A evolução dos microchips e dos microprocessadores levou a aparelhos que, como previra a Lei de Moore, iam ficando menores e mais potentes a cada ano. Mas havia outro impulso que atuaria na revolução do computador e, por fim, na demanda por computadores pessoais: a opinião de que essas máquinas não serviam apenas para processar números. Elas podiam também proporcionar diversão.
Duas culturas contribuíram para a ideia de que os computadores eram objetos com os quais se podia interagir e brincar. Havia os hackers renitentes que acreditavam no “imperativo proativo” e que gostavam de traquinadas, truques e programação engenhosos, brinquedos e jogos.1 E havia os empreendedores rebeldes, ansiosos para entrar na indústria de jogos de diversão, que era dominada por grupos de distribuidores de pinball, prontos para uma reviravolta digital. Assim nasceu o videogame, que se revelou não apenas um divertido fenômeno secundário, mas parte intrínseca da linhagem que levou ao atual computador pessoal. Ele ajudou também a difundir a ideia de que os computadores deviam interagir com as pessoas em tempo real, ter interfaces intuitivas e apresentar displays graficamente agradáveis.
STEVE RUSSELL E SPACEWAR
A subcultura hacker, assim como o seminal videogame Spacewar, surgiu do Tech Model Railroad Club [Clube de Ferromodelismo Tecnológico] do MIT, uma associação de estudantes geeky — aficionados de tecnologia, jogos eletrônicos, quadrinhos etc. —, fundada em 1946, que se reuniam no interior de um edifício onde o radar fora desenvolvido. Seu bunker era quase todo atulhado por um ferrorama com dezenas de trilhos, chaves, troles, luzes e cidadezinhas, todos compulsivamente feitos com muito apuro e rigor histórico. A maioria de seus membros era obcecada por fabricar peças perfeitas para apresentá-las no layout. Mas havia um subgrupo do clube que estava mais interessado no que se encontrava sob o extenso tabuleiro. Os membros do “Signals and Power Subcommittee” ocupavam-se sobretudo dos relés, fios, circuitos e chaves de travessão, que eram conectados na parte de baixo do tabuleiro para fornecer uma complexa hierarquia de controladores para os numerosos trens. Eles viam beleza nesse emaranhado. Em Hackers, que se inicia com uma vivaz descrição do clube, Steven Levy escreveu:
Havia nítidas linhas regulares de chaves e fileiras tremendamente complicadas de aborrecidos relés de bronze, um estapafúrdio emaranhado de fios vermelhos, azuis e amarelos — embaraçando-se e revoluteando como uma explosão de cabelos de Einstein com as cores do arco-íris.2
Os membros do Signals and Power Subcommittee adotaram o termo “hacker” com orgulho. Ele conotava virtuosismo técnico e espírito lúdico, não (como em uso mais recente) invasões ilegais na rede mundial. As complicadas diabruras tramadas pelos alunos do MIT — pôr uma vaca viva no telhado de um dormitório ou uma vaca de plástico no Grande Domo do edifício principal, ou fazer com que um enorme balão se erguesse do meio do campo durante o jogo Harvard-Yale — eram conhecidas como hacks. “Nós, do TMRC, usávamos o termo hacker apenas no sentido original, alguém que se vale de engenhosidade para criar um resultado inteligente, chamado hack”, declarava o clube. “A essência de um ‘hacker’ é que ele é feito com rapidez e costuma perturbar um pouco a ordem.”3
Alguns dos primeiros hackers se deixaram imbuir da aspiração de criar máquinas capazes de pensar. Muitos eram alunos do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, fundado em 1959 por dois professores que se tornaram lendas: John McCarthy, um sujeito parecido com Papai Noel que cunhou o termo “inteligência artificial”, e Marvin Minsky, que era tão inteligente que parecia constituir uma refutação de sua própria convicção de que computadores algum dia iriam superar a inteligência humana. A doutrina que predominava no laboratório era que, fornecendo-lhes capacidade suficiente de processamento, as máquinas poderiam mimetizar redes neurais como as do cérebro humano e se tornar capazes de interagir de forma inteligente com seus usuários. Minsky, um homem endiabrado com olhos cintilantes, construíra uma máquina capaz de aprender destinada a modelar o cérebro, que ele chamou de SNARC (Stochastic Neural Analog Reinforcement Calculator [Calculadora Neural-Análoga Estocástica de Reforço]), insinuando que a coisa era séria, mas podia também conter um pouco de troça. Ele tinha uma teoria de que a inteligência podia ser um produto da interação de componentes não inteligentes, como pequenos computadores conectados por redes gigantes.
