O computador e a internet estão entre as invenções mais importantes de nosso tempo, mas pouca gente sabe quem foram seus criadores. Elas não foram boladas num sótão ou numa garagem por inventores solitários que possam figurar em capas de revistas ou em um panteão ao lado de Edison, Bell e Morse. Em vez disso, a maior parte das inovações da era digital foi criada de maneira colaborativa. Havia muitas pessoas fascinantes envolvidas, algumas bastante engenhosas e até mesmo alguns gênios. Esta é a história desses pioneiros, hackers, inventores e empreendedores — quem foram eles, como suas mentes funcionavam e o que os tornava tão criativos. Também é a narrativa de como eles colaboraram e de por que sua habilidade de trabalhar em equipe os tornou ainda mais criativos.
A história do trabalho em equipe é importante porque não costumamos dar importância a essa capacidade central para a inovação. Existe uma profusão de livros dedicados a celebrar pessoas que nós, biógrafos, retratamos, ou transformamos em mitos, como inventores solitários. Eu mesmo escrevi alguns. Procure a frase “o homem que inventou” na Amazon e você encontrará 1860 resultados de livros. Mas temos bem menos histórias sobre a criatividade coletiva, que na verdade é mais importante para entender como a atual revolução tecnológica se desenvolveu. Essas histórias também podem ser mais interessantes.
Falamos tanto de inovação hoje que essa palavra se tornou moda e foi esvaziada de um significado claro. Por isso, neste livro tento demonstrar como a inovação de fato ocorre no mundo real. Como os inovadores mais criativos de nosso tempo transformam ideias desconcertantes em realidades? Concentrei-me em cerca de doze das mais importantes descobertas da era digital e nas pessoas que fizeram essas descobertas. Quais ingredientes produziram esses saltos criativos? Quais capacidades e quais características se mostraram mais úteis? Como eles pensavam, como lideraram e como colaboraram? Por que alguns deles obtiveram êxito e outros fracassaram?
Também exploro as forças sociais e culturais que propiciaram a atmosfera para a inovação. No caso do nascimento da era digital, isso incluiu um ecossistema de pesquisa que foi alimentado por gastos governamentais e gerido por uma colaboração militar-industrial-acadêmica. Somou-se a isso uma vaga aliança de organizadores comunitários, hippies de pensamento comunalista, pessoas que tinham como hobby fazer as coisas por conta própria e hackers autodidatas, a maior parte dos quais olhava com suspeita a ideia de uma autoridade centralizada.
Podem ser escritas narrativas com ênfase em qualquer um desses fatores. Um exemplo é a invenção do Harvard/IBM Mark I, o primeiro grande computador eletromecânico. Uma de suas programadoras, Grace Hopper, escreveu uma história focada em seu principal criador, Howard Aiken. A IBM respondeu com uma história que apresentava suas equipes de engenheiros anônimos que contribuíram com as inovações adicionais, de contadores a alimentadores de cartões, que faziam parte da máquina. Do mesmo modo, existe há tempos uma disputa sobre se devemos dar ênfase a grandes indivíduos ou a correntes culturais; em meados do século XIX, Thomas Carlyle declarou que “a história do mundo não é mais do que a biografia dos grandes homens”, enquanto Herbert Spencer propôs uma teoria que enfatizava o papel das forças sociais. Acadêmicos e participantes muitas vezes veem esse equilíbrio de maneira diferente. “Enquanto professor, minha tendência era pensar na história como dominada por forças impessoais”, disse Henry Kissinger a repórteres durante uma de suas viagens regulares ao Oriente Médio nos anos 1970. “Mas quando você vê as coisas na prática, percebe a diferença que as personalidades fazem.”1 Quando o assunto é a inovação na era digital, entram em cena várias forças pessoais, culturais e históricas — assim como acontece nos acordos de paz no Oriente Médio —, e neste livro tento unir todas elas.
A internet foi construída originalmente para facilitar a colaboração. Por outro lado, os computadores pessoais, em especial os destinados ao uso doméstico, foram pensados como ferramentas para a criatividade individual. Por mais de uma década, desde o início dos anos 1970, o desenvolvimento das redes e o dos computadores domésticos avançaram por caminhos separados. Eles enfim começaram a andar juntos no final dos anos 1980 com a chegada dos modems, dos serviços on-line e da web. Assim como a combinação de motores a vapor e de processos mecânicos ajudou a fomentar a Revolução Industrial, a combinação do computador com as redes de distribuição levou à revolução digital que permitiu a qualquer um criar, disseminar e acessar qualquer informação a partir de qualquer lugar.
Historiadores da ciência às vezes são avessos a chamar de revoluções períodos de grandes mudanças. “Nunca houve uma Revolução Científica, e este livro é sobre isso” é a estranha frase de abertura do livro do professor de Harvard Steven Shapin sobre aquela época.2 Um método que Shapin usou para escapar de sua contradição meio brincalhona foi perceber como os principais protagonistas do período “expressavam com vigor a ideia” de que eles eram parte de uma revolução. “Nossa noção de transformação radical em andamento em grande parte vem deles.”
