieto quanto um tigre enjaulado. Ainda usava sua maquiagem pesada e as vestes que estava usando como o jovem amante. Minha boca secou ao vê-lo e minhas pernas começaram a tremer. Como não poderia reconhecê-lo?

Fiz uma profunda reverência. Ele acenou para mim, mas continuou com seu movimento inquieto. Esperei, não tendo ideia se deveria falar ou permanecer em silêncio. Enquanto ele continuava a andar, meu estômago se apertou. Será que tinha me esquecido? Ele estava se arrependendo de ter me convidado? Parou abruptamente, bem na minha frente.

– Como foi? Você gostou da peça? – perguntou.

Sua voz era imperativa e percebi, admirada, que minha opinião realmente importava para ele, o grande Danjuro. Pensei cuidadosamente antes de responder.

– Danjuro-san. Nunca estive no kabuki antes –. Ele empurrou o rosto para frente, observando minha expressão atentamente. – Mas se eu nunca mais ver isso, sempre vou me lembrar como a melhor noite da minha vida.

Ele começou a concordar, e eu quase podia ver a tensão deixando seu corpo. Mas ele ainda estava transbordando de excitação. Jogou a cabeça para trás e riu e, em seguida, estendeu a mão, agarrando meus ombros com força. Senti o zumbido vindo de seus dedos como se tivesse sido picada por uma abelha. Minhas pernas finalmente cederam e caí de joelhos na frente dele.

Mesmo através de suas vestes, pude ver claramente a forma de sua árvore de carne, tão vigorosa que achei que estava pulsando com vida própria. Gemi alto e estendi a mão, abrindo suas vestes e pegando sua árvore na minha mão.

Esfreguei suavemente para trás e para frente. Era como se a excitação de Danjuro tivesse se concentrado em seu tronco. Assim que toquei, ele se movimentava para trás e para frente com todo o seu corpo, imediatamente no ritmo do meu movimento. Por mais que estivesse desesperada para senti-lo dentro de mim, eu me inclinei para frente e coloquei meus lábios ao redor da capa de carne dele, lambendo e mordiscando suavemente. Eu o ouvi gemer alto e de repente me diverti com o poder que segurava em minhas mãos, na minha boca.

Eu o provoquei com minha língua, meus lábios. Primeiro mordendo bem delicadamente, depois me arremessando para afundar meus dentes com força em sua carne. Com o capuz na boca, esfreguei o talo para trás e para a frente com meus dedos, permitindo que minha mão serpenteasse até seus testículos e deslizasse de volta para a fenda de seu delicioso traseiro. Ele arqueou contra mim e deixei ele escapar da minha boca.

Seus quadris estavam batendo enquanto procurava por mim novamente. Em vez de levá-lo entre meus lábios, peguei sua árvore de carne em meus dedos e lambi o comprimento todo dela, voltando a correr minha língua ao redor da cabeça de sua capa de carne. Eu podia ouvir, acima do bater do meu próprio sangue, ele gemendo alto.

De repente, confiante, recostei-me e me levantei. Seus olhos estavam arregalados, seu rosto, mesmo sob a maquiagem do palco, intensamente faminto. A maquiagem branca me atraiu imensamente. Era como se enquanto estivesse fazendo amor com o Danjuro que eu conhecia, também estivesse fazendo amor com um completo estranho. Achei o pensamento profundamente excitante, embora a ironia disso me surpreendesse. Quantas vezes eu me enfureci quando um completo estranho me escolhia? Quantas vezes tinha ido rapidamente para o banho para tentar lavar todos os vestígios de homem? E agora, não estava apenas recebendo um homem que poderia muito bem ter sido um completo estranho, estava com saudades dele. Desesperada por ele.

A estranheza disso me fez tremer de excitação. Recuei um passo, depois outro. Puxei meu obi e ele saiu obedientemente. Hoje à noite, nada daria errado. Nada estaria entre mim e Danjuro e quem quer que estivesse morando no corpo e na mente dele mesmo. A faixa abaixo seguiu e desamarrei meu quimono deixando que caísse dos ombros. Teria tirado minha camisa e saia, mas não tive tempo.