Um momento seminal para os hackers do Tech Model Railroad Club se deu em setembro de 1961, quando a Digital Equipment Corporation (DEC) doou o protótipo de seu computador PDP-1 ao MIT. Do tamanho aproximado de três geladeiras, o PDP-1 foi o primeiro computador projetado para interação direta com o usuário. Ele podia ser conectado a um teclado e a um monitor que mostrava gráficos e podia ser operado com facilidade por uma única pessoa. Como mariposas em volta de uma chama, um punhado de hackers de primeira linha começou a rodear esse novo computador e armou uma trama para fazer algo divertido com ele. Muitas das discussões tiveram lugar em um apartamento bagunçado na Hingham Street, em Cambridge, de modo que os membros da conspiração se intitularam Hingham Institute. O nome pomposo era irônico. Seu objetivo não era conceber alguma grande utilidade para o PDP-1, mas bolar alguma coisa engenhosa e engraçada.
Hackers anteriores já tinham criado alguns jogos rudimentares para os primeiros computadores. Um deles, no MIT, tinha um ponto na tela que representava um camundongo tentando atravessar um labirinto para encontrar um pedaço de queijo (ou, em versões posteriores, um martíni); outro, no Laboratório Nacional Brookhaven, em Long Island, usava um osciloscópio num computador analógico para simular uma partida de tênis. Mas os membros do Hingham Institute sabiam que com o PDP-1 eles tinham a possibilidade de criar o primeiro verdadeiro videogame de computador.
* * *
O melhor programador do grupo era Steve Russell, que estava ajudando o professor McCarthy a criar a linguagem LISP, destinada a facilitar a pesquisa da inteligência artificial. Russell era um geek consumado, cheio de paixões e obsessões intelectuais que iam de trens a vapor a máquinas capazes de pensar. Baixo e agitado, tinha óculos de lentes grossas e cabelos encaracolados. Quando falava, dava a impressão de que alguém lhe tinha apertado o botão de acelerar. Embora fosse intenso e cheio de energia, tendia a adiar as coisas, o que lhe valeu o apelido de “Lesma”.
Como a maioria dos seus amigos hackers, Russell era grande fã de filmes ruins e ficção científica barata. Seu autor predileto era E. E. “Doc” Smith, um engenheiro de alimentos fracassado (expert em branquear farinha de trigo, ele inventava misturas de rosquinhas) que se especializara no subgênero de ficção científica trashy, conhecido como novela espacial. Ela apresentava aventuras melodramáticas cheias de batalhas contra o mal, viagens interestelares e romances banais. Doc Smith “escrevia com a graça e o refinamento de uma furadeira pneumática”, segundo Martin Graetz, membro do Tech Model Railroad Club e do Instituto Hingham, recordando a criação de Spacewar. Graetz lembrou-se de uma típica história de Doc Smith:
Depois de algumas confusões preliminares para acertar os nomes de todo mundo, um punhado de Hardy Boys superdesenvolvidos partiram pelo universo para atacar a última gangue de desordeiros da galáxia, explodir alguns planetas, matar todo tipo de formas de vida desagradáveis e se divertir um bocado. Em uma situação difícil, em que muitas vezes eles se encontravam, podia-se dizer que nossos heróis desenvolveriam uma teoria científica completa, inventariam a tecnologia para aperfeiçoá-la, produziriam as armas para explodir os maus, enquanto eram perseguidos em sua espaçonave aqui e ali através dos despojos da galáxia.*
Perturbados com sua paixão por tais novelas espaciais, não é de surpreender que Russell, Graetz e seus amigos tenham resolvido conceber um jogo de guerra espacial para o PDP-1. “Eu acabara de ler a série Lensman, de Doc Smith”, lembrou Russell. “Seus heróis tinham uma forte tendência a ser perseguidos galáxia afora pelo vilão e precisavam inventar uma saída para seu problema enquanto sofriam a perseguição. Foi esse tipo de ação que sugeriu Spacewar.”4 Orgulhosamente nerds, eles se reorganizaram, formando o Hingham Institute Group on Space Warfare, e Russell Lesma se pôs a escrever o regulamento.5
Só que ele, fiel ao seu apelido, não o fez. Ele sabia qual seria o ponto de partida de seu jogo. O professor Minsky se deparou com um algoritmo que traçava um círculo no PDP-1 e conseguiu modificá-lo de modo que a tela mostrava três pontos que interagiam uns com os outros, criando pequenos e belos desenhos. Minsky chamou seu hack de Tri-Pos, mas seus alunos o apelidaram de “o Minskytron”. Essa foi uma boa base para a criação de um jogo em que apareciam espaçonaves e mísseis que interagiam. Russell passou semanas hipnotizado pelo Minskytron e desenvolvendo sua capacidade de criar desenhos. Mas ele embatucou quando teve de escrever as operações de seno-cosseno que determinariam o movimento de suas espaçonaves.
