A internet e o computador pessoal nasceram ambos na década de 1970, mas cresceram separados um do outro. Isso era estranho, e mais ainda quando continuaram a se desenvolver em trilhas separadas por mais de uma década. Com efeito, havia alguma disjunção entre aqueles que abraçaram as alegrias do trabalho em rede e os que ficaram tontos com a ideia de um computador pessoal só deles. Ao contrário dos utopistas do projeto Community Memory que adoravam formar bulletin boards e comunidades virtuais, muitos dos primeiros fãs dos computadores pessoais queriam mergulhar e fuçar em suas próprias máquinas, pelo menos no início.
Havia também uma razão mais concreta para que os computadores pessoais surgissem desconectados da ascensão das redes. A Arpanet da década de 1970 não estava aberta às pessoas comuns. Em 1981, na Universidade de Wisconsin, Lawrence Landweber reuniu um consórcio de universidades que não estavam conectadas à Arpanet para criar outra rede baseada em protocolos TCP/IP, chamada CSNET. “Na época, o trabalho em rede estava disponível apenas para uma pequena fração da comunidade de pesquisa de informática americana”, disse ele.1 A CSNET tornou-se a precursora de uma rede financiada pela Fundação Nacional das Ciências, a NSFNET. Todavia, mesmo depois de tudo isso ter sido reunido na internet, no início dos anos 1980, era difícil para uma pessoa comum com um computador pessoal em casa conseguir acesso. Em geral, era preciso ser filiado a uma instituição universitária ou de pesquisa para se conectar.
Assim, por quase quinze anos, a partir do início da década de 1970, o crescimento da internet e o boom dos computadores domésticos ocorreram em paralelo. Eles só se entrelaçaram no final dos anos 1980, quando se tornou possível para as pessoas comuns, em casa ou no escritório, discar e entrar on-line. Isso daria início a uma nova fase da Revolução Digital, aquela que concretizaria a visão de Bush, Licklider e Engelbart de que os computadores aumentariam a inteligência humana por serem ferramentas tanto para a criatividade pessoal como para a colaboração.
E-MAIL E BULLETIN BOARDS
“A rua encontra seus próprios usos para as coisas”, escreveu William Gibson em “Burning Chrome”, seu conto cyberpunk de 1982. E assim, os pesquisadores que tiveram acesso à Arpanet encontraram uso próprio para ela. Devia ser uma rede para compartilhar recursos de informática. Nisso, foi um fracasso modesto. Em vez disso, como muitas tecnologias, ela disparou para o sucesso ao se tornar um meio de comunicação e de rede de contatos sociais. Uma verdade sobre a era digital é que o desejo de se comunicar, conectar, colaborar e formar comunidades tende a criar aplicativos matadores, os chamados killer apps. E, em 1972, a Arpanet teve o seu primeiro. Foi o e-mail.
O correio eletrônico já era utilizado por pesquisadores que usavam o mesmo computador em regime de partilha. Um programa chamado SNDMSG permitia que o usuário de um computador central grande enviasse uma mensagem para a pasta pessoal de outro usuário que estava compartilhando o mesmo computador. No final de 1971, Ray Tomlinson, um engenheiro do MIT que trabalhava na BBN, decidiu fazer com que essas mensagens fossem enviadas para pastas em outros mainframes. Ele fez isso combinando o SNDMSG com um programa experimental de transferência de arquivos chamado CPYNET, capaz de trocar arquivos entre computadores distantes pela Arpanet. Depois, inventou uma coisa ainda mais engenhosa: a fim de instruir uma mensagem a ir para a pasta de arquivo de um usuário em um site diferente, ele usou o símbolo @ de seu teclado para criar o sistema de endereçamento que todos nós usamos agora, nomedousuário@nomedoservidor. Desse modo, Tomlinson não só criou o e-mail como também o símbolo icônico do mundo conectado.2
A Arpanet possibilitava que pesquisadores de um centro tivessem acesso aos recursos de computação de outro lugar, mas isso quase nunca acontecia. Em vez disso, o e-mail tornou-se o principal método de colaboração. O diretor da Arpa, Stephen Lukasik, tornou-se um dos primeiros viciados em e-mail, fazendo com que todos os pesquisadores que precisavam tratar com ele seguissem seu exemplo. Em 1973, ele encomendou um estudo que concluiu que, em menos de dois anos depois de ser inventado, o e-mail era responsável por 75% do tráfego na Arpanet. “A maior surpresa do programa Arpanet foi a popularidade e o sucesso incrível do correio pela rede”, concluiu um relatório da BBN poucos anos depois. Não deveria ter sido uma surpresa. O desejo de entrar em rede social não impulsiona as inovações apenas, ele as coopta.
O e-mail fez mais do que facilitar a troca de mensagens entre dois usuários de computador: levou à criação de comunidades virtuais, aquelas que, como Licklider e Taylor previram em 1968, eram “selecionadas mais por comunhão de interesses e objetivos do que por acidentes de proximidade”.
As primeiras comunidades virtuais começaram com correntes de e-mails que eram distribuídas a grandes grupos de assinantes selecionados por eles mesmos. Ficaram conhecidas como mailing lists. A primeira lista importante, em 1975, foi a SF-Lovers, para fãs de ficção científica. De início, os gestores da Arpa quiseram fechá-la, por medo de que algum senador pudesse não achar graça no uso de dinheiro das Forças Armadas para apoiar um ponto de encontro virtual de ficção científica, mas os moderadores do grupo argumentaram, com bons resultados, que se tratava de um exercício de treinamento valioso para administrar grandes trocas de informações.
Logo surgiram outros métodos de formação de comunidades on-line. Alguns utilizavam a espinha dorsal da internet; outros eram mais precários. Em fevereiro de 1978, dois membros da Central de Hobbistas de Informática da Área de Chicago, Ward Christensen e Randy Suess, viram-se cercados por uma enorme tempestade de neve. Eles passaram o tempo desenvolvendo o primeiro Bulletin Board System (BBS) eletrônico, que possibilitava que hackers, hobbistas e autonomeados “sysops” (operadores de sistema) montassem seus próprios fóruns on-line e oferecessem arquivos, softwares piratas, informações e postagem de mensagens. Qualquer um que tivesse um jeito de entrar on-line poderia participar. No ano seguinte, estudantes da Universidade Duke e da Universidade da Carolina do Norte, que ainda não estavam conectados à internet, criaram outro sistema, hospedado em computadores pessoais, que contava com fóruns de discussão mensagem-e-resposta conectados. Ficou conhecido como “Usenet”, e as categorias de postagens nele eram chamadas de newsgroups (fóruns ou grupos de discussão). Em 1984, já havia perto de mil terminais de Usenet em faculdades e institutos de todo o país.
