O conflito no Oriente Médio e a possibilidade da paz

Nizar Messari1

Especulações sobre os eventos que levaram o Oriente Médio à crise que conhece desde setembro de 2000, ou seja, desde o início da segunda Intifada, são de natureza diversa. Dependendo do lado que se defende, afirma-se que se chegou a este ponto devido à falta de visão do líder Palestino Yasser Arafat, aos ataques suicidas ou à fragmentação do movimento Palestino. Desde o ponto de vista adverso, afirma-se que se chegou a esta crise com a eleição da Ariel Sharon para o cargo de primeiro-ministro de Israel ou com a visita do mesmo Sharon, em setembro de 2000, como líder do partido de oposição Likud, à mesquita Al Aqsa, ou com o assassinato de Ytzhaq Rabin em 1995. Afirma-se também que o fracasso das negociações de Camp David – sem entrar no mérito da culpa –, no verão de 2000, pode ser considerado a causa inicial do desencadeamento do processo de violência.

Analisamos cada uma destas prováveis causas separadamente, começando pela falta de visão do líder Palestino. Repete-se em Israel e até entre alguns palestinos que se Arafat tivesse tido um pouco da sabedoria do líder sul-africano Nelson Mandela, a região estaria em condições melhores. Arafat é acusado de não ser nem um líder democrático, nem um político com visão. Para assentar sua liderança após a criação formal da Autoridade Nacional Palestina em 1995, Arafat, que havia sido legitimamente eleito pela população palestina, tinha duas vias. Por um lado, havia a via integracionista, através da qual Arafat poderia ter proposto um pacto de unidade nacional a todas as tendências palestinas, dentro e fora da OLP, FDLP, FPLP, Hamas e Jihad Islâmica; elas poderiam ter entrado num processo do qual o líder deveria beneficiar-se mais, mas no qual, também, este mesmo líder deveria arcar com os custos da união. Foi o que Nelson Mandela fez com as diferentes facções na África do Sul, ao permitir ao Inkhata e seu líder Buthelezi regalias e vantagens que garantiram sua participação na consolidação da transição para uma sociedade pós-Apartheid.

No lugar disto, Arafat optou por contar de maneira quase exclusiva com os membros do seu grupo, Al Fatah, e marginalizou com isso os demais grupos, inclusive os representantes dos “Palestinos de dentro” que eram Faissal Husseini e Hanan Achraoui. Para poder fazer isso, Arafat teve que montar um extenso aparelho policial, com cinco forças diferentes e competitivas, restringiu as liberdades de expressão, atentou contra os direitos humanos e isolou os grupos extremistas, Jihad Islâmica e Hamas. Como se isto não bastasse, Arafat não hesitou em fechar os olhos aos flagrantes casos de corrupção das autoridades palestinas. Sua legitimidade, oriunda da sua aura como líder do movimento nacional, foi enfraquecendo, o que reforçava sua dependência das elites corruptas e do aparelho policial-repressivo. Ativistas dos movimentos de direitos humanos passaram a expressar abertamente suas críticas contra a ANP e Arafat, e Hanan Achraoui se demitiu do governo, passando a ter voz ativa contra os abusos praticados pelos representantes da ANP e contra o desrespeito dos direitos humanos.