Danjuro se lançou sob mim com um rugido de pura luxúria e me levou para o chão sob seu peso. Ele se atrapalhou para empurrar a minha saia para o lado e o ajudei, amassando a seda flexível de forma imprudente. Seus dedos encontraram o meu musgo mais escuro e foram, em seguida, sondando dentro de mim. Acho que gritei de prazer, e o som pareceu fazê-lo perder todo o controle que ainda tinha quando mergulhava a árvore em mim com a facilidade de uma espada procurando uma bainha familiar.

Este não era o Danjuro de que me lembrava da Casa Oculta. Aquele homem tinha sido terno, quase hesitante. Este Danjuro era duro, forte e exigente. Tomava em vez de dar. Mas me deliciei com isso.

Senti todos os seus movimentos, sem me incomodar em provocá-los ou até mesmo em tentar desacelerá-los, em vez disso levantei meu próprio corpo para encontrá-lo enquanto ele me socava. Nossos movimentos estavam perfeitamente sincronizados, perfeitamente certos e não foi nenhuma surpresa para mim quando o senti chegar ao seu clímax segundos depois que eu já havia chegado lá. Como poderia ter sido de outra forma?

Depois disso, Danjuro falou comigo. Conversou comigo. E percebi que esse grande homem, esse ator incrível que tinha toda a Edo na palma de sua mão, estava se escondendo atrás de sua maquiagem e suas fantasias. No palco, ele era o personagem que estava encenando, masculino ou feminino, jovem ou velho. Naquele momento, na frente de uma plateia que rugia sua aprovação, o personagem era Danjuro. O verdadeiro Danjuro era um garotinho assustado, sempre preocupado que nem mesmo o melhor seria bom o suficiente.

Ele disse que foi adotado pela família Danjuro, e não nascido nela. Por causa disso, sempre sentiu que não era bom o suficiente. Que não importa o quanto tentasse, não importava o quanto desse de si mesmo, nunca seria tão grande quanto os que nasceram para ser Danjuro.

Ele fez uma pausa, de cabeça baixa, então olhei para ele com espanto. Todos os anos de subserviência, todas as maneiras e instruções cuidadosamente instiladas foram esquecidas num piscar de olhos. Em vez disso, eu era uma mulher conversando com meu amante como se fôssemos iguais. Como se isso pudesse acontecer!

Balancei a cabeça em frustração, procurando as palavras certas.

– Danjuro – soltei.

– Está tudo errado. Não entende? Se você tivesse nascido dessa família, não importaria se você fosse um bom ator ou não. As pessoas simplesmente admitiriam que você era um grande ator porque você era Danjuro por natureza.

Ele não levantou a cabeça, nem por uma fração de segundos, mas podia ver pelos seus ombros tensos que estava me ouvindo atentamente.

– Mas você foi adotado. Você foi escolhido para ser Danjuro porque você é o melhor. Se você não fosse, então alguém estaria em seu lugar. Você não percebe?

Parei, de repente sem fôlego. Se este fosse um patrono da Casa Oculta e tivesse falado com ele dessa forma, ele teria o direito de me bater. Ele certamente reclamaria com a Tia, e era bem provável que ela me entregasse aos Garotos para ser punida. De repente, percebi o que estava arriscando pela minha ousadia.

Danjuro, o grande Danjuro, havia me perguntado. Para Midori No Me. Olhos verdes. Não só me perguntou bem como me tirou do Casa Oculta para compartilhar seu mundo. E o que eu estava fazendo? Conversando com ele como se fôssemos iguais. Tremi. Abaixei meus olhos. Esperei que me dissesse brevemente para sair ou para apanhar. Mas ele não fez. Prendi a respiração pelo que me pareceu horas. Quando Danjuro falou, parecia muito jovem. Sua voz tremeu.

