NO FINAL DO SÉCULO XIX, o termo “social” ainda era relativamente recente, assim como o era, de modo geral, a noção de “ciências sociais” distintas. As primeiras associações e publicações profissionais estavam apenas despontando e, enquanto novas ciências sociais, como a sociologia, vinham conquistando reconhecimento, a ciência econômica, como disciplina mais antiga, passava por um intenso desenvolvimento, tanto sob a forma neoclássica que lhe conferiram Carl Menger, Léon Walras, Alfred Marshall e outros, como na vertente que dava peculiar ênfase aos trabalhos da escola histórica alemã. Todas as ciências sociais sentiam-se no direito de reivindicar precursores nos séculos XVIII e XIX, ou ainda mais remotos no caso da ciência política e da história, e as idéias de alguns desses pioneiros permaneceram influentes. No século XX, contudo, as ciências sociais adquiriram maior consistência e autonomia, exercendo maior impacto sobre o pensamento social como um todo. As doutrinas políticas em geral e a crítica social em particular tornaram-se mais tributárias das teorias da sociedade, e muitas idéias do século XIX vieram a encontrar um substrato institucional. O positivismo, de forma ligeiramente distinta da versão comtiana original, consolidou-se como uma filosofia da ciência com notável influência entre os cientistas sociais. O evolucionismo sobreviveu a todo tipo de ataques e assegurou seu lugar no pensamento social, assumindo novas formas depois da II Guerra Mundial, tanto no que diz respeito a concepções de modernização, subdesenvolvimento e desenvolvimento, quanto, mais recentemente, em relação a teorias sobre a evolução da condição moral e do pensamento humano como um todo. A influência do marxismo — como uma crítica da economia política, uma teoria da sociedade e uma doutrina política — intensificou-se com regularidade durante a maior parte do século, embora por caminhos cada vez mais ramificados, isso se refletiu, depois da Revolução Russa e mais ainda depois de 1945, na acentuada divisão entre o marxismo-leninismo e o que veio a ser designado como marxismo ocidental, este último extremamente diversificado em si mesmo. Os dramáticos acontecimentos de 1989 puseram fim às ditaduras comunistas da Europa oriental e à influência mundial do leninismo mas, embora o marxismo e, em certa medida, o socialismo encontrem-se atualmente em declínio na Europa pós-comunista, a questão não é assim tão evidente em outras regiões do mundo.
Por toda a parte, entretanto, observa-se uma grande tendência a repensar as doutrinas sociais e políticas que tiveram suas origens nos séculos XVIII e XIX, florescendo no século atual em meio a um fundo de drásticas e bruscas mudanças na estrutura e na cultura das sociedades humanas. A Revolução Industrial e as revoluções políticas na França e nos Estados Unidos haviam iniciado essa transformação ao inaugurar o movimento democrático e, mais tarde, o socialismo e as contra-doutrinas do conservadorismo e do liberalismo, mas as novas sociedades capitalistas industriais também se caracterizaram pelo nacionalismo e pela expansão imperialista. Por conseguinte, o século XX, ao contrário das expectativas de Auguste Comte e Herbert Spencer, revelou-se como um dos mais violentos da história humana, com duas guerras mundiais extremamente destrutivas e bárbaras, e inúmeros conflitos menores porém não menos brutais, como perseguições e genocídios em grande escala. Surgiram novas formas de expansionismo agressivo com os regimes fascistas na Europa, que além disso instauraram ditaduras totalitárias de uma nova espécie (embora tivessem um paralelo, ou mesmo um precursor, na Rússia stalinista) e, num estilo distinto, mais militarista, no Japão.
Subjacente à destrutividade da guerra moderna deu-se o avanço sem precedentes, durante o século passado, das ciências naturais e da tecnologia, que transformou as condições e as formas de vida social. Incessantes inovações tecnológicas nos países industrializados constituíram fator determinante no crescimento econômico e aspecto importante ao surgimento de gigantescas empresas (corporations), entre elas as multinacionais que cada vez mais dominam a economia mundial, sobretudo nas últimas quatro décadas. Ao mesmo tempo, inovação e crescimento possuem um efeito desintegrador que não opera de maneira uniforme, mas num ciclo de expansão e depressão, marcado por períodos de desemprego em larga escala, como na década de 1930 e, novamente, na de 1980. Tais circunstâncias colocaram em pauta o debate sobre métodos de regulamentação da economia para fins sociais, um debate que até 1989 envolveu, com freqüência, o contraste entre economias capitalistas de (relativamente) livre comércio e as economias centralmente planejadas, o que ainda suscita interrogações sobre o papel do planejamento parcial, prescritivo, na gestão do sistema econômico.
