Relatório do Dr. Lutz comunicado ao Dr. Azevedo Lima*

Entre as moléstias que se podem atribuir a microganismos vegetais, a lepra ocupa um dos primeiros lugares. Há certas questões para o estudo das quais não há material mais favorável do que a lepra tuberosa, e por isso os progressos modernos da técnica microscópica foram empregados, de preferência, nesta. Uma série de autores dedicou-se a estudos sobre a histologia da lepra e os resultados obtidos por estes não deixam de ter uma certa importância prática, merecendo um resumo.

O primeiro que observou pequenos corpúsculos de forma de bastonetes na secreção dos tubérculos leprosos foi Hansen. Em 1874, suas observações foram verificadas por Klebs. O primeiro que empregou a coloração por cores de anilina foi Neisser. Tornou-se de importância capital para esse estudo o emprego de vários processos para a coloração isolada dos esquizomicetos, e deles citaremos como os mais importantes os de Ehrlich, de Gram e de Gottstein.

O estudo da estrutura do microrganismo da lepra foi facilitado por um processo descoberto pelo autor e aperfeiçoado por Unna, pelo qual se obtém uma coloração dupla do bastonete, quer empregando uma só cor de anilina, quer duas cores diferentes.

O microrganismo da lepra acha-se nos tecidos sob três formas diferentes, a saber: sob a de pequenos corpúsculos esféricos ou ovais; sob a de bastonetes isolados; e, por fim, em grandes massas resplendentes que contêm uma grande porção dos dois primeiros elementos.

Os corpúsculos arredondados, que variam em diâmetro de 1/3 a 1/2 micromilímetro, encontram-se em pequena proporção no estado isolado; mas pode-se provar, pelo último processo mencionado, que existem no interior de todos os bastonetes. Representam, provavelmente, a célula vegetal, que forma a base desse esquizomiceto. Suponho que essas células se desdobram sem participação da membrana, que continua a revestir os novos corpúsculos depois de afastados, em forma de bainha alongada. Pela continuação desse processo de cisão formam-se novos invólucros por dentro do primitivo. Logo depois de sua formação, têm uma consistência sólida; deixam-se colorir perfeitamente pelas cores de anilina sob a forma de bastonetes e conservam essa coloração com persistência; mais tarde sofrem uma metamorfose gelatinosa pela qual intumescem e acabam por fundir-se com os invólucros dos bastonetes vizinhos em uma massa volumosa, resplendente, colóide, pouco tingível.

Essas massas de zoogléia, por causa de sua forte refração, não deixam perceber os bastonetes nelas incluídos, senão em condições especiais. Embora já tenham sido observadas por Hansen, a sua natureza por muito tempo foi desconhecida, e foram descritas como corpos amarelos, células resplendentes etc.

Tratando cortes de tecido leproso pelo álcool absoluto e óleo de cravos, antes de incluí-los no bálsamo-do-canadá, essas massas gelatinosas aparecem com contornos bem determinados que foram erroneamente considerados como membranas celulares. Esse aspecto provém do fato de que a substância gelatinosa conserva uma certa quantidade de água absorvida com tanta avidez e tenacidade que não pode ser subtraída pelo álcool; por isso não se mistura com o bálsamo e distingue-se por uma refração diferente. Porém, essa água pode ser evaporada pelo emprego cauteloso do calor da chama do espírito de vinho, como foi demonstrado por Unna. Então, as partes resplendentes diminuem de modo a formar somente o centro dessas massas e apresentam a aparência de uma bolha de ar incluída em líquido. Aumentando o calor, acabam por desaparecer, e então a preparação apresenta somente um grande número de bastonetes bem definidos, quer isolados quer acumulados, de 3 a 8 micromilímetros.

A questão da formação dos poros não está resolvida definitivamente; não se pode considerar como tais as pequenas esferas, mas talvez certos corpúsculos maiores, ovais, encontrados em menor número, representam esse papel. Em todo caso, o microrganismo da lepra não pertence aos bacilos legítimos, formados por uma ou mais células cilíndricas.