– Midori No Me-san. Você realmente acha isso? Ou você está apenas tentando me tranquilizar?

Deixei minha respiração sair em um longo suspiro, tão aliviada que poderia ter chorado.

– Você sabe que é verdade – disse rapidamente –.  A multidão ama você. Nunca vi nada assim. Nem te reconheci no começo. Pensei realmente que você fosse uma mulher anciã.

Danjuro riu das minhas palavras, um som estranhamente inocente. Ele se levantou, dobrou as costas e encolheu os ombros. De repente, era a velha anciã novamente. Ofeguei, minha mão na frente da minha boca, e aplaudi freneticamente.

Nos dez minutos seguintes, Danjuro me deu uma performance particular. Ele me fez rir e chorar por turnos. Minhas mãos estavam doloridas de bater palmas. Eventualmente, parou e se sacudiu. De repente, era Danjuro novamente.

Fez reverência e, então, encostou em mim, acariciando meu rosto, meus ombros, meu pescoço muito gentilmente com suas mãos. Foi um gesto estranho, mas muito terno. Logo me derreti toda.

– Danjuro – sussurrei –. Eu faria qualquer coisa, qualquer coisa, para fazer parte disso. Por favor, há um lugar aqui para mim? Deixe-me sendo a menos importante, a mais insignificante. Farei limpeza para você. Esvaziarei o palco da noite. Qualquer coisa para permanecer aqui.

Mesmo quando implorei, percebi o que havia dito. Por que, me perguntava, não teria implorado para estar com Danjuro em vez de pedir para fazer parte de seu mundo? Ele era meu amante, não era? Faria qualquer coisa que pedisse e amaria. Por que, de repente, estava pedindo para fazer parte do kabuki em vez de fazer parte da vida de Danjuro?

Mordi meu lábio com força suficiente para machucar, certo de que ele seria o único homem em mil que era sensível o suficiente para entender o que havia dito. Mentalmente, me esmurrei. Como poderia ser tão idiota? Por que estava escolhendo deliberadamente virar as costas para a maior chance que uma garota poderia desejar? Estúpida, estúpida, idiota.

– Você sente isso também? – ele estava sorrindo e quase desmaiei de alívio. – Quando cheguei ao kabuki pela primeira vez, eu era uma criança pequena. Eu viera de uma aldeia no norte. Nunca tinha visto uma peça ou um teatro. Nem mesmo uma cidade. Meus pais me venderam para um comerciante que precisava de alguém com boa memória para manter um registro dos produtos que ele havia vendido. Mesmo quando criança, conseguia lembrar de tudo. Meu pai me colocou na frente do comerciante e implorou ao homem que recitasse algo para mim. Qualquer coisa, ele disse, não importava o que, me lembraria. O comerciante riu dele, mas depois tirou uma longa lista de mercadorias, cada uma com seu próprio preço. Ele tinha um sorriso enorme no rosto quando parou e acenou para que eu repetisse. Foi fácil. Fiz sem nem pensar. O comerciante ficou tão impressionado que pagou o preço que meu pai queria, sem pechinchar, e me levou com imediatamente.

Ele parou por tanto tempo que fiquei impaciente. – Mas como você veio a ser Danjuro? – questionei. Oh céus. Lá estava eu ​​de novo, sem demonstrar nenhum respeito. Se a Tia pudesse me ver, estaria morta ou próxima disso. Se Danjuro notou minha grosseria, não havia demonstrado.

