Na busca de raízes: desvendando mistérios e trajetórias
“Quelque autre te dira, d’une plus forte voix les faits de tes aieux et les vertus des Rois...”
Jean de la Fontaine.
Sou uma francesa de Paris que se apaixonou pelo Brasil e pela cidade do Rio de Janeiro foi amor a primeira vista!
Desde 1992, estou morando aqui e me sinto uma carioca; como eu não posso dizer: carioca da gema, então, eu sou carioca de coração.
Eu pertenço a uma família cosmopolita, cujas raízes se encontram espalhadas na Babilônia, na Catalunha, na Espanha, na Turquia, em Jerusalém, na Itália, na Líbia e no Egito. Uma família que deu ao Judaísmo uma linhagem de Rabinos que dedicaram a vida toda ao estudo da Lei e do Talmude.
Eu sou a bisneta do Rabino-chefe de Alexandria, Eliahu Bekhor Hazan, que morreu em 1908; eu acho que ele foi o último chefe religioso da Dinastia Hazan.
Tudo o que eu sei sobre a minha família eu descobri sozinha, pedacinho por pedacinho. É exatamente como se eu tivesse puxado um por um, os fios duma meada muito confusa, emaranhada mesma.
Eu sou uma criança da guerra; eu tinha oito anos em 1939 e meu pai, que tinha uma visão profética dos acontecimentos da época, nunca falava a respeito de sua identidade judaica.
Na escola, eu queria frequentar o catecismo, assistir à missa como todas as outras crianças; cada vez que eu perguntava, a resposta era sempre a mesma: Você não deve, você não pode. Até que um dia, minha mãe, irritadíssima, falou: Você não pode, porque seu pai é judeu, mas é um segredo, entendeu? Você não deve falar disso para ninguém. Estávamos em 1936!
Eu fiquei estarrecida... Se minha mãe tivesse falado: seu pai é um assassino, não teria sido pior. A palavra “Judeu” não fazia sentido nenhum para mim, eu não sabia de nada.
Alguns anos mais tarde, eu me dei conta que meu pai queria que eu fosse educada sem religião alguma, para que eu pudesse escolher aos 18 anos; mas, um dia, durante a guerra, ele precisou produzir uma certidão de batismo para mim. Então, de repente, eu fui batizada, fiz comunhão, confirmação, tudo acelerado, para poder produzir a famosa certidão, mas, como sempre, sem explicação nenhuma.
Meu pai (filho de Isaac Raccah e de Vitoria Hazan) nunca se alistou como judeu, nunca colocou no peito a estrela amarela; com certeza, foi isso que salvou a vida dele e... a minha!
Portanto, pela força dos acontecimentos, eu sou católica; mas, para mim, isso não quer dizer nada. Eu acredito em Deus, sim, mas eu acredito também que, esse Deus é o mesmo para todo mundo; cada um o chama pelo nome que quer; de qualquer jeito; o que me atrai no judaísmo, não é especificamente a religião, mas a história, a cultura e as tradições.
Em 1949, um ano após a criação do Estado de Israel, meu pai, à beira da morte, me falou pela primeira vez da nossa família, das nossas raízes judaicas, de meu bisavô, dizendo que ele esperava que eu honrasse a memória de meus antepassados e... ele me deixou...
Então, pela primeira vez, eu me comportei, como uma verdadeira filha judia; eu atravessei a cidade toda à procura dum Rabino Sefaradi para rezar o Kadish.
Entretanto... muito tempo passou: eu casei, tive dois filhos.... Meu marido faleceu... Em 1965, eu viajei até Izmir, sem saber que depois da Espanha, essa cidade era o berço de nossa família.
Quando eu comecei a viajar pelo Brasil em 1981, eu encontrei minhas tias, aqui no Rio. Minha tia Fortunée era a irmã mais jovem de meu pai; com 16 anos, ela casou em Alexandria com um rapaz brasileiro, de origem sírio-libanesa: Kaluf Chuecke; ele a trouxe para o Rio no final de 1926. Minha outra tia, Clémentine, que já tinha 92 anos, veio morar aqui depois dos acontecimentos de 1957 no Egito.
Em 1982, eu fiquei alguns dias na casa da Fortunée, na Avenida Atlântica; lá, eu descobri emocionada uma foto muito desgastada de meu bisavô; eu levei essa foto comigo para França e mandei fazer uma restauração cuidadosa.
Essa foto foi o ponto de partida de tudo. Alguns anos depois, em 1988, meu irmão (ele nasceu em 1944, no final da guerra) que é bibliotecário, viajou para Alexandria, a convite do Centro Cultural francês, como supervisor duma equipe de bibliotecários locais.
Ele aproveitou a oportunidade para se apresentar ao Presidente da comunidade judaica, tão reduzida e idosa que não conseguiam reunir o número mínimo de dez pessoas para constituir o Minyam... (o Presidente morreu pouco tempo depois); eles conversaram e ele confiou a meu irmão um livrinho sobre a vida dos Rabinos-Chefes de Alexandria em geral, e de nosso bisavô em particular.
