20

Voltámos para o hotel por volta das onze da noite, embriagados. Perguntámos na receção se António já tinha voltado e informaram-nos de que se encontrava no quarto.

Parei diante da porta. N.° 17. Tinha as luzes apagadas.

Miguel abanou a cabeça.

– E se ele acordar durante a noite? – perguntei.

Miguel abriu a porta do nosso quarto e fez-me sinal para entrar.

De duche tomado, meteu-se na cama comigo. Eu estava quase a dormir e senti-lhe o corpo quente e os pelos das pernas suaves. Era bom estar na cama com um homem. Enrosquei-me nele como num ninho. Quando estava quase a regressar à terra dos sonhos, ele meteu-me na boca e, uns minutos depois, pôs-me um preservativo e encostou-se contra o meu sexo.

– Era este o favor que lhe queria pedir… faça-o com muito jeito.

Passei-lhe o braço em volta da anca e senti-lhe o coração a bater com força contra o meu peito. Mas o pénis dele estava do tamanho de uma bolota.

Ainda um pouco bêbedo, eu não conseguia falar. Portanto, descansei um momento.

– Porque é que estamos a fazer isto? – murmurei, ao cabo de uns instantes.

– Porque eu quero.

– Mas eu só quero fazer o que lhe der prazer. – Passei a mão sobre o peito dele, dei-lhe um beijo no alto da cabeça e cheirei-lhe o perfume.

– Eu quero mesmo – repetiu.

No momento em que eu já estava completamente dentro dele, atirou a cabeça para trás e respirou profundamente. Achei que ele fosse desmaiar de dor e tive medo de me mexer.

– Deixe-me sair de dentro de si – pedi-lhe, acrescentando, como se me dirigisse a todos os homens que conheci e que gostavam de expressar as suas frustrações na cama: – O sexo não é para provocar sofrimento.

Fui à casa de banho e abri a torneira de água quente. Deixei correr um pouco sobre uma toalha de mãos. Olhei-me fixamente ao espelho. Teria tido sempre este ar de velho? O cabelo rareava mesmo no meio da cabeça. «Drogado, deprimido, praticamente impotente e com um corte à frei Tuck», murmurei para mim próprio. «Os últimos cinco anos deste século vão ser do caraças!»

Voltei a trepar para a cama e pressionei a toalha contra o ânus de Miguel. Ele sobressaltou-se, fugindo à toalha, mas depois reaproximou-se lentamente, absorvendo aquele calor húmido. Esfreguei-lhe as pernas com a mão livre.

– Nunca mais faça aquilo que não o excita realmente – pedi-lhe. – O seu corpo é sagrado. Aquilo que para uns é uma bênção, para outros é um crime. As pessoas têm naturezas diferentes.

Ele pôs-se a chorar como um bebé.

– Mas o que lhe passou pela cabeça? – perguntei na manhã seguinte, vendo-o erguer-se a custo.

– Estava bêbedo – respondeu. – O champanhe tem um efeito estranho em mim.

– Não, não foi isso. O Miguel tem tantos segredos.

Ele encolheu os ombros e descemos para o pequeno-almoço. António já tinha comido e acercou-se de nós no átrio de entrada, já com as malas feitas.

– Esta cidade é uma merda – disse em inglês.

– Então?

– Importam-se se formos indo já?

– Acho que não. – Olhei para Miguel.

– Por mim tudo bem – assentiu ele.

– Vamos só tomar o pequeno-almoço. Acompanha-nos.

O rececionista ficou a tomar conta da mala dele e dirigimo-nos para a sala de jantar. António sentou-se voltado para a janela e pôs-se a contemplar a paisagem.

– Tens ensaiado? – perguntei-lhe.

Fez que sim com a cabeça.

Miguel emborcou o café e devorou o pão com manteiga e doce de fruta.

– Vou fazer a mala – anunciou, levando um cigarro aos lábios e levantando-se.

O rapaz inclinou-se para mim.

– Conseguiste arrancar-lhe mais alguma coisa?

– Não estou a tentar arrancar-lhe nada – respondi.