Quando Russell explicou esse problema, um colega de clube chamado Alan Kotok soube como resolvê-lo. Ele rumou para a periferia de Boston, onde ficava o quartel-general da DEC, que produziu o PDP-1, e conheceu um simpático engenheiro que conhecia os processos necessários para fazer os cálculos. Kotok disse a Russell: “Agora qual é sua desculpa?”. Russell admitiu: “Olhei em volta e não encontrei desculpa alguma, por isso tive de bolar alguma coisa”.6
Ao longo das férias do Natal de 1961, Russell trabalhou duro e em algumas semanas concebeu um método para manobrar os pontos na tela usando as chaves do painel de controle para fazê-los acelerar, diminuir a velocidade e mudar de direção. Então ele transformou os pontos em duas figuras de espaçonaves, uma delas volumosa e arqueada como um charuto, a outra fina e reta como um lápis. Outro processo permitia que cada espaçonave lançasse um ponto do nariz, imitando um míssil. Quando a posição do ponto do míssil coincidia com a da espaçonave, esta “explodia” em pontos que rodopiavam ao acaso. Em fevereiro de 1962, os elementos essenciais tinham sido completados.
Àquela altura, o Spacewar tornou-se um projeto aberto. Russell colocou a fita de seu programa na caixa que continha outros programas do PDP-1, e seus amigos começaram a aperfeiçoar o jogo. Um deles, Dan Edwards, achou que seria interessante introduzir a força de gravidade, então programou um grande sol que atraía as naves. Se o jogador não ficasse atento, o sol poderia atrair a nave e destruí-la, mas os jogadores habilidosos aprenderam a aproximar-se do astro e usar sua atração gravitacional para ganhar impulso e rodeá-lo a velocidades mais altas.
Outro amigo, Peter Samson, “achou que minhas estrelas eram erráticas e não realistas”, lembrou-se Russell.7 Na opinião de Samson, o jogo precisava da “coisa certa”, querendo dizer constelações corretas em termos astronômicos, em vez de pontos confusos. Então ele criou uma programação suplementar que chamou de “Planetário Caro”. Valendo-se de informações do American Ephemeris and Nautical Almanac, codificou um processo que mostrava todas as estrelas do céu noturno até a quinta magnitude. Especificando quantas vezes um ponto no display disparava, ele conseguiu até representar o brilho relativo de cada estrela. Enquanto as espaçonaves deslocavam-se em velocidade, as constelações iam ficando para trás.
Essa colaboração aberta deu origem a muitas outras colaborações mais inteligentes. Martin Graetz apresentou o que chamou de “o botão de pânico a ser usado em última instância”, que era a capacidade de sair de uma dificuldade girando uma chave e desaparecendo por algum tempo em outra dimensão de hiperespaço. “A ideia era que, quando tudo o mais falhasse, a gente podia se lançar na quarta dimensão e desaparecer”, explicou. Ele lera sobre algo parecido, chamado “tubo hiperespacial”, num dos romances de Doc Smith. Não obstante, havia algumas limitações: num jogo, você só podia se lançar no hiperespaço três vezes; seu desaparecimento dava certo descanso ao adversário; e você nunca sabia onde sua nave iria reaparecer. Ela poderia ir parar no sol ou dar de cara com seu adversário. “Era algo que você podia usar, mas não que fosse desejável fazê-lo”, explicou Russell. Graetz acrescentou uma homenagem ao professor Minsky: uma nave desaparecendo no hiperespaço deixava em sua esteira um dos padrões da assinatura do Minskytron.8
Uma última contribuição veio de dois dinâmicos membros do Tech Model Railroad Club, Alan Kotok e Bob Sanders. Eles perceberam que jogadores aglomerados na frente de um console PDP-1 acotovelando-se e manuseando freneticamente as chaves do computador era uma coisa ao mesmo tempo desconfortável e perigosa. Então vasculharam a parte de baixo do aparelho da sala do clube, pegaram alguns pinos e relés, e colocaram-nos dentro de duas caixas de plástico para fazerem controles remotos completos, com todas as funções necessárias de comutação e botão de pânico de hiperespaço.
