Às vezes, a inovação é uma questão de tempo. Uma grande ideia chega no exato momento em que existe a tecnologia para implementá-la. Por exemplo, a ideia de mandar um homem à Lua foi proposta justamente quando o progresso dos microchips tornou possível colocar sistemas de orientação por computador na ogiva de um foguete. Há outros casos, no entanto, em que essa sincronia não existe. Charles Babbage publicou seu artigo sobre um computador sofisticado em 1837, mas passaram-se cem anos até que as dezenas de avanços tecnológicos necessários para construir algo do gênero fossem alcançadas.
Alguns desses avanços parecem quase triviais, porém o progresso não vem apenas em grandes saltos, mas também na forma de centenas de pequenos passos. Pensemos, por exemplo, nos cartões perfurados, como os que Babbage viu nos teares de Jacquard e que se propôs a incorporar em sua Máquina Analítica. O aperfeiçoamento do uso dos cartões perfurados para computadores ocorreu porque Herman Hollerith, um funcionário do Escritório do Censo dos Estados Unidos, ficou estarrecido com o fato de que foram necessários quase oito anos para tabular manualmente os dados do recenseamento de 1880. Ele resolveu automatizar a tabulação de 1890.
Usando como base o modo como os condutores de trem perfuravam os bilhetes em vários lugares diferentes para indicar as características de cada passageiro (gênero, altura aproximada, idade, cor de cabelo), Hollerith inventou cartões perfurados com doze linhas e 24 colunas que registravam os fatos importantes sobre cada pessoa no censo. Os cartões então eram colocados entre uma grade de recipientes com mercúrio e um conjunto de pentes de pinos, que criavam um circuito elétrico onde houvesse uma perfuração. A máquina podia tabular não apenas os totais das linhas como também combinações de características, como o número de homens casados ou de mulheres nascidas em outros países. Usando os tabuladores de Hollerith, o censo de 1890 foi completado em um ano, em vez de em oito. Esse foi o primeiro grande uso de circuitos elétricos para processar informações, e a empresa que Hollerith fundou se tornou em 1924, depois de uma série de fusões e de aquisições, a International Business Machines Corporation (IBM).
Um modo de ver a inovação é entendê-la como a acumulação de centenas de pequenos avanços, como os contatores e os leitores de cartões perfurados. Em lugares como a IBM, que se especializam em melhorias diárias feitas por equipes de engenheiros, essa é a maneira preferida de compreender como a inovação de fato acontece. Algumas das tecnologias mais importantes de nossa era, como as técnicas de perfuração desenvolvidas ao longo das últimas seis décadas para extrair gás natural, surgiram graças a incontáveis pequenas inovações, assim como algumas poucas descobertas que causaram saltos tecnológicos.
No caso de computadores, houve muitos desses avanços incrementais feitos por engenheiros anônimos em lugares como a IBM. Mas isso não foi suficiente. Embora as máquinas que a IBM produziu no início do século XX pudessem compilar dados, elas não eram o que chamamos de computadores. Nem mesmo eram calculadoras particularmente hábeis. Eram imperfeitas. Além dessas centenas de pequenos avanços, o nascimento da era do computador exigiu alguns saltos imaginativos maiores realizados por visionários criativos.
O DIGITAL VENCE O ANALÓGICO
As máquinas inventadas por Hollerith e Babbage eram digitais, o que significa que elas calculavam usando dígitos: números inteiros discretos e distintos como 0, 1, 2, 3. Em suas máquinas, os números inteiros eram somados e subtraídos usando rodas dentadas e discos que clicavam um dígito por vez, como contadores. Outra abordagem em relação à computação era construir equipamentos que pudessem imitar ou reconstruir um modelo de um fenômeno físico e então fazer medições no modelo análogo para calcular os resultados. Esses eram conhecidos como computadores analógicos, porque operavam por analogia. Computadores analógicos não se baseiam em números inteiros discretos para fazer seus cálculos; em vez disso, eles usam funções contínuas. Em computadores analógicos, uma quantidade variável, como uma voltagem elétrica, a posição de uma corda em uma polia, a pressão hidráulica ou a medição de uma distância, é usada como um análogo para as quantidades correspondentes do problema a ser resolvido. Uma régua de cálculo é analógica; um ábaco é digital. Relógios com ponteiros são analógicos, e aqueles que exibem numerais são digitais.
Por volta da época em que Hollerith estava construindo seu tabulador digital, Lord Kelvin e seu irmão James Thomson, dois dos mais notáveis cientistas da Inglaterra, estavam criando uma máquina analógica. Ela foi projetada para lidar com a tediosa tarefa de resolver equações diferenciais, que ajudariam na criação de tábuas de maré e de tabelas com os ângulos de disparo que gerariam diferentes trajetórias para projéteis de artilharia. A partir de 1870, os irmãos inventaram um sistema que se baseava em um planímetro, instrumento que pode medir a área de uma forma bidimensional, como o espaço debaixo de uma curva em um pedaço de papel. O usuário traçaria o esboço da curva com o equipamento, que calcularia a área usando uma pequena esfera que era empurrada devagar ao longo da superfície de um grande disco rotativo. Ao calcular a área sob a curva, o mecanismo podia resolver equações por integração — em outras palavras, podia fazer uma tarefa básica de cálculo. Kelvin e o irmão conseguiram usar esse método para criar um “sintetizador harmônico” que podia produzir uma tábua de marés anual em quatro horas. Mas eles nunca conseguiram superar as dificuldades mecânicas de reunir vários desses equipamentos para resolver equações com muitas variáveis.
Esse desafio de reunir múltiplos integradores só foi superado em 1931, quando um professor de engenharia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Massachusetts Institute of Technology — MIT), Vannevar (pronuncia-se com final “íver”) Bush — guarde este nome, pois ele será um personagem central deste livro —, conseguiu construir o primeiro computador eletromecânico análogo do mundo. Ele chamou sua máquina de Analisador Diferencial. Ela era composta de seis integradores roda-disco, não muito diferentes daqueles usados por Lord Kelvin, que ficavam conectados a várias engrenagens, polias e eixos que eram rotacionados por motores elétricos. Bush foi ajudado pelo fato de estar no MIT, onde havia muitas pessoas que podiam construir e calibrar engenhocas complexas. A máquina resultante, do tamanho de um quarto pequeno, podia resolver equações com até dezoito variáveis independentes. Ao longo da década seguinte, versões do Analisador Diferencial criado por Bush foram montadas no Campo de Provas de Aberdeen, do Exército dos Estados Unidos, em Maryland, na Escola Moore de Engenharia Elétrica, da Universidade da Pensilvânia, e nas universidades de Manchester e de Cambridge, na Inglaterra. Elas se mostraram úteis sobretudo para construir tabelas de tiro para a artilharia — e para treinar e inspirar a próxima geração de pioneiros da computação.
A máquina de Bush, no entanto, não estava destinada a ser um avanço decisivo na história da computação, por ser um equipamento analógico. Na verdade, ela acabou sendo o último suspiro da computação analógica, pelo menos por várias décadas.
Novas abordagens, novas tecnologias e novas teorias começaram a surgir em 1937, exatos cem anos depois de Babbage ter publicado seu artigo sobre a Máquina Analítica. Esse se tornaria um annus mirabilis da era do computador, e o resultado seria o triunfo de quatro características, de algum modo inter-relacionadas, que definiriam a computação moderna:
Digital. Uma característica da revolução dos computadores foi o fato de que ela se baseou em computadores digitais, não analógicos. Isso ocorreu por muitas razões, como logo veremos, entre as quais avanços simultâneos na teoria lógica, nos circuitos e nos interruptores eletrônicos que tornaram a abordagem digital mais frutífera do que a analógica. Só em 2010 cientistas da computação, buscando imitar o cérebro humano, começariam a trabalhar de maneira séria em modos de reviver a computação analógica.
Binário. Os computadores modernos não só seriam digitais como o sistema digital que eles adotam seria binário, ou de base 2, o que significa que emprega apenas 0s e 1s em vez de todos os dez dígitos de nosso sistema decimal cotidiano. Como ocorre com muitos conceitos matemáticos, a teoria binária teve Leibniz como pioneiro no final do século XVII. Durante os anos 1940, tornou-se cada vez mais claro que o sistema binário funcionava melhor que outras formas digitais, incluindo o sistema decimal, para desempenhar operações lógicas com o uso de circuitos compostos por interruptores.
Eletrônico. Em meados dos anos 1930, o engenheiro britânico Tommy Flowers foi o pioneiro no uso de válvulas termiônicas que serviam como interruptores em circuitos eletrônicos. Até então, os circuitos haviam trabalhado com chaves mecânicas e eletromecânicas, como os relés eletromagnéticos que eram usados por companhias telefônicas. As válvulas termiônicas haviam sido utilizadas sobretudo para amplificar sinais e não como interruptores. Ao usar componentes eletrônicos como válvulas termiônicas, e mais tarde transístores e microchips, os computadores podiam trabalhar milhares de vezes mais rápido do que máquinas que tinham chaves eletromecânicas.
Propósito geral. Por fim, as máquinas teriam a capacidade de ser programadas e reprogramadas — e até de programar a si mesmas — para vários propósitos. Elas seriam capazes de resolver não apenas uma forma de cálculo matemático, como equações diferenciais, mas podiam lidar com uma multiplicidade de tarefas e de manipulações de símbolos, incluindo palavras, música e imagens, assim como números, atingindo desse modo o potencial que Lady Lovelace havia celebrado ao descrever a Máquina Analítica de Babbage.
A inovação ocorre quando sementes maduras caem em solo fértil. Os grandes avanços de 1937 não tiveram apenas uma causa, mas foram o resultado de uma combinação de capacidades, ideias e necessidades que coincidiram em vários lugares. Como é frequente acontecer nos anais da invenção, em especial na invenção relacionada à tecnologia da informação, o momento era adequado e havia algo no ar. O desenvolvimento das válvulas termiônicas para a indústria do rádio preparou o caminho para a criação dos circuitos eletrônicos digitais. Isso foi acompanhado por avanços teóricos na lógica que tornaram os circuitos mais úteis. E a marcha foi acelerada pelos tambores da guerra. À medida que as nações começaram a se armar para o conflito iminente, ficou claro que o poder de computação era tão importante quanto o poder de fogo. Os avanços se apoiavam uns nos outros, ocorrendo quase ao mesmo tempo e espontaneamente, em Harvard, no MIT, em Princeton, nos Laboratórios Bell, em um apartamento em Berlim e até, de maneira mais improvável e mais interessante, em um porão de Ames, em Iowa.
Por trás de todos esses avanços havia algumas belas — Ada diria poéticas — descobertas matemáticas. Uma dessas descobertas levou ao conceito formal de um “computador universal”, uma máquina de propósito geral que pudesse ser programada para desempenhar qualquer tarefa lógica e simular o comportamento de qualquer outra máquina lógica. O conceito foi moldado primeiro como um experimento mental por um brilhante matemático inglês que teve uma história de vida ao mesmo tempo inspiradora e trágica.
ALAN TURING
Alan Turing teve a criação fria de uma criança nascida nas franjas da decadente pequena nobreza britânica.1 Sua família havia sido agraciada em 1638 com um título de baronete, que fora transmitido a um de seus sobrinhos. Mas para os filhos mais novos da árvore genealógica, que era o caso do avô, do pai e do próprio Turing, não havia terras e quase não havia riqueza. A maior parte escolheu entrar para áreas como o clero, como seu avô, e para o serviço civil colonial, como seu pai, que trabalhou em serviços administrativos menores em regiões remotas da Índia. Alan foi concebido em Chatrapur, na Índia, e nasceu em 23 de junho de 1912, em Londres, enquanto seus pais passavam uma licença em casa. Quando tinha apenas um ano, seus pais voltaram para a Índia por mais alguns anos e entregaram Alan e seu irmão mais velho para um coronel reformado do Exército e sua esposa, para que os criassem em uma cidade litorânea na costa sul da Inglaterra. “Não sou psicólogo infantil”, escreveu mais tarde seu irmão, John, “mas estou certo de que é uma coisa ruim para uma criança de colo ser tirada da família e colocada em um ambiente estranho.”2
Quando sua mãe voltou, Alan viveu com ela por uns poucos anos e depois, aos treze, foi enviado para um internato. Ele foi para lá em sua bicicleta, tendo levado dois dias para percorrer cerca de cem quilômetros, sozinho. Havia algo intenso na sua solidão, que se refletia em seu gosto por longas caminhadas e passeios de bicicleta. Ele também tinha uma característica, tão comum nos inovadores, que foi descrita de maneira encantadora por seu biógrafo Andrew Hodges: “Alan tinha problemas para entender onde ficava aquela linha vaga que separava a iniciativa da desobediência”.3
Em uma recordação pungente, sua mãe descreveu o filho amado:
Alan tinha ombros largos, constituição forte e era alto, com um queixo proeminente, definido e com cabelos castanhos rebeldes. Seus olhos azul-claros, profundos, eram sua característica mais marcante. O nariz pequeno e um pouco arrebitado e as linhas graciosas de sua boca lhe davam um ar juvenil — às vezes infantil. Isso tanto é verdade que quando ele já tinha passado havia muito dos trinta anos às vezes ainda achavam que ele estava começando a cursar a faculdade. Quanto às vestimentas e aos costumes, ele tinha a tendência ao desleixo. O cabelo normalmente era longo demais, com um cacho que ficava pendente na frente do rosto e que ele jogava para trás com um movimento de cabeça […]. Ele podia ficar pensativo e sonhando acordado, absorto em seus próprios pensamentos, o que de vez em quando fazia com que parecesse pouco sociável […]. Havia ocasiões em que sua timidez o levava a ficar por demais constrangido […]. Na verdade, ele supunha que o isolamento de um monastério medieval lhe seria bastante adequado.4
No internato, chamado Sherborne, Alan percebeu que era homossexual. Ele se apaixonou por um colega de classe magro e louro, Christopher Morcom, com quem estudava matemática e discutia filosofia. Mas no inverno antes de se formar, o rapaz morreu de repente, de tuberculose. Turing mais tarde escreveria para a mãe de Morcom: “Eu simplesmente adorava o chão em que ele pisava — algo que nunca tentei disfarçar, lamento dizer”.5 Em uma carta para a própria mãe, Turing parecia se refugiar em sua fé:
Sinto que irei encontrar Morcom de novo em algum lugar e que lá ainda haverá trabalho para fazermos juntos, como acredito que havia trabalho para fazermos juntos aqui. Agora que fui deixado para fazer isso sozinho, não posso decepcioná-lo. Se tiver êxito, estarei mais apto a fazer companhia a ele do que estou hoje.