Do mesmo modo, a maior parte de nós hoje compartilha uma sensação de que os avanços digitais dos últimos cinquenta anos estão transformando, talvez até revolucionando, o modo como vivemos. Posso me lembrar da empolgação que cada nova descoberta trazia. Meu pai e meus tios eram engenheiros elétricos, e, como muitos dos personagens deste livro, cresci com uma oficina no porão que tinha placas de circuito a serem soldadas, rádios a serem abertos, válvulas a serem testadas, e caixas de transístores e de resistores a serem selecionados e usados. Sendo um geek da eletrônica que adorava Heathkits e radioamadorismo (WA5JTP), lembro-me quando as válvulas foram substituídas por transístores. Na faculdade, aprendi a programar usando cartões perfurados e me recordo de quando a agonia de processar em lote foi substituída pelo êxtase da interação estilo mão na massa. Nos anos 1980 eu me arrepiava com a estática e com os ruídos que os modems faziam ao abrir para você o estranhamente mágico reino dos serviços on-line e dos bulletin boards, e no início dos anos 1990 ajudei a gerenciar uma divisão da Time e da Time Warner que lançou novos serviços para a web e para internet de banda larga. Como Wordsworth disse sobre os entusiastas que estiveram presentes no início da Revolução Francesa, “era um êxtase estar vivo naquela aurora”.
Comecei a trabalhar neste livro há mais de uma década. Ele surgiu do meu fascínio pelos avanços da era digital que eu havia testemunhado e também da minha biografia de Benjamin Franklin, que foi um inventor, inovador, empreendedor, editor, pioneiro do serviço postal e um versátil criador de redes de informação. Eu queria deixar de fazer biografias, que tendem a enfatizar o papel de indivíduos singulares, e fazer mais uma vez um livro como The Wise Men, que havia escrito com um colega sobre a equipe criativa de seis amigos que moldaram as políticas de Guerra Fria dos Estados Unidos. Meu plano inicial era me concentrar nas equipes que inventaram a internet. Quando entrevistei Bill Gates, porém, ele me convenceu de que o surgimento simultâneo da internet e do computador pessoal conduzia a uma história mais rica. Deixei este livro de lado no início de 2009, quando comecei a trabalhar na biografia de Steve Jobs. Mas a história dele reforçou meu interesse em como o desenvolvimento da internet e o dos computadores se entrelaçavam, de modo que, assim que terminei aquele livro, voltei a trabalhar nesta narrativa dos inovadores da era digital.
Em parte pelo fato de os protocolos da internet terem sido inventados por colaboração entre pares, o sistema tinha embutido em seu código genético uma propensão a facilitar esse tipo de colaboração. O poder de criar e de transmitir informações era plenamente distribuído para cada um dos nós, e qualquer tentativa de impor controles ou uma hierarquia podia ser contornada. Sem cair na falácia teleológica de atribuir intenções ou uma personalidade à tecnologia, é correto afirmar que um sistema de redes abertas conectadas a computadores controlados individualmente tendia, assim como foi o caso da imprensa, a eliminar a possibilidade de que algum tipo de controle sobre a distribuição de informação fosse feito por intermediários, autoridades centrais e instituições que contratassem escriturários e tabeliães. Tornou-se mais fácil para pessoas comuns criar e compartilhar conteúdo.
A colaboração que criou a era digital não ocorreu apenas entre contemporâneos, mas também entre gerações. Ideias foram repassadas de um grupo de inovadores para o próximo. Outro tema que surgiu de minha pesquisa foi o fato de que com frequência usuários se apropriavam de inovações digitais para criar ferramentas de comunicação e de redes sociais. Também me interessei em saber como a busca por inteligência artificial — máquinas que pensam por conta própria — se mostrava repetidas vezes menos frutífera do que a criação de modos de forjar uma parceria ou uma simbiose entre pessoas e máquinas. Em outras palavras, a criatividade colaborativa que marcou a era digital incluía a colaboração entre humanos e máquinas.
Por fim, fiquei impressionado com o modo pelo qual a mais verdadeira criatividade da era digital veio daqueles que foram capazes de ligar as artes e as ciências. Eles acreditavam que a beleza importava. “Sempre me vi como uma pessoa da área de humanas quando era garoto, mas gostava de eletrônica”, Jobs me contou quando embarquei em sua biografia. “Então li algo dizendo que um de meus heróis, Edwin Land, da Polaroid, falou sobre a importância de pessoas que eram capazes de permanecer na interseção das humanidades com as ciências, e decidi que era isso que eu queria fazer.” As pessoas que ficavam confortáveis nessa interseção das humanidades com a tecnologia ajudaram a criar a simbiose homem-máquina que é o centro dessa história.
Assim como muitos aspectos da era digital, essa ideia de que a inovação fica no lugar em que a arte e a ciência se conectam não é nova. Leonardo da Vinci é o modelo, e o desenho que ele fez do Homem Vitruviano se tornou o símbolo da criatividade que floresce quando as humanidades e a ciência interagem. Quando Einstein ficava frustrado enquanto trabalhava na relatividade geral, ele pagava seu violino e tocava Mozart até conseguir se reconectar com aquilo que ele chamava de harmonia das esferas.
Quando o assunto é computadores, existe outra figura histórica, não tão conhecida, que incorporou a combinação das artes e das ciências. Assim como seu pai famoso, ela compreendeu o romance da poesia. Ao contrário dele, ela também via romance na matemática e nas máquinas. E é aí que nossa história começa.
Lord Byron (1788-1824), pai de Ada, em traje albanês, pintado por Thomas Phillips em 1835.
Ada, condessa de Lovelace (1815-52), pintada por Margaret Sarah Carpenter em 1836.
Charles Babbage (1791-1871), foto tirada c. 1837.