– O comerciante trouxe-me para Edo. Ensinou-me a ler e escrever e ficou contente comigo. Trabalhei para ele por dois anos antes de ter um contratempo e teve que vender o seu negócio. Fui vendido juntamente, e descobri que meu novo patrão tinha interesse no kabuki. Não quero dizer que gostava do teatro, quero dizer que era dono de uma parte. É claro que ele vinha com frequência para garantir que seu investimento estivesse funcionando corretamente e eu estava junto. Apaixonei pelo kabuki assim que o vi pela primeira vez. Tinha uma apresentação acontecendo, e meu mestre ficou para assistir. No momento em que fomos para casa, memorizei todas as linhas que haviam sido ditas. Estava tão encantado que comecei a me apresentar para os outros servos, dedicando cada parte de mim. Um dia, meu mestre me pegou, e ao invés de me bater como eu esperava, gesticulou para eu continuar. Quando terminei, ele exigiu saber como eu aprendi a peça. Disse-lhe que tinha me lembrado de quando fui ao teatro com ele. Não acreditou em mim, então para me punir, para me fazer sentir bobo e de cara no chão, da próxima vez que ele foi para o kabuki a negócios, me levou com junto e me disse para subir no palco com os atores e apresentar.

Meu mestre era um homem importante, então os atores me aceitaram. – Ele fez uma pausa, seus olhos estavam brilhando –. Midori No Me-san, foi maravilhoso. Assim que comecei a pronunciar minhas falas, senti como se pertencesse a este lugar. Como se tivesse encontrado algo dentro de mim que nunca sonhei existir. Esqueci que meu mestre estava lá, esqueci tudo, exceto a peça. Quando terminamos a cena, pude ver que meu mestre estava furioso. Mas tive muita sorte. Os atores disseram a ele que eu era bom, que tinha um futuro no teatro. Um deles era das maiores famílias do teatro, embora eu não soubesse disso na época. Então levou meu mestre para um canto e conversou e o convenceu de que seria um investimento de grande valia para o teatro se eu tivesse permissão para apresentar com eles, que eu poderia ser verdadeiramente um grande ator. Aprendi depois que esse homem era Danjuro Ichikawa, um ótimo ator. Daquele dia em diante, fazia parte do kabuki. No começo, não era permitido minha entrada no palco. Trabalhei no cenário, fui buscar coisas para os atores, ajudei com a maquiagem deles. Ichikawa-san me permitiu apresentar peças muito pequenas, eventualmente, e eu sabia que isso era o que queria fazer. Quando Ichikawa-san se aposentou, fui adotado pela grande família e acabei assumindo seu título.

Danjuro parou e balançou a cabeça, como se ainda pudesse acreditar em sua própria boa sorte.

Percebi que estava prendendo a respiração e expirei ruidosamente. Eu entendi perfeitamente. Também teria feito qualquer coisa para poder permanecer aqui e fazer parte desse mundo de faz de conta. Afinal, pensei amargamente; não tinha atuado em toda a minha vida?

– Você sente isso também, não é?

Balancei a cabeça, sem palavras. Danjuro pegou minha mão e acariciou-a gentilmente, sorrindo para mim.

– Você não pode se apresentar no palco, Midori No Me. O palco é só para homens.

Sorri, mas gritei por dentro, por quê? Por que tudo deve ser negado a nós mulheres? Por quê?

– Os únicos lugares para as mulheres no kabuki são em escalas muito baixas. As mulheres limpam e vendem comida; fazem nossas fantasias; às vezes, se são muito habilidosas, podem ajudar a pintar o cenário. Isso não é para você, Midori No Me-chan.

Midori No Me-chan! Notei o carinho e fiquei emocionada.

– Venha. Estou muito cansado – bocejou e se espreguiçou, e me perguntei se esse era Danjuro, o homem, ou Danjuro, o ator –. Preciso tomar um banho e depois dormir. Está na hora de você ir.

Abaixei minha cabeça submissamente. Ao mesmo tempo, demorei tanto quanto pude, esperando ouvir uma palavra que indicasse que Danjuro queria me ver de novo.

Danjuro estava de pé, esperando gentilmente que eu me levantasse. Parei rigidamente. Fiquei sentada por muito tempo, perdida em pensamentos. Suzume estava do lado de fora e Danjuro acenou para ela agradavelmente.

– Cuide bem de sua Senhora.

Vi o brilho de ouro entre eles, então Suzume estava se curvando, balbuciando e inquieta ao meu redor quando o biombo estava se fechando, deixando Danjuro mais distante de mim.