Mas a tragédia acabou erodindo a fé religiosa de Turing. Também teve o efeito de deixá-lo ainda mais introspectivo, e ele nunca mais considerou tarefa fácil construir relacionamentos íntimos. Seu tutor escreveu para seus pais na Páscoa de 1927: “Inegavelmente ele não é um garoto ‘normal’; não necessariamente pior, mas talvez menos feliz”.6
Em seu último ano em Sherborne, Turing ganhou uma bolsa para frequentar o King’s College, em Cambridge, para onde foi em 1931 a fim de aprender matemática. Um dos três livros que comprou com parte do dinheiro do prêmio foi The Mathematical Foundation of Quantum Mecanics, de John von Neumann, um matemático fascinante nascido na Hungria, que, como pioneiro no projeto de computadores, teria uma influência contínua em sua vida. Turing estava particularmente interessado na matemática que era o centro da física quântica, que descreve o modo como os eventos no nível subatômico são governados por probabilidades estatísticas, em vez de seguirem leis que determinam as coisas com certeza. Ele acreditava (pelo menos quando era jovem) que essa incerteza e essa indeterminação no nível subatômico permitiam que os humanos exercitassem o livre-arbítrio — uma característica que, se verdadeira, pareceria distingui-los das máquinas. Em outras palavras, o fato de os eventos no nível subatômico não serem predeterminados abre caminho para que nossos pensamentos e ações não sejam predeterminados. Como explicou em uma carta para a mãe de Morcom:
Antes, na ciência, supunha-se que se tudo fosse conhecido no Universo em um dado momento, então poderíamos predizer como ele seria ao longo de todo o futuro. Essa ideia na verdade se devia ao grande sucesso da previsão astronômica. A ciência mais moderna, no entanto, chegou à conclusão de que quando estamos falando de átomos e de elétrons somos bastante incapazes de saber seu estado exato; e nossos instrumentos são feitos eles próprios de átomos e de elétrons. Assim, a concepção de que seríamos capazes de saber o estado exato do universo deve na realidade ser rompida na pequena escala. Isso significa que a teoria segundo a qual, assim como os eclipses são previsíveis etc., também todas as nossas ações devem ser, é igualmente frustrada. Temos uma vontade que é capaz de determinar a ação dos átomos talvez em uma pequena porção do cérebro, ou possivelmente em todo ele.7
Pelo resto de sua vida, Turing enfrentaria a questão sobre se a mente humana era fundamentalmente diferente de uma máquina determinística, e ele aos poucos chegaria à conclusão de que a distinção era menos clara do que imaginava.
Turing também intuía que, assim como a incerteza permeava o mundo subatômico, havia problemas matemáticos que não podiam ser resolvidos em termos mecânicos e que estavam fadados a ficar sob uma capa de indeterminação. Na época, matemáticos estavam intensamente concentrados em questões relativas à completude e à consistência de sistemas lógicos, em parte devido à influência de David Hilbert, o gênio de Göttingen que, entre outras descobertas, inventou a formulação matemática da teoria da relatividade geral ao mesmo tempo que Einstein.
Em uma conferência de 1928, Hilbert expôs três questões fundamentais sobre qualquer sistema formal de matemática: 1) Seu conjunto de regras era completo, de modo que qualquer afirmação pudesse ser provada (ou provada falsa) usando apenas as regras do sistema?; 2) Ele era consistente, de modo que nenhuma afirmação pudesse ao mesmo tempo ser provada como verdadeira e como falsa?; 3) Existia algum procedimento que pudesse determinar se uma afirmação específica era comprovável, em vez de permitir a possibilidade de que algumas afirmações (a exemplo de enigmas duradouros da matemática como o último teorema de Fermat,a a conjectura de Goldbachb ou a conjectura de Collatzc ficassem fadadas a permanecer em um limbo de indecisão? Hilbert pensava que a resposta para as primeiras duas questões era sim, deixando a terceira aberta ao debate. Ele dizia isso de maneira simples: “Não há problemas insolúveis”.
Dentro de três anos, o lógico austríaco Kurt Gödel, que então tinha 25 anos e morava com a mãe em Viena, respondeu às duas primeiras questões de maneira inesperada: não e não. Em seu “teorema da incompletude”, ele demonstrou que existiam afirmações que não podiam ser comprovadas como verdadeiras nem como falsas. Entre elas, para simplificar ao máximo, estavam aquelas que continham afirmações autorreferentes como “Esta afirmação não pode ser comprovada”. Se a afirmação é verdadeira, então ela decreta que não temos como comprovar sua verdade; se é falsa, também leva a uma falsa contradição. É um pouco como o “paradoxo do mentiroso” da Grécia antiga, em que a verdade da afirmação “Esta afirmação é falsa” não pode ser determinada. (Se a afirmação for verdadeira, então ela também é falsa, e vice-versa.)
Ao demonstrar que havia afirmações que não podiam ser comprovadas como verdadeiras nem como falsas, Gödel mostrou que qualquer sistema formal poderoso o suficiente para expressar a matemática comum era incompleto. Ele também foi capaz de produzir um teorema associado à sua teoria que efetivamente respondia com um não à segunda questão de Hilbert.
Isso deixava em aberto a terceira das questões de Hilbert, aquela sobre a possibilidade de decisão, ou, como Hilbert a chamava, o Entscheidungsproblem ou “problema da decisão”. Embora Gödel tivesse mostrado algumas afirmações que não pudessem ser comprovadas como verdadeiras nem como falsas, talvez essa estranha classe de afirmações pudesse ser de algum modo identificada e isolada, deixando o restante do sistema completo e consistente. Isso exigiria que descobríssemos algum método para decidir se uma afirmação era passível de comprovação. Quando o grande professor de matemática de Cambridge Max Newman instruiu Turing sobre as questões de Hilbert, o modo como ele expressou o Entscheidungsproblem foi este: existe algum “processo mecânico” que possa ser usado para determinar se uma afirmação lógica específica é comprovável?
Turing gostou do conceito de um “processo mecânico”. Um dia no verão de 1935, ele saiu para sua costumeira corrida ao longo do rio Ely, e depois de alguns quilômetros parou para descansar entre as macieiras de Grantchester Meadows para refletir sobre uma ideia. Ele pensaria na noção de “processo mecânico” literalmente, bolando um processo mecânico — uma máquina imaginária — e usando-a no problema.8
A “Máquina Lógica de Computação” que ele vislumbrou (como um experimento mental, não como uma máquina real a ser construída) era bastante simples à primeira vista, mas podia lidar, em teoria, com qualquer computação matemática. Ela consistia em uma quantidade ilimitada de fita de papel contendo símbolos dentro de quadrados; no mais simples exemplo binário, esses símbolos podiam ser apenas um 1 e um espaço. A máquina seria capaz de ler os símbolos da fita e de desempenhar certas ações com base em uma “tabela de instruções” que lhe seria fornecida.9
A tabela de instruções diria à máquina o que fazer com base na configuração em que estivesse e no símbolo que aparecesse, se é que haveria algum, no quadrado. Por exemplo, a tabela de instruções para uma tarefa específica podia determinar que se a máquina estivesse na configuração 1 e visse um 1 no quadrado, ela deveria ir um quadrado para a direita e passar para a configuração 2. De maneira algo surpreendente, para nós, se não para Turing, essa máquina, se recebesse a tabela de instruções adequada, podia realizar qualquer tarefa matemática, não importando sua complexidade.
Como essa máquina imaginária poderia responder à terceira questão de Hilbert, o problema da decisão? Turing abordou o problema sofisticando o conceito de “números computáveis”. Qualquer número real que fosse definido por uma regra matemática podia ser calculado pela Máquina Lógica de Computação. Mesmo um número irracional como π podia ser calculado indefinidamente usando-se uma tabela finita de instruções. O mesmo valia para o logaritmo de 7, ou para a raiz quadrada de 2, ou a sequência de números de Bernoulli para a qual Ada Lovelace havia ajudado a produzir um algoritmo, ou qualquer outra série de números, não importando o quanto sua computação fosse desafiadora, desde que o seu cálculo fosse definido por um conjunto finito de regras. Todos esses eram, no jargão de Turing, “números computáveis”.
Turing foi em frente para demonstrar que também havia números não computáveis. Isso estava relacionado com o que ele chamava de “problema da parada”. Não podia existir método, ele demonstrou, que determinasse por antecipação se uma determinada tabela de instrução combinada com qualquer conjunto determinado de dados iria levar a máquina a chegar a uma resposta, ou a ir em direção a algum loop e a continuar dando voltas indefinidamente, sem chegar a lugar nenhum. O fato de o problema da parada ser insolúvel, ele demonstrou, significava que o problema da decisão de Hilbert, o Entscheidungsproblem, era insolúvel. Ao contrário do que Hilbert parecia esperar, não havia procedimento mecânico que pudesse determinar a possibilidade de comprovação de todas as afirmações matemáticas. A teoria da incompletude de Gödel, a indeterminação da mecânica quântica e a resposta de Turing ao terceiro desafio de Hilbert foram todos golpes na ideia de um universo mecânico, determinístico e previsível.
O artigo de Turing foi publicado em 1937 com o título um tanto sisudo de “On Computable Numbers, with an Application to the Entscheidungsproblem” [Sobre números computáveis, com uma aplicação ao Entscheidungsproblem]. A resposta dele à terceira questão de Hilbert foi útil para o desenvolvimento da teoria matemática. Mas muito mais importante foi o subproduto da prova de Turing: seu conceito de uma Máquina Lógica de Computação, que logo passou a ser conhecida como máquina de Turing. “É possível inventar uma única máquina que pode ser usada para computar qualquer sequência computável”, ele afirmou.10 Essa máquina seria capaz de ler as instruções de qualquer outra máquina e de desempenhar qualquer tarefa que essa outra máquina pudesse desempenhar. Em essência, ela dava corpo ao sonho de Charles Babbage e de Ada Lovelace de uma máquina universal de propósito totalmente geral.
Uma solução diferente e menos bela para o Entscheidungsproblem, com o ainda mais desajeitado nome de “cálculo lambda não tipado”, havia sido publicada antes naquele mesmo ano por Alonzo Church, matemático de Princeton. O professor de Turing, Max Newman, decidiu que seria útil para Turing ir estudar com Church. Em sua carta de recomendação, Newman descreveu o enorme potencial de seu aluno. Também acrescentou um pedido mais pessoal, com base na personalidade de Turing: “Ele tem trabalhado sem qualquer supervisão ou crítica de qualquer pessoa”, Newman escreveu. “Isso torna ainda mais importante que ele entre em contato o mais cedo possível com aqueles que são referência nessa área, de modo que não venha a se tornar um solitário irremediável.”11
Turing tinha mesmo uma tendência à solidão. Sua homossexualidade fazia com que às vezes ele se sentisse um estranho; ele vivia sozinho e evitava compromissos pessoais significativos. Em determinado momento, pediu uma colega em casamento, mas depois se sentiu obrigado a dizer a ela que era gay; a moça se manteve imperturbável e ainda continuou disposta a se casar, porém ele acreditava que a união seria uma fraude e decidiu não levá-la adiante. Mesmo assim, não se tornou um “solitário irremediável”. Aprendeu a trabalhar como parte de uma equipe, com colaboradores, o que foi fundamental para permitir que suas teorias abstratas se transformassem em invenções reais e tangíveis.
Em setembro de 1936, enquanto esperava que seu artigo fosse publicado, o candidato ao doutorado de 24 anos navegou para os Estados Unidos a bordo da terceira classe do envelhecido transatlântico rms Berengaria, levando com ele um sextante de latão de estimação. Seu gabinete em Princeton ficava no prédio do Departamento de Matemática, que também havia abrigado o Instituto de Estudos Avançados, onde Einstein, Gödel e Von Neumann trabalhavam. O culto e altamente sociável Von Neumann tinha mostrado um interesse especial pelo trabalho de Turing, apesar de suas personalidades muito diferentes.
As mudanças sísmicas e os avanços simultâneos de 1937 não foram diretamente causados pela publicação do artigo de Turing. Na verdade, o texto de início recebeu pouca atenção. Turing pediu à mãe que mandasse reimpressões dele para o filósofo matemático Bertrand Russell e para uma dúzia de outros acadêmicos famosos, mas a única resenha importante foi feita por Alonzo Church, que podia se sentir lisonjeado por ter chegado antes de Turing à solução do problema da decisão de Hilbert. Church não foi apenas generoso; ele inventou o termo “máquina de Turing” para designar aquilo que o jovem havia chamado de Máquina Lógica de Computação. Assim, aos 24 anos, o nome de Turing foi gravado de maneira indelével em um dos mais importantes conceitos da era digital.12
CLAUDE SHANNON E GEORGE STIBITZ NOS LABORATÓRIOS BELL
Houve outro avanço teórico seminal em 1937, semelhante ao de Turing no fato de também ser um experimento puramente mental. Trata-se do trabalho de um estudante de pós-graduação do MIT chamado Claude Shannon, que entregou naquele ano a dissertação de mestrado mais influente de todos os tempos, um artigo que a Scientific American mais tarde chamou de “a Constituição da Era da Informação”.13
Shannon cresceu em uma pequena cidade de Michigan, onde construiu aeromodelos e equipamentos de radioamadorismo, e depois cursou faculdade de engenharia elétrica e de matemática na Universidade de Michigan. No seu último ano, ele respondeu a um anúncio de emprego no quadro de avisos da universidade que oferecia uma vaga no MIT para trabalhar com Vannevar Bush e ajudar a operar o Analisador Diferencial. Shannon conseguiu o emprego e ficou hipnotizado com a máquina — não tanto pelas varetas, polias e rodas que formavam os componentes analógicos quanto pelos relés eletromagnéticos que operavam como interruptores e que eram parte de seu circuito de controle. À medida que sinais elétricos levavam os relés a abrir e fechar, os interruptores criavam diferentes padrões de circuito.