– Mas o que é que ele disse?

– Nada.

– Alguma coisa deve ter dito.

– Disse que o pai dele se parecia bastante contigo.

António fez uma expressão incrédula.

– O avô Zé?

– Parece que sim.

– Esse velho rabugento tinha um parafuso a menos.

– Porquê?

– Porque sim. – Desviou o olhar durante uns momentos. – Era originário da Galiza. É daí que vem o nosso sangue celta. Até sabia tocar gaita de foles galega. Mas, depois da trombose, ficou disforme, com um olho descaído e constantemente vermelho. O outro estava sempre parcialmente fechado. Parecia o Corcunda de Notre Dame.

Fiz menção de lhe dizer «Não sejas mau, António. A doença faz-nos coisas terríveis», mas calei-me a tempo e assenti com a cabeça.

– Nem sequer falava português. Falava em galego comigo. Eu não percebia uma palavra. Que doido!

– Eu também não falo português. Isso faz de mim louco?

– Tu falas português. Dás erros, claro, mas falas.

– Bom, deixa. Ouve, quero falar-te sobre aquilo que me disseste ontem. Sobre conseguires avançar mais depressa com um professor especializado. Queria só dizer…

Ia dizer-lhe que íamos a Paris para lhe conseguir uma audição com José Luis Landero, o famoso professor e virtuoso que ele merecia, mas ele interrompeu-me.

– Não quero falar sobre isso − replicou.

– Mas temos de falar.

– Não quero. – Levantou-se. – Dá-me as chaves do carro, que eu vou começando a meter as malas no porta-bagagens. – Estendeu a mão, como quem se está nas tintas.

– O que disseste era verdade.

– Não era, não.

– Era, pois. A forma como o disseste é que foi desnecessariamente cruel. Falaremos sobre isso noutra altura, se for necessário, mas o que tu disseste é verdade. Tenho sido egoísta. Já sei há algum tempo que não tenho mais nada para te ensinar, mas, ainda assim, continuei a ter-te como aluno. E isso não está certo.

– Mas o Pedro também não conseguia ensinar-me mais nada – declarou.

– Pois não, mas há outras pessoas.

– No Porto, não.

– Não, no Porto não. Mas…

– Nem em Lisboa.

– O mundo é maior do que Portugal – observei.

– Não quero sair de Portugal.

– Já saíste. Estamos em Espanha.

Não cheguei a ver nenhuma das relíquias de Santa Teresa. Às nove e meia, estávamos numa estrada poeirenta, em direção ao Sol nascente e, às dez, já acelerávamos a cento e vinte quilómetros à hora na autoestrada para Madrid. Pensei que guiar manteria António ocupado, por isso passei-lhe o volante. Via-se que estava entusiasmado, mas não me deu a satisfação de o admitir.

A meio caminho de Madrid, a paisagem muda, transfigurando-se em montanhas cobertas de corpos verdes e ancas largas reclinadas ao sol. A cidade surge logo depois. Descemos os flancos das montanhas, atravessamos uns quilómetros de arbustos rasteiros, passamos uns subúrbios que lembram Phoenix ou Santa Fe e entramos no tráfego que se escoa cidade adentro. Depois de um grande parque com o jardim zoológico, erguem-se, à nossa frente, no horizonte, as torres de tijolo.

Passei para o volante e pedi a António que me fosse dando indicações até ao Hotel Cortezo, que escolhera por ter garagem.

Direita, esquerda, direita, outra vez direita, não, aí não, ali, ali!!!

Já dá para perceber a conversa, Carlos. O tipo que deixa toda a gente stressada. Eu lá ia manobrando, fugindo e de novo mergulhando no trânsito, esperando por camiões estacionados em segunda fila, acelerando pelo Alcalá acima, passando sob a Puerta del Sol, até que encontrei o nosso hotel. Um táxi teria levado dez minutos; eu demorei quarenta e cinco. Tinha a camisa manchada nas axilas, e as costas coladas ao assento, mas sentia-me entusiasmado por estar numa grande cidade. Apetecia-me caminhar depressa, ir às compras em lojas caras, percorrer os largos boulevards orlados de árvores. Apetecia-me comer polvo grelhado e beber horchata de chufa em cafés apinhados.