Ao contrário do que outros líderes árabes estavam fazendo na década de 90, Arafat teve uma relação ambígua com os ativistas islâmicos e, principalmente, com os membros e a liderança do Hamas. Ao passo que Arafat reprimia os ativistas islâmicos no plano interno, por considerá-los uma ameaça a sua autoridade entre os palestinos, ele usou a existência destes mesmos grupos de ativistas islâmicos para negociar e pressionar os israelenses. Aos israelenses, ele cobrava alto para reprimir os ativistas islâmicos e não lhes permitir atuar contra Israel. O uso dos ativistas islâmicos não foi inaugurado por Arafat, já que os regimes do Egito, da Tunísia e do Marrocos – para citar apenas estes três – haviam usados seus próprios ativistas islâmicos como instrumento de pressão. Estes regimes usaram os ativistas islâmicos de maneira dupla. Por um lado, o Islamismo foi incentivado por estes regimes como estratégia para se contraporem aos movimentos radicais de esquerda nas décadas de 60 e 70. Por outro lado, nas décadas de 80 e 90, os regimes destes países passaram a usar a ameaça dos ativistas islâmicos para se afirmar como polos da luta contra o Islamismo, o que permitiu aos regimes forçar a adesão das elites nacionais a sua liderança nessa luta. Portanto, o uso do ativismo islâmico na balança de poder político nacional não é nenhuma novidade no mundo árabe. O problema, no caso de Arafat, era duplo. Por um lado, a situação de Arafat era diferente da situação dos regimes árabes acima citados. Arafat precisa forjar um consenso nacional, enquanto os líderes daqueles países árabes lidavam com situações mais estáveis e estabilizadas. Por outro lado, nos acordos de paz de Oslo, ele se comprometeu a nunca usar o terrorismo como arma de pressão ou de negociação. Portanto, a ambiguidade de Arafat com os ativistas islâmicos era um sinal negativo em relação a seu compromisso com a paz. Uma observação relevante aqui é que esta ambiguidade passou a se afirmar cada vez mais após a morte de Rabin, ou seja, quando o processo de paz começou a perder seu rumo inicial.

Os atentados suicidas são, portanto, e de certa forma, ligados à falta de visão de Arafat. Os grupos Hamas e Jihad Islâmica nunca se sentiram engajados no processo de paz. Para eles, o sucesso do processo de paz ia contra suas crenças (já que, para eles, Israel não deveria existir), fortalecia seu adversário político entre os palestinos (o próprio Arafat), além de não terem nada a ganhar a não ser o que eles consideravam a “paz dos fracos”. Ao cometer os atentados suicidas contra Israel, os ativistas islâmicos reforçavam sua imagem de única e verdadeira resistência à Israel entre os jovens palestinos. Isto significa que o Hamas e a Jihad Islâmica tinham tudo a ganhar e muito pouco a perder ao insistir nos atentados suicidas contra civis israelenses. No cálculo político do Hamas e da Jihad Islâmica, a população palestina necessariamente compararia sua resistência contra Israel com a atitude submissa da ANP. Para o Hamas e a Jihad Islâmica, sua intensa luta armada contra Israel e a endêmica corrupção da ANP acabariam certamente por torná-los os principais representantes do povo palestino, substituindo assim a OLP/ANP.

Pelo lado israelense, a falta de compromisso com a paz é tão flagrante quanto pelo lado de Arafat. O assassinato do primeiro-ministro Rabin em 1995 pode ser indicado como o momento em que a ambiguidade israelense em relação à paz começou a oscilar entre momentos agudos e outros mais brandos. Rabin era um militar com fama de falcão que não precisava provar aos seus cidadãos que tinha uma preocupação estratégica com a segurança de Israel. Quando assinou o tratado de paz com Arafat, as acusações da oposição do Likud segundo as quais ele estava pondo em perigo a segurança de Israel não vingaram, pois sua imagem entre os israelenses era de um homem público que colocava a segurança de Israel em primeiro lugar. Com sua morte e sua substituição por Shimon Peres, a equação se inverteu. Peres tinha uma fama de pombo, e, por isso, a população israelense suspeitava que ele pudesse pôr em risco a segurança de Israel devido a suas convicções pacifistas. Por isso, Peres precisava “provar” aos seus cidadãos que era um duro, e que não havia nenhum risco de prejudicar a segurança de Israel para assinar um tratado de paz. Para conseguir isto, nos meses que separaram a morte de Rabin (em novembro de 95) e das eleições legislativas (junho de 96), Peres seguiu uma linha dura com Arafat. Com isso, Peres conseguiu duas façanhas: por um lado, enfraqueceu Arafat ao congelar o processo de paz, e, por outro lado, deu motivos ao Hamas para acelerar o ritmo de seus ataques suicidas contra civis israelenses. Nessa lógica, o Hamas acabou ganhando, pois assentou sua reputação de dura resistência contra Israel em detrimento da reputação doravante conciliadora de Arafat e causou a derrota de Peres e dos Trabalhistas nas eleições legislativas de 1996.