O jogo logo se espalhou para outros centros de computação e se tornou o marco principal da cultura hacker. A DEC começou a incorporar o jogo em seus computadores, e programadores criaram novas versões para outros sistemas. Hackers de todo o mundo acrescentaram novas características, como capacidade de ocultar-se, minas espaciais explosivas e formas de mudar para uma perspectiva de primeira pessoa, do ponto de vista de um dos pilotos. Como disse Alan Kay, um dos pioneiros do computador pessoal: “O jogo Spacewar floresce de maneira espontânea onde quer que exista um display gráfico conectado a um computador”.9
O Spacewar destacou três aspectos da cultura hacker que se tornaram típicos da era digital. Primeiro, ele foi criado coletivamente, na base da colaboração. “Fomos capazes de criar juntos, trabalhando como uma equipe, que era como gostávamos de fazer as coisas”, contou Russell. Segundo, era um software livre e aberto. “As pessoas pediam cópias do código-fonte, e, naturalmente, nós lhes fornecíamos. Naturalmente — isso se dava numa época e lugar em que se pretendia que o software fosse livre. Terceiro, baseava-se na crença de que os computadores deviam ser pessoais e interativos. “Ele permitia que manipulássemos o computador e o fizéssemos responder em tempo real”, disse Russell.10
NOLAN BUSHNELL E O ATARI
Como muitos estudantes de computação da década de 1960, Nolan Bushnell era fã do Spacewar. “O jogo era fundamental para quem gostava de computadores, e para mim ele foi algo transformador”, lembrou. “Para mim, Steve Russell era como um deus.” O que diferenciava Bushnell de outros aficionados por computadores que se esbaldavam manobrando imagens numa tela era que ele também era fascinado por parques de diversões. Ele trabalhava em um para ajudar a pagar a faculdade. Além disso, tinha o temperamento impetuoso de um empreendedor, apreciando a mescla de busca de emoções e de gosto por correr riscos. Foi assim que Nolan Bushnell se tornou um daqueles inovadores que transformaram uma invenção numa indústria.11
Quando Bushnell tinha quinze anos de idade, seu pai morreu. Ele trabalhara como fornecedor para construções numa área residencial próspera nas cercanias de Salt Lake City e deixou para trás muitos trabalhos inacabados pelos quais não fora pago. O jovem Bushnell, já crescido e impetuoso, os concluiu, o que aumentou sua fanfarronice natural. “Quando você faz algo desse tipo aos quinze anos, começa a achar que é capaz de fazer qualquer coisa”, disse.12 Não é, pois, de surpreender que ele tenha se tornado um jogador de pôquer, e sua boa sorte fez com que perdesse, obrigando-o a aceitar um emprego de meio período no Lagoon Amusement Park, enquanto estudava na Universidade de Utah. “Aprendi os vários truques para fazer as pessoas apostarem seu dinheiro, e isso com certeza me ajudou bastante.”13 Ele logo foi promovido para trabalhar na área de pinball e fliperama, onde animados e sedutores jogos como Speedway, fabricado pela Chicago Coin Machine Manufacturing Company, eram a nova febre.
Também teve sorte ao cair na Universidade de Utah. A instituição tinha o melhor programa gráfico de computadores do país, sob a direção dos professores Ivan Sutherland e David Evans, e se tornou um dos quatro principais elementos da Arpanet, precursora da internet. (Entre outros alunos estavam Jim Clark, que fundou a Netscape; John Warnock, cocriador da Adobe; Ed Catmull, cofundador da Pixar; e Alan Kay, sobre o qual falaremos mais adiante.) A universidade tinha um PDP-1, com um jogo Spacewar, e Bushnell combinou seu gosto pelo jogo com sua compreensão da economia dos fliperamas. “Percebi que poderia recolher um montão de moedas de 25 centavos a cada dia se conseguisse colocar um computador num fliperama”, disse ele.
Então fiz um cálculo e percebi que mesmo que uma grande quantidade de moedas de 25 centavos entrasse todo dia, nunca atingiria a soma do milhão de dólares do custo de um computador. Você considera quantas moedas de 25 centavos resultam em 1 milhão de dólares e desiste.14
E foi o que ele fez, na ocasião.
Quando se graduou, em 1968 (“o último de sua turma”, ele sempre se gabava), Bushnell foi trabalhar para a Ampex, que fabricava equipamentos de gravação. Ele e um colega de lá, Ted Dabney, continuaram a desenvolver planos para transformar um computador num videogame de fliperama. Eles estudaram maneiras de adaptar o Data General Nova, um minicomputador de 4 mil dólares do tamanho de uma geladeira, lançado em 1969. Contudo, não obstante fizessem malabarismos com os números, ele não era nem barato nem tinha a potência necessária.