A respeito da distribuição dos micróbios característicos, segundo os órgãos afetados e as várias formas apresentadas, os estudos de Neisser, Arning, Leloir, Hansen e muitos outros têm mostrado que são encontrados tanto na forma tuberosa, como na anestésica e mista, fornecendo, assim, uma nova e importante prova de sua identidade etiológica. Na forma anestésica, os esquizomicetos são encontrados quer isolados, quer em massas maiores por dentro do nervo e entre as fibras, em parte degeneradas, principalmente nas regiões em que a moléstia durante a vida se manifestou por perturbações funcionais e às vezes por modificações palpáveis dos troncos nervosos. Estes, conforme o período do processo, aparecem quer intumescidos, quer adelgaçados.

Há unanimidade sobre a ausência dos micróbios nas manchas pigmentares (Leloir, Bidenkap, Lutz). Nas bolhas de pênfigo leproso [pemphigusleproso] diz-se terem sido encontradas uma vez, porém este fato pouco verossímil necessita de provas ulteriores: não pude achá-los nas partes moles de um dedo grande do pé afetado de uma úlcera anestésica e de uma hipertrofia difusa. Entretanto, parecem existir também nos gânglios linfáticos, quando estes estão hipertrofiados, na forma anestésica.

Na lepra tuberosa e mista os micróbios existem em grande quantidade, tanto nas infiltrações difusas, como nos tubérculos e na secreção das úlceras provenientes da supuração destes. Foram encontrados também nas infiltrações da córnea, na laringe, nas glândulas linfáticas e nos testículos; no baço e no fígado têm sido encontrados em número menos considerável, porém foram procurados debalde nos rins. As afecções dos pulmões e do intestino precisam de estudos mais detidos para confirmar o seu caráter leproso pretendido por Arning. No sangue tirado de regiões imunes não foi encontrado com bastante certeza.

A distribuição tem sido mais bem estudada na pele, onde pode aparecer em número tão grande que o tecido vegetal iguala ou mesmo excede o volume do tecido animal na massa dos tubérculos. Estão situados principalmente no córion, cujo tecido conjuntivo pela sua influência toma a forma de tecido granular; as células de granulação são cercadas e divididas pelas massas de micróbios situados nos espaços intercelulares. Acham-se também nos vasos linfáticos e sanguíneos que parecem formar o ponto de partida dos tubérculos e penetram nos folículos pilosos, mas evitam as glândulas sudoríparas, a epiderme e uma zona estreita subepidérmica. Da pele se estendem às cartilagens vizinhas -por exemplo, no nariz, laringe, orelha etc.

Para distinguir os micróbios específicos da lepra, o processo de Ehrlich (com suas diversas modificações) é de grande importância: enquanto os outros microrganismos e os tecidos – com exceção dos de natureza córnea – se apresentam descorados, os micróbios da tuberculose e da lepra conservam a cor primitiva. Pelo meu processo distinguem-se também dos outros organismos, mas não um do outro.

É um fato muito interessante este – o de duas moléstias que tanto se assemelham pelo lado anatômico, como a tuberculose e a lepra, serem produzidas por parasitas que apenas diferem entre si. Não podem ser discriminadas com certeza nem pela forma nem pelas reações de coloração; mas, tomando-se em conta as condições anatômicas e clínicas, será possível distingui-las quase sempre. De outras moléstias que têm parentesco com a lepra, organismos parecidos foram observados com toda certeza no mormo, ao passo que, para a sífilis, sua existência ficou provável, mas não bastante demonstrada; porém todos esses organismos facilmente se distinguem pelas reações de coloração.

Pode-se fazer fora do corpo culturas dos esquizomicetos da tuberculose e do mormo, e a inoculação destes produz a moléstia típica, o que prova que tais micróbios são a verdadeira causa daqueles processos mórbidos. Quanto à sífilis e à lepra, não foi possível ainda transplantá-las em animais. A primeira inocula-se no organismo humano com facilidade por demais conhecida; uma série de experiências feitas nesse sentido acerca da lepra não deu resultado algum (dois autores alemães, Melcher e Ortmann, crêem ter produzido em coelhos uma moléstia generalizada, pela implantação de tubérculos, mas esses resultados isolados precisam de mais confirmação). Também uma cultura pura de micróbios da lepra não tem sido com certeza obtida fora do corpo humano, porém a sua existência numerosa em todos os casos da moléstia e as analogias com as moléstias referidas não deixam dúvida de que representam o papel mais importante tanto no seu desenvolvimento como na sua propagação.