Com a vitória do Likud, sob a liderança de Benjamin Netanyahu, o processo de paz entrou numa de suas fases mais difíceis. Netanyahu era um jovem líder do Likud que havia se posicionado contra os acordos de Oslo. Sua retórica como líder da oposição era a de recusa total da política de Rabin e Peres em relação aos palestinos, e de apoio aos setores mais radicalmente favoráveis aos assentamentos judaicos nos territórios ocupados. Na sua opinião, a assinatura dos acordos de Oslo por parte de Rabin equivalia a uma traição dos ideais defendidos pelos fundadores de Israel. Sua longa experiência de vida nos Estados Unidos teve dois efeitos sobre seu mandato como primeiro-ministro. Por um lado, lhe permitiu conseguir uma grande familiaridade com a televisão como instrumento de comunicação de massa. Com isso, Netanyahu tornou-se um dos políticos mais eficientes como comunicadores em Israel. Suas aparições na televisão costumavam ter muito sucesso, por sua capacidade de passar mensagens claras e mobilizadoras de maneira eficiente. Por outro lado, Netanyahu adquiriu uma grande familiaridade com o sistema político norte-americano, conseguindo assim utilizar de maneira perfeita os apoios de que Israel dispõe nos Estados Unidos para atuar a seu favor dentro do sistema político norte-americano.

O período que Netanyahu passou no cargo de primeiro-ministro foi marcado por desconfiança mútua entre ele e Arafat. Os atentados terroristas, geralmente com vítimas civis israelenses, eram sempre condenados por Arafat e a ANP. No entanto, Netanyahu responsabilizou Arafat por de maneira consistente. Segundo Netanyahu, por ser Arafat o responsável pela segurança em várias cidades palestinas, ele era, portanto, o responsável pela ação dos militantes palestinos que cometiam os atos de terror. Com isso, o tempo passava, e os acordos de Oslo não eram implementados. As negociações entre os dois lados se tornaram cada vez mais difíceis e, às vezes, até inexistentes. Netanyahu passou a defender a necessidade de encurtar o processo de Oslo e começar a negociar imediatamente os acordos do status final. Segundo ele, os passos intermediários não estavam cumprindo o objetivo de incrementar a confiança mútua entre as duas partes, enquanto a negociação final teria a vantagem de levar as partes ao que interessava mesmo, ou seja, os contornos finos da relação entre os dois povos.

A mediação da administração Clinton entre Netanyahu e Arafat tentava desbloquear a situação entre os dois beligerantes, mas raramente encontrou sucesso. O presidente americano conseguiu juntar os dois líderes, algumas vezes em torno de mesas de negociação, de maneira direta e na presença de outros atores, mas não havia a confiança necessária para que cada parte fizesse as concessões necessárias. Nas poucas vezes em que acordos foram firmados entre Arafat e Netanyahu, uma das partes não implementava suas obrigações, dando cobertura para a outra parte não cumprir sua parte também. Em diversos momentos, Netanyahu recorreu diretamente aos amigos de Israel nos EUA para fugir das pressões que a administração Clinton estava fazendo sobre ele para levá-lo a posições mais maleáveis. Assim, a administração Clinton passou a perceber Netanyahu como um obstáculo à paz maior que Arafat e, de certa forma, se resignou a esperar a troca de liderança em Israel.