Em suas tentativas de usar o Nova com suporte do Spacewar, Bushnell buscou elementos do jogo, como o background de estrelas, que podiam ser gerados pelos circuitos de hardware, e não pela capacidade de processamento do computador. “Então tive uma grande epifania”, lembrou ele. “Por que não fazer tudo isso com base em hardware?” Em outras palavras, ele poderia projetar circuitos para cumprir cada uma das tarefas destinadas ao programa. Isso tornava o projeto mais barato. E significava também que o jogo teria de ser muito mais simples. Então Bushnell transformou o Spacewar num jogo que tinha apenas uma espaçonave controlada por um usuário, que lutava contra dois simples discos voadores gerados pelo hardware. Eliminaram-se também a gravidade do sol e o botão de pânico para desaparecer no hiperespaço. Mesmo assim, o jogo continuava muito divertido e podia ser produzido a um custo razoável.
Bushnell vendeu a ideia a Bill Nutting, que fundara uma empresa para fabricar um jogo de fliperama chamado Computer Quiz. Aproveitando esse nome, batizaram o jogo de Bushnell de Computer Space. Ambos tiveram tanto sucesso que Bushnell saiu da Ampex em 1971 para integrar a Nutting Associates.
Quando eles estavam trabalhando nos primeiros consoles do Computer Space, Bushnell ouviu dizer que tinha um concorrente. Um aluno formado em Stanford chamado Bill Pitts e seu colega Hugh Tuck, da California Polytechnic, tinham se viciado no Spacewar e resolveram usar um minicomputador PDP-11 para transformá-lo num jogo de fliperama. Quando Bushnell ouviu isso, convidou Pitts e Tuck para lhe fazer uma visita. Eles ficaram impressionados com os sacrifícios — na verdade, sacrilégios — que Bushnell estava perpetrando para despojar o Spacewar a fim de baratear sua produção. “A versão de Nolan era uma versão totalmente degradada”, afirmou Pitts, enfurecido.15 De sua parte, Bushnell mostrou seu desprezo pelo plano deles de gastar 20 mil dólares em equipamentos, inclusive um PDP-11, que ficaria em outra sala e conectado ao console com metros de cabos, e então cobrar dez centavos por um jogo. “Surpreendi-me com o fato de eles se mostrarem tão ignorantes de como funcionam os negócios”, disse. “Surpreso e aliviado. Logo que vi o que estavam fazendo, me dei conta de que não eram meus concorrentes.”
O Galaxy Game de Pitts e Tuck foi lançado na cafeteria da associação de estudantes Tresidder, de Stanford, no outono de 1971. Os alunos se aglomeravam em volta todas as noites como fiéis diante de um santuário. Não obstante, independentemente de quantos deles juntavam seus trocados para jogar, não havia possibilidade de a máquina se pagar, e o empreendimento terminou por fracassar. “Hugh e eu éramos ambos engenheiros e não ligávamos muito para o aspecto comercial do empreendimento”, admitiu Pitts.16 A inovação pode surgir do talento da engenharia, mas deve se combinar com a habilidade comercial para produzir uma revolução.
Bushnell conseguiu produzir seu jogo, Computer Space, ao custo de apenas mil dólares. Ele foi lançado poucas semanas depois do Galaxy Game, no bar Dutch Goose, em Menlo Park, próximo a Palo Alto, e conseguiu vender o respeitável número de 1500 unidades. Bushnell era um empreendedor nato: inventivo, engenheiro competente e conhecedor de negócios e da demanda dos consumidores. Além disso, era um grande homem de vendas. Um repórter lembrou-se de tê-lo conduzido a uma exposição comercial: “Quando se tratava de descrever um novo jogo, Bushnell era a pessoa mais entusiasmada que conheci com mais de seis anos de idade”.17
O Computer Space se tornou menos popular em cervejarias do que em locais de encontro de estudantes, por isso não tinha tanto sucesso quanto a maioria dos jogos pinball. Mas ele conquistou uma legião de cultores. Mais importante, deu origem a uma indústria. Os jogos de fliperama, antes domínio das empresas de pinball sediadas em Chicago, logo seriam transformados por engenheiros instalados no Vale do Silício.
Não tendo se deixado deslumbrar por sua experiência com a Nutting Associates, Bushnell decidiu criar sua própria empresa para a fabricação de seu próximo videogame. “Trabalhar para a Nutting foi uma grande experiência de aprendizado, porque descobri que não podia fazer nada pior do que eles faziam”, lembrou.18 Ele resolveu batizar a nova companhia de Syzygy, nome que mal se consegue pronunciar e que designa a situação em que três corpos celestes se encontram alinhados. Por sorte, esse nome não estava disponível porque uma comunidade fabricante de velas hippie já o tinha registrado. Então Bushnell resolveu chamar a nova empresa de Atari, adotando um termo do jogo de tabuleiro japonês Go.