Durante o verão de 1937, Shannon deixou por algum tempo o MIT e foi trabalhar nos Laboratórios Bell, instituição de pesquisa administrada pela AT&T. Localizado em Manhattan à beira do rio Hudson, no Greenwich Village, o laboratório era um refúgio onde ideias eram transformadas em invenções. Lá, teorias abstratas se encontravam com problemas práticos, e nos corredores e nas lanchonetes teóricos excêntricos se misturavam com engenheiros que botavam a mão na massa, mecânicos de dedos nodosos e administradores do tipo solucionadores de problemas, incentivando a fertilização da teoria pela engenharia e vice-versa. Isso tornava os Laboratórios Bell o arquétipo de uma das bases mais importantes da inovação na era digital, aquilo que o historiador da ciência Peter Galison, de Harvard, chamou de “zona de intercâmbio”. Quando esses profissionais tão diferentes se reuniam, eles aprendiam a encontrar uma linguagem comum para trocar ideias e informações.14
Nos Laboratórios Bell, Shannon viu de perto a complexidade dos circuitos de sistemas telefônicos, que usavam comutadores elétricos para direcionar as chamadas e equilibrar cargas. Mentalmente, começou a fazer conexões entre o funcionamento desses circuitos e outro tema que considerava fascinante, a álgebra formulada noventa anos antes pelo matemático britânico George Boole. Boole revolucionou a lógica ao descobrir maneiras de expressar afirmações lógicas usando símbolos algébricos e equações. Empregando um sistema binário, ele deu a proposições verdadeiras o valor 1 e a proposições falsas o valor 0. Um conjunto de operações lógicas básicas — tais como e, ou, não, ou/ou e se/então — podia então ser realizado a partir dessas proposições, como se se tratasse de equações matemáticas. Shannon imaginou que circuitos elétricos podiam realizar essas operações lógicas de álgebra booliana usando-se uma combinação de interruptores. Para desempenhar uma função e, por exemplo, dois interruptores podiam ser colocados em sequência, de modo que ambos tivessem de estar ligados para que a eletricidade fluísse. Para desempenhar uma função ou, os interruptores podiam estar em paralelo, de modo que a eletricidade fluísse se qualquer um deles estivesse ligado. Em outras palavras, você podia projetar um circuito que contivesse vários relés e portas lógicas que pudessem desempenhar, passo a passo, uma sequência de tarefas lógicas.
(Um “relé” é simplesmente um interruptor que pode ser aberto ou fechado eletricamente, como pelo uso de eletromagnetos. Os que abrem e fecham são às vezes chamados de eletromecânicos por terem partes móveis. Válvulas termiônicas e transístores também podem ser usados como interruptores em um circuito elétrico; eles são chamados de eletrônicos por manipularem o fluxo de elétrons, mas por não exigirem o movimento de quaisquer partes físicas. Uma “porta lógica” é uma chave que pode receber um ou mais sinais lógicos de entrada. Por exemplo, no caso de dois sinais lógicos, uma porta lógica e é ligada se ambos os sinais estiverem ligados, e uma porta lógica ou é ligada caso qualquer um dos sinais estiver funcionando. O insight de Shannon foi que isso podia ser usado em circuitos que podiam executar as tarefas da álgebra lógica de Boole.)
Quando Shannon voltou para o MIT no outono, Bush ficou fascinado com suas ideias e insistiu que ele as incluísse em sua dissertação de mestrado. Intitulada “A Symbolic Analysis of Relay and Switching Circuits” [Uma análise simbólica do relé e da comutação de circuitos], ela demonstrava como cada uma das muitas funções da álgebra de Boole podia ser executada. “É possível realizar operações matemáticas complexas usando circuitos de relés”, ele resumia ao fim do trabalho.15 Esse se tornou o conceito básico por trás de todos os computadores digitais.
As ideias de Shannon intrigaram Turing por estarem relacionadas de perto ao conceito que ele mesmo havia acabado de publicar de uma máquina universal que pudesse usar instruções simples, expressas em código binário, para resolver problemas não apenas de matemática, mas de lógica. Além disso, uma vez que a lógica se relacionava com o modo como os seres humanos pensam, uma máquina que desempenhasse tarefas lógicas podia, em teoria, imitar o modo de pensamento humano.
Nessa mesma época, estava trabalhando nos Laboratórios Bell um matemático chamado George Stibitz, cujo trabalho era descobrir modos de lidar com cálculos cada vez mais complicados que os engenheiros de telefonia necessitavam. As únicas ferramentas de que Stibitz dispunha eram calculadoras mecânicas de mesa, e assim ele se dispôs a inventar algo melhor com base no insight de Shannon de que circuitos elétricos podiam realizar tarefas matemáticas e lógicas. Em uma noite de novembro, já tarde, ele foi ao almoxarifado e pegou alguns relés eletromagnéticos e algumas lâmpadas velhas. Na mesa de sua cozinha, juntou as partes com uma lata de tabaco e umas poucas chaves para formar um circuito lógico simples que podia somar números binários. Uma lâmpada acesa representava 1, e uma lâmpada apagada representava 0. Sua esposa chamou aquilo de “Modelo K”, por ter sido feito em uma mesa de cozinha.d Ele levou a máquina para o escritório no dia seguinte e tentou convencer os colegas de que, com relés suficientes, podia construir uma máquina de calcular.
Uma missão importante dos Laboratórios Bell era descobrir modos de amplificar um sinal de telefone em longas distâncias e ao mesmo tempo filtrar a estática. Os engenheiros tinham fórmulas que lidavam com a amplitude e com a fase do sinal, e as soluções das equações deles às vezes envolviam números complexos (aqueles que incluem uma unidade imaginária que representa a raiz quadrada de um número negativo). Stibitz foi sondado por seu supervisor, que quis saber se a máquina que ele estava propondo podia lidar com números complexos. Quando ele disse que sim, foi designada uma equipe para ajudá-lo a construir a máquina. A Calculadora de Números Complexos, como foi chamada, foi completada em 1939. Tinha mais de quatrocentos relés, e cada um deles podia abrir e fechar mais de vinte vezes por segundo. Isso a tornava ao mesmo tempo muitíssimo mais rápida do que as calculadoras mecânicas e dolorosamente mais desajeitada do que os circuitos com válvulas termiônicas que estavam sendo inventados. O computador de Stibitz não era programável, mas mostrou o potencial de um circuito de relés para realizar matemática binária, processar informação e trabalhar com procedimentos lógicos.16
HOWARD AIKEN
Também em 1937, um estudante de doutorado em Harvard chamado Howard Aiken estava se esforçando para fazer cálculos tediosos para sua tese de física usando uma máquina de somar. Quando ele fez lobby para que a universidade construísse um computador mais sofisticado para realizar o trabalho, seu chefe de departamento mencionou que no sótão do centro de ciências de Harvard havia umas rodas de latão de um equipamento construído um século antes e que parecia ser semelhante àquilo que ele queria. Quando Aiken explorou o aposento, descobriu um dos seis modelos de demonstração da Máquina Diferencial de Charles Babbage, que o filho deste, Henry, havia feito e distribuído. Aiken ficou fascinado por Babbage e levou o conjunto de rodas de latão para seu gabinete. “Sem dúvida, tínhamos duas das rodas de Babbage”, ele se lembraria. “Aquelas foram as rodas que mais tarde montei e coloquei no corpo do computador.”17
Naquele outono, no momento em que Stibitz estava preparando demonstração na mesa de sua cozinha, Aiken escreveu um memorando de 22 páginas para seus superiores em Harvard e para executivos da IBM, argumentando que eles deviam financiar uma versão moderna da máquina digital de Babbage. “O desejo de economizar tempo e esforço mental em computações aritméticas, e de eliminar a capacidade humana de errar, é talvez tão velho quanto a própria ciência da aritmética”, dizia o início de seu memorando.18
Aiken havia crescido em Indiana em circunstâncias difíceis. Aos doze anos, usava um atiçador de lareira para defender a mãe do pai bêbado e violento, que depois abandonou a família à própria sorte. Assim, o jovem Howard deixou de cursar a nona série para ajudar a sustentar família, trabalhando como instalador de telefones, e mais tarde conseguiu um emprego noturno na empresa local de eletricidade a fim de frequentar uma escola técnica durante o dia. Ele construiu o próprio caminho para o sucesso, mas no processo se transformou em um capataz de temperamento explosivo, uma pessoa descrita como alguém que lembrava a chegada de uma tempestade.19
Harvard tinha dúvidas sobre construir a máquina de calcular proposta por Aiken e sobre a possibilidade de que ele pudesse ganhar uma vaga por causa de um projeto que parecia ser mais prático do que acadêmico. (Em certos círculos do clube de professores da universidade, chamar alguém de prático em vez de acadêmico era considerado um insulto.) Aiken recebeu o apoio do reitor James Bryant Conant, que, como presidente do Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa, gostava de posicionar Harvard como parte do triângulo envolvendo academia, indústria e Forças Armadas. Seu Departamento de Física, porém, era mais purista. O chefe do departamento escreveu para Conant em dezembro de 1939, dizendo que a máquina era “desejável se o dinheiro puder ser encontrado, mas não necessariamente mais desejável do que qualquer outra coisa”, e um comitê de professores disse, ao se referir a Aiken, que “era preciso deixar bem claro para ele que essa atividade não aumenta suas chances de promoção para um cargo de professor”. No fim, a vontade de Conant prevaleceu e ele autorizou Aiken a construir sua máquina.20
Em abril de 1941, quando a IBM estava construindo o Mark I de acordo com as especificações de Aiken em seu laboratório em Endicott, em Nova York, ele deixou Harvard para servir na Marinha norte-americana. Durante dois anos atuou como professor, com a patente de capitão de corveta, na Escola Naval de Guerra de Minas em Virgínia. Um colega o descreveu como “armado até os dentes com fórmulas enormes e teorias típicas de Harvard”.21 Ele gastava boa parte do tempo pensando no Mark I e fazia visitas ocasionais a Endicott usando seu uniforme completo.22
Seu trabalho como militar teve uma grande recompensa: no início de 1944, quando a IBM estava se preparando para enviar o Mark I completo para Harvard, Aiken conseguiu convencer a Marinha de que ele devia ter autoridade sobre a máquina e ser designado como o oficial responsável por ela. Isso o ajudou a driblar a burocracia acadêmica da universidade, que ainda resistia em dar a ele uma vaga. O Laboratório de Computação de Harvard se tornou, na época, uma unidade naval, e toda a equipe de Aiken era formada por pessoal da Marinha que usava uniforme para trabalhar. Ele os chamava de “tripulação”, eles o chamavam de “comandante”, e o Mark I era chamado de “ela”, como se se tratasse de um navio.23
O Mark I de Harvard usava várias das ideias de Babbage. Era digital, embora não fosse binário; suas rodas tinham dez posições. Junto com um eixo de quinze metros havia 72 contatores que podiam armazenar números de até 23 dígitos, e o produto final de cinco toneladas tinha 24 metros de comprimento e quinze de largura. O eixo e outras partes móveis eram ligados eletronicamente. Mas ele era lento. Em lugar de relés eletromagnéticos, tinha relés mecânicos que eram abertos e fechados por motores elétricos. Isso significava que a máquina levava cerca de seis segundos para resolver um problema de multiplicação, quando a máquina de Stibitz levava um segundo. No entanto, o Mark I apresentava uma característica impressionante que se tornaria parte fundamental dos computadores modernos: era totalmente automático. Os programas e os dados eram inseridos por meio de fita de papel, e ele podia operar durante dias sem qualquer intervenção humana. Isso permitiu a Aiken dizer que aquele era o “sonho de Babbage realizado”.24
KONRAD ZUSE
Embora não soubessem disso, todos esses pioneiros estavam sendo derrotados em 1937 por um engenheiro alemão que trabalhava no apartamento de seus pais. Konrad Zuse estava terminando o protótipo de uma calculadora que era binária e que podia ler instruções de uma fita perfurada. No entanto, pelo menos em sua primeira versão, chamada de Z1, ela era uma engenhoca mecânica, nem elétrica nem eletrônica.
Assim como muitos pioneiros da era digital, Zuse cresceu fascinado tanto pela arte quanto pela engenharia. Depois de se formar em uma faculdade técnica, ele conseguiu um emprego como analista de estresse em uma companhia de aviação em Berlim, resolvendo equações lineares que incorporavam todo tipo de carga e força e fatores de elasticidade. Mesmo usando calculadoras mecânicas, era quase impossível que uma pessoa resolvesse, em menos de um dia, mais de seis equações lineares simultâneas com seis variáveis desconhecidas. Se houvesse 25 variáveis, isso poderia levar um ano. De modo que Zuse, como muitos outros, deixou-se levar pelo desejo de mecanizar o processo tedioso de resolver equações matemáticas. Ele converteu a sala de estar de seus pais, em um apartamento próximo ao Aeroporto Tempelhof em Berlim, em oficina.25
Na primeira versão de Zuse, os dígitos binários eram armazenados usando-se pratos finos de metal com ranhuras e pinos, que ele e seus amigos fizeram usando uma serra. De início ele perfurava papel para inserir dados e programas, mas logo passou a usar filmes de 35 milímetros descartados, que não só eram mais resistentes como também mais baratos. Sua Z1 foi completada em 1938, e era capaz de resolver alguns problemas, embora não de modo muito confiável. Todos os componentes haviam sido feitos à mão e tendiam a apresentar obstruções. Ele estava em desvantagem por não se encontrar em um lugar como os Laboratórios Bell e por não ter uma parceria como a que havia entre Harvard e a IBM, o que lhe teria permitido contar com uma equipe de engenheiros que pudessem complementar o seu talento.
A Z1, no entanto, de fato demonstrou que o conceito lógico que Zuse havia projetado funcionava em teoria. Um amigo de faculdade que o estava ajudando, Helmut Schreyer, insistiu que eles deviam fazer uma versão usando válvulas termiônicas eletrônicas em vez de interruptores mecânicos. Se tivessem feito isso de imediato, teriam entrado para a história como os inventores do primeiro computador moderno operacional: binário, eletrônico e programável. Mas Zuse, assim como os experts que ele consultou na escola técnica, desistiram diante dos custos de construir um equipamento com cerca de 2 mil válvulas termiônicas.26
Então eles decidiram que na Z2 usariam como interruptores relés eletromecânicos, que eram mais resistentes e mais baratos, embora muito mais lentos, que comprariam de segunda mão da companhia telefônica. O resultado foi um computador que usava relés na unidade aritmética. No entanto, a unidade de memória era mecânica, usando pinos móveis colocados em uma folha de metal.
Em 1939, Zuse começou a trabalhar em um terceiro modelo, o Z3, que usava relés eletromecânicos tanto na unidade aritmética quanto nas unidades de memória e de controle. Quando a máquina ficou pronta, em 1941, tornou-se o primeiro computador totalmente operacional de propósito geral, programável e digital. Mesmo não tendo uma maneira direta de lidar com saltos condicionais e com lógica condicional nos programas, ela em teoria podia funcionar como uma máquina de Turing universal. A principal diferença em relação a computadores eletrônicos posteriores era o fato de usar os desajeitados relés eletromagnéticos em vez de componentes eletrônicos, como válvulas termiônicas ou transístores.