Foi a primeira luz sobre a história de nossa família; mesmo quando eu visitei Israel em 1985, eu não sabia de nada; eu não sabia que meus antepassados formavam uma dinastia de Rabinos-Chefes na Palestina, desde o início do domínio do Império otomano. Eles eram chamados “Rishon Le Tsion”, o olho de Sion. – Esaïe, 1,2. -
Anos mais tarde em 1997, eu vi na revista “La Lettre Sépharade” um artigo assinado Laurence Hazan. Eu fiquei perplexa, liguei para ela (ela é Presidente duma associação de Genealogia e de História Sefaradi: Etsi) e a gente se encontrou.
Com ela, eu aprendi muitas coisas: que meu bisavô tinha um irmão mais jovem que era jornalista e editor na Turquia – Aaron de Yosef Hazan que havia publicado em ladino durante 41 anos um jornal chamado: “A Buena Esperanza”. “Lo che Moshe Rabenu fue para el pueblo de Israel, Aaron de Yosef Hazan fue para la communidad de Izmir “. Aprendi o sobrenome e o nome de minha bisavó: Dinah Bardaky. Era a filha do Rabino-Chefe da comunidade asquenazi de Jerusalém no século XIX; os dois casaram em Jerusalém e tiveram uma família numerosa: 6 meninos e 3 meninas.
Eu acho que minha avó Vitoria era a caçula, era muito religiosa e passava muito tempo com o pai dela, a estudar e comentar o Talmude.
No livro, escrito em português, “Primeira Comunidade Israelita Brasileira” de Abraham Ramiro Bentes, encontrei um histórico da família Hazan, mais especificamente da parte espanhola, portuguesa e marroquina. Comecei a pesquisar nas bibliotecas, consultei quase todas as enciclopédias judaicas, em castelhano, inglês, alemão, francês... e a cada passo encontrei os mesmos personagens, além de algumas exceções como Abraham b. Isaac, “o Gherondi”, o chazan do Centro Cabalista de Gerona. Ele era poeta, autor de hinos devocionais na Espanha, no século XIII foi o autor do hino: “Ahhot Quetana”, cantado na noite de Rosh Hashanah em todas as Sinagogas do ritual Sefaradi. Fora dele, a história da minha família começava quase sempre com o domínio do Império otomano sobre a Palestina. No Brasil, eu tentei de tudo para encontrar o livro de Ramiro Bentes, mas, em todos lugares, era sempre a mesma resposta: “Está esgotado”.
Tudo mudou em 2001, quando eu recebi um computador de presente!
Por acaso, eu tinha comprado um livro sobre o primeiro Congresso Sefaradi no Rio de Janeiro “I Confarad” (org. Diane Lisbona Kuperman); no penúltimo capítulo, sobre a presença Sefaradi no extremo Sul do Brasil, o autor Nelson Menda falava de Joseph Pontremoli. Como eu sabia que Laurence Hazan pesquisava sobre a família Pontremoli, ofereci-me para traduzir o capítulo inteiro para que ela pudesse entender melhor o contexto geral. Na resposta, ela perguntou se eu sabia que havia um site sobre a família Hazan, na Internet. Esse site vem da Turquia, da cidade de Izmir, berço de nossa família. A primeira parte conta a história de nossos antepassados, a segunda é a tradução em inglês dum livro escrito pela Sociedade de Izmir em homenagem à memória de Aaron de Yosef Hazan.
Foi minha longínqua prima Gizel que o traduziu do turco para o inglês; eu mandei um e-mail para ela e a gente começou a se comunicar.
Recentemente, ela me mandou vários e-mails provenientes do mundo inteiro e algumas fotos também.
Pela primeira vez, eu vi uma foto de minha bisavó na casa de um dos filhos dela, em Alexandria, quatro anos depois da morte do Rabino Eliahu, em 1912. Foi uma emoção muito grande, quase chorei. Tinha também algumas informações sobre ela e o pai dela (Eles são originários da cidade de Pinsk, na Bielo-Rússia) e tudo isso vinha da Austrália...
Outra notícia proveniente de Israel: Dois professores da Universidade Bar Ilan, perto de Tel-aviv, estão preparando um livro sobre a vida, o pensamento e a obra do Rabino-Chefe Eliahu Bekhor Hazan, meu bisavô.
Ele é o autor de:
Taalumot Lev (Leghorn-Alexandria, 1877-1902): respostas em 4 partes.
Neveh Shalom (Alexandria, 1894): sobre o ritual e as costumes da comunidade de Alexandria.
Zikhron Yerushalayim (Leghorn, 1874): sobre o amor a Terra Santa.
Kontes Yishma Moshe (Leghorn,1874 –Tradução italiana, 1877): a propósito do famoso filantropo Ka’id Nissim Shamama...
Existem também inúmeros manuscritos ainda não publicados.
Milagre da Internet!
Outro Milagre! Eu entrei em contato com Frida Wolf e quando eu perguntei se ela tinha o livro que eu procurava tanto, ela me indicou Ana Bentes, que me ofereceu com muita gentileza, o livro escrito pelo pai dela: “Primeira Comunidade Israelita Brasileira”; e minha família fazia parte dessa comunidade, na Amazônia! É incrível, não é?
Por enquanto, o círculo está quase se fechando, eu me sinto realizada; mas o passado fala alto o tempo todo, ele reclama e vai reclamar até que todas as peças desse quebra-cabeça consigam se encaixar direito. Espero poder estar sempre atenta e disposta a lhe dar ouvidos.