PONG
No dia em que a Atari foi criada oficialmente, 27 de junho de 1972, Nolan Bushnell contratou seu primeiro engenheiro. Al Alcorn era um grande jogador de futebol da escola de um turbulento bairro de San Francisco que estudava como consertar aparelhos de TV através de um curso por correspondência da RCA. Em Berkeley, ele participou de um programa que lhe permitia trabalhar em regime de meio período, o que o levou à Ampex, onde trabalhou sob a supervisão de Bushnell. Terminou o curso na mesma época em que Bushnell estava fundando a Atari.
Muitas das parcerias decisivas da era digital combinavam pessoas com diferentes habilidades e personalidades, como John Mauchly e Presper Eckert, John Bardeen e Walter Brattain, Steve Jobs e Steve Wozniak. Mas às vezes as parcerias funcionavam porque as personalidades e o entusiasmo eram semelhantes, como foi o caso de Bushnell e Alcorn. Ambos eram robustos, divertidos e irreverentes. “Al é uma das pessoas de que mais gosto no mundo”, afirmou Bushnell mais de quarenta anos depois. “Ele era o perfeito engenheiro e engraçado, de modo que, ao trabalhar com videogames, estava em seu elemento.”19
Na época, Bushnell tinha um contrato para criar um novo videogame para a firma Bally Midway, de Chicago. O plano era criar um jogo de corrida de automóveis, que parecia ser mais atraente que a navegação espacial, destinado a amantes de cerveja em bares frequentados por operários. Mas antes de passar a tarefa para Alcorn, Bushnell resolveu lhe dar um exercício de aquecimento.
Numa exposição comercial, Bushnell tinha examinado o Magnavox Odyssey, um console primitivo para jogar em aparelhos de TV domésticos. Uma das coisas que estavam sendo disponibilizadas era uma versão do jogo de pingue-pongue. “Pensei que fosse algo de má qualidade”, contou Bushnell anos mais tarde, depois de ter sido processado por roubar a ideia. “Ele não tinha som nem escore, e as bolas eram quadradas. Mas notei que algumas pessoas estavam se divertindo com o jogo.” Quando voltou ao pequeno escritório alugado em Santa Clara, ele descreveu o jogo para Alcorn, esboçou alguns circuitos e pediu-lhe que fizesse uma versão para fliperama. Bushnell disse a Alcorn que assinara um contrato com a GE para criar o jogo, o que não era verdade. Como muitos empreendedores, ele não tinha vergonha de distorcer a realidade para motivar as pessoas. “Achei que seria um grande programa de treinamento para Al.”20
Em algumas semanas, Alcorn já tinha um protótipo montado, e terminou de fabricá-lo em setembro de 1972. Com seu humor infantil, ele concebeu aperfeiçoamentos que transformaram o monótono bater e rebater da bola entre raquetes em algo divertido. As linhas que criou tinham oito áreas, de forma que quando a bola batia bem no centro de uma raquete, ela quicava de volta em linha reta, mas se batesse em áreas periféricas da raquete, deslocava-se formando ângulos. Isso fez com que o jogo ficasse mais desafiador e tático. Ele criou também um painel com o escore. E num simples golpe de gênio, acrescentou o som exato do sincronismo de geradores para suavizar a experiência. Usando um aparelho de televisão em preto e branco Hitachi de 75 dólares, Alcorn acomodou os componentes dentro de um armário de madeira de pouco mais de um metro de altura. Como o Computer Space, o jogo não usava um microprocessador nem um código de computador; tudo era feito em hardware, com o tipo de projeto lógico digital usado pelos engenheiros de televisão. Então ele acrescentou uma caixinha de moedas tirada de uma velha máquina de pinball, e assim nasceu uma estrela.21 Bushnell deu-lhe o nome de Pong.
Umas das características mais notáveis do Pong era sua simplicidade. O Computer Space requeria instruções complexas; havia muitas orientações em sua tela de abertura (entre elas, por exemplo, “Não existe gravidade no espaço; a velocidade do foguete só pode ser mudada pelo impulso do motor”) para confundir um engenheiro de computação. O Pong, ao contrário, era simples o suficiente para que um sujeito com a cara cheia de cerveja ou um estudante do segundo ano da faculdade, drogado, conseguissem entendê-lo depois da meia-noite. Havia apenas uma instrução: “Para conseguir um bom escore, evite perder bolas”. De forma consciente ou não, o Atari superara um dos mais importantes desafios da engenharia da era da computação: criar interfaces radicalmente simples e intuitivas para o usuário.