Schreyer, o amigo de Zuse, escreveu uma tese de doutorado intitulada O relé e as técnicas de comutação, que defendia o uso de válvulas termiônicas para construir um computador poderoso e rápido. Mas quando ele e Zuse propuseram isso ao Exército alemão, em 1942, os comandantes disseram estar confiantes que iriam ganhar a guerra em menos de dois anos, o prazo necessário para construir uma máquina como aquela.27 Eles estavam mais interessados em construir armas do que computadores. Como resultado, Zuse deixou de lado o trabalho na sua máquina e recebeu a tarefa de voltar a projetar aviões. Em 1943, seus computadores e projetos foram destruídos no bombardeiro dos Aliados a Berlim.
Zuse e Stibitz, trabalhando separados, tinham chegado à conclusão de que era possível usar interruptores de relés para construir circuitos que pudessem realizar computações binárias. Como eles desenvolveram essa ideia ao mesmo tempo, quando a guerra manteve as equipes dos dois isoladas uma da outra? A resposta, pelo menos em parte, é que os avanços na tecnologia e na teoria tinham amadurecido o momento. Junto com muitos outros inovadores, Zuse e Stibitz estavam familiarizados com o uso de relés em circuitos de telefonia, e fazia sentido ligar isso a operações binárias de matemática e de lógica. Do mesmo modo, Shannon, que também estava bastante familiarizado com circuitos telefônicos, deu o salto teórico correspondente, afirmando que circuitos eletrônicos contendo interruptores binários seriam capazes de realizar as tarefas lógicas da álgebra booliana. A ideia de que circuitos digitais seriam a chave para a computação estava rapidamente ficando clara para pesquisadores de quase todas as partes, mesmo em lugares isolados como o interior de Iowa.
JOHN VINCENT ATANASOFF
Longe tanto de Zuse quanto de Stibitz, outro inventor também estava fazendo experimentos com circuitos digitais em 1937. Trabalhando em um porão em Iowa, ele faria a próxima inovação histórica: construir um equipamento de cálculo que, pelo menos em parte, usava válvulas termiônicas. De certa maneira, sua máquina era menos avançada do que as outras. Não era programável e nem multipropósito; em vez de ser totalmente eletrônica, tinha alguns componentes mecânicos móveis; e apesar de ele ter construído um modelo que era capaz de funcionar na teoria, não conseguiu de fato fazer com que a coisa fosse operacional de modo confiável. No entanto, John Vincent Atanasoff, chamado de Vincent pela mulher e pelos amigos, merece o crédito de ter sido o pioneiro na concepção do primeiro computador digital parcialmente eletrônico, e ele fez isso depois de ter tido uma inspiração durante uma noite em que fez um longo passeio de carro em alta velocidade em dezembro de 1937.28
Atanasoff nasceu em 1903, o mais velho de sete filhos de um imigrante búlgaro e de uma mulher que era descendente de uma das mais antigas famílias da Nova Inglaterra. Seu pai trabalhava como engenheiro em uma fábrica de Nova Jersey administrada por Thomas Edison e depois se mudou para uma cidade na área rural da Flórida ao sul de Tampa. Aos nove anos, Vincent ajudou-o a instalar eletricidade na casa deles na Flórida, e o pai lhe deu uma régua de cálculo Dietzgen. “Aquela régua de cálculo era a minha vida”, ele se lembraria.29 Ainda novo, ele mergulhou no estudo de logaritmos com um entusiasmo que parece um pouco esquisito mesmo quando contado em tom sério: “Você consegue imaginar como um menino de nove anos, com beisebol na cabeça, pode ser transformado por esse conhecimento? O beisebol ficou reduzido a quase zero enquanto os logaritmos eram estudados com o maior interesse”. Durante o verão, Vincent calculou o logaritmo de 5 na base e, e depois, com a ajuda da mãe (ela já havia sido professora de matemática), aprendeu cálculo quando ainda estava no ginasial. Seu pai o levou à fábrica de fosfato onde trabalhava como engenheiro elétrico, mostrando a ele como funcionavam os geradores. Diferente, criativo e brilhante, o jovem Vincent terminou o ensino médio em dois anos, conseguindo nota máxima em todas as matérias, mesmo frequentando o dobro de aulas dos outros alunos.
Na Universidade da Flórida ele estudou engenharia elétrica e mostrou vocação para a prática da profissão, passando a maior parte do tempo na oficina mecânica e na fundição da universidade. Também continuou fascinado pela matemática e no seu ano de calouro estudou uma prova que envolvia aritmética binária. Criativo e autoconfiante, formou-se com a maior média de notas de sua época. Vincent aceitou uma bolsa para continuar com o trabalho do mestrado em matemática e física na Universidade Estadual de Iowa e, mesmo tendo sido aceito depois em Harvard, continuou firme em sua decisão de ir para a cidade de Ames, no Cinturão do Milho.
Atanasoff fez o doutorado em física na Universidade de Wisconsin, onde teve a mesma experiência que outros pioneiros da computação, começando com Babbage. Seu trabalho, sobre como o hélio pode ser polarizado em um campo elétrico, envolvia cálculos tediosos. Enquanto lutava para resolver a matemática usando uma máquina de somar de mesa, ele sonhava com meios de inventar uma calculadora que pudesse fazer uma parte maior do trabalho. Depois de voltar para a Universidade Estadual de Iowa em 1930 como professor assistente, ele decidiu que sua formação como engenheiro eletricista, matemático e físico lhe dava a competência para a tarefa.
Sua decisão de não permanecer no Wisconsin ou de não ir para Harvard ou para outra grande universidade de pesquisa teve uma consequência. Na Universidade Estadual de Iowa, onde ninguém mais estava buscando meios de construir novas calculadoras, Atanasoff trabalhava sozinho. Podia ter ideias novas, mas não tinha à sua volta pessoas que pudessem avaliá-las ou ajudá-lo a superar desafios teóricos ou de engenharia. Ao contrário da maior parte dos inovadores da era digital, ele era um inventor solitário, e suas inspirações surgiam durante passeios de carro e em discussões com um assistente que fazia pós-graduação. No final, isso se mostraria uma desvantagem.
De início Atanasoff pensou em construir um dispositivo analógico; seu amor por réguas de cálculo o levou a tentar inventar uma versão de tamanho gigante usando longas tiras de filme. Mas ele percebeu que o filme teria de ter centenas de metros de comprimento para resolver equações algébricas lineares com um grau de precisão que atendesse a suas necessidades. Ele também construiu uma engenhoca capaz de moldar um volume de parafina para calcular uma equação diferencial parcial. As limitações desses equipamentos analógicos o levaram a se concentrar em criar uma versão digital.
O primeiro problema com que ele se deparou foi como armazenar números em uma máquina. Ele usou o termo memória para descrever essa característica.
Naquela época, eu tinha apenas um conhecimento superficial do trabalho de Babbage e, portanto, não sabia que ele usava a palavra “armazenamento” para o mesmo conceito […]. Gosto dessa palavra, e talvez, se tivesse sabido disso, eu a tivesse adotado; também gosto de “memória”, que tem uma analogia com o cérebro.30
Atanasoff analisou uma lista de possíveis dispositivos de memória: pinos mecânicos, relés eletromagnéticos, uma pequena peça de material magnético que pudesse ser polarizada por uma carga elétrica, válvulas termiônicas e um pequeno condensador elétrico. O mais rápido seriam as válvulas termiônicas, mas elas eram caras demais. Ele então optou pelo uso do que chamou de condensadores — o que hoje chamamos de capacitores —, componentes pequenos e baratos que podem armazenar, pelo menos por um breve período, uma carga elétrica. Foi uma decisão compreensível, porém significava que a máquina seria lenta e desajeitada. Mesmo que as somas e as subtrações pudessem ser feitas com velocidade eletrônica, o processo de colocar os números na unidade de memória e de retirá-los de lá reduziria a velocidade àquela do tambor rotativo.
George Stibitz (1904-95), c. 1945.
Konrad Zuse (1910-95) com o computador Z4, 1944.
John Atanasoff (1903-95) na Universidade Estadual de Iowa, c. 1940.
Reconstrução do computador de Atanasoff.
Depois de ter resolvido a questão da unidade de memória, Atanasoff voltou sua atenção para o modo como deveria construir a unidade de aritmética e de lógica, que chamava de “mecanismo de computação”. Ele decidiu que essa unidade deveria ser totalmente eletrônica; isso significava que seriam usadas válvulas termiônicas, mesmo sendo caras. As válvulas atuariam como interruptores para desempenhar a função de portas lógicas em um circuito que podia fazer somas, subtrações e desempenhar funções boolianas.
Isso fez surgir uma questão de matemática teórica do tipo que ele amava desde garoto: seu sistema digital deveria ser decimal, binário ou usar alguma outra base numérica? Verdadeiro entusiasta dos sistemas numéricos, Atanasoff explorou várias opções. “Durante um breve período a base centesimal pareceu promissora”, escreveu em um artigo não publicado. “Esse mesmo cálculo mostrou que a base que, em teoria, oferece a maior velocidade de cálculo é a base e, a base natural.”31 Mas, confrontando teoria e prática, ele enfim se decidiu pela base 2, o sistema binário. No final de 1937, essas e outras ideias estavam girando em sua cabeça, uma “confusão” de conceitos que não se resolvia.
Atanasoff amava carros; gostava, quando podia, de trocar de carro a cada ano, e em dezembro de 1937 ele tinha um Ford novo com um potente motor V8. Para relaxar, resolveu dar uma volta naquele que se tornaria um momento digno de nota na história da computação:
Uma noite no inverno de 1937 meu corpo inteiro estava atormentado pela tentativa de resolver os problemas da máquina. Entrei em meu carro e dirigi em alta velocidade por um bom tempo para equilibrar minhas emoções. Era um hábito meu fazer isso por alguns quilômetros: eu conseguia me controlar me concentrando na direção. Mas naquela noite eu estava atormentado demais e continuei dirigindo até cruzar o rio Mississippi e entrar em Illinois, e isso ficava a uns trezentos quilômetros de onde eu havia partido.32
Atanasoff saiu da rodovia e parou em um bar de beira de estrada. Pelo menos em Illinois, ao contrário do que acontecia em Iowa, era possível comprar bebida alcoólica, então ele pediu um bourbon com club soda, e depois mais uma dose. “Percebi que não estava mais tão nervoso e que meus pensamentos se voltavam de novo para máquinas de computação”, ele se lembraria. “Não sei por que minha cabeça começou a funcionar naquela hora se não tinha funcionado antes, mas as coisas pareciam boas, tranquilas e quietas.” A garçonete era desatenta, e assim Atanasoff conseguiu trabalhar em seu problema sem ser perturbado.33
Ele rascunhou suas ideias em um guardanapo de papel, depois começou a pensar em questões práticas. A mais importante era como reativar as cargas nos condensadores, que de outra maneira iriam sumir depois de um minuto ou dois. Surgiu então a ideia de colocá-los em tambores rotativos cilíndricos, com um tamanho semelhante ao das latas de 1,3 litro do suco V8, de modo que eles pudessem entrar em contato uma vez por segundo com cabos semelhantes a escovas e ter suas cargas renovadas. “Nessa noite na taverna, concebi a possibilidade de memória regenerativa”, ele afirmou. “Na época, chamei isso de ‘ativação’.” A cada volta do cilindro rotativo, os cabos iriam ativar a memória dos condensadores e, quando necessário, coletar dados dos condensadores e armazenar novos dados. Atanasoff também inventou uma arquitetura que iria coletar números de dois cilindros diferentes de condensadores e depois usar o circuito de válvulas termiônicas para somar ou subtrair esses números e colocar o resultado na memória. Após algumas horas pensando em tudo isso, ele se lembraria: “Entrei no carro e voltei para casa dirigindo mais devagar”.34
Em maio de 1939, Atanasoff estava pronto para começar a construção de um protótipo. Ele precisava de um assistente, de preferência um estudante de pós-graduação com experiência em engenharia. “Tenho o sujeito certo para você”, um amigo da faculdade disse a ele um dia. Assim, ele fechou uma parceria com outro filho de um engenheiro elétrico autodidata, Clifford Berry.35
A máquina foi projetada e teve sua estrutura elétrica planejada com um único propósito: resolver equações lineares simultâneas. Ela podia trabalhar com até 29 variáveis. A cada passo, a máquina de Atanasoff processaria duas equações lineares e eliminaria uma das variáveis, então imprimiria o resultado das equações em cartões perfurados binários de 8 × 11. Esse conjunto de cartões com a equação mais simples era então inserido de volta na máquina para que o processo recomeçasse, eliminando mais uma variável. O processo levava certo tempo. A máquina gastaria (se conseguisse fazer o trabalho de maneira apropriada) quase uma semana para completar um conjunto de 29 equações. Ainda assim, humanos fazendo o mesmo processo em calculadoras de mesa levariam pelo menos dez semanas.
Atanasoff demonstrou um protótipo no final de 1939 e, esperando obter financiamento para construir uma máquina em escala completa, digitou uma proposta de 35 páginas, usando papel-carbono para fazer algumas cópias. “O principal objetivo deste artigo é apresentar uma descrição e uma exposição de uma máquina de computação que foi projetada sobretudo para resolver grandes sistemas de equações algébricas lineares”, começava o texto. Como se estivesse tentando afastar a crítica de que esse era um propósito limitado para uma máquina de grande porte, Atanasoff especificava uma longa lista de problemas que exigiam que equações como essas fossem resolvidas: “Ajustes de curvas […] problemas de vibração […] análises de circuitos elétricos […] estruturas elásticas”. Ele encerrava a proposta com uma lista detalhada dos gastos sugeridos, que chegavam à vultosa quantia de 5330 dólares, valor que ele acabou conseguindo de uma fundação privada.36 Então, enviou uma das cópias em carbono de sua proposta para um advogado de patentes em Chicago que trabalhava para a Universidade Estadual de Iowa, que, em uma falha de conduta que causaria décadas de controvérsia histórica e legal, nunca fez um pedido formal de patente.