Tal troca de liderança ocorreu com a chegada de Ehud Barak ao poder, liderando o partido Trabalhista. Barak tinha a fama de ser um chefe militar habilidoso e um herói nacional. Estas duas características eram similares às características de Rabin. Isso fez com que a população israelense confiasse nele para levar a cabo as negociações com a ANP sem prejudicar a segurança de Israel. Logo no início de seu governo, Barak procurou assentar uma maioria parlamentar mais confortável para poder governar. Trouxe o partido Shass ao seu governo, o que lhe deu uma ampla maioria para governar. Essa habilidade de negociador e político pareceu se confirmar com uma opção que indicou muita audácia política por parte de Barak. No lugar de investir todas suas cartas na negociação com os palestinos, Barak tentou sua chance na frente Síria, ao mesmo tempo que iniciou a implementação da sua promessa eleitoral de retirar os soldados israelenses do Sul do Líbano. A negociação com a Síria, em particular, indicava uma alta aposta por parte de Barak. Conseguindo um acordo com a Síria, ele teria simultaneamente se mostrado um negociador hábil e bem intencionado, capaz de fazer concessões, e ele teria rompido a unidade dos árabes. Em outros termos, um acordo com a Síria teria significado pontos de bônus com os israelenses, com os árabes e com os americanos, além de um enfraquecimento dos palestinos. Mas a negociação com a Síria e a retirada do Líbano, que pareciam indicar uma grande engenhosidade política, acabaram se voltando contra ele. Barak, de fato, não conseguiu avançar na negociação com a Síria, e acabou perdendo um precioso tempo do seu mandato de primeiro-ministro sem negociar seriamente com Arafat. Perdeu, portanto, a boa vontade do eleitorado israelense e a capacidade de pedir sacrifícios a seus concidadãos. Ao retirar os soldados do exército israelense do sul do Líbano, ele acabou mandando um sinal errado aos palestinos. De fato, a retirada israelense do sul do Líbano pareceu se suceder aos ataques do Hezbollah libanês contra o exército de Israel. Isso parecia dizer aos palestinos mais radicais que a via da luta armada contra Israel poderia levar a resultados melhores que a negociação política e diplomática. Essa, claramente, não era a intenção de Barak, mas foi essa a leitura que enfraqueceu não apenas o próprio Barak, mas também o líder palestino Arafat.

Uma das diferenças entre Netanyahu e Barak era que os atentados terroristas palestinos não eram colocados na conta de Arafat por parte de Barak. Barak sabia nitidamente que tanto ele quanto Arafat tinham seus radicais, que procurariam enfraquecê-los. Mais do que isto, Barak aproveitou a disposição e o total engajamento da administração Clinton no processo de paz no Oriente Médio para usar a mediação americana para conseguir avanços com os palestinos. Acordos foram assinados entre Israel e a ANP, e concessões foram feitas por ambas as partes. Observa-se aqui, por exemplo, que Barak também queria passar para o estágio das negociações finais imediatamente sem passar pelos estágios intermediários. No entanto, ao contrário de Netanyahu, ele aceitou firmar um último acordo intermediário com os palestinos, mostrando assim sua capacidade de fazer concessões e ganhando, também, a confiança dos negociadores palestinos.

O momento das negociações finais entre Yasser Arafat e Ehud Barak merece uma atenção especial. O então ministro interino das relações exteriores de Israel, Shlomo Ben Ami, teve um artigo publicado no diário espanhol El País, no qual explicava que a cúpula de Camp David era a última chance para se conseguir a paz, visto que tanto o primeiro-ministro israelense quanto o presidente americano se encontravam em final de mandato. Barak estava ainda no seu segundo ano de mandato como primeiro-ministro, mas sua popularidade estava em baixa, e sua legitimidade era questionada. O tempo que ele havia perdido nas negociações com a Síria – que acabaram resultando em nada – e a já mencionada retirada dos soldados israelenses do Sul do Líbano arranharam sua legitimidade e diminuíram o grau de paciência da população israelense com ele. Clinton, por sua parte, estava literalmente em fim de mandato. Os encontros de Camp David ocorreram semanas antes da convenção do partido democrata que indicou Al Gore como candidato do partido para as eleições presidenciais daquele ano, o que indicava que Gore estava prestes a se tornar o novo líder do partido no lugar de Clinton. As eleições propriamente ditas estavam distantes quatro meses, e a posse do novo presidente estava a menos de seis meses. Portanto, Clinton e Barak estavam dispostos a encontrar uma solução, um para salvar sua herança, e o outro para salvar seu mandato.

