Anexo/Annex
1915
Lepra e imigração*
Analisando as relações existentes entre a lepra e a imigração, convém distinguir em primeiro lugar entre a imigração espontânea e a imigração estabelecida e favorecida pelo Estado.
Uma outra distinção deve ser feita entre a imigração terrestre e a imigração marítima. Finalmente, convém considerar também a emigração, que deve obedecer a leis análogas às da imigração, e aqui devemos distinguir entre a emigração de brasileiros nascidos ou naturalizados e a saída de residentes estrangeiros. É claro que a importação de casos de lepra no Brasil não significa apenas levar corujas para Atenas, mas constitui um perigo adicional, principalmente porquejá está verificado que entre nós essa moléstia encontra as condições necessárias para propagar-se. Também a tarefa de providenciar para os casosjá existentes é bastante séria, sem que haja ainda um aumento desnecessário e evitável. De outro lado convém lembrar-se que o perigo da importação de novos casos atualmente é diminuto e nãojustifica medidas excepcionais, dirigidas apenas contra essa moléstia. Além das exigências do comércio e do tráfego livre, deve-se considerar que, em relação à lepra, as nossas relações com o estrangeiro oferecem tanto ou mais perigo para os outros que para nós e, qualquer medida vexatória chamaria naturalmente represálias, além de produzir impressões muito desfavoráveis, que convém evitar.
Assim, parece que nos casos em que as medidas sanitárias em vigor não nos protegem suficientemente, a lepra não seja considerada de outro modo que o resto das moléstias agudas e crônicas que podem determinar novos focos, o que não impede mencionar seu nome. Pode, por exemplo, entrar na mesma categoria que o favo, o tracoma e a sarna, e esta lista em certos casos pode incluir também a sífilis e a tuberculose nas suas manifestações mais graves.
Tratando-se de imigração subvencionada e favorecida pelo Estado, este tem o direito, e mesmo a obrigação de exercer uma fiscalização, excluindo pessoas cujos antecedentes de saúde física e psíquica sejam defeituosos ou que não ofereçam garantias de moralidade. Para este fim pode-se exigir ou um atestado dado por médico ou autoridade local, ou pelo menos uma declaração formal do chefe de família, antes de conceder uma passagem livre. Pode-se também exigir uma declaração do médico de bordo, que se podia combinar com um atestado de vacinação. Exigindo este de todos os passageiros ou somente dos de terceira classe, facilitava-se a constatação das moléstias mencionadas sem a necessidade de medidas vexatórias. Ficava então a decisão definitiva para as autoridades sanitárias brasileiras antes do desembarque, nos casos em que existem motivos para suspeitar uma moléstia contagiosa. Na falta destas, não se poderá proceder, em tempos normais, a um exame físico, rigoroso, de todos os passageiros; podia-se, todavia, exigir uma declaração do chefe de família sobre o estado de saúde das pessoas que o acompanham.
É de supor que nenhuma das companhias, estrangeiras, que quase exclusivamente transportam os passageiros de outros países, admitirá deliberadamente doentes de lepra; por isso só poderão embarcar por contrabando. O mesmo se dará com leprosos que desejarem ir para fora, seja com o fim de se tratar, seja para voltar à sua terra.
As outras nações também não quererão admitir doentes dessa moléstia. Finalmente, às companhias também não convém repatriar casos que sejam reconhecidos apenas no fim da viagem. Assim o leproso está em perigo de ficar uma espécie dejudeu errante e seria conveniente considerar o que se deve fazer com doentes nessas condições. O mais simples seria consentir que embarquem em certos vapores onde se tenha um médico, mas, pequeno número de passageiros, ocupando durante a viagem um pequeno hospital de isolamento, protegido por tela de arame, e submetendo-se depois de sua chegada às determinações das autoridades sanitárias locais. Se para esses casos não se mostra alguma condescendência, sempre procurarão esconder a sua moléstia, viajando nas mesmas condições que os outros passageiros, o que também não convém. Por isso deve-se fazer o possível para que os estrangeiros sofrendo dessa moléstia sejam excluídos da imigração, antes de ter tomado passagem. Os estrangeiros que adquirirem a moléstia residindo entre nós, não poderão ser obrigados a deixar o país, porquanto se submetam aos regulamentos em vigor.
Quanto à imigração por terra, pode-se dizer que os países vizinhos não são isentos de lepra mas, talvez com exceção da Colômbia, o número relativo de doentes não deve ser maior do que entre nós. Aqui a higiene podia ir de acordo com a alfândega, exigindo de todos os viajantes ou apenas dos que desejam demorar-se mais tempo, um atestado certificando que não sofrem de moléstia considerada contagiosa.
O mesmo poderia ser exigido pelas autoridades locais dos lugares onde desejam fixar residência. Essa medida seria muito mais necessária no caso dos patrícios que desejam mudar-se de um lugar para outro, porque o número deles deve ser muitas vezes maior. É certo que um atestado desses não dá grande garantia, mas não deixa de ter um certo efeito moral e permite responsabilizar as pessoas que deliberadamente fizerem declarações falsas. Em casos de suspeitas fundadas, as autoridades poderão então requerer um exame sanitário, sem estender essa medida a todos os viajantes, o que não seria oportuno.