António anunciou que ia ao Prado. De repente, apetecia-me mostrar-lhe tanta coisa. Queria estar a seu lado a apreciar as pinturas de Ribera. Passaria o braço sobre o ombro dele e observaríamos as pinceladas que formavam a cavidade ensombrada sob as clavículas de S. Jerónimo, aproximar-nos-íamos para ver de perto o reflexo do verniz do século XVII sobre os seus olhos repassados de fé. O rapaz esboçaria o sorriso da descoberta. «Incrível», murmuraria. «Simplesmente incrível.» Queria vê-lo pasmado perante a brancura de marfim de Jesus no Cristo Morto Amparado por Um Anjo, de Cano. E espreitar por cima do seu ombro enquanto estudasse o Autorretrato de Ticiano.

Sentindo por certo todos aqueles devaneios a fazer ricochete dentro de mim, entrou a matar.

– Quero ver o museu sozinho – disse.

Aterrou a pés juntos na última palavra.

Fui para o meu quarto e tentei soltar as ligaduras que me cingiam o peito com dois calmantes. Não o deveria ter feito, mas desculpei-me socorrendo-me do velho reduto do drogado: «É só desta vez.» Ainda pensei em regressar ao Porto de avião. «Não, quando conseguir respirar de novo, sentar-me-ei junto ao lago artificial do Parque do Retiro a sentir pena de mim próprio. Dormirei na relva e, se alguém me roubar, melhor.»

Propus a Miguel uma ida ao Parque. Ele passou-me a mão pelo ombro e foi tomar um duche.

Tinha-me esquecido até que ponto os calmantes me tornavam esquivo. Esgueirei-me do quarto como um ladrão profissional. Ele nada ouviu. Dirigindo-me para leste em Atocha, imaginei António no Prado, entre as obras de El Greco. Um miúdo aterrorizado rodeado por uma hagiologia em azul e preto.

Lembro-me de o meu irmão me dizer que, em Madrid, quando El Greco estava no auge, os cemitérios transbordavam de vítimas de peste. Morreu meio milhão de pessoas, só no surto entre 1596 e 1602. Contou-me que os críticos achavam que a brancura esquálida das figuras de El Greco e as suas feições pálidas simbolizavam o enfraquecimento que se instalara na aristocracia espanhola. Talvez fosse verdade. Certo é que El Greco estava rodeado de uma miséria que tudo destruía. Quem são as esqueléticas figuras iluminadas pelo fogo que se veem nos quadros senão os seus vizinhos de Toledo? E o seu S. Francisco? Não será ele uma vítima da peste encapuçada?

Chegado à Praça Imperador Carlos V, perguntava a mim próprio em quem trabalharia hoje o velho mestre.

Não estaria a pintar o meu António?

Tal como previra, adormeci no parque – num relvado fresco, ao lado de uma lata vazia de 7-Up e à sombra de um castanheiro onde alguém gravara as iniciais AQ e RZ. Ninguém me roubou. Ninguém olhou sequer para mim. Conseguira desaparecer de vista.

Acordei com uma grande dor de cabeça. O sol, que já ia alto no céu a ocidente, toldou-me os olhos de lágrimas. Bebi duas horchatas num café com cadeiras metalizadas, enquanto via uns miúdos de brincos a andar de patins em linha frente ao lago. Pedi ao empregado que me trouxesse uma aspirina. Tinha um caroço com mau aspeto debaixo da orelha e coxeava. Trouxe-me duas e um sorriso. Comi um pacote de batatas fritas manufaturadas em Bilbao, mas soube-me a pouco, pelo que pedi outro. Uma pedinte aproximou-se e espetou-me a mão imunda debaixo do nariz. Dei-lhe uma moeda de 100 pesetas. Ela continuou com a mão esticada e acabei deixando-lhe o resto do pacote de batatas fritas. Resmungou qualquer coisa sobre Deus, mas não percebi. O empregado escorraçou-a. Disse-me qualquer coisa. Também não percebi.