Várias versões sobre as negociações de Camp David durante o verão de 2000 filtraram-se para a opinião pública. Na versão oficial, claramente expressada por Clinton após o fracasso das negociações, o responsável pelo fracasso era o líder palestino Arafat. Mas em que consistia Camp David? Camp David era a oportunidade de se chegar a uma solução final e definitiva sobre o equilíbrio das forças e a manutenção da paz na região. Isso incluía a forma, a estrutura e as fronteiras do eventual Estado Palestino, o futuro de Jerusalém, o futuro dos refugiados palestinos e a questão dos assentamentos judaicos, assim como questões cruciais, mas de menor expressão, como a exploração dos escassos recursos hídricos, por exemplo. A base da negociação seria a divisão de territórios entre Israel e a ANP, que prevaleceu após a última retirada do exército de Israel de algumas cidades e áreas da Cisjordânia.

Segundo o presidente Clinton – e outros representantes da administração americana –, Arafat foi responsável pelo fracasso das negociações de Camp David, por não ter percebido que Barak havia ido mais longe que qualquer outro primeiro-ministro israelense antes dele. Aos olhos do presidente Clinton, Barak havia feito todas as concessões possíveis para um dirigente israelense, e Arafat, com sua intransigência, foi incapaz de reconhecer isto. A história, desde então, tem dado razão a esta leitura. Em Camp David, Arafat havia recusado a proposta de Barak de criar um Estado Palestino devido às insuficiências que aquele Estado teria. Hoje, Arafat não apenas não tem mais uma proposta similar, como nem governa mais os territórios que a ANP já controlava antes do início de Camp David. Aliás, Arafat sequer tem mais uma perspectiva de criar um Estado Palestino no curto prazo. No entanto, as poucas informações que se filtraram após o fracasso de Camp David indicam que a proposta de Barak não era uma proposta irrecusável do ponto de vista de Arafat. Parece que, segundo a proposta, os palestinos teriam pouco acesso a Jerusalém, sem poder controlar os bairros árabes da cidade. Parece também que a proposta de Barak supunha a permanência de tantos assentamentos judaicos dentro do eventual Estado Palestino que qualquer controle palestino sobre seus territórios seria necessariamente parcial e incompleto. Falou-se naquele momento em um Estado queijo-suíço para os palestinos, tantas seriam as áreas fora do controle da autoridade palestina que a proposta de Barak supunha. De qualquer modo, a história parece também ter dado razão a Arafat num primeiro momento: nos encontros em Taba, no Sinai, pouco mais tarde, palestinos e israelenses parecem quase ter chegado a um acordo satisfatório para os dois lados. Ambas as partes parecem ter feito concessões maiores, ter se colocado na pele do outro e tentado entender as limitações do outro mais dramaticamente. As concessões de Barak em Camp David não eram então o máximo que um primeiro-ministro israelense poderia fazer, como mostrou Taba, e o que estava na mesa em Camp David ficou ultrapassado em Taba. Mas, devido às eleições para primeiro-ministro que ocorreriam em fevereiro de 2001 em Israel, e que indicavam claramente que Barak perderia seu cargo, este teve a grandeza política de não querer comprometer seu sucessor num acordo que ele não havia negociado. Barak acabou retirando seus negociadores de Taba. Com isto, Taba fica na história como a oportunidade que indicou os contornos quase definitivos de qualquer acordo que fosse duradouro e justo entre israelenses e palestinos. Uma pergunta fica pendente com isso. Arafat mostrou falta de visão ao recusar os termos de Camp David ou mostrou muita habilidade de negociação ao apostar que Camp David não era a Ultima palavra de Barak e algo como o que esteve na mesa em Taba seria possível?