Em setembro de 1942, o modelo completo de Atanasoff estava quase pronto. Do tamanho de uma mesa, continha cerca de trezentas válvulas termiônicas. Havia, entretanto, um problema: o mecanismo que deveria usar faíscas para perfurar os cartões nunca funcionava direito, e não existiam equipes de mecânicos e de engenheiros na Universidade Estadual de Iowa a quem ele pudesse pedir ajuda.
A essa altura, o trabalho foi interrompido. Atanasoff foi convocado e enviado para o laboratório de artilharia da Marinha em Washington D. C., onde trabalhou em minas acústicas e onde mais tarde participou dos testes de bomba atômica no atol de Bikini. Mudando seu foco de computadores para engenharia de artilharia, ele continuou sendo um inventor, obtendo trinta patentes, incluindo a de um equipamento que detectava minas. O advogado de Chicago, contudo, nunca pediu a patente de seu computador, e Atanasoff depois de um tempo deixou o assunto de lado.
O computador de Atanasoff poderia ter sido um marco importante, mas foi, tanto literal quanto figuradamente, relegado à lixeira da história. A máquina quase operacional foi colocada num armazém no porão do prédio de física da Universidade Estadual de Iowa, e alguns anos mais tarde ninguém parecia se lembrar do que ela fazia. Quando o espaço foi solicitado para outros usos em 1948, um estudante de pós-graduação desmontou o equipamento, sem saber o que era aquilo, e descartou a maior parte das peças.37 Muitas das primeiras histórias da era dos computadores nem sequer mencionam Atanasoff.
Ainda que tivesse funcionado de modo adequado, a máquina tinha limitações. O circuito de válvulas termiônicas fazia cálculos rapidíssimos, mas as unidades de memória rotacionadas mecanicamente desaceleravam o processo. O mesmo ocorria com o sistema de perfuração dos cartões, até quando ele funcionava. Para ser de fato rápidos, os computadores modernos teriam de ser totalmente eletrônicos, não apenas em parte. E o modelo de Atanasoff também não era programável. Ele estava preparado para fazer apenas uma coisa: resolver equações lineares.
O encanto romântico duradouro da história de Atanasoff vem do fato de ele ter sido um inventor solitário em um porão, tendo como único companheiro o jovem ajudante Clifford Berry. Mas sua história é um indício de que não deveríamos na verdade romantizar esses inventores solitários. Assim como Babbage, que também trabalhou em sua própria pequena oficina com apenas um assistente, Atanasoff nunca conseguiu tornar sua máquina plenamente operacional. Se tivesse estado nos Laboratórios Bell, entre multidões de técnicos, engenheiros e gente encarregada de fazer reparos, ou em uma grande universidade de pesquisa, talvez tivesse sido encontrada uma solução para consertar o leitor de cartões, assim como para as outras partes complicadas de sua engenhoca. Além disso, quando Atanasoff foi chamado para a Marinha em 1942, haveria integrantes da equipe que ficariam no laboratório fazendo os retoques finais, ou pelo menos para lembrar o que estava sendo construído.
O que salvou Atanasoff de ser uma nota de rodapé esquecida na história é um fato de certa forma irônico, dado o ressentimento que o evento lhe causou depois. Foi uma visita que ele recebeu em junho de 1941 de uma dessas pessoas que, em vez de trabalhar em isolamento, adoravam visitar lugares, trocar ideias e trabalhar com equipes. A viagem de John Mauchly para Iowa seria mais tarde objeto de processos judiciais dispendiosos, de acusações amargas e de narrativas conflitantes. Mas foi isso que salvou Atanasoff da obscuridade e levou adiante o curso da história do computador.
JOHN MAUCHLY
No início do século XX, os Estados Unidos desenvolveram, assim como a Grã-Bretanha havia feito antes, uma classe de cavalheiros cientistas que se reuniam em clubes de exploradores que funcionavam em casas aristocráticas e em outros ambientes exclusivos, onde gostavam de trocar ideias, ouvindo palestras e colaborando com projetos. John Mauchly foi criado nesse mundo. Seu pai, um físico, era chefe de pesquisa no Departamento de Magnetismo Terrestre da Carnegie Institution, com sede em Washington, a principal fundação do país para a promoção do avanço e do compartilhamento de pesquisas. Sua especialidade era o registro de condições elétricas na atmosfera e o estabelecimento de relações entre essas condições e o clima, uma tarefa coletiva que envolvia coordenar pesquisadores da Groenlândia ao Peru.38
Tendo crescido no subúrbio de Chevy Chase, em Washington, John ficou exposto à crescente comunidade científica da região. “Chevy Chase parecia ter praticamente todos os cientistas de Washington”, ele se vangloriava. “O diretor da Divisão de Pesos e Medidas do Bureau de Padrões vivia perto de nós. O mesmo valia para o diretor da Divisão de Rádio.” O chefe do Smithsonian também era vizinho. John passou muitas semanas usando uma máquina de somar de mesa para fazer cálculos para seu pai e desenvolveu uma paixão pela meteorologia baseada em dados. Ele também amava circuitos elétricos. Com seus amigos jovens da vizinhança, instalou cabos de intercomunicação que conectavam as casas deles e construiu equipamentos de controle remoto para soltar fogos de artifícios em festas. “Quando eu apertava um botão, os fogos de artifício disparavam a quinze metros de distância.” Aos catorze anos, ele estava ganhando dinheiro ajudando moradores do bairro a resolver problemas de eletricidade em suas casas.39
Quando era aluno de graduação na Universidade Johns Hopkins, Mauchly se inscreveu em um programa para estudantes excepcionais de modo a ir direto para o programa de doutorado em física. Sua tese versava sobre espectroscopia de banda de luz porque isso combinava beleza, experimentação e teoria. “Você precisava saber um pouco de teoria para descobrir como era o espectro de banda, mas não tinha como fazer isso sem ter as fotografias experimentais desse espectro, e quem vai consegui-las para você?”, diria. “Ninguém, só você mesmo. Assim, treinei bastante soprando vidros, criando vácuos, detectando vazamentos etc.”40
Com sua personalidade envolvente e uma maravilhosa capacidade (e desejo) de explicar as coisas, era natural que Mauchly se tornasse professor. Era difícil conseguir um cargo de professor durante a Depressão, mas ele conseguiu um no Ursinus College, a uma hora de carro da Filadélfia. “Eu era o único professor de física lá”, contaria.41
Um componente essencial da personalidade de Mauchly era o fato de que ele gostava de compartilhar ideias — em geral com um largo sorriso e muito estilo —, o que o tornava um professor popular. “Ele adorava conversar e parecia desenvolver muitas de suas ideias no toma-lá-dá-cá de um bate-papo”, lembraria um colega. “John adorava eventos sociais, apreciava boa comida e boa bebida. Gostava de mulheres, de pessoas jovens atraentes, dos inteligentes e dos incomuns.”42 Fazer-lhe uma pergunta era perigoso, porque ele podia discursar com seriedade e paixão sobre quase tudo, de teatro à literatura e à física.
Diante da classe, fazia o papel de showman. Para explicar o conceito de momento, girava com os braços estendidos e depois os contraía, e, para descrever o conceito de ação e reação ficava de pé sobre patins feitos em casa e ia para a frente e para trás, truque que em determinado ano lhe causou uma queda e uma fratura no braço. As pessoas dirigiam quilômetros para assistir à aula que ele dava no encerramento do semestre antes do Natal, que a faculdade transferiu para seu maior auditório para poder acomodar todos os visitantes. Na aula, Mauchly explicava como a espectrografia e outras ferramentas da física podiam ser usadas para determinar o que havia dentro de um pacote sem ter de abri-lo. De acordo com sua esposa, “ele media o pacote. Ele o pesava. Ele o submergia na água. Ele o cutucava com uma longa agulha”.43
Refletindo a fascinação que Mauchy sentira na infância pela meteorologia, sua pesquisa se concentrava, no início dos anos 1930, na questão sobre se padrões climáticos de longo alcance se relacionavam com as explosões solares, com as manchas solares e com a rotação do Sol. Os cientistas da Carnegie Institution e do Escritório Meteorológico dos Estados Unidos lhe forneceram dados de vinte anos vindos de duzentas estações, e ele começou a calcular correlações usando equações com múltiplas variáveis. Ele conseguiu (mesmo estando na Depressão) comprar calculadoras de mesa usadas a preço baixo de bancos que estavam com problemas financeiros e contratar um grupo de jovens, por meio da Administração Nacional da Juventude do New Deal, para fazer computações a cinquenta centavos por hora.44
Assim como outras pessoas cujo trabalho exigia cálculos tediosos, Mauchly ansiava por inventar uma máquina para realizar esses cálculos. Com seu estilo gregário, começou a se informar sobre o que os outros estavam fazendo e, na tradição dos grandes inovadores, a reunir várias ideias diferentes. No pavilhão da IBM na Feira Mundial de Nova York em 1939, ele viu uma calculadora elétrica que usava cartões perfurados, mas percebeu que depender de cartões tornaria o processo muito lento, devido à quantidade de dados que era necessário processar. Ele também viu uma máquina de criptografia que usava válvulas termiônicas para codificar mensagens. Era possível usar válvulas para outros circuitos lógicos? Ele levou seus alunos para uma aula de campo no Swarthmore College, a fim de verem equipamentos de cálculo que usavam circuitos com válvulas termiônicas para medir erupções de ionização causadas por raios cósmicos.45 Também assumiu uma turma noturna de eletrônica e começou a fazer experimentos com seus próprios circuitos de válvulas termiônicas soldados à mão para ver o que mais eles eram capazes de fazer.
Em uma conferência no Dartmouth College em setembro de 1940, Mauchly viu uma demonstração feita por George Stibitz da Calculadora de Números Complexos que ele havia construído nos Laboratórios Bell. O que tornou a demonstração empolgante foi o fato de que o computador de Stibitz estava no prédio do Bell no sul de Manhattan transmitindo dados por uma linha de teletipos. Era o primeiro computador a ser usado remotamente. Durante três horas, ele resolveu problemas apresentados pelo público, levando cerca de um minuto para dar cada resposta. Entre os presentes à demonstração estava Norbert Wiener, um pioneiro dos sistemas de informação, que tentou criar dificuldades para a máquina de Stibitz ao pedir que ela dividisse um número por zero. A máquina não caiu na armadilha. Também estava presente John von Neumann, o sábio húngaro que logo desempenharia um papel importante junto com Mauchly no desenvolvimento de computadores.46
Quando decidiu construir seu próprio computador com válvulas termiônicas, Mauchly fez o que bons inovadores devem fazer: partiu de todas as informações que havia coletado em suas viagens. Como o Ursinus não tinha orçamento de pesquisa, ele usou dinheiro do próprio bolso para comprar válvulas e implorou que os fabricantes as fornecessem de graça. Escreveu para a Supreme Instruments Corp., pedindo componentes e afirmando: “Pretendo construir uma máquina de calcular elétrica”.47 Em uma visita à RCA, descobriu que válvulas de neon também podiam ser usadas como interruptores; elas eram mais lentas mas mais baratas que válvulas termiônicas, e ele comprou uma quantidade a oito centavos a unidade. “Antes de novembro de 1940”, diria mais tarde sua esposa, “Mauchly tinha testado com bons resultados certos componentes do computador que havia proposto e se convencera de que era possível construir um equipamento digital barato e confiável usando apenas elementos eletrônicos.” Isso aconteceu, ela insistia, antes de ele ter sequer ouvido falar de Atanasoff.48
No final de 1940, Mauchly confidenciou a alguns amigos que esperava conseguir reunir toda essa informação para construir um computador eletrônico digital. “Agora estamos levando em consideração a construção de uma máquina elétrica de computação”, ele escreveu em novembro daquele ano para um meteorologista com quem havia trabalhado. “Essa máquina faria suas operações em cerca de 1/200 de segundo, usando relés de válvulas termiônicas.”49 Mesmo sendo uma pessoa colaborativa e coletando informações de muita gente, Mauchly começou a mostrar uma necessidade competitiva de ser o primeiro a criar um novo tipo de computador. Ele escreveu para um ex-aluno em dezembro:
Para seu conhecimento pessoal, espero ter, em mais ou menos um ano, quando reunir o material e conseguir montar tudo, uma máquina eletrônica de computação […]. Mantenha isso em segredo, já que não tenho o equipamento para fazer isso neste ano e gostaria de “ser o primeiro”.50
Naquele mês, dezembro de 1940, Mauchly por acaso topou com Atanasoff, dando início a uma série de eventos a que se seguiram anos de disputas sobre sua tendência a reunir informações de diferentes fontes e seu desejo de “ser o primeiro”. Atanasoff estava participando de uma reunião na Universidade da Pensilvânia e apareceu em uma sessão em que Mauchly falou de sua esperança de construir uma máquina destinada a analisar dados meteorológicos. Depois, Atanasoff veio a dizer que tinha trabalhado em uma calculadora eletrônica na Universidade Estadual de Iowa. Mauchly fez no seu programa da conferência uma anotação segundo a qual Atanasoff afirmava ter inventado uma máquina capaz de processar e armazenar dados ao custo de apenas dois dólares por dígito. (A máquina de Atanasoff podia operar com 3 mil dígitos e custava cerca de 6 mil dólares.) Mauchly ficou impressionado. Ele estimava que o custo de um computador com válvulas termiônicas seria de quase treze dólares por dígito. Disse que adoraria ver como aquilo era possível, e Atanasoff o convidou para ir a Iowa.
Durante o primeiro semestre de 1941, Mauchly se correspondeu com Atanasoff e continuou impressionado com o baixo custo que ele dizia conseguir para sua máquina. “Menos de dois dólares por dígito parece quase impossível, e no entanto é isso que acho que você disse”, escreveu. “Sua sugestão sobre uma visita a Iowa pareceu meio fantástica quando feita pela primeira vez, mas a ideia me parece cada vez melhor.” Atanasoff insistiu que ele aceitasse. “Como atrativo adicional, explicarei a história dos dois dólares por dígito”, prometeu.51
A VISITA DE MAUCHLY A ATANASOFF
A visita fatídica durou quatro dias, em junho de 1941.52 Mauchly foi de carro de Washington e levou com ele o filho Jimmy, de seis anos, tendo chegado na noite de 13 de junho, uma sexta-feira, e pegando de surpresa a esposa de Atanasoff, Lura, que ainda não havia preparado o quarto de hóspedes. “Tive de fazer tudo às pressas, pegar travesseiros extras no sótão e tudo o mais”, ela se lembraria mais tarde.53 Ela também preparou a ceia, já que os visitantes tinham chegado com fome. Os Atanasoff tinham três filhos, mas Mauchly pareceu presumir que Lura tomaria conta de Jimmy durante a visita, e ela o fez, de má vontade. Ela não gostou de Mauchly: “Não acho que ele seja honesto”, ela disse a certa altura para o marido.54
Atanasoff estava ansioso para mostrar sua máquina parcialmente construída, embora a esposa se preocupasse com o fato de ele estar confiando demais no visitante. “Você precisa ter cuidado até conseguir a patente”, ela avisou. Contudo, Atanasoff levou Mauchly, junto com Lura e as quatro crianças, para o porão do prédio de física na manhã seguinte, retirando, orgulhoso, um lençol que cobria aquilo em que ele e Berry estavam trabalhando juntos.