Era um alívio não entender tudo o que os outros diziam. Esquecera-me de como era bom manter a distância, já to tinha dito?

No caminho de regresso ao hotel, parei num restaurante para comer decentemente. Fiquei de pé ao balcão, enquanto dois homens ao meu lado falavam:

ou de uma queda grave no mercado de ações;

ou de uma senhora a quem tinham roubado a carteira de couro;

ou de um bolso esburacado.

O meu espanhol parecia desintegrar-se. Comi polvo grelhado com pimentos, cogumelos salteados com dentes de alho inteiros e uma sanduíche de presunto. O empregado, de camisa branca, laço preto e bigode, estava admirado com o meu apetite. Parecia o retrato de Marte, de Velásquez. Ou talvez não se parecesse nada com ele. Olhei em volta pela primeira vez. Candelabros de cristal pendiam de um teto com a tinta a descascar. Lírios murchos cor-de-laranja marcavam o centro das mesas de madeira. O chão era de mosaico preto.

Regressei à minha sanduíche. Pedi chá.

– Chá? – pasmou-se o empregado.

Apontei para mim.

– Inglês – expliquei. – Yo soy inglés.

Sorriu. Tinha um dente de ouro.

Enquanto esguichava água a ferver da máquina expresso para um pequeno bule branco, perguntei-lhe se, por acaso, não teria água inglesa para fazer o chá.

– Sempre sabe melhor com água inglesa – expliquei. – Siempre sabe mejor con agua inglesa.

Ele riu-se.

A refeição ficou-me em 32 dólares. Pouco importava, era reconfortante armar-me em idiota numa grande cidade onde não tinha a certeza de nada. Passei o resto do dia a socializar com os donos das lojas, falando pelos cotovelos com o meu sotaque americano. Numa pequena loja no bairro Chueca, comprei uma camisa de pirata azul-turquesa, do Equador; um colete às riscas vermelho, amarelo, laranja e cor-de-rosa, da Guatemala; e um chapéu de lã castanha com lamas brancos a toda a volta, tricotado à mão na Bolívia. Na porta ao lado, comprei uma T-shirt que dizia Viva El Rey! Viva El Preservativo! em letras rosa-choque sobre um fundo azul.

Sim, estava a fazer compras na zona gay da cidade. E sim, Madrid tem vindo a ficar mais gay nos últimos anos. O cabelo louro parecia estar na moda. Contei cinco membros da congregação de cabelo louro com raízes pretas ao longo de um percurso de três quarteirões na Hortaleza. Pelos vistos, mal saíam, disparados, de um armário espanhol viravam escandinavos.

Na Casa del Libro, na Gran Vía, comprei para Pedro um livro de contos do escritor uruguaio Horacio Quiroga, La Gallina Degollada. «Histórias psicológicas de suspense», lia-se na sinopse. Mesmo do outro lado da rua havia uma loja de artigos desportivos, onde comprei para Salgueiro umas calças de fato de treino azuis, a condizer com o roupão da mulher. E, numa ourivesaria mesmo ao lado da Plaza Mayor, comprei uns brincos compridos de filigrana para Fiama.

Ao fim da tarde, sentei-me de novo no Parque do Retiro e bebi mais horchata. Começava a ser capaz de pensar e até descobri que conseguia fazer cálculos de cabeça, pelo que engoli mais dois calmantes. Saí do parque pelo lado norte e fui dar a uma rua com vários restaurantes escuros e bafientos, com presuntos a pender do teto. Não havia dúvida de que choviam carcaças de porcos em Madrid.

Toda a gente menos eu estava a petiscar, porque já eram oito e meia. De pé junto ao balcão, comi…

polvo com a consistência de borracha;

espinafres cozidos que sabiam a papel higiénico molhado;

batatas e pepinos que pareciam couro mole e oleoso a passear na minha boca.