Bushnell ficou tão satisfeito com a criação de Alcorn que decidiu que ela seria mais que um exercício de treinamento: “Minha mente mudou no minuto em que me diverti a valer, quando nos pegamos jogando durante uma hora ou duas, todas as noites, depois do trabalho”.22 Ele pegou um avião para Chicago para convencer Bally Midway a aceitar o Pong como o cumprimento de seu contrato, em vez de desenvolver um jogo de corrida de carros. Mas a empresa recusou a proposta. Ela estava cansada de jogos que requeriam dois jogadores.
Esse rompimento se revelou positivo. Para testar o Pong, Bushnell e Alcorn instalaram o protótipo no Andy Capp’s, uma cervejaria na cidade operária de Sunnyvale que tinha cascas de amendoim pelo chão e caras jogando pinball nos fundos. Um dia depois, Alcorn recebeu um telefonema do gerente do bar, reclamando que a máquina tinha parado de funcionar. Era preciso que ele fosse consertá-la logo, porque ela estava fazendo o maior sucesso. Então Alcorn apressou-se em ir até lá para tentar fazer o conserto. Logo que ele abriu a máquina, descobriu o problema: a caixa de moedas estava tão cheia de moedas de 25 centavos que não podia funcionar. O dinheiro se esparramou no chão.23
Bushnell e Alcorn concluíram que tinham nas mãos um grande sucesso. Uma máquina média ganhava dez dólares por dia; a do Pong estava ganhando quarenta. De repente a decisão de Bally de recusar o jogo lhes pareceu uma bênção. O verdadeiro empreendedor que havia em Bushnell veio à tona: ele decidiu que a própria Atari iria fabricar o jogo, ainda que não dispusesse de financiamento nem de equipamento.
Ele aceitou o desafio de tocar para a frente toda a operação; iria investir o máximo possível o dinheiro que ganhara com as vendas. Conferiu seu saldo bancário, dividiu-o por 280 dólares, que era o custo de cada máquina, e concluiu que, para começar, poderia fabricar treze. “Mas como esse era um número que dava azar”, lembrou ele, “resolvemos fabricar doze.”24
Bushnell fez um pequeno modelo de argila do console que desejava e o levou a um fabricante de barcos, que começou a fabricá-lo em fibra de vidro. Foi necessária uma semana para produzir cada jogo completo e mais alguns dias para vendê-los por novecentos dólares cada; assim, com o lucro de 620 dólares, ele ficou com um fluxo de caixa que lhe permitia continuar a produção. Uma parte dos primeiros faturamentos foi gasta em folhetos de divulgação, que apresentavam uma bela jovem numa camisola colante transparente, cobrindo a máquina de jogos com o braço. “Nós a contratamos do bar em frente, cujas garçonetes trabalhavam com os seios à mostra”, contou Bushnell, quarenta anos depois, para um público de sérios estudantes de faculdade, que pareceram um tanto desconcertados com a história e sem saber ao certo a que tipo de bar ele se referia.25
O capital de risco, que acabara de entrar no Vale do Silício com Arthur Rock financiando a Intel, não estava ao alcance de uma empresa que se propunha a produzir videogames, que ainda não eram um produto conhecido e estavam associados ao crime organizado.** Os bancos também se mostraram refratários quando Bushnell os procurou para pedir um empréstimo. Apenas o Wells Fargo aceitou ajudar, abrindo uma linha de crédito de 50 mil dólares, soma muito menor do que a que Bushnell pedira.
Com o dinheiro, Bushnell conseguiu abrir uma fábrica num rinque de patinação abandonado a alguns quarteirões do escritório da Atari de Santa Clara. Os jogos Pong eram produzidos não numa linha de montagem, mas no chão, com jovens operários deslocando-se para ajustar os vários componentes. Os trabalhadores eram recrutados em centros de atendimento a desempregados que ficavam nas proximidades. Depois que Bushnell descartou os contratados que eram viciados em heroína ou que roubavam monitores de televisão, a operação logo se acelerou. A princípio eles fabricavam dez unidades por dia, mas ao cabo de dois meses conseguiam produzir quase cem. As finanças também melhoraram; o custo de cada jogo ficou pouco acima de trezentos dólares, mas o preço de venda subiu para 1200 dólares.
O clima era o que se poderia esperar dos animados e divertidos Bushnell e Alcorn, ambos ainda na casa dos vinte anos, e ele levou ao estágio seguinte o estilo informal dos empreendimentos pioneiros do Vale do Silício. Toda sexta-feira havia uma cervejada e rodadas de maconha, sobretudo se as metas financeiras da semana tivessem sido alcançadas. “Descobrimos que nossos funcionários reagiam tão bem às festas por terem atingido as metas como se tivessem recebido um bônus”, contou Bushnell.