Mauchly ficou impressionado com algumas coisas. O uso de condensadores na memória de unidade era engenhoso e reduzia custos, assim como o método de Atanasoff de reativar as cargas a cada segundo, colocando-as em cilindros rotativos. Mauchly tinha pensado em usar condensadores em vez de válvulas termiônicas mais caras, e admirou o modo como o método de Atanasoff de “ativar a memória deles” tornava o processo viável. Esse era o segredo por trás do fato de a máquina poder ser construída por dois dólares por dígito. Depois de ler o memorando de 35 páginas em que Atanasoff detalhava a máquina, e fazendo anotações, Mauchly perguntou se podia levar uma cópia em carbono para casa. O pedido foi negado por Atanasoff, tanto porque ele não tinha cópias extras para fornecer (ainda não haviam sido inventadas as fotocópias) e porque estava ficando preocupado por Mauchly estar assimilando muita informação.55
Mas, em grande medida, Mauchly não ficou inspirado com que viu em Ames — ou, pelo menos, era o que insistia em dizer ao recordar o episódio. O principal ponto fraco era o fato de que a máquina de Atanasoff não era de todo eletrônica, dependendo dos tambores mecânicos de condensadores para a memória. Isso a tornava barata, só que também bastante lenta. “Achei a máquina muito engenhosa, mas como ela era em parte mecânica, envolvendo comutadores rotativos como interruptores, não era nem de longe o que eu tinha em mente”, Mauchly recordaria. “Não me interessei por mais detalhes.” Mais tarde, em um dos depoimentos no julgamento sobre a validade de suas patentes, Mauchly disse que a natureza semimecânica da máquina de Atanasoff era “uma drástica decepção” e desqualificou o equipamento como “um dispositivo mecânico que usa algumas válvulas eletrônicas em sua operação”.56
O segundo desapontamento, dizia Mauchly, era que a máquina de Atanasoff foi projetada para um único propósito e não podia ser programada ou modificada para desempenhar outras tarefas: “Ele não tinha feito nada para planejar essa máquina para que ela não fosse um equipamento com um único conjunto de propósitos e para resolver conjuntos de equações lineares”.57
Assim, Mauchly saiu de Iowa não com um conceito inovador sobre como construir um computador, mas com pequenos insights menores para acrescentar à cesta de ideias que vinha coletando, consciente e inconscientemente, em suas visitas a conferências, faculdades e feiras. “Vim a Iowa com a mesma atitude que fui à Feira Mundial e a outros lugares”, diria em um de seus depoimentos. “Há algo aqui que pode ser útil para ajudar as minhas computações ou as de outras pessoas?”58
Assim como a maior parte das pessoas, Mauchly usava insights de várias experiências, conversas e observações — no seu caso, Swarthmore, Darthmouth, Laboratórios Bell, RCA, Feira Mundial, Universidade Estadual de Iowa e outros lugares — e depois as combinava em ideias que considerava como dele mesmo. “Uma nova ideia vem de repente e de um modo bastante intuitivo”, Einstein disse certa vez, “mas a intuição não é nada mais do que o resultado de experiências intelectuais anteriores.” Quando as pessoas recebem informações de múltiplas fontes e as reúnem, é natural que pensem que as ideias resultantes são delas próprias — como na verdade são. Todas as ideias nascem dessa maneira. Assim, Mauchly considerava suas intuições e seus pensamentos sobre como construir um computador como dele mesmo, e não como uma sacola de ideias que havia roubado de outras pessoas. E apesar de descobertas legais posteriores, ele estava em grande parte certo, na medida em que alguém pode estar certo em pensar que suas ideias são mesmo suas. Esse é o modo como o processo criativo — embora talvez não o processo de patentes — funciona.
Ao contrário de Atanasoff, Mauchly teve a oportunidade, e a disposição, de colaborar com uma equipe que tinha talentos variados. Como resultado, em vez de produzir uma máquina que quase não funcionava e destinada a ficar abandonada em um porão, ele e sua equipe entrariam para a história como os inventores do primeiro computador eletrônico de propósito geral.
Enquanto se preparava para deixar Iowa, Mauchly recebeu uma boa notícia. Ele tinha sido aceito no curso de eletrônica da Universidade da Pensilvânia, um dos muitos do país que estavam sendo financiados em caráter emergencial pelo Departamento de Guerra. Era uma chance de aprender mais sobre o uso de válvulas termiônicas em circuitos eletrônicos, o que, ele agora estava convencido, era o melhor modo de fazer computadores. Isso também mostrava a importância das Forças Armadas no incentivo à inovação na era digital.
Durante o curso de dez semanas no verão de 1941, Mauchly teve a chance de trabalhar com uma versão do Analisador Diferencial do MIT, o computador analógico projetado por Vannevar Bush. A experiência aumentou seu interesse em construir seu próprio computador. Também o levou a perceber que os recursos para fazer isso em um lugar como a Universidade da Pensilvânia eram muito maiores do que no Ursinus College, de modo que ele ficou feliz em aceitar o cargo de instrutor na instituição quando lhe foi oferecido ao fim do verão.
Howard Aiken (1900-73) em Harvard, 1945.
John Mauchly (1907-80), c. 1945.
J. Presper Eckert (1919-95), c. 1945.
Eckert (em primeiro plano), Mauchly (encostado na coluna), Jean Jennings (ao fundo) e Herman Goldstine (ao lado de Jennings) com o eniac, 1946.
Mauchly repassou a boa notícia para Atanasoff em uma carta, que também dava dicas de um plano que deixou o professor de Iowa nervoso. “Várias ideias diferentes chegaram a mim recentemente sobre circuitos de computação — algumas das quais são mais ou menos híbridas, combinando os seus métodos a outras coisas, e algumas das quais nada têm a ver com a sua máquina”, Mauchly escreveu, com franqueza. “A questão na minha cabeça é esta: existe alguma objeção, do seu ponto de vista, a que eu construa algum tipo de computador que incorpore algumas das características de sua máquina?”59 É difícil dizer, a partir da carta, ou das posteriores explicações, depoimentos e testemunhos ao longo dos anos seguintes, se o tom inocente de Mauchly era sincero ou fingido.
De qualquer maneira, a carta chateou Atanasoff, que ainda não conseguido com que seu advogado pedisse o registro de patente. Ele respondeu a Mauchly de maneira bastante brusca após alguns dias:
Nosso advogado enfatizou a necessidade de tomar cuidado acerca da disseminação de informação relativa a nosso equipamento até que um pedido de patente seja protocolado. Isso não deve levar muito tempo, e, é claro, não me sinto mal por ter lhe dado informações sobre o equipamento, mas isso exige que não levemos a público quaisquer detalhes no momento atual. 60
O que impressiona é que essa troca de cartas não foi suficiente para provocar Atanasoff ou o advogado a fazer o protocolo solicitando a patente.
Naquele outono de 1941, Mauchly foi adiante com seu próprio projeto de computador, que ele corretamente acreditava reunir ideias de várias fontes e que era muito diferente daquele que Atanasoff havia construído. Em seu curso de verão, encontrou o parceiro certo para se unir a ele nessa empreitada: um estudante de pós-graduação com uma paixão perfeccionista por engenharia de precisão, que sabia tanto sobre eletrônica que trabalhava como instrutor de laboratório para Mauchly mesmo sendo doze anos mais jovem (aos 22 anos) e ainda não tendo um doutorado.
J. PRESPER ECKERT
John Adam Presper Eckert Jr., conhecido formalmente como J. Presper Eckert e informalmente como Pres, era filho único de um milionário do ramo imobiliário da Filadélfia.61 Um de seus bisavós, Thomas Mills, inventou as máquinas que produziam as balinhas de água salgada em Atlantic City e, tão importante quanto, criou uma empresa para manufaturá-las e vendê-las. Quando menino, Eckert foi levado pelo motorista da família à escola privada de William Penn, fundada em 1689. Mas seu sucesso não veio dos privilégios de nascimento, e sim de seus próprios talentos. Ele foi o vencedor de uma feira de ciências municipal aos doze anos, construindo um sistema de orientação para miniaturas de barcos que usava ímãs e reostatos, e aos catorze inventou um modo inovador de usar a corrente doméstica para eliminar baterias defeituosas do sistema de interfones de um dos prédios de seu pai.62
No ensino médio, Eckert deslumbrou os colegas com seus inventos e ganhou dinheiro construindo rádios, amplificadores e sistemas de som. A Filadélfia, cidade de Benjamin Franklin, era na época um grande centro de eletrônicos, e Eckert passava muito tempo no laboratório de pesquisa de Philo T. Farnsworth, um dos inventores da televisão. Embora tivesse sido aceito pelo MIT e quisesse estudar lá, seus pais não queriam que ele partisse. Fingindo ter sofrido reveses financeiros por causa da Depressão, eles o pressionaram a ir para a Universidade da Pensilvânia e continuar morando em casa. Ele se rebelou, no entanto, contra o desejo deles de que estudasse administração; em vez disso, inscreveu-se na Escola Moore de Engenharia Elétrica, por achar o tema mais interessante.
O triunfo social de Eckert na universidade veio com a criação do que ele chamava de “Osculômetro” (da palavra em latim para “boca”), que supostamente media a paixão e a eletricidade romântica de um beijo. Um casal segurava os cabos do equipamento e se beijava, e o contato dos lábios de ambos fechava um circuito elétrico. Uma fila de lâmpadas acendia, e o objetivo era beijar com paixão suficiente para acender todas as dez lâmpadas e disparar uma buzina. Concorrentes espertos sabiam que beijos molhados e mãos suadas aumentavam a condutividade do circuito.63 Eckert também inventou um equipamento que usava um método de modulação de luz para registrar som em filmes, o que lhe rendeu uma patente aos 21 anos, quando ainda era estudante de graduação.64
Pres Eckert tinha suas peculiaridades. Cheio de energia e nervoso, andava pela sala, roía as unhas, saltava e de vez em quando ficava de pé sobre uma mesa enquanto pensava. Usava uma corrente de relógio que não ficava ligada a um relógio, e a girava nas mãos como se fossem contas de um rosário. Tinha um temperamento irritadiço que aflorava de repente e depois se dissolvia em charme. Sua exigência por perfeição vinha do pai, que podia andar por canteiros de construção carregando um grande pacote de gizes de cera com os quais rabiscava instruções, usando cores diferentes para indicar qual era o operário responsável. “Ele era uma espécie de perfeccionista e se certificava de que você fizesse tudo direito”, contou seu filho. “Mas era um bocado encantador, na verdade. Ele conseguia que as coisas fossem feitas na maior parte do tempo por pessoas que queriam fazer as coisas.” Como engenheiro de engenheiros, Eckert percebia que gente como ele era o complemento necessário para físicos como Mauchly. “Um físico é alguém que está preocupado com a verdade”, ele diria mais tarde. “Um engenheiro é alguém que está preocupado em fazer com que o trabalho seja concluído.”65
ENIAC
A guerra mobiliza a ciência. Ao longo dos séculos, desde que os gregos antigos inventaram a catapulta e Leonardo da Vinci trabalhou como engenheiro militar para César Bórgia, as necessidades marciais impulsionaram avanços na tecnologia, e isso foi especialmente verdadeiro em meados do século XX. Muitas das mais importantes façanhas tecnológicas dessa época — computadores, potência atômica, radares e a internet — foram resultado de atividades militares.
A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1941, forneceu o ímpeto para financiar a máquina que Mauchly e Eckert estavam inventando. A Universidade da Pensilvânia e o Departamento de Artilharia do Exército no Campo de Provas de Aberdeen tinham sido encarregados de produzir os cadernos de configurações de ângulos de disparo necessários para a artilharia que estava sendo enviada para a Europa. Para que tivessem mira adequada, as armas precisavam de tabelas que levavam em conta centenas de condições, entre as quais temperatura, umidade, velocidade do vento, altitude e tipos de pólvora.
Criar uma tabela para apenas um tipo de projétil disparado por uma arma exigia o cálculo de 3 mil trajetórias a partir de um conjunto de equações diferenciais. Esse trabalho costumava ser feito usando-se um dos Analisadores Diferenciais inventados no MIT por Vannevar Bush. Os cálculos da máquina eram somados ao trabalho de mais de 170 pessoas, na maior parte mulheres, conhecidas como “computadoras”, que enfrentavam as equações apertando teclas e girando manivelas das máquinas de somar de mesa. Mulheres formadas em matemática eram recrutadas em todo o país. Mesmo com todo esse esforço, foi preciso mais de um mês para que se completasse apenas uma tabela de disparos. No verão de 1942, estava claro que a produção a cada semana se tornava mais insuficiente, fazendo com que parte da artilharia norte-americana ficasse ineficaz.
Em agosto daquele ano, Mauchly escreveu um memorando que propunha um modo de ajudar o Exército a superar esse desafio. O documento mudaria a história da computação. Intitulado “O uso de equipamentos de válvulas termiônicas de alta velocidade para cálculo”, o memorando solicitava financiamento para a máquina que ele e Eckert esperavam construir: um computador digital eletrônico, com circuitos com válvulas termiônicas, que pudesse resolver equações diferenciais e realizar outras tarefas matemáticas. “Pode ser obtido um grande ganho na velocidade de cálculo se os equipamentos usados empregarem meios eletrônicos”, defendia. Ele estimou que a trajetória de um míssil poderia ser calculada em “cem segundos”.66
O memorando de Mauchly foi ignorado pelos dirigentes da universidade, mas foi levado para o oficial do Exército ligado à instituição, o tenente (que logo seria capitão) Herman Goldstine, um homem de 29 anos que havia sido professor de matemática na Universidade de Michigan. Sua missão era acelerar a produção das tabelas de disparos, e ele havia enviado a esposa, Adele, que também era matemática, em uma viagem ao redor do país com o objetivo de recrutar mais mulheres para se unirem aos batalhões de computadores humanos na universidade. O memorando de Mauchly o convenceu de que havia uma maneira melhor.