Mesmo com esses novos bulletin boards e newsgroups, não era fácil para a maioria dos donos de computadores pessoais participar de comunidades virtuais. Os usuários precisavam de um jeito para se conectar, algo difícil a partir de casa ou mesmo de muitos escritórios. Mas então, no início da década de 1980, apareceu uma inovação, em parte tecnológica e em parte legal, que parecia pouco significativa, mas teve um impacto enorme.
MODEMS
O pequeno dispositivo que afinal criou uma conexão entre computadores pessoais e redes globais chamava-se modem. Ele podia modular e desmodular (daí o nome) um sinal analógico, tal como o transportado por um circuito telefônico, a fim de transmitir e receber informação digital. Desse modo, possibilitava que pessoas comuns conectassem seus computadores a outros on-line usando linhas telefônicas. A revolução on-line pôde então começar.
Ela demorou a chegar porque a AT&T tinha um quase monopólio do sistema de telefonia do país e controlava até o equipamento que se podia usar em casa. Não era permitido ligar nada à linha de telefone, nem mesmo ao aparelho telefônico, a menos que Ma Bell alugasse ou aprovasse. Embora a AT&T oferecesse alguns modems na década de 1950, eles eram desajeitados, caros e projetados sobretudo para uso industrial ou militar, em vez de serem propícios para hobbistas caseiros na criação de comunidades virtuais.
Então aconteceu o caso do Hush-A-Phone. Tratava-se de um simples bocal de plástico que podia ser encaixado num telefone para amplificar a voz ao mesmo tempo que tornava mais difícil para pessoas próximas ouvir o que se dizia. Esse dispositivo já existia havia vinte anos, sem causar danos, mas então um advogado da AT&T viu um deles numa vitrine e a companhia decidiu entrar com um processo, sob a alegação absurda de que qualquer dispositivo externo, inclusive um pequeno cone de plástico, podia danificar sua rede. Isso mostrava até onde ela iria para proteger seu monopólio.
Por sorte, o tiro da AT&T saiu pela culatra. Um tribunal federal de apelações rejeitou o pedido da companhia, e as barreiras para plugar-se em sua rede começaram a desmoronar. Ainda era ilegal conectar eletronicamente um modem no sistema telefônico, mas era possível fazê-lo de forma mecânica, pondo o aparelho nas ventosas de um acoplador acústico. No início da década de 1970, havia alguns modems desse tipo, como o Pennywhistle, projetado para os hobbistas por Lee Felsenstein, capaz de enviar e receber sinais digitais a trezentos bits por segundo.a
O próximo passo aconteceu quando um caubói teimoso do Texas, depois de uma batalha legal de doze anos que financiou com a venda de seu gado, ganhou para seus clientes o direito de usar uma extensão telefônica habilitada por rádio que ele havia inventado. Demorou alguns anos para que todos os regulamentos fossem definidos, mas por volta de 1975 a Comissão Federal de Comunicações abriu o caminho para que os consumidores conectassem dispositivos eletrônicos na rede.
As regras eram rigorosas devido ao lobby da AT&T, e os modems eletrônicos no início eram caros. Mas em 1981 o Hayes Smartmodem chegou ao mercado. Ele podia ser plugado diretamente numa linha telefônica e conectado a um computador, sem a necessidade de um acoplador acústico desajeitado. Hobbistas e cyberpunks pioneiros, bem como usuários de computadores domésticos comuns, podiam digitar o número de telefone de um provedor de serviços on-line, segurar a respiração enquanto aguardavam o guincho de estática que indicava que uma conexão de dados estava feita e, em seguida, acessar as comunidades virtuais que se formaram em torno de bulletin boards, grupos de discussão, mailing lists e outros pontos de encontro on-line.
THE WELL
Em quase todas as décadas da Revolução Digital, o bem-humorado e engraçado Stewart Brand encontrou uma forma de estar no lugar onde a tecnologia convivia com comunidade e contracultura. Ele produziu um show tecnopsicodélico no Trips Festival de Ken Kesey, escreveu reportagens sobre o Spacewar e o Xerox PARC para a Rolling Stone, ajudou e incentivou a realização da Mãe de Todas as Demonstrações de Doug Engelbart e fundou o Whole Earth Catalog. Assim, no outono de 1984, quando os modems começavam a se tornar disponíveis com facilidade e a utilização dos computadores pessoais se tornava mais simples, não surpreende que Brand tenha ajudado a idealizar a comunidade on-line prototípica, The WELL.
Tudo começou quando Brand foi visitado por outro dos militantes brincalhões e criativos da tecnocontracultura idealista, Larry Brilliant. Médico epidemiologista, Brilliant tinha uma compulsão para mudar o mundo e se divertir ao fazê-lo. Serviu como médico em uma ocupação de Alcatraz por indígenas americanos, buscou a iluminação num ashram do Himalaia com o famoso guru Neem Karoli Baba (onde cruzou pela primeira vez com Steve Jobs), alistou-se na campanha da Organização Mundial de Saúde para eliminar a varíola e, com o apoio de Jobs e dos luminares da contracultura Ram Dass e Wavy Gravy, criou a Fundação Seva, voltada para a cura de cegueira em comunidades pobres do mundo.
Quando um dos helicópteros utilizados pela Fundação Seva no Nepal teve problemas mecânicos, Brilliant utilizou um sistema de conferência por computador e um Apple II que Jobs havia doado para organizar uma missão de reparo on-line. O poder potencial dos grupos de discussão on-line o impressionou. Quando foi lecionar na Universidade de Michigan, ajudou a fundar uma empresa em torno de um sistema de conferência por computador que havia sido criado na rede da universidade. Conhecido como PicoSpan, ele permitia aos usuários postar comentários sobre diferentes temas e amarrá-los em tópicos para que todos pudessem ler. O idealismo, o tecnoutopismo e o empreendedorismo de Brilliant corriam juntos. Ele usou o sistema de conferência para levar conhecimentos médicos a aldeias asiáticas e organizar missões quando alguma coisa dava errado.
Por ocasião de uma conferência em San Diego, Brilliant convidou seu velho amigo Stewart Brand para almoçar. Eles se encontraram em um restaurante à beira-mar, perto de onde Brand planejava passar o dia nadando nu. Brilliant tinha dois objetivos interligados: popularizar o software de conferência PicoSpan e criar uma comunidade intelectual on-line. Ele propôs a Brand uma sociedade em que entraria com um capital de 200 mil dólares, compraria um computador e forneceria o software. “Stewart gerenciaria então o sistema e o ampliaria através de sua rede de pessoas inteligentes e interessantes”, explicou Brilliant.3 “Minha ideia era usar essa nova tecnologia como forma de discutir tudo no Whole Earth Catalog. Pode haver uma rede social em torno de canivetes suíços, estufas solares ou qualquer outra coisa.”4
Brand transformou a ideia em algo mais grandioso: a criação da comunidade on-line mais estimulante do mundo, onde fosse possível discutir qualquer coisa que se quisesse. “Vamos ter uma conversa e encontrar as pessoas mais inteligentes do mundo”, ele sugeriu, “e deixá-las descobrir sobre o que querem falar.”5 Brand sugeriu um nome, The WELL, e inventou um acrônimo para ele: Whole Earth ’Lectronic Link [Ligação Eletrônica de Toda a Terra]. Mais tarde, explicou que “sempre vale a pena” ter um apóstrofo brincalhão no nome.6
Brand defendia o conceito, abandonado por muitas comunidades virtuais posteriores, de que era fundamental fazer de The WELL um serviço seminal. Os participantes não poderiam ser de todo anônimos; poderiam usar um apelido ou pseudônimo, mas teriam de fornecer seu nome verdadeiro quando entrassem, e outros membros poderiam saber quem eles eram. O credo de Brand, que aparecia na tela de abertura, era: “Você é dono de suas próprias palavras”. Você era responsável pelo que postava.
Tal como a própria internet, The WELL tornou-se um sistema desenhado por seus usuários. Em 1987, os temas de seus fóruns on-line, conhecidos como conferências, variaram de Grateful Dead (o mais popular) a programação em UNIX, de arte a criação de filhos, de alienígenas a design de software. Havia um mínimo de hierarquia ou controle, então o sistema evoluiu de forma colaborativa. Isso fez dele tanto uma experiência viciante como um experimento social fascinante. Livros inteiros foram escritos sobre The WELL, entre eles os dos influentes cronistas da tecnologia Howard Rheingold e Katie Hafner. “O simples fato de estar em The WELL, de conversar com pessoas com quem você talvez nem pensasse em fazer amizade em outro contexto, era o que seduzia nessa comunidade”, escreveu Hafner.7 Em seu livro, Rheingold, explicou:
É como ter o bar da esquina, com velhos amigos e deliciosos recém-chegados, e novas ferramentas à espera para levar para casa, e grafites e letras novas, exceto que, em vez de vestir meu casaco, desligar o computador e caminhar até a esquina, apenas invoco meu programa de telecom e lá estão eles.8
Quando percebeu que a filha de dois anos estava com um carrapato na cabeça, Rheingold descobriu como tratá-la com um médico contatado através de The WELL antes mesmo de seu próprio médico telefonar de volta.
As conversas on-line podiam ser tensas. Um líder de discussão chamado Tom Mandel, que se tornou um personagem central do livro de Hafner e também ajudou a mim e meus colegas da Time a gerir nossos fóruns on-line, vivia se envolvendo em discussões ferozes, conhecidas como flame wars [guerras incendiárias], com outros membros. “Eu expressava opiniões sobre tudo”, relembrou. “Iniciei uma altercação que arrastou metade do ciberespaço da Costa Oeste para uma briga eletrônica e fui banido da comunidade.”9 Mas quando Mandel revelou que estava morrendo de câncer, eles se congregaram emocionalmente em torno dele. “Estou triste, muito, muito triste, não tenho palavras para dizer como estou triste e pesaroso por não poder ficar para brincar e discutir com vocês por muito mais tempo”, ele escreveu em um de seus últimos posts.10
The WELL era um modelo do tipo de comunidade íntima e atenciosa que a internet oferecia. Ele ainda é, depois de três décadas, uma comunidade unida, mas há muito tempo foi superado em popularidade por serviços on-line mais comerciais e, a seguir, por espaços de discussão menos comunais. O recuo generalizado ao anonimato on-line detonou o credo de Brand de que as pessoas devem ser responsáveis pelo que dizem, tornando muitos comentários on-line menos atenciosos e as discussões, menos íntimas. Como a internet passa por ciclos diferentes — foi uma plataforma para compartilhamento de tempo, comunidade, publicação, blogs e redes sociais —, pode chegar um momento em que o anseio natural que os seres humanos têm por forjar comunidades confiáveis, semelhante a bares de esquina, venha a se reafirmar, e The WELL ou startups que replicam seu espírito se tornem a próxima inovação quente. Às vezes, a inovação consiste em recuperar o que foi perdido.
AMERICA ONLINE
William Ferdinand von Meister foi um dos primeiros exemplos dos novos desbravadores que impulsionariam a inovação digital a partir do final dos anos 1970. Como Ed Roberts, do Altair, Von Meister era um irrequieto empreendedor. Alimentada pela proliferação de capitalistas de risco, essa raça de inovadores lançava ideias como faíscas, obtinha uma descarga de adrenalina ao se arriscar e anunciava novas tecnologias com o fervor de pregadores. Von Meister era ao mesmo tempo um exemplo e uma caricatura. Ao contrário de Noyce, Gates e Jobs, ele não se dedicava a construir empresas, mas a lançá-las e ver onde elas pousavam. Em vez de ter medo do fracasso, sentia-se motivado por ele, e esse tipo de gente fez do perdão pela derrota uma característica da era da internet. Trapaceiro magnífico, abriu nove empresas em dez anos, a maioria das quais faliu ou o ejetou. Mas, através de seus fracassos em série, ele ajudou a definir o arquétipo do empresário de internet e, no processo, inventou o negócio on-line.11
A mãe de Von Meister era uma condessa austríaca e seu pai, afilhado do kaiser Guilherme II, dirigiu a divisão americana da empresa alemã Zeppelin, que operou o Hindenburg até sua explosão, em 1937; depois dirigiu uma divisão de uma empresa de produtos químicos, até ser indiciado por fraude. O jovem Bill, nascido em 1942, herdou o estilo do pai e parecia empenhado em corresponder a seus fracassos em extravagância, se não em gravidade. Ele cresceu numa mansão de tijolos caiados conhecida como Blue Chimneys, numa propriedade de onze hectares em Nova Jersey, e adorava escapar para o sótão a fim de usar seu equipamento de radioamadorismo e construir engenhocas eletrônicas. Entre os dispositivos que criou estava um transmissor de rádio que o pai mantinha no carro e usava para avisar quando estava chegando em casa do trabalho, a fim de que o pessoal da casa preparasse seu chá.
Depois de uma carreira acadêmica inconstante que consistiu em entrar e sair de escolas superiores de Washington, D. C., Von Meister ingressou na Western Union. Ganhou dinheiro com uma série de empreendimentos paralelos, entre eles a recuperação de alguns dos equipamentos descartados pela empresa. Depois, lançou um serviço que permitia às pessoas ditar cartas importantes a call centers para entrega durante a noite. Foi um sucesso, mas, numa situação que se tornou um padrão, forçaram Von Meister a sair do negócio por gastar sem controle e não dar atenção às operações.b
Von Meister fazia parte da espécie original de empresários de mídia — pensemos em Ted Turner, em vez de em Mark Zuckerberg — que levavam vidas extravagantes e misturavam loucura com astúcia de tal modo que elas se tornavam quase indistinguíveis. Tinha uma queda por mulheres chamativas e bons vinhos tintos, carros de corrida e aviões particulares, puro malte escocês e charutos contrabandeados. “Bill von Meister não era apenas um empreendedor serial, era um empresário patológico”, segundo Michael Schrage, que fazia sua cobertura para o Washington Post. “Vistas em retrospecto, as ideias de Bill von Meister, de modo geral, não são idiotas. Mas naquele momento pareciam bizarras. O grande risco é que ele era tão doido que sua doidice se confundia com a ideia, porque estavam muito interligadas.”12
Von Meister continuou a se revelar hábil em propor novas ideias e levantar dinheiro de capitalistas de risco, mas não em dirigir o que quer que fosse. Estão entre suas startups: um serviço de roteamento de telefone em massa para empresas, um restaurante chamado McLean Lunch and Radiator num subúrbio de Washington, no qual os clientes podiam fazer chamadas de longa distância gratuitas a partir de telefones instalados em suas mesas, e um serviço chamado Infocast, que enviava informações a computadores, em que dados digitais pegavam carona em sinais de rádio FM. Então, em 1978, quando ficou entediado ou se tornou indesejável nesses empreendimentos, ele combinou seus interesses em telefonia, computadores e redes de informação para criar um serviço que chamou de The Source [A Fonte].
The Source ligava computadores domésticos através de linhas telefônicas, numa rede que oferecia bulletin boards, troca de mensagens, notícias, horóscopo, guias de restaurantes, classificação de vinhos, compras, previsão do tempo, horários de voos e cotações da Bolsa de Valores. Em outras palavras, era um dos primeiros serviços on-line orientados para o consumidor. (O outro era a CompuServe, uma rede de compartilhamento de tempo orientada para os negócios que, em 1979, começava a se aventurar no mercado de acesso discado do consumidor.) “Ele pode levar seu computador pessoal para qualquer lugar do mundo”, proclamava um de seus primeiros folhetos de marketing. Von Meister disse ao Washington Post que The Source se tornaria “de utilidade pública”, que forneceria informações “da mesma forma que a água sai de uma torneira”. Além de canalizar informações para dentro de casa, ela se dedicava à criação de comunidades: fóruns, salas de bate-papo e áreas de compartilhamento de arquivos privados onde os usuários podiam postar seus próprios escritos para que outros pudessem baixar. No lançamento oficial do serviço, em julho de 1979, no Manhattan Plaza Hotel, o escritor de ficção científica e garoto-propaganda Isaac Asimov proclamou: “Este é o início da Era da Informação!”.13
Como de costume, não demorou para que Von Meister administrasse mal a empresa e desperdiçasse dinheiro, o que o levou a ser deposto depois de um ano por seu principal financiador, que disse: “Billy von Meister é um empresário fantástico, mas ele não sabia como parar de empreender”. The Source foi vendida para a Reader’s Digest, que mais tarde a vendeu para a CompuServe. Mas apesar de sua curta duração, foi pioneira da era on-line, mostrando que os consumidores queriam não apenas informação canalizada para eles, mas também a chance de se conectar com amigos e gerar seu próprio conteúdo para ser compartilhado.
A ideia seguinte de Von Meister, também um pouco à frente de seu tempo, foi uma loja que venderia músicas por Streaming através de redes de TV a cabo. As lojas de discos e gravadoras se uniram para bloquear o acesso dele às canções, então o homem de uma ideia por minuto mudou seu interesse para os videogames. Era um alvo ainda mais oportuno; na época, havia 14 milhões de consoles de videogame Atari em funcionamento. Assim nasceu a Control Video Corporation (CVC). O novo serviço de Von Meister, chamado GameLine, oferecia aos usuários downloads de jogos para compra ou aluguel. Ele começou a vendê-lo junto com alguns dos serviços de informação que faziam parte de The Source. “Vamos transformar o jóquei do videogame num junkie da informação”, proclamou.14
O GameLine e a CVC abriram uma loja num shopping center situado no caminho para o Aeroporto Dulles, em Washington. Von Meister selecionou um conselho de administração que simbolizava a passagem oficial da tocha para uma nova geração de pioneiros da internet. Entre seus membros estavam Larry Roberts e Len Kleinrock, arquitetos da Arpanet original. Outro membro era o capitalista de risco pioneiro Frank Caufield, da Kleiner Perkins Caufield & Byers, que se tornara a firma financeira mais influente do Vale do Silício. Representando o banco de investimento Hambrecht & Quist estava Dan Case, um jovem calmo e ativo, bolsista da Rhodes vindo do Havaí e de Princeton.
Dan Case encontrou-se com Von Meister em Las Vegas, em janeiro de 1983, por ocasião do Consumer Electronics Show, onde o GameLine da CVC esperava fazer um estardalhaço. Von Meister, sempre teatral, providenciou um balão de ar quente em forma de joystick, com o nome GameLine estampado, para flutuar sobre a cidade, e alugou uma enorme suíte do Tropicana Hotel, que enfeitou com coristas contratadas.15 Case adorou a cena. Quieto num canto estava seu irmão mais novo, Steve, que era mais reticente e, com seu sorriso enigmático e rosto uniforme, mais difícil de sacar.
* * *
Nascido em 1958 e criado no Havaí, com um temperamento calmo, como se tivesse sido alimentado por golfinhos, Steve Case tinha uma aparência pacífica. Chamado por alguns de “Wall” [Parede] porque seu rosto quase nunca traía alguma emoção, ele era tímido, mas não inseguro. Quem não o conhecia o achava distante ou arrogante, o que não era. Enquanto crescia, aprendeu a caçoar e trocar insultos amigáveis num tom suave e anasalado, como um novato numa fraternidade. Mas por trás da brincadeira era muitíssimo atencioso e sério.
No ensino médio, Dan e Steve transformaram seus quartos em escritórios, de onde dirigiam uma série de negócios que, entre outras coisas, vendiam cartões e distribuíam revistas. “A primeira lição de empreendedorismo dos Case”, lembrou Steve, “foi que eu tinha a ideia e ele providenciava o financiamento e, depois, ficava com metade da empresa.”16
Steve foi para o Williams College, onde o famoso historiador James MacGregor Burns observou, seco: “Ele estava entre os meus alunos medianos”.17 Passava mais tempo pensando em abrir negócios do que estudando para as aulas. “Lembro-me de um professor me puxando para o lado e sugerindo que eu deveria deixar meus interesses comerciais e me concentrar nos estudos, pois a faculdade representava uma oportunidade única na vida”, relembrou Case. “Não preciso dizer que discordei.” Ele assistiu a apenas uma aula de informática e odiou, “porque estávamos na era do cartão perfurado, então você escrevia um programa e depois tinha de esperar horas para obter os resultados”.18 A lição que aprendeu era que os computadores precisavam se tornar mais acessíveis e interativos.
Um aspecto dos computadores de que ele gostava era a ideia de usá-los para acessar redes. “As conexões distantes pareciam mágicas”, disse à jornalista Kara Swisher. “Parecia-me sua utilidade mais óbvia, e o resto era apenas para CDFs da informática.”19 Depois de ler A terceira onda, do futurista Alvin Toffler, Case ficou fascinado pelo conceito de “fronteira eletrônica”, em que a tecnologia conectaria as pessoas entre si e a todas as informações do mundo.20
No início de 1980, Case candidatou-se a um emprego na agência de publicidade J. Walter Thompson. Em sua carta de candidatura à vaga, escreveu:
Acredito firmemente que os avanços tecnológicos nas comunicações estão prestes a alterar de maneira significativa nosso modo de vida. As inovações em telecomunicações (em especial sistemas de cabos bidirecionais) farão com que nossos aparelhos de televisão (de tela grande, é claro!) se transformem em canal de informações, jornal, escola, computador, máquina de plebiscitos e catálogo.21
Ele não obteve o emprego e também foi recusado, de início, pela Procter & Gamble. Mas conseguiu fazer uma segunda entrevista na P&G, indo a Cincinnati às próprias custas, e acabou como gerente júnior de marcas em um grupo que cuidava de um produto em breve extinto chamado Abound — um lenço umedecido que era condicionador de cabelo. Lá, Case aprendeu o truque de doar amostras grátis para lançar um novo produto. “Isso foi, em parte, a inspiração por trás da estratégia do período de experiência gratuito da AOL uma década depois”, revelou.22 Depois de dois anos, ele saiu para trabalhar na divisão Pizza Hut da PepsiCo.
Fiz isso porque se tratava de uma firma altamente empreendedora. Era uma empresa administrada pelos franqueados, quase o oposto da Procter & Gamble, que é mais de cima para baixo, uma empresa orientada para o processo, em que todas as decisões importantes eram tomadas em Cincinnati.23
Jovem solteiro instalado em Wichita, Kansas, onde não havia muito o que fazer à noite, Case virou fã do The Source. Era um refúgio perfeito para alguém com sua mistura de timidez e desejo de conexão. Ele aprendeu duas lições: que as pessoas gostam de fazer parte de comunidades e que a tecnologia precisa ser simples, se quiser atrair as massas. Quando tentou pela primeira vez se conectar com o serviço, teve problemas para configurar seu computador portátil Kaypro. “Foi como escalar o monte Everest, e meu primeiro pensamento foi descobrir por que tinha de ser tão difícil”, lembrou. “Mas quando afinal entrei e me vi ligado com todo o país a partir daquele pequeno apartamento em Wichita, foi emocionante.”24
Paralelamente, Case montou sua própria empresa de marketing de pequeno porte. Estava em seu cerne ser empreendedor numa época em que a maioria dos outros jovens universitários procurava empregos em grandes empresas. Alugou uma caixa postal com um endereço chique em San Francisco, mandou imprimi-lo em envelopes e papéis de carta e fez com que sua correspondência comercial fosse encaminhada para seu apartamento em Wichita. Sua paixão era ajudar empresas que queriam expandir a fronteira eletrônica; quando seu irmão Dan ingressou na Hambrecht & Quist, em 1981, ele começou a enviar a Steve planos de negócios para empresas interessantes. Um deles foi mandado para a Control Video Corporation, de Von Meister. Em dezembro de 1982, durante umas férias no Colorado para esquiar, eles discutiram se Dan deveria investir, e também decidiram ir juntos ao Consumer Electronics Show, em Las Vegas, no mês seguinte.25
O incontrolável Von Meister e o controlado Steve passaram um longo jantar em Las Vegas falando sobre maneiras de comercializar o GameLine. Talvez porque tivessem interesses comuns, mas personalidades diferentes, eles se deram bem. No meio do jantar, durante uma conversa bêbada no banheiro, Von Meister perguntou a Dan se não se importava que ele contratasse o jovem Steve. Dan disse que não via problema. Steve começou na CVC como consultor em meio expediente, depois, em setembro de 1983, foi contratado em tempo integral e mudou-se para Washington. “Achei que a ideia da GameLine era uma verdadeira promessa”, disse Case. “Mas também achava que, mesmo se eu fracassasse, as lições que aprenderia trabalhando ao lado de Bill seriam valiosas. E isso sem dúvida se mostrou correto.”26
Dentro de alguns meses, a CVC estava à beira da falência. Von Meister ainda não aprendera a ser um administrador prudente, e o mercado de jogos Atari havia se reduzido. Quando soube dos números de vendas em uma reunião do conselho naquele ano, o capitalista de risco Frank Caufield reagiu: “Eles teriam ganhado mais batendo carteiras”. Então Caufield insistiu que fosse contratado um gerente disciplinado. A pessoa que ele chamou era um amigo próximo e colega de West Point, Jim Kimsey, cuja aparência rude de soldado das Forças Especiais revestia o coração amável de um barman.
Kimsey não era a pessoa óbvia para pôr em ordem um serviço digital interativo; ele estava muito mais familiarizado com armas e copos de uísque do que com teclados. Mas tinha a combinação de tenacidade e rebeldia que dá um bom empreendedor. Nascido em 1939, cresceu em Washington, D. C., e em seu último ano do ensino médio foi expulso da melhor escola católica da cidade, Gonzaga High, por provocar bagunça. Não obstante, conseguiu entrar em West Point, onde se sentiu em casa numa atmosfera que celebrava, canalizava e controlava a agressividade. Após a formatura, foi mobilizado para a República Dominicana, e a seguir serviu duas vezes no Vietnã, na década de 1960. Como major dos Airborne Rangers, encarregou-se de construir um orfanato para cem crianças vietnamitas. Se não fosse sua tendência de se jactar perante os superiores na cadeia de comando, talvez tivesse feito carreira nas Forças Armadas.27
Em vez disso, voltou para Washington em 1970, comprou um prédio de escritórios no centro, alugou grande parte dele para corretoras de valores e, no térreo, abriu um bar chamado The Exchange, que tinha um teletipo com as cotações da Bolsa. Kimsey logo abriu outros bares para solteiros, com nomes como Madhatter e Bullfeathers, ao mesmo tempo que se envolvia em outros empreendimentos imobiliários. Parte de sua rotina consistia em fazer viagens de aventura com seu amigo de West Point Frank Caufield e os filhos de ambos. Foi numa viagem de jangada, em 1983, que Caufield o recrutou para trabalhar na CVC, para ficar de olho em Von Meister e, depois, para ser o CEO da empresa.
Diante das vendas fracas, Kimsey demitiu a maioria do pessoal, exceto Steve Case, a quem promoveu a vice-presidente de marketing. Kimsey tinha um jeito pitoresco de lidar com as palavras, sobretudo as escatológicas, que lembrava um dono de botequim. “Meu trabalho é fazer salada de frango a partir de merda de galinha”, declarava. E gostava da velha piada sobre o garoto que escava com alegria uma pilha de estrume de cavalo e, quando lhe perguntam por que está fazendo isso, diz: “Deve haver um pônei no meio desta merda”.c
Era um triunvirato estranho: o indisciplinado gerador de ideias Von Meister, o frio e estratégico Case e o grosseiro Kimsey. Enquanto Von Meister fazia seu show e Kimsey bancava o barman simpático, Case ficava no canto, observando e inventando novas ideias. Juntos, eles mostraram mais uma vez como uma equipe diversificada pode promover a inovação. O assessor jurídico externo Ken Novack observou mais tarde: “Não foi por acaso que eles criaram esse negócio juntos”.28
Havia muito tempo que Case e Von Meister estavam interessados em construir redes de computadores que pudessem conectar usuários comuns. Quando a CBS, a Sears e a IBM se uniram em 1984 para lançar um serviço desse tipo que ficou conhecido como Prodigy, outros fabricantes de computadores perceberam que poderia haver um verdadeiro mercado. A Commodore procurou a CVC e lhe pediu que criasse um serviço on-line. Então Kimsey reconfigurou a CVC em uma empresa chamada Quantum, que lançou um serviço chamado Q-Link para os usuários do Commodore em novembro de 1985.
Por dez dólares ao mês, o Q-Link oferecia tudo o que Von Meister — que estava então sendo removido da empresa — e Case haviam imaginado: notícias, jogos, previsão do tempo, horóscopo, comentários, ações, atualizações de novela, um shopping e outras coisas, além das falhas habituais e períodos de inatividade que se tornaram endêmicos no mundo on-line. Mas o mais importante era que o Q-Link tinha uma área repleta de Bulletin Boards ativos e salas de bate-papo ao vivo, apelidadas de People Connection, que possibilitavam aos membros formar comunidades.
Dentro de dois meses, no início de 1986, o Q-Link já tinha 10 mil membros. Mas o crescimento começou a desacelerar, em grande parte porque as vendas de computadores da Commodore estavam caindo em face da nova concorrência da Apple e de outras empresas. “Temos de assumir o controle de nosso destino”, Kimsey disse a Case.29 Estava claro que, para ter sucesso, a Quantum teria de criar serviços on-line para outros fabricantes de computadores, em particular para a Apple.
Com a tenacidade que acompanhava sua personalidade paciente, Case foi atrás dos executivos da Apple. Mesmo depois de seu brilhante cofundador Steve Jobs ter sido forçado a sair da empresa, pelo menos no momento era difícil fazer parceria com a Apple. Case atravessou o país e se mudou para Cupertino, onde alugou um apartamento perto da sede. De lá, lançou seu cerco. Havia muitas unidades possíveis dentro da Apple que ele poderia tentar conquistar e, por fim, conseguiu uma mesinha dentro da empresa. Apesar de sua reputação de arredio, ele tinha um senso de humor excêntrico; sobre a mesa, pôs um cartaz que dizia “Steve mantido refém”,d junto com o número de dias de sua permanência lá.30 Em 1987, após três meses de campanha diária, obteve o que queria: o departamento de atendimento ao cliente da Apple concordou em fazer um acordo com a Quantum por um serviço chamado AppleLink. Quando foi lançado, um ano depois, o primeiro fórum de bate-papo ao vivo contou com o adorável cofundador da Apple Steve Wozniak.
Case procurou fazer um acordo semelhante com a Tandy para lançar o PC-Link. Mas logo percebeu que a sua estratégia de criar serviços com rótulos privados separados para diferentes fabricantes de computadores precisava ser revista. Os usuários de um serviço não podiam se conectar com os de outro. Além disso, os fabricantes de computadores estavam controlando os produtos, o marketing e o futuro da Quantum. “Escutem, não podemos mais contar com essas parcerias”, Case disse a sua equipe. “Precisamos ficar sobre nossos próprios pés e tipo ter a nossa própria marca.”31
Isso se tornou um problema mais urgente, mas também uma oportunidade, quando as relações com a Apple se desgastaram. “Seus mandachuvas decidiram que estavam incomodados porque uma empresa de terceiros estava usando a marca da Apple”, disse Case. “A decisão da Apple de puxar nosso tapete levou à necessidade de mudar a marca.”32 Case e Kimsey decidiram combinar os usuários de seus três serviços em um serviço on-line integrado, com marca própria. A abordagem dos softwares inaugurada por Bill Gates seria aplicável também à esfera on-line: os serviços on-line seriam separados do hardware e funcionariam em todas as plataformas.
Agora, eles precisavam inventar um nome. Houve muitas sugestões, como Crossroads e Quantum 2000, mas todas evocavam retiros religiosos ou fundos mútuos. Case sugeriu America Online, o que fez com que muitos de seus colegas engasgassem. Soava falso e desajeitadamente patriótico. Mas Case gostou. Ele sabia, tal como Jobs quando batizara sua empresa de Apple, que era importante que o nome fosse, como disse mais tarde, “simples, não intimidador e até um pouco piegas”.33 Sem dinheiro para investir em marketing, Case precisava de um nome que descrevesse de modo claro o que o provedor de serviços fazia. E o nome America Online conseguia isso.
Entrar na AOL, como ficou conhecida, era como entrar on-line numa bicicleta com rodinhas. Era amigável e fácil de usar. Case aplicou as duas lições que aprendera na Procter & Gamble: faça um produto simples e o lance com amostras grátis. O país foi bombardeado com discos de software que ofereciam dois meses de serviço gratuito. A voz em off de um ator chamado Elwood Edwards, que era marido de uma das primeiras funcionárias da AOL, gravou saudações animadas — “Bem-vindo!” e “Você tem uma mensagem!” — que faziam o serviço parecer amigável. Assim, os Estados Unidos entraram on-line.
Como Case sabia, o segredo não eram jogos ou conteúdo publicado; era um desejo de conexão. “A nossa grande aposta, já em 1985, era o que chamávamos de comunidade”, contou.
Agora, as pessoas se referem a isso como mídia social. Nós achávamos que o aplicativo matador da internet viria a ser as pessoas. Gente interagindo com gente que já conhecia, de maneiras novas que fossem mais convenientes, mas também pessoas interagindo com pessoas que ainda não conheciam, mas que deveriam conhecer porque tinham algum tipo de interesse comum.34
Entre as ofertas básicas da AOL estavam salas de bate-papo, mensagens instantâneas, listas de amigos e mensagens de texto. Tal como no The Source, havia notícias, esportes, previsão do tempo e horóscopo. Mas a rede social era o foco de interesse. “Todo o resto — comércio, entretenimento e serviços financeiros — era secundário”, disse Case. “Achávamos que a comunidade superava o conteúdo.”35
Particularmente populares eram as salas de bate-papo, onde as pessoas com interesses semelhantes — informática, sexo, novelas — podiam se reunir. Podiam até entrar em “salas privadas” para conversar com consentimento mútuo ou, no outro extremo, visitar um dos “auditórios” que poderiam apresentar uma sessão com uma celebridade. Os usuários da AOL não eram chamados clientes ou assinantes; eram membros. O provedor prosperou porque ajudou a criar uma rede social. CompuServe e Prodigy, que começaram sobretudo como serviços de informação e de compras, fizeram o mesmo com ferramentas como o CB Simulator, da CompuServe, que reproduzia em texto o prazer estranho de falar em um rádio da faixa do cidadão.
Kimsey, o dono de bar, nunca conseguiu entender bem por que pessoas saudáveis passariam suas noites de sábado em salas de bate-papo e em Bulletin Boards. “Admita, você não acha que é tudo uma merda?”, ele perguntava a Case, meio em tom de brincadeira.36 Case balançava a cabeça. Ele sabia que no meio daquela merda havia um pônei.
AL GORE E O SETEMBRO ETERNO
Serviços on-line como a AOL se desenvolveram independentemente da internet. Um emaranhado de leis, regulamentos, tradições e práticas tornava impossível para as empresas comerciais oferecer acesso direto à internet às pessoas comuns que não tinham ligação com uma instituição de ensino ou de pesquisa. “Agora parece muito bobo, mas até 1992 era ilegal conectar um serviço comercial como a AOL à internet”, disse Steve Case.37
Porém a partir de 1993 a barreira foi reduzida e a internet se tornou acessível a todos. Isso bagunçou os serviços on-line, que até então eram jardins murados onde os membros eram mimados em um ambiente controlado. E também transformou a internet ao produzir uma enxurrada de novos usuários que nunca diminuía. Mas o mais importante foi que essa acessibilidade começou a conectar os fios da Revolução Digital do modo como Bush, Licklider e Engelbart haviam imaginado. Computadores, redes de comunicação e repositórios de informação digital foram interligados e postos ao alcance de todo mundo.
Esse processo começou a sério quando a AOL, seguindo o exemplo de um concorrente menor chamado Delphi, abriu um portal em setembro de 1993 para permitir aos seus membros o acesso a grupos de discussão e bulletin boards da internet. No folclore da rede, o dilúvio foi chamado, sobretudo por usuários veteranos desdenhosos, de Setembro Eterno. O nome se referia ao fato de que em todo mês de setembro uma nova onda de calouros ingressava em universidades e, a partir de suas redes universitárias, obtinham acesso à internet. De início, suas postagens tendiam a ser irritantes, mas dentro de algumas semanas a maioria havia adquirido netiqueta suficiente para assimilar a cultura internética. As comportas abertas de 1993, no entanto, produziram um fluxo interminável de novatos, esmagando as normas sociais e o aspecto clubístico da rede. “Setembro de 1993 entrará para a história da rede como o setembro que nunca terminou”, postou um participante da internet chamado Dave Fischer em janeiro de 1994.38 Surgiu um grupo de discussão chamado alt.aol-sucks, no qual veteranos postavam suas diatribes. Os intrusos da AOL, dizia um deles, “não conseguiriam ter uma ideia se estivessem em um campo de ideias numa temporada de acasalamento de ideias, vestidos como ideias e encharcados de feromônios de ideias”.39 Na verdade, a democratização da internet do Setembro Eterno foi uma coisa boa, mas demorou um pouco para que os veteranos entendessem isso.
Essa abertura da internet, que desbravou o caminho para uma espantosa era de inovação, não aconteceu por acaso. Foi o resultado de políticas governamentais, cuidadosamente forjadas em uma atmosfera séria e bipartidária, que garantiu a liderança dos Estados Unidos na construção de uma economia da era da informação. A pessoa mais influente nesse processo — o que pode ser uma surpresa para aqueles que conhecem seu papel apenas como remate de piadas — foi o senador Al Gore Jr., do Tennessee.
O pai de Gore também foi senador. “Lembro-me de ir de carro com ele de Carthage a Nashville e ouvi-lo dizer o quanto precisávamos de coisa melhor do que essas estradas de duas pistas”, relembrou o Gore mais jovem. “Eles não cuidam de nossas necessidades.”40 Gore pai ajudou a criar a legislação bipartidária para o programa de rodovias interestaduais, e seu filho tomou isso como fonte de inspiração para ajudar a promover o que chamou de “Supervia da Informação”.
Em 1986, Gore deu início a um estudo do Congresso que analisou uma variedade de tópicos, entre eles a criação de centros de supercomputadores, a interligação das várias redes de pesquisa, o aumento de largura de banda e a abertura para mais usuários. O estudo foi dirigido por Len Kleinrock, pioneiro da Arpanet. Gore deu seguimento com audiências detalhadas que levaram à Lei da Computação de Alto Desempenho, de 1991, conhecida como Lei Gore, e à Lei da Tecnologia Científica e Avançada, de 1992. Essas leis permitiam que redes comerciais, tais como a AOL, se conectassem com a rede de pesquisa dirigida pela Fundação Nacional das Ciências e, portanto, com a própria internet. Depois de eleito vice-presidente em 1992, Gore propôs a Lei da Infraestrutura Nacional de Informação, de 1993, que tornou a internet amplamente disponível ao público em geral e a levou para a esfera comercial, de modo que seu crescimento pudesse ser financiado por empresas privadas, além de receber investimento governamental.
Quando eu contava que estava escrevendo um livro sobre as pessoas que ajudaram a inventar os computadores e a internet, a piada mais previsível que ouvia, sobretudo daqueles que sabiam pouco sobre a história da rede, era: “Ah, você quer dizer Al Gore?”. Em seguida, riam. É uma característica de nosso discurso político que uma das conquistas apartidárias significativas em favor da inovação americana tenha sido transformada em piada por causa de algo que Gore nunca disse — que ele “inventou” a internet. Em março de 1999, quando Wolf Blitzer, da CNN, lhe pediu que listasse suas qualificações para ser candidato a presidente, ele citou, entre outras coisas: “Durante o meu tempo no Congresso dos Estados Unidos, tomei a iniciativa de criar a internet”.41 Foi uma formulação deselegante, como são com frequência as respostas nos noticiários da TV a cabo, mas ele nunca usou a palavra “inventei”.
Vint Cerf e Bob Kahn, duas das pessoas que de fato inventaram os protocolos da internet, se manifestaram a favor de Gore. “Ninguém na vida pública, em termos intelectuais, se empenhou mais em ajudar a criar o clima para uma internet próspera do que o vice-presidente”, escreveram.42 Até o republicano Newt Gingrich o defendeu, observando: “É algo em que Gore havia trabalhado por um longo tempo […]. Gore não é o Pai da Internet, mas, com toda a justiça, Gore é a pessoa que, no Congresso, mais sistematicamente trabalhou para garantir que tivéssemos uma internet”.43
O ataque a Gore foi o prenúncio de uma nova era de crescente partidarismo, acompanhado por uma falta de fé no que o governo poderia fazer. Por isso, é útil refletir sobre o que levou ao Setembro Eterno de 1993. Durante mais de três décadas, o governo federal, trabalhando com a indústria privada e universidades de pesquisa, planejou e construiu um imenso projeto de infraestrutura, como o sistema rodoviário interestadual, mas muito mais complexo, e depois o abriu para cidadãos comuns e empreendimentos comerciais. Foi financiado sobretudo pelo dinheiro público, mas rendeu milhares de vezes mais por semear uma nova economia e uma era de crescimento econômico.
Tim Berners-Lee (1955- ).
Marc Andreessen (1971- ).
Justin Hall (1974- ) e Howard Rheingold (1947- ), 1995.
a Uma Ethernet ou Wi-Fi de hoje pode transmitir dados a 1 bilhão de bps, o que é mais de 3 milhões de vezes mais rápido.
b Mais tarde, a Western Union comprou o negócio e transformou-o em seu serviço Mailgram.
c No original, “pony”, que significa tanto “pônei” como “25 libras esterlinas” na gíria em inglês. (N. T.)
d Referência à frase usada durante o episódio dramático de 1980 em que americanos foram mantidos reféns no Irã.