Bushnell comprou uma bela casa nas colinas próximas a Los Gatos, onde às vezes realizava reuniões com sua equipe ou promovia festas com os funcionários em seu ofurô. Quando ele construiu uma nova unidade de engenharia, determinou que ela teria sua própria piscina aquecida. “Era um instrumento de aliciamento”, insistiu. “Descobrimos que nosso estilo de vida e nossas festas eram excelentes para atrair novos operários. Se estivéssemos pretendendo contratar alguém, nós o convidávamos para participar de uma delas.”26
Além de constituir um meio de aliciamento, a cultura da Atari era um desenvolvimento natural da personalidade de Bushnell. Mas não se tratava de algo simplesmente prazeroso. Baseava-se numa filosofia que derivava do movimento hippie e que ajudaria a definir o Vale do Silício. Em seu cerne, havia determinados princípios: a autoridade podia ser questionada, as hierarquias deveriam ser cerceadas, o não conformismo seria objeto de admiração e a criatividade devia ser estimulada. Ao contrário do que acontecia nas empresas da Costa Leste, não havia horários fixos de trabalho nem uniformes, tanto para o local de trabalho como para o ofurô. “Na época da IBM a gente tinha de usar uma camisa branca, calça escura e gravata preta com o crachá afixado no ombro ou algo assim”, contou o engenheiro Steve Bristow. “Na Atari, importava mais o trabalho que se fazia do que a aparência de quem o realizava.”27
O sucesso do Pong resultou num processo movido pela Magnavox, que pusera à venda o jogo de TV doméstica Odyssey, que Bushnell jogara numa exposição comercial. O jogo Magnavox fora concebido por um engenheiro de fora chamado Ralph Baer. Ele não podia alegar ter criado o conceito; suas origens remontavam a 1958, quando William Higinbotham, do Laboratório Nacional Bookhaven, improvisou um osciloscópio num computador analógico para ricochetear uma bola para um lado e para o outro no que ele chamava de Tênis para Dois. Baer, porém, era um daqueles inovadores, como Edison, que acreditavam que registrar patentes era um elemento- chave para o processo de invenção. Ele tinha mais de setenta patentes, inclusive das várias características de seus jogos. Em vez de enfrentar o processo, Bushnell apresentou uma proposta inteligente, vantajosa para as duas empresas. Ele pagaria um valor relativamente baixo, 700 mil dólares, pelos direitos permanentes de produzir o jogo, com a condição de que a Magnavox exigisse seus direitos sobre patentes e uma percentagem, por conta de royalty, de outras empresas, inclusive seus ex-sócios Bally Midway e Nutting Associates, que queriam produzir jogos similares. Isso ajudou a Atari a se colocar numa posição vantajosa na concorrência.
A inovação exige que se tenha pelo menos três coisas: uma grande ideia, o talento, em termos de engenharia, para executá-la, e o tino comercial (mais a ousadia para fechar acordos) para transformá-la num produto de sucesso. Nolan Bushnell marcou três pontos consecutivos, aos 29 anos de idade, razão pela qual foi ele, e não Bill Pitts, Hugh Tuck, Bill Nutting ou Ralph Baer, que se tornou o inovador que lançou a indústria de videogames. “Tenho orgulho da forma como conseguimos viabilizar o Pong, do ponto de vista da engenharia, mas ainda mais orgulho pela forma como concebi e desenvolvi o negócio”, disse ele. “Viabilizar o jogo, em termos técnicos, foi fácil. Fazer a companhia crescer sem dinheiro é que foi difícil.”28
J. C. R. Licklider (1915-90).
Bob Taylor (1932- ).
Larry Roberts (1937- ).
* Uma amostra da prosa de Doc Smith, de seu romance Triplanetary (1948): “A nave de Nerado estava pronta para qualquer emergência. E, ao contrário de sua nave-irmã, era manejada por cientistas versados na teoria fundamental das armas com as quais lutavam. Raios, pistolas e lanças de energia flamejavam e tremeluziam; aviões e feixes luminosos retalhavam, golpeavam e perfuravam; telas defensivas brilhavam em prontidão ou piscavam numa intensa incandescência. A opacidade vermelha travava uma violenta luta contra as cortinas violetas da aniquilação. Projéteis e torpedos controlados por luz eram atirados, apenas para serem destruídos no ar, reduzidos ao nada ou para desaparecerem inocuamente contra as impenetráveis telas policíclicas”.
** Três anos mais tarde, em 1975, quando a Atari decidiu construir uma versão caseira do Pong, a indústria do capital de risco tinha pegado fogo, e Bushnell conseguiu captar 20 milhões de dólares em fundos de Don Valentine, que acabara de fundar a Sequoia Capital. A Atari e a Sequoia ajudaram no lançamento uma da outra.