Terminaremos estas notas com uma explicação breve dos processos histológicos usados no estudo da lepra. Para esses exames precisa-se de aumentos fortes e de uma luz intensa e de preparações transparentes. Essas condições são preenchidas com o emprego da coloração intensa das preparações que se fazem mais transparentes por meio dos óleos essenciais ou do bálsamo-do-canadá. Pode-se, então, usar um diafragma aberto e o aparelho de Abbé acumulando a luz na preparação; por este meio os contornos das células e outros elementos morfológicos que formam a imagem chamada da estrutura são apagados, percebendo-se somente a imagem colorida. Examina-se pelas novas objetivas de imersão em óleo de cedro ou outro líquido com refração igual à do vidro.

Para a coloração dos micróbios da lepra empregam-se somente as cores de anilina que têm a composição química de um sal, e não as que correspondem a um ácido. Entre as primeiras, as mais empregadas são a fucsina (magenta) ou o violeta e azul de metileno e violeta, chamado de genciana, que é uma pararrosanilina. Estas cores dissolvem-se na água com ou sem emprego preliminar de álcool. Obtém-se um poder corante maior ajuntando um pouco de ácido fênico ou tímico ou uma solução aquosa de óleo de anilina.

Os cortes microscópicos são imersos nessas soluções até tomarem uma coloração intensa e homogênea, sendo precisas, para esse fim, duas a 24 horas. Para examinar as secreções, estendem-se em camadas finas sobre uma lâmina e deixa-se secar; passa-se depois três vezes lentamente sobre uma chama de álcool, conservando a face em que se acha a camada para cima. Depois podem ser tingidas no líquido corante fervendo, quando a coloração se faz em poucos segundos.

Pelo processo de Ehrlich, imerge-se a preparação colorida pela fucsina numa solução de meia parte de ácido nítrico em três de água até desaparecer a cor vermelha; passa-se então no álcool de 60 a 70 graus. Aqui reaparece a cor vermelha, sendo extraída quase imediatamente a cor de todos os elementos da preparação, com exceção da dos micróbios da lepra.

No método de Gram, as preparações coloridas com violeta de genciana são imersas na solução de iodureto de potássio e iodo e lavadas, depois, no álcool. No processo de Gottstein, a primeira solução é composta de qualquer sal inorgânico, como o clorureto de sódio, nitrato de prata etc. Todos esses processos dão uma coloração isolada dos micróbios em forma de bastonetes.

O meu método consiste no emprego de uma solução de iodureto de potássio, decomposta instantaneamente pelo ácido nítrico ou, pouco a pouco, por algum ácido orgânico, ou, enfim, segundo uma modificação de Unna, pelo peróxido de hidrogênio. Essas preparações, depois de lavadas no álcool, mostram os micróbios em forma dos grânulosjá mencionados.

Todos esses processos são baseados no fato de que tais microrganismos combinam-se com as cores de anilina de um modo tal que resistem ao emprego, tanto dos ácidos, como dos sais orgânicos que destroem as combinações que existem entre os tecidos e as cores; por isso o álcool extrai a cor, por assim dizer precipitada, dos tecidos, respeitando tão-somente a parte que entrou em combinação química com a substância dos micróbios.

Para se examinar as preparações, é preciso extrair a água nelas contida, quer por meio do álcool absoluto, quer pelo emprego do calor, segundo Unna; depois podem ser examinados no óleo de cravo ou de cedro ou fechadas no bálsamo-do-canadá dissolvido em xilol ou essência de terebintina. Convém, antes disso, colorir os núcleos das células por meio de uma cor de anilina diferente. Pode-se empregar também a carmina ou a hematoxilina, que têm a vantagem de poderem ser empregadas antes dos processos mencionados.