A decisão do Departamento de Guerra dos Estados Unidos de financiar o computador eletrônico saiu em 9 de abril de 1943. Mauchly e Eckert ficaram acordados a noite anterior inteira trabalhando em sua proposta, mas ainda não haviam encerrado a redação do documento quando entraram no carro para uma viagem de duas horas da universidade até o Campo de Provas de Aberdeen em Maryland, onde oficiais do Departamento de Artilharia estavam reunidos. Enquanto o tenente Goldstine dirigia, os dois, sentados no banco de trás, iam escrevendo as seções restantes; quando chegaram a Aberdeen, continuaram a trabalhar em uma pequena sala, e Goldstine se dirigiu para a reunião preparatória. A reunião foi presidida por Oswald Veblen, o presidente do Instituto de Estudos Avançados, em Princeton, que era conselheiro dos militares para projetos matemáticos. Também estava presente o coronel Leslie Simon, diretor do Laboratório de Pesquisa Balística do Exército. Goldstine lembraria o que ocorreu:
Veblen, depois de ouvir minha apresentação por alguns minutos e de se balançar nas pernas traseiras de sua cadeira, pôs a cadeira no chão com um baque, levantou, e disse: “Simon, dê o dinheiro para Goldstine”. Tendo dito isso, deixou a sala e a reunião se encerrou com essa notícia feliz.67
Mauchly e Eckert incorporaram seu memorando a um artigo que intitularam “Report on an Electronic Diff. Analyzer” [Relatório sobre o analisador dif. eletrônico]. Usar a abreviação dif. era cauteloso; podia significar tanto diferenças, o que se referia à natureza digital da máquina proposta, quanto diferencial, o que descrevia as equações que ela resolveria. Logo ela receberia um nome mais memorável: ENIAC, o Electronic Numerical Integrator and Computer [Computador Integrador Numérico Eletrônico]. Embora o ENIAC fosse projetado sobretudo para resolver equações diferenciais, que eram a chave para calcular trajetórias de mísseis, Mauchly escreveu que ela podia ter um “equipamento de programação” que lhe permitiria desempenhar outras tarefas, fazendo com que ela se tornasse, assim, mais próxima de um computador de propósito geral.68
Em junho de 1943 teve início a construção do ENIAC. Mauchly, que manteve suas tarefas como professor, fazia o papel de consultor e visionário. Goldstine, como representante do Exército, supervisionava as operações e o orçamento. E Eckert, com sua paixão pelo detalhe e pela perfeição, era o engenheiro-chefe. Eckert dedicava-se tanto ao projeto que às vezes dormia ao lado da máquina. Certa vez, por piada, dois engenheiros pegaram sua cama e com todo o cuidado o levaram para uma sala idêntica um andar acima; quando acordou, ele temeu por um instante que a máquina tivesse sido roubada.69
Sabendo que as grandes ideias valem pouco sem uma execução precisa (uma lição que Atanasoff aprendeu), Eckert não hesitava em supervisionar tudo em detalhes. Ele ficava em volta dos outros engenheiros, dizendo onde soldar uma articulação ou torcer um cabo. “Eu acompanhava o trabalho de cada engenheiro e checava cada cálculo de cada resistor na máquina, para ter certeza de que aquilo havia sido feito de maneira correta”, contaria. Ele desdenhava de qualquer um que não se importasse com questões que considerasse triviais. “A vida é feita de uma concentração total de questões triviais”, disse certa vez. “Decerto um computador não é nada mais do que uma enorme concentração de questões triviais.”70
Eckert e Mauchly serviam como contraponto um para o outro, o que os tornava um exemplo típico de tantas duplas de líderes da era digital. Eckert administrava as pessoas com paixão pela precisão; Mauchly tinha a tendência a acalmá-las e a fazer com que se sentissem amadas. “Ele estava sempre brincando e fazendo piadas com as pessoas”, Eckert se lembraria. “Ele era agradável.” Eckert, cujas habilidades técnicas vinham acompanhadas de uma energia tensa e de uma enorme capacidade de atenção, precisava muito de alguém que avaliasse em termos intelectuais o que ele fazia, e Mauchly adorava fazer esse papel. Embora não fosse engenheiro, Mauchly tinha a capacidade de fazer a conexão de teorias científicas com atos práticos de engenharia de um modo inspirador. “Nós nos juntamos e fizemos essa coisa, e não acredito que qualquer um de nós a teria feito sozinho”, Eckert admitiria mais tarde.71
O ENIAC era digital, mas em vez de usar um sistema binário, utilizando apenas 0s e 1s, usava um sistema decimal com contatores de dez dígitos. Nesse aspecto, não era como um computador moderno. Fora isso, era mais avançado do que as máquinas construídas por Atanasoff, Zuse, Aiken e Stibitz. Usando o que foi chamado de lógica condicional (uma possibilidade descrita por Ada Lovelace um século antes), ele podia dar saltos em um programa com base nos resultados parciais e podia repetir blocos de código, conhecidos como sub-rotinas, que realizavam tarefas comuns. “Tínhamos a possibilidade de ter sub-rotinas e sub-rotinas de sub-rotinas”, Eckert explicou. Quando Mauchly propôs essa funcionalidade, Eckert se recordaria, “foi uma ideia que no mesmo instante percebi ser a chave para tudo aquilo”.72
Depois de um ano de construção, por volta da época do Dia D, em junho de 1944, Mauchly e Eckert conseguiram testar os dois primeiros componentes, chegando a cerca de um sexto da máquina planejada. Começaram com um simples problema de multiplicação. Quando a máquina forneceu a resposta correta, eles deram um grito. Mas passou-se mais de um ano depois disso, em novembro de 1945, para que o ENIAC se tornasse plenamente operacional. A essa altura, ele podia realizar 5 mil somas e subtrações por segundo, o que era mais que cem vezes mais rápido do que qualquer máquina anterior. Com trinta metros de comprimento e dois metros e meio de altura, ocupando um espaço do que poderia ser um modesto apartamento de três quartos, o equipamento pesava cerca de trinta toneladas e tinha 17468 válvulas termiônicas. Como comparação, o computador de Atanasoff-Berry, que definhava em um porão em Iowa, tinha o tamanho de uma mesa, continha apenas trezentas válvulas e podia fazer meras trinta somas ou subtrações por segundo.
BLETCHLEY PARK
Embora na época poucas pessoas que não estivessem relacionadas ao empreendimento soubessem — e que tenha permanecido em segredo por mais de três décadas —, outro computador eletrônico usando válvulas termiônicas tinha sido construído em segredo no final de 1943, em um edifício vitoriano de tijolos à vista na cidade de Bletchley, noventa quilômetros a noroeste de Londres, onde os britânicos haviam isolado uma equipe de gênios e engenheiros para decifrar códigos alemães em tempos de guerra. O computador, conhecido como Colossus, foi o primeiro totalmente eletrônico e parcialmente programável. Por ser orientado para uma tarefa particular, não era um computador de propósito geral ou um “Turing completo”, mas tinha as impressões digitais do próprio Alan Turing.
Turing havia começado a se concentrar em códigos e em criptologia no outono de 1936, quando chegou a Princeton logo depois de escrever o artigo “On Computable Numbers”. Ele explicou seu interesse em uma carta para a mãe em outubro daquele ano:
Acabo de descobrir uma possível aplicação do tipo de coisa em que estou trabalhando no momento. Ela responde à pergunta: “Qual é o tipo mais geral de código ou de cifra possível?”, e ao mesmo tempo (quase naturalmente) me permite construir vários códigos específicos e interessantes. Um deles é bem impossível de decodificar sem a chave, e bastante rápido de codificar. Espero poder vendê-lo ao governo de Sua Majestade por uma soma bastante substancial, mas tenho dúvida sobre a moralidade dessas coisas. O que você acha?73
Ao longo do ano seguinte, enquanto se preocupava com a possibilidade de guerra contra a Alemanha, Turing passou a se interessar mais por criptologia e menos por tentar ganhar dinheiro com isso. Trabalhando na oficina mecânica do prédio de física de Princeton no final de 1937, ele construiu as primeiras etapas de uma máquina de codificação que transformava letras em números binários e, usando relés eletromecânicos como interruptores, multiplicava a mensagem numericamente codificada resultante do processo por um número gigante secreto, tornando isso quase impossível de decifrar.
Um dos mentores de Turing em Princeton era John von Neumann, o brilhante físico e matemático que havia fugido de sua Hungria natal e que estava no Instituto de Estudos Avançados, na época localizado no prédio que abrigava o Departamento de Matemática da universidade. Na primavera de 1938, enquanto Turing estava terminando sua tese de doutorado, Von Neumann lhe ofereceu um emprego como seu assistente. Com a guerra se aproximando na Europa, a oferta era tentadora, mas também parecia vagamente antipatriótica. Turing decidiu voltar à sua bolsa em Cambridge e pouco depois se uniu ao esforço britânico para decifrar códigos militares alemães.
Na época, a Escola de Criptografia do Governo de Sua Majestade ficava localizada em Londres, e seus quadros eram formados sobretudo por acadêmicos literários, como Dillwyn “Dilly” Knox, um professor de estudos clássicos de Cambridge, e Oliver Strachey, um diletante da alta sociedade que tocava piano e vez ou outra escrevia sobre a Índia. Não havia matemáticos entre os oito contratados até o outono de 1938, quando Turing foi para lá. Mas no verão seguinte, enquanto a Grã-Bretanha se preparava para a guerra, o departamento passou a contratar matemáticos ativamente, usando em determinado momento um concurso que envolvia como ferramenta de seleção a resolução de palavras cruzadas do Daily Telegraph, e a instituição se mudou para a monótona cidade de casas de tijolos à vista de Bletchley, cujo principal atributo era ficar na junção em que as linhas de trem entre Oxford e Cambridge se cruzavam com as de Londres para Birmingham. Uma equipe do serviço de inteligência britânico, disfarçada de “time de caça do capitão Ridley”, visitou a mansão de Bletchley Park, uma monstruosidade gótica vitoriana que seu proprietário queria demolir, e discretamente a comprou. Os responsáveis por decifrar códigos ficavam nos chalés, nos estábulos e em algumas cabanas pré-fabricadas que foram erguidas no terreno.74
Turing foi designado para uma equipe que trabalhava na Cabana 8 e que estava tentando decifrar o código alemão Enigma, que era gerado por uma máquina portátil com rotores mecânicos e circuitos elétricos. Ela criptografava mensagens militares usando uma cifra que, depois de cada caractere, mudava a fórmula de substituição de letras. Isso tornava a decodificação tão difícil que os britânicos já haviam perdido a esperança de conseguir fazê-lo. Uma oportunidade surgiu quando oficiais de inteligência poloneses criaram uma máquina baseada em um encriptador alemão capturado que era capaz de decifrar alguns dos códigos Enigma. Quando os poloneses mostraram sua máquina aos britânicos, no entanto, ela já havia ficado obsoleta pelo fato de os alemães terem acrescentado mais dois rotores e mais dois quadros de distribuição às suas máquinas Enigma.
Turing e sua equipe começaram a trabalhar na criação de uma máquina mais sofisticada, chamada de “a bomba”, que podia decifrar as mensagens Enigma depois das novas modificações feitas pelos alemães — especificamente, ordens navais que revelariam a posição de submarinos que estavam dizimando os comboios britânicos carregados de suprimentos. A bomba explorava vários pequenos pontos fracos da codificação, entre eles o fato de não ser possível substituir uma letra por ela mesma no código e a existência de certas frases que os alemães usavam de maneira repetida. Em agosto de 1940, a equipe de Turing tinha duas bombas operacionais, que tinham sido capazes de decifrar 178 mensagens codificadas; na época em que a guerra acabou, eles haviam construído perto de duzentas máquinas.
A bomba projetada por Turing não representava um avanço marcante na tecnologia da computação. Tratava-se de um mecanismo eletromecânico com interruptores de relés e rotores em vez de válvulas termiônicas e de circuitos eletrônicos. Mas uma máquina posterior produzida em Bletchley Park, a Colossus, foi um grande marco.
A necessidade de construir a Colossus surgiu quando os alemães começaram a codificar mensagens importantes, como ordens de Hitler e de seu alto-comando, com uma máquina digital eletrônica que usava um sistema binário e doze rodas de codificação de tamanhos diferentes. As bombas eletromecânicas projetadas por Turing eram incapazes de decifrar essas mensagens. Isso exigiria um ataque usando circuitos eletrônicos muito rápidos.
A equipe encarregada da tarefa, que trabalhava na Cabana 11, era conhecida como “Newmânios”, em homenagem a seu líder, Max Newman, o matemático de Cambridge que havia apresentado Turing aos problemas de Hilbert quase uma década antes. O engenheiro parceiro de Newman era o mago da eletrônica Tommy Flowers, um pioneiro no uso das válvulas termiônicas, que trabalhava na Estação de Pesquisa do Serviço Postal em Dollis Hill, um subúrbio de Londres.
Turing não estava na equipe de Newman, mas inventou uma abordagem estatística chamada de “Turíngea”, que detectava quaisquer desvios em relação a uma distribuição uniforme de caracteres em um trecho de texto cifrado. Foi construída uma máquina que podia analisar dois trechos de fitas de papel perfuradas usando sensores fotoelétricos, para comparar todas as permutações possíveis das duas sequências. A máquina foi chamada de “Heath Robinson”, em homenagem a um cartunista britânico que havia se especializado, assim como Rube Goldberg nos Estados Unidos, em desenhar engenhocas mecânicas absurdamente complexas.
Durante quase uma década, Flowers tinha ficado fascinado pelos circuitos eletrônicos feitos a partir de válvulas termiônicas, que ele e outros britânicos chamavam de “valves”. Como engenheiro da divisão telefônica do Serviço Postal, ele havia criado em 1934 um sistema experimental que usava mais de 3 mil válvulas termiônicas para controlar conexões entre mil linhas telefônicas. Flowers também foi pioneiro no uso de válvulas termiônicas para armazenamento de dados. Turing o convocou para ajudar nas máquinas “bomba” e depois o apresentou a Newman.