A nova Intifada teve início precisamente entre Camp David e Taba. Ela tem sido interpretada tanto como uma resposta a uma provocação feita pelo então líder da oposição israelense, quanto como uma manobra de Arafat para pressionar Barak. Segundo a primeira versão, a visita que Ariel Sharon, então líder do partido Likud que estava na oposição em Israel, fez à mesquita Al Aqsa em setembro de 2000, era pura provocação. Segundo esta versão, após a derrota de Netanyahu nas eleições legislativas em 1999, o partido Likud ficou sem liderança. Netanyahu havia sido derrotado eleitoralmente e precisava responder a certos processos na justiça por abuso de poder. Mas, fora ele, não havia nenhuma liderança expressiva para liderar o Likud, e os líderes mais novos não queriam assumir o partido numa situação tão desastrosa. A solução que o Likud encontrou foi nomear Sharon como líder interino. Essa posição de líder interino era em si uma vitória para Sharon, que até então era declarado morto politicamente devido a seu envolvimento nos massacres dos campos de refugiados de Sabra e Chatila em 1982 no Líbano. De fato, alguns em Israel consideravam a invasão do Líbano um erro e culpavam Sharon por isso. Portanto, o fato de Sharon ter sido nomeado líder do Likud – ainda que interino – era uma indicação de reabilitação da sua figura política. Mas, como o poder é doce, e dados os problemas enfrentados por Barak como primeiro-ministro, o cargo de líder do Likud passou a ter cada vez mais atrações para Sharon, já que poderia levá-lo a uma reabilitação ainda maior: o cargo de primeiro-ministro. Portanto, quando no início de setembro, Netanyahu foi inocentado de todos os processos judiciais contra ele, Sharon percebeu que seu concorrente ia querer voltar à liderança do Likud. Sharon entendeu então que era preciso tomar alguma atitude expressiva para reverter a provável e forte ameaça de Netanyahu. Ele decidiu então ir à mesquita Al Aqsa, ciente do impacto que tal ato teria nas populações israelense e árabe. Sharon sabia que ao fazer aquela visita, conquistaria a admiração de certos setores do eleitorado israelense e dentro do seu próprio partido e que provocaria a ira dos palestinos. As duas coisas ocorreram de fato.

Segundo a outra explicação, Arafat teria provocado a Intifada para pressionar Barak. Segundo esta explicação, Arafat entendeu a primeira Intifada como um grande momento na história da luta do povo palestino por um estado independente. Para ele, a primeira Intifada trouxe simpatia da opinião pública internacional pela causa do povo palestino e pôs novamente a questão palestina na pauta internacional após o esquecimento no qual havia caído após o exílio da liderança palestina na Tunísia. De certa forma, sem a primeira Intifada, Arafat não teria feito a declaração formal do Estado Palestino em 15 de outubro de 1988, e não se teria dirigido às Nações Unidas, naquele mesmo ano, chamando a atenção mais uma vez, para o sofrimento palestino. Portanto, e aos olhos de Arafat, uma segunda Intifada poderia obter para ele os mesmos resultados: a simpatia do mundo e o consequente maior poder de barganha à mesa de negociação com Barak. Na tradição populista de Arafat, isso seria uma grande aliança direta entre o líder e as massas para conseguir um interesse comum. Segundo esta versão, Arafat aproveitou da visita de Sharon à mesquita Al Aqsa, mas se Sharon não tivesse visitado a mesquita, Arafat teria se aproveitado de qualquer outra oportunidade para agir nesse sentido. A visita de Sharon à mesquita Al Aqsa representaria, então, apenas o motivo legitimador da Intifada. O problema para Arafat é que, após alguns semanas de Intifada, ele já não a controlava mais. A Intifada, com suas mortes quase diárias e seus enterros frequentes, acabou adquirindo uma dinâmica própria que acabou impondo sua lógica ao próprio Arafat. Em vez de a Intifada ter aberto para ele mais uma opção política, tornou-se uma armadilha política para ele, já que sua legitimidade de líder passou a depender do grau de sua identificação com a Intifada. Assim, em vez de Arafat usar a Intifada, ele passou a ser usado por ela. Mais ainda, todos os ganhos políticos e territoriais que o povo palestino teve só foram conseguidos à mesa de negociação e nunca através do uso da força.

A eleição de Sharon veio para congelar o processo de paz. A desconfiança e as segundas intenções entre o governo israelense e a ANP passaram a dominar novamente. Com a Intifada tornando-se mais violenta devido aos atentados suicidas cometidos contra a população civil