Havia demasiado barulho no restaurante. Eu ia apontando para aquilo que queria, enquanto me questionava sobre o que se passaria para a comida estar tão insípida e borrachosa. Ao cabo de algum tempo, apercebi-me de que não sentia o sabor de nada. O chá era água quente, e nem quando lhe juntei dois pacotes de açúcar a sensação desapareceu.

Arrastei-me até um café com esplanada no Paseo de la Castellana, com cadeiras metálicas vermelhas e amarelas. Tinha-se levantado um vento frio sabe Deus donde. Vesti a camisa de pirata e o colete.

O Sol pôs-se no horizonte, continuei a beber chá, as mãos no meu gorro boliviano de lã.

Sentia-me feliz.

Dei comigo a pensar outra vez por que diabo tinha eu deixado as drogas.

Um cavalheiro idoso, alto e com ar distinto, vestindo um colete cinzento de tecido espinhado e uma camisa amarelo-clara aproximou-se. Trazia o cabelo penteado numa espécie de remoinho de prata. Tinha um queixo severo e olhar firme. Fez-me lembrar o retrato do Doge Leonardo Loredan, de Bellini.

– Precisa de um sítio para se hospedar? – perguntou em espanhol.

– Não, estou bem – respondi.

Americano?

Assenti.

– Posso sentar-me? – Falava um inglês carregado.

De todas as vezes que visitara Madrid, esta era a primeira em que alguém se convidava a sentar-se ao pé de mim. Perguntei-me se estaria enfeitiçado.

– Precisa de dinheiro? – sussurrou, inclinando-se sobre a mesa.

Eis o que ouvi: «Jew neet môunei.»17 Portanto, ri-me.

– Não, este judeu está mesmo bem – repliquei. Ele ergueu as sobrancelhas e contemplou-me com gravidade, por isso acrescentei, delicadamente: – Tenho um bom quarto de hotel. Obrigado.

– Desculpe – pediu. – Percebi mal. Você está com um aspeto de… – Fez um gracioso gesto europeu com a mão, que poderia ser interpretado de mil maneiras.

Deduzi que queria dizer que estava com um aspeto deplorável. Mas precisava de ter a certeza.

– Estou com aspeto de quê? – perguntei.

Jew está com aspeto de… de não dormiu lá muito bem.

Achei que era capaz de ser divertido ver-me.

– Por acaso não tem consigo um espelho? – perguntei.

– Desculpe…

Tiene espejo?

– Não, lamento.

Olhou-me fixamente. O pé bateu no meu.

– Vai ficar uns dias em Madrid? – perguntou-me.

– Talvez, não sei.

Voltou a bater-me no pé.

Pelos vistos, era uma técnica de engate à espanhola, porque a seguir acrescentou:

– Se não se importar, gostava de lhe mostrar a cidade. É uma cidade demasiado grande para uma pessoa sozinha.

Arrastei os pés para trás de modo a ficarem debaixo da cadeira e inclinei-me para ele.

– Você parece-me um homem muito decente. E gostaria de pensar que eu também sou. Mas tenho de lhe dizer que não posso dormir consigo.

– Eu só quero olhar para si – sussurrou. – Ouça, sem lhe tocar.

– O que quer dizer com isso?

Apontou para os olhos e sorriu com doçura. Tinha dentes tortos e amarelos. Os homens americanos já não têm dentes manchados. É uma coisa que admiro nos europeus.

– Podemos ficar só aqui a conversar? – perguntou. – E eu deixo que os meus olhos se passeiem sobre si.

Assenti. Chamava-se Juan. Emigrara para Inglaterra nos anos cinquenta, fora carpinteiro numa grande empresa e agora estava reformado. Tinha uma filha, artista, que vivia em Barcelona. Falava com serenidade e elegância sobre ela, e eu gostava do seu sotaque. Que grande prazer ouvir um homem falar de outro ser humano como se fosse a melhor prenda que recebera!

17 Trata-se de um jogo de palavras baseado no sotaque do desconhecido. Ele pergunta em inglês: You need money?, mas com o sotaque espanhol, o americano pensa que ele diz: O judeu precisa de dinheiro? (N. da T.)