Flowers percebeu que o único modo de analisar os trechos criptografados pelos alemães de maneira suficientemente rápida era armazenar pelo menos um desses trechos na memória eletrônica interna de uma máquina, em vez de tentar comparar duas fitas de papel perfuradas. Isso exigiria 1500 válvulas termiônicas. De início os gestores de Bletchley Park se mostraram céticos, mas Flowers fez avanços e, em dezembro de 1943 — depois de apenas onze meses —, produziu a primeira máquina Colossus. Uma versão ainda maior, usando 2400 válvulas termiônicas, ficou pronta em 1o de junho de 1944. As primeiras mensagens interceptadas que ela decodificou confirmaram outras fontes que informavam ao general Dwight Eisenhower, que estava prestes a lançar a invasão do Dia D, que Hitler não estava enviando soldados adicionais para a Normandia. Dentro de um ano, mais oito máquinas Colossus foram produzidas.
Isso significava que bem antes do ENIAC, que só se tornou operacional em novembro de 1945, os decifradores de códigos britânicos haviam construído um computador totalmente eletrônico e digital (na verdade binário). A segunda versão, em junho de 1944, era capaz até de fazer alguma lógica condicional. Mas, ao contrário do ENIAC, que tinha dez vezes essa quantidade de válvulas, a Colossus era uma máquina de propósito específico voltada para decifração de códigos, não um computador de propósito geral. Com sua capacidade limitada de programação, ela não podia ser instruída a desempenhar qualquer tarefa computacional, do mesmo modo que (em teoria) o ENIAC podia.
ENTÃO, QUEM INVENTOU O COMPUTADOR?
Ao avaliar como dividir o crédito pela criação do computador, é útil começar pela especificação de quais atributos definem a essência desse tipo de equipamento. No sentido mais geral, a definição de computador pode englobar qualquer coisa desde um ábaco até um iPhone. Mas, ao se relatar o nascimento da Revolução Digital, faz sentido seguir as definições aceitas do que, na linguagem moderna, constitui um computador. Eis algumas:
“Equipamento programável normalmente eletrônico que pode armazenar, recuperar e processar dados.” (The Merriam-Webster Dictionary)
“Equipamento eletrônico que é capaz de receber informação (dados) em uma forma particular e de desempenhar uma sequência de operações de acordo com um conjunto predeterminado mas variável de instruções procedimentais (programa) para produzir um resultado.” (The Oxford English Dictionary)
“Equipamento de propósito geral que pode ser programado para desempenhar um conjunto de operações aritméticas e lógicas de maneira automática.” (Wikipedia, 2014)
Então, o computador ideal é uma máquina que é eletrônica, de propósito geral e programável. Qual, então, tem as melhores qualificações para ser o primeiro?
O Modelo K, de George Stibitz, iniciado na mesa de sua cozinha em novembro de 1937, levou a um modelo em escala completa nos Laboratórios Bell em janeiro de 1940. Era um computador binário e o primeiro equipamento do gênero a ser usado remotamente. Mas usava relés eletromecânicos e, portanto, não era totalmente eletrônico. Era também um computador de propósito específico e não programável.
O Z3, de Herman Zuse, que ficou pronto em maio de 1941, foi a primeira máquina controlada de forma automática, programável, elétrica e binária. Ela foi projetada para lidar com problemas de engenharia, e não para ser uma máquina de propósito geral. No entanto, demonstrou-se que, em teoria, podia ter sido usada como uma máquina de Turing completa. A principal diferença entre ela e os computadores modernos era o fato de ser eletromecânica, dependendo de interruptores de relés que se moviam e eram lentos, e não de eletrônica. Outra imperfeição era o fato de que nunca chegou a trabalhar em sua versão completa. Foi destruída pelo bombardeio de Berlim pelos Aliados em 1943.
O computador projetado por John Vincent Atanasoff, que chegou a ficar completo, mas que não estava totalmente operacional na época em que seu criador o abandonou para servir na Marinha em setembro de 1942, foi o primeiro computador eletrônico digital, porém ele era apenas parcialmente eletrônico. Seu mecanismo de soma e subtração usava válvulas termiônicas, mas a memória e a recuperação de dados envolviam tambores mecânicos rotativos. Seu outro grande ponto fraco, para ser considerado como o primeiro computador moderno, era o fato de não ser programável nem de propósito geral; em vez disso, era construído para a tarefa específica de resolver equações lineares. Além disso, Atanasoff nunca conseguiu fazer com que ele ficasse totalmente operacional, e a máquina desapareceu em um porão na Universidade Estadual de Iowa.
O Colossus I, de Bletchley Park, que Max Newman e Tommy Flowers completaram em dezembro de 1943 (com ajuda de Alan Turing), foi o primeiro computador digital totalmente eletrônico, programável e operacional. No entanto, não era de propósito geral ou uma máquina completa de Turing; era voltado para o propósito específico de decifrar códigos de guerra alemães.
O Harvard Mark I, de Howard Aiken, construído pela IBM e posto em operação em maio de 1944, era programável, como veremos no próximo capítulo, mas eletromecânico, e não eletrônico.
O ENIAC, completado por Presper Eckert e John Mauchly em novembro de 1945, foi a primeira máquina a incorporar todo o conjunto de características de um computador moderno. Era totalmente eletrônico, super-rápido e podia ser programado por meio de conexões via cabos que podiam ser plugados e desplugados em diferentes unidades. Era capaz de mudar de caminho com base em resultados parciais e se encaixa na definição de uma máquina completa de Turing de propósito geral, o que significa que, em teoria, podia realizar qualquer tarefa. Mais importante, ele funcionava. “Isso significa muito no caso de uma invenção”, Eckert diria mais tarde, comparando a máquina deles com a de Atanasoff. “Você precisa ter um sistema completo e que funcione.”75 Mauchly e Eckert conseguiram que sua máquina realizasse alguns cálculos bastante complexos, e ela foi usada de maneira constante durante anos. Tornou-se a base para a maior parte dos computadores posteriores.
Esse último atributo é importante. Quando damos crédito a uma invenção, determinando quem deve receber mais distinção por parte da história, um critério é observar quais contribuições tiveram mais influência. Inventar implica contribuir com algo para o fluxo da história e afetar o modo como uma inovação ocorre. Usando o impacto histórico como critério, Eckert e Mauchly são os inovadores mais dignos de nota. Quase todos os computadores dos anos 1950 têm suas raízes no ENIAC. A influência de Flowers, Newman e Turing é, em certo sentido, mais difícil de avaliar. O trabalho deles foi mantido sob total confidencialidade, mas os três estiveram envolvidos com os computadores britânicos construídos depois da guerra. Zuse, que estava isolado e sob bombardeio em Berlim, teve ainda menos influência sobre o curso do desenvolvimento do computador em outros lugares. Quanto a Atanasoff, sua principal influência, talvez a única, veio do fato de fornecer algumas inspirações a Mauchly quando ele foi visitá-lo.
A questão relativa a quais inspirações Mauchly recolheu durante sua visita de quatro dias a Atanasoff em Iowa, em junho de 1941, se transformou em uma longa disputa legal. Isso levou a outro critério, mais ligado à lei do que histórico, relativo à avaliação do crédito pela invenção: quem, se é que é o caso, acabou tendo as patentes? No caso dos primeiros computadores, ninguém. Mas esse resultado se deveu a uma batalha jurídica controversa que levou as patentes obtidas por Eckert e Mauchly a serem anuladas.76
A saga começou em 1947, quando Eckert e Mauchly, depois de terem saído da Universidade da Pensilvânia, solicitaram uma patente de seu trabalho no ENIAC, que afinal foi concedida (já que o sistema de patentes era bastante lento) em 1964. Na época, a empresa Eckert-Mauchly e seus direitos de patente haviam sido vendidos para a Remington Rand, que se tornou a Sperry Rand; a companhia começou a fazer pressão para que outras empresas pagassem taxas de licenciamento. A IBM e os Laboratórios Bell fizeram acordos, mas a Honeywell hesitou e começou a procurar uma forma de desafiar as patentes. A empresa contratou um jovem advogado, Charles Call, que tinha diploma de engenheiro e havia trabalhado nos Laboratórios Bell. Sua missão era derrubar a patente de Eckert e Mauchly, mostrando que as ideias deles não eram originais.
Indo atrás de uma dica dada por um advogado da Honeywell que havia cursado a Universidade Estadual de Iowa e lido sobre o computador que Atanasoff construíra lá, Call fez uma visita ao inventor em sua casa, em Maryland. Atanasoff ficou encantado com o conhecimento que Call tinha de seu computador e se mostrou um pouco ressentido por nunca ter recebido muito crédito por ele, e por isso repassou-lhe centenas de cartas e documentos que mostravam que Mauchly havia tirado algumas de suas ideias de sua visita a Iowa. Naquela noite, Call foi de carro a Washington para sentar na última fileira em uma palestra que Mauchly estava dando. Como resposta a uma pergunta sobre a máquina de Atanasoff, o palestrante afirmou que mal a havia examinado. Call percebeu que podia fazer com que Mauchly dissesse isso em um depoimento, e que depois podia desacreditá-lo no julgamento, mostrando os documentos de Atanasoff.
Quando, alguns meses mais tarde, Mauchly descobriu que Atanasoff podia estar ajudando a Honeywell a desafiar suas patentes, ele mesmo visitou-o em Maryland, levando consigo um advogado da Sperry Rand. Foi um encontro embaraçoso. Mauchly afirmou que durante sua visita a Iowa não havia lido com atenção o artigo de Atanasoff nem examinado em detalhes seu computador, e Atanasoff disse com frieza que isso não era verdade. Mauchly ficou para o jantar e tentou cair nas graças do anfitrião, sem resultado.
A questão foi levada a julgamento em uma corte federal de Minneapolis, em junho de 1971, sob responsabilidade do juiz Earl Larson. Mauchly mostrou ser uma testemunha problemática. Alegando memória fraca, pareceu hesitante sobre o que tinha visto durante a visita que fez a Iowa, e várias vezes voltou atrás em afirmações que fizera em seu depoimento anterior, incluindo a de que havia apenas vislumbrado o computador de Atanasoff, parcialmente coberto e à meia-luz. Atanasoff, por outro lado, foi bastante eficiente. Descreveu a máquina que construíra, fez uma demonstração de um modelo e apontou quais de suas ideias Mauchly tinha usado. Ao todo, 77 testemunhas foram chamadas a depor, outras oitenta foram dispensadas, e 32600 provas foram registradas. O julgamento durou mais de nove meses, tornando-se o mais longo da história da justiça federal até então.
O juiz Larson levou mais nove meses para escrever sua decisão final, que foi divulgada em outubro de 1973. Nela, ele determinava que a patente de Eckert e Mauchly sobre o ENIAC era inválida: “Eckert e Mauchly não foram os primeiros a inventar um computador eletrônico digital, tendo derivado seu equipamento daquele do dr. John Vincent Atanasoff”.77 Em vez de recorrer, a Sperry fez um acordo com a Honeywell.e
O parecer do juiz, de 248 páginas, era minucioso, mas desconsiderava algumas diferenças significativas entre as máquinas. Mauchly não havia derivado uma parte tão grande de seu trabalho de Atanasoff quanto o juiz parecia pensar. Por exemplo, o circuito eletrônico de Atanasoff usava lógica binária, enquanto o de Mauchly usava o sistema decimal. Se a patente de Eckert-Mauchly não tivesse sido tão abrangente, provavelmente haveria sobrevivido.
O julgamento não determinou, nem mesmo do ponto de vista legal, quem deveria receber qual proporção do crédito pela invenção do computador moderno, mas teve duas consequências importantes: ressuscitava Atanasoff do porão da história e mostrava de modo muito claro, embora essa não fosse a intenção do juiz ou de qualquer das partes, que as grandes inovações em geral são resultado de ideias que vêm de uma grande quantidade de fontes. Uma invenção, em especial uma invenção complexa como o computador, normalmente não é fruto de uma ideia genial de um indivíduo, e sim de uma tapeçaria de criatividade tecida coletivamente. Mauchly havia feito muitas visitas e falado com muitas pessoas. Isso talvez tenha tornado sua invenção mais difícil de patentear, mas não reduziu o impacto que ela teve.
Mauchly e Eckert deveriam estar no topo da lista das pessoas que merecem crédito pela invenção do computador, não pelo fato de as ideias serem totalmente deles, mas porque tiveram a capacidade de usar ideias de múltiplas fontes, acrescentar suas próprias inovações e executar sua visão ao montar uma equipe competente, e por terem sido os mais influentes no curso dos desenvolvimentos posteriores. A máquina que eles construíram foi o primeiro computador eletrônico de propósito geral. “Atanasoff pode ter vencido uma batalha no tribunal, mas voltou a dar aulas e nós construímos o primeiro computador eletrônico programável de verdade”, Eckert ressaltaria mais tarde.78
Grande parte do crédito, igualmente, deveria ser atribuída a Turing, por desenvolver um conceito de um computador universal e por ser parte de uma equipe que colocou a mão na massa em Bletchley Park. A ordem em que você classifica as contribuições dos demais depende em parte do critério que for valorizado. Se você gostar da ideia romântica de inventores solitários e se preocupar menos com quem teve mais influência sobre o progresso posterior da computação, pode colocar Atanasoff e Zuse mais no alto. Mas a principal lição a ser aprendida com o nascimento dos computadores é que a inovação normalmente é um esforço coletivo, que envolve a colaboração entre visionários e engenheiros, e que a criatividade vem do aproveitamento de muitas fontes. Apenas nos livros de história as invenções surgem como um relâmpago, ou como uma lâmpada que se acende sobre a cabeça de um indivíduo em um porão, um sótão ou uma garagem.
Howard Aiken e Grace Hopper (1906-92) com uma parte da Máquina Diferencial de Babbage, em Harvard, 1946.
Jean Jennings e Frances Bilas com o ENIAC.
Jean Jennings (1924-2011), 1945.
Betty Snyder (1917-2001), 1944.
a Para a equação an + bn = cn, na qual a, b e c são números inteiros positivos, não existe solução quando n for maior do que 2.
b Todo número inteiro maior do que 2 pode ser expresso pela soma de dois primos.
c Um processo em que um número é dividido por 2 se for par, e é triplicado e ao resultado se soma 1 se for ímpar, ao ser repetido indefinidamente, sempre acabará por ter, como resultado, 1.
d “Kitchen”, em inglês. (N. T.)
e Nessa época, Atanasoff estava aposentado. Após a Segunda Guerra Mundial, tinha dedicado sua carreira ao campo da artilharia militar, e não aos computadores. Ele morreu em 1995. John Mauchly continuou sendo um cientista da computação, em parte como consultor da Sperry e como presidente fundador da Associação para Máquinas de Computação. Morreu em 1980. Eckert também permaneceu na Sperry durante a maior parte da carreira. Morreu em 1995.