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keynesianismo Em seu sentido mais amplo, o keynesianismo é uma abordagem das questões políticas, sociais e econômicas do capitalismo avançado que torna válido o estado assumir um papel de liderança na promoção do crescimento e do bem-estar material e na regulação da sociedade civil. O keynesianismo tem também um sentido mais preciso, como um corpo de teoria econômica que serve de base a políticas macroeconômicas. Ambos os conceitos de keynesianismo derivam dos textos de John Maynard Keynes no final dos anos 20 e dos programas que ele tentou implementar a partir do interior dos círculos oficiais britânicos nessa época, bem como durante a Segunda Guerra Mundial e a reconstrução do pós-guerra.
A idéia fundamental do pensamento keynesiano é que as economias capitalistas sistematicamente fracassam no que se refere a gerar crescimento estável ou utilizar plenamente os recursos humanos e físicos; os mercados, que são os principais mecanismos econômicos de auto-regulação e ajuste da sociedade civil, não conseguem eliminar as crises econômicas, o desemprego e nem, em versões posteriores, a inflação. No entanto o significado do keynesianismo, seja no sentido amplo ou estreito, encontra-se aberto a interpretações e é tema de contínua controvérsia, tal como sua validade.
Keynesianismo em sentido amplo
A idéia de que o estado tem um papel especial na promoção do crescimento e do bem-estar material antecede Keynes em muitos séculos, mas o keynesianismo forneceu uma base intelectual racional para um tipo de projeto de estado nunca antes tentado sob o capitalismo. Nesse projeto, o pleno emprego ganhava prioridade como um direito do cidadão que, uma vez que não se podia contar com a própria empresa privada, devia ser concedido pelo estado diretamente, pela promoção de investimentos, ou através do gerenciamento dos mercados a fim de induzir as empresas a investir.
Esse projeto ganhou ímpeto político e social a partir de um desemprego em massa aparentemente insolúvel nos anos 20, culminando na crise dos anos 30, que colocou em dúvida a legitimidade da ordem capitalista e pareceu ameaçá-la de cair no barbarismo ou dar lugar ao socialismo. O keynesianismo pareceu oferecer uma “terceira via” entre o capitalismo de LAISSEZ-FAIRE e o SOCIALISMO, a qual, transformando a sociedade capitalista, iria reforçá-la e preservá-la.
Os programas de “obras públicas” — investimento direto do estado em infra-estrutura —, que Keynes encarava como um meio de promover o pleno emprego, estavam na agenda do debate político e haviam sido, em parte, implementados no NEW DEAL de Franklin D. Roosevelt nos Estados Unidos antes de Keynes publicar sua principal obra teórica, The General Theory of Employment, Interest and Money. Eles ilustram a amplitude do keynesianismo, pois, em vez de as obras públicas serem apenas um recurso técnico de economia, a adoção desses programas exigia uma reconstrução das forças políticas. Nos Estados Unidos, isso incluiu a formação da duradoura coalizão do Partido Democrata com a classe operária industrial, as classes médias liberais, os grupos étnicos pobres e os interesses sulistas, e sua implementação implicou uma expansão das autarquias executivas com sede em Washington. Na Grã-Bretanha, a pressão por obras publicas financiadas através do crédito foi uma luta contra os interesses arraigados representados politicamente pelo “ponto de vista do Tesouro”.
Os programas de obras públicas sofreram oposição geral por parte dos interesses bancários, tanto na América do Norte quanto na Grã- Bretanha, e a adoção de outros elementos dos programas econômicos keynesianos, tais como baixas taxas de juros para estimular o investimento privado, exigiram igualmente uma reorientação política que reduzia o poder dos financistas. A construção de um estado corporativista liberal com laços institucionalizados entre sindicatos, organizações de empregados e autarquias estatais foi uma mudança política que parecia compatível com o keynesianismo; mas as obras públicas e a hostilidade à atividade bancária também podiam ser encontradas em estados fascistas construídos sobre um tipo radicalmente diverso de CORPORATIVISMO. Na Grã-Bretanha, os movimentos rumo a uma cooperação corporativista (dos quais as conversações Mond-Turner foram os mais famosos) estavam em fermentação nos anos que prepararam o caminho para a promulgação, por Keynes, de sua estratégia econômica, nas audiências de 1930 da Comissão Macmillan, mas não fizeram nenhum progresso significativo até a Segunda Guerra Mundial. Então, o crescimento de organizações operárias, social-democratas e comunistas criou a base para uma reconstrução do estado no pós-guerra, baseada nos direitos ao pleno emprego e à previdência social, no controle sobre as instituições e mercados financeiros, na posse e no investimento do setor público em indústrias de maior monta. Ao mesmo tempo foi construída uma ideologia política do keynesianismo, predominante, partilhada pelos principais partidos e mantida sem contestação efetiva durante três décadas.
Embora o pleno emprego, organizado por meio de gastos públicos e medidas para gerir o investimento privado, fosse o objetivo em torno do qual se construíram esse consenso e essas disposições corporativistas, sua quase consecução fez com que se desse renovada atenção ao controle da inflação, a qual, como M. Kalecki havia prevenido em 1943, seria usada como um argumento contra os programas de pleno emprego. Isso impulsionou o keynesianismo em uma nova direção. Na crença de que o pleno emprego havia sido irrevogavelmente atingido, seu dogma principal tornou-se a realização do crescimento nacional com baixa inflação, e as disposições corporativistas foram cada vez mais usadas para gerir o mercado de trabalho em tentativas de restringir a inflação salarial (através de “programas de rendimentos” e “contratos sociais”, impostos ou combinados).
Embora o keynesianismo esteja mais estreitamente identificado com as agendas internas pós-1945 dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, especialmente com o ESTADO DE BEM-ESTAR da Grã-Bretanha, ele alcançou uma forte dimensão internacional no Plano Marshall e na construção do sistema de Bretton Woods, em torno do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Esse sistema baseou-se originalmente nas idéias keynesianas de gerência governamental das finanças internacionais e das taxas de câmbio e de controle sobre as operações dos banqueiros. A capacidade de Keynes como estadista na construção do sistema visava facilitar o gerenciamento interno das taxas de juros e das finanças do governo para promover programas de investimento no pleno emprego, mas politicamente representou um realinhamento internacional com o gerenciamento econômico norte-americano da ordem capitalista.
Keynesianismo em sentido restrito
A ampla agenda política do keynesianismo tinha raízes na revolução técnica que Keynes e seus seguidores acreditavam ter ele alcançado na teoria econômica. Embora várias idéias centrais estivessem contidas em seu Treatise on Money, publicado em 1930, a exposição definitiva de Keynes foi The General Theory of Employment, Interest and Money, publicado em 1936. Esse livro pretende demonstrar que, ao contrário do raciocínio ortodoxo da “teoria clássica”, o sistema capitalista, deixado por sua própria conta, em geral não produzirá o pleno emprego. A chave para essa revolução teórica foi o desenvolvimento de dois conceitos, o de preferência pela liquidez e o de demanda efetiva.
Preferência pela liquidez é um modelo altamente simplificado do funcionamento dos mercados financeiros que forneceu uma base para a conclusão de que estes podem sistematicamente fazer com que as taxas de juros se encontrem em um nível alto que reduza o investimento das indústrias privadas. Sua apresentação formal como a idéia de que a demanda pela reserva de moeda depende da taxa de juros é hoje parte integrante de toda a economia moderna, embora a conclusão keynesiana daí derivada não o seja.
Demanda efetiva é a idéia de que a demanda agregada, e daí a poupança, depende da renda disponível; conseqüentemente, o pleno emprego pode ser insustentável porque seu nível de produção não é igualado pela demanda agregada. Isso contrasta com o ponto de vista “clássico”, ou mais precisamente neoclássico, de que o mecanismo de preços se ajusta automaticamente para garantir a igualdade entre demanda e oferta, pois, em vez de a demanda reagir apenas aos preços, ela reage à venda.
Encaixando esses conceitos no arcabouço dos conceitos de renda e produção agregada que se tornaram então a base keynesiana para a moderna contabilização da Renda Nacional, o teorema keynesiano afirmava que os planos de investimento comercial agregados não igualarão, em geral, a poupança agregada na produção em pleno emprego. Em seu cerne encontra-se a incapacidade da taxa de juros de se ajustar automaticamente para restaurar a igualdade investimento-poupança, condição exigida para o equilíbrio. Conseqüentemente, com os planos de investimentos reduzidos, produção e renda têm de estar a um nível achatado (com o desemprego em massa como sintoma) para achatarem a poupança ao mesmo nível.
Embora tenha permanecido como o cerne do modelo keynesiano, esse modelo de equilíbrio do desemprego foi ampliado de várias maneiras. Aplicando-se o princípio da demanda efetiva e a idéia de que a taxa de juros não determina a reserva de capital desejada das empresas, Roy Harrod e Evsey Domar demonstraram que, em uma economia em crescimento, o pleno emprego não é o caso geral. Seu modelo tornou-se a base do planejamento de desenvolvimento para o Terceiro Mundo, ocupando posição de destaque até quatro décadas depois do surgimento da General Theory. No entanto, na macroeconomia ocidental, a ampliação mais significativa do modelo keynesiano ocorreu nos anos 60, quando foi acrescentada a idéia de uma relação entre o desemprego e a taxa de inflação (a Curva de Phillips). Dentro da teoria econômica, a Curva de Phillips prometia corrigir o silêncio do modelo central quanto ao modo como se determina o nível de preços, enquanto em uma perspectiva keynesiana mais ampla ela fornecia uma base para políticas de renda.
Divergências sobre o keynesianismo
A agenda keynesiana mais ampla tinha sido atacada desde os seus primeiros dias como socialista, embora seu papel confesso fosse a preservação do capitalismo; mas, em última análise, ela foi minada mais pela mudança de circunstâncias do que pelos ataques políticos que recebeu. A hegemonia keynesiana construída depois da Segunda Guerra Mundial perdeu sua coesão no final dos anos 70, quando a ordem internacional ancorada pelo dólar norte-americano deu lugar a uma finança internacional sem regulação e o consenso social de política interna em países capitalistas avançados foi fragmentado pelo fenômeno de uma inflação elevada coexistindo com alto desemprego. Foi derrubada como agenda oficial quando Margaret Thatcher subiu ao poder na Grã-Bretanha e Ronald Reagan nos Estados Unidos, embora porém elementos importantes tenham sobrevivido. Na Grã-Bretanha, a opinião da maioria manteve sua fidelidade ao cerne do estado de bem-estar keynesiano, enquanto os Estados Unidos viviam um longo período de expansão gerado pelo financiamento, de tipo keynesiano, do déficit de gastos do estado e na Europa Ocidental os tipos keynesianos de gerenciamento do estado promoviam o crescimento e a modernização. Não obstante, o objetivo que lhes era fundamental, de eliminar de forma permanente o desemprego em massa, se perdeu nesse período.
Na teoria econômica, a interpretação do modelo keynesiano que dominou as primeiras duas décadas e meia do pós-guerra foi fundamentalmente contestado, por um lado, pelos próprios teóricos keynesianos e, por outro, pelo MONETARISMO e pela “nova teoria clássica”. A interpretação predominante da teoria de Keynes, a “síntese neoclássica” inaugurada por J.R. Hicks em 1937 e desenvolvida por A.C. Pigou, F. Modigliani e D. Patinkin, tentara basear suas conclusões na teoria neoclássica dos mercados, na qual os preços, mais que as quantidades (como renda e produção), eram os mecanismos de ajuste. Nessa interpretação, o funcionamento azeitado da economia era a norma e o desemprego surgia como um caso especial resultante da rigidez de salários, em contraste com a teoria geral de desemprego do próprio Keynes, na qual o pleno emprego era visto como exceção.
Uma escola crítica “neokeynesiana” surgiu nos anos 70, enfatizando a importância das quantidades sempre que quaisquer preços no sistema eram menos do que perfeitamente flexíveis e demonstrando que o desemprego é geralmente possível, enquanto o equilíbrio de pleno emprego é apenas uma de muitas possibilidades. Essa escola conserva, embora corrija, os fundamentos teóricos de escolha da síntese neoclássica. Em contraste, o PÓS-KEYNESIANISMO tenta retornar ao “verdadeiro Keynes”, enfatizando os fenômenos complexos que minam esses fundamentos. Essa escola dá especial atenção ao papel das expectativas comerciais inquantificáveis, à falta de conexão entre a taxa de juros e a produtividade do capital, ao caráter endógeno do meio circulante — e não a seu controle pelo banco central —, à importância do crédito e de toda a estrutura das finanças, em vez do dinheiro, e à influência da distribuição de renda sobre desenvolvimentos macroeconômicos.
As críticas monetaristas exprimidas por Milton Friedman e sua escola durante muitos anos assumiram uma linha nova e vigorosa no final da década de 60, ao interpretar a teoria keynesiana como dependente da Curva de Phillips. Friedman deu a esta uma fundamentação neoclássica, introduzindo expectativas de inflação em um modelo de determinação de salários, e obteve o resultado antikeynesiano de que, a longo prazo, o desemprego, por mais alto que seja, se encontra em sua taxa natural, refletindo a escolha dos trabalhadores, em vez de ser involuntário, e não é influenciado por programas de gerenciamento de demanda keynesianos. Como o próprio modelo keynesiano predominante baseava-se em princípios neoclássicos, seus defensores foram incapazes de apresentar argumentos efetivos contra essa ampliação, apesar de sua conclusão antikeynesiana. Essa crítica do modelo keynesiano foi levada mais além pelos “novos autores clássicos”, os quais demonstraram que, em um modelo em que as expectativas são “expectativas racionais”, o desemprego é voluntário e está em sua “taxa natural” em todos os momentos, não penas no equilíbrio a longo prazo. Embora essa refutação das conclusões keynesianas confunda o bom senso e a experiência, a versão neoclássica sintética predominante da teoria keynesiana foi incapaz de apresentar uma alternativa importante da forma como Keynes tentou. Enquanto o desemprego nos níveis que antecederam a guerra retornava, a teoria keynesiana predominante aceitava o conceito de taxa natural de desemprego e se preocupava apenas com a velocidade com que a economia a alcançava.
Leitura sugerida: Keynes, J.M. 1936: The General Theory of Employment, Interest, and Money • Leijonhufvud, A. 1968: On Keynesian Economics and the Economics of Keynes • Moggridge, D.E. 1976: Keynes.
LAURENCE HARRIS
keynesianismo, pós- Ver PÓS-KEYNESIANISMO.