O próprio desenvolvimento econômico gerou novas questões para os pensadores sociais: em primeiro lugar, o contraste entre a crescente riqueza dos países industrializados, no interior dos quais persistem, contudo, densas áreas empobrecidas, e a miséria absoluta — em certos casos crescente, como em vastas regiões da África — de grande parte do Terceiro Mundo; em segundo lugar, o impacto ambiental causado pelo próprio desenvolvimento. No tocante à primeira questão, não se mediram esforços no sentido de formular modelos de desenvolvimento para os países mais pobres, além de planos de ação prática que superassem a divisão Norte/Sul, mas as políticas efetivamente implementadas até agora não lograram o êxito esperado e, no final da década de 1980, a transferência de recursos de países ricos para pobres, através de programas de auxílio e outros meios, havia se convertido, em virtude da dívida acumulada, num fluxo inverso dos pobres para os ricos. Por conseguinte, um contingente cada vez maior de pensadores sociais vem confluindo para um debate crítico sobre como avaliar o desenvolvimento num contexto mundial, ou para a concepção de uma “nova ordem econômica internacional”, o que em grande parte permanece por ora um mero estereótipo. Esse debate estendeu-se a uma área suplementar, cuja atenção está voltada para o meio ambiente. De fato, é a essa questão, e aos movimentos ecológicos em franca expansão, que uma considerável parcela do pensamento social tem se dedicado em décadas recentes. A poluição e a destruição do habitat humano, resultado da produção industrial e da demanda aparentemente insaciável de matérias-primas, afetaram não só as próprias sociedades industriais, mas também os países do Terceiro Mundo, onde são, frequentemente, ainda mais devastadoras, podendo ainda ser agravadas pelos efeitos da explosão demográfica.
É contra um pano de fundo de convulsões sociais, conflitos, rupturas e dos novos problemas do século XX que o pensamento social — seja o produzido pelos próprios ativistas sociais e políticos, seja pelo crescente exército de scholars profissionais — deve ser entendido. Entretanto, muitos de seus temas centrais permanecem os mesmos do início do século: a natureza do trabalho, o papel da nação-estado, a relação entre indivíduo e sociedade, o efeito do dinheiro sobre as relações sociais, o contraste entre Gemeinschaft (comunidade) e Geselschaft (sociedade, associação), estratificação e igualdade, a tensão entre sectarismo e liberdade de valores nas ciências sociais, e até mesmo alguns rótulos como o próprio fin de siècle. As mais recentes análises sobre a pós-modernidade ou sobre o pós-industrialismo assemelham-se incrivelmente às primeiras descrições da modernidade e do industrialismo, e a moderna futurologia, apesar da disponibilidade dos modelos informatizados, não difere muito das previsões dos pensadores sociais do século XIX e do início do atual.
Entretanto, esses antigos temas adquiriram, em muitos casos, um novo conteúdo. A natureza e o significado do trabalho têm agora de ser examinados no contexto de uma estrutura ocupacional radicalmente alterada em função da redução das horas de trabalho e da expansão do tempo disponível para atividades livremente escolhidas. O estado tornou-se, de forma mais direta, o provedor de serviços sociais vitais e da infra-estrutura econômica essencial, mas a experiência do fascismo e do stalinismo mostrou que o seu poder, em certas circunstâncias, pode ser usado para instaurar um sistema totalitário. A democracia, que no início do século era um produto relativamente recente e limitado, vigorando em apenas uma escassa minoria de países — em alguns deles para logo ser derrubada —, tornou-se (ao menos em teoria) um parâmetro político quase universal, embora seu efetivo campo de ação ainda seja ferrenhamente discutido entre os defensores da democracia liberal ou participativa, e no contexto dos recentes debates em torno do significado de cidadania. Estratificação e igualdade, temas que ocuparam lugar central nos conflitos políticos entre esquerda e direita ao longo de todo este século, tornaram-se questões mais complexas nas últimas décadas, quando outras formas de desigualdade — de gênero, raça e nacionalidade — passaram a merecer ênfase mais forte por parte de novos movimentos sociais, e quando as alegações das sociedades comunistas de que haviam eliminado as desigualdades de classe foram mais incisivamente contestadas por críticos, internos e externos, de suas rígidas estruturas hierárquicas.
Este dicionário pretende fornecer uma visão abalizada e abrangente dos principais temas do pensamento social e de seu desenvolvimento — desde o início do século (ou mesmo antes) até bem perto de seu fim — à luz do vasto e instável panorama social desta turbulenta era. Provará ser, assim esperamos, uma valiosa fonte de referência para todos aqueles que, de diferentes modos, preocupam-se com o desenvolvimento futuro da sociedade humana quando nos preparamos para ingressar num nove século e num novo milênio.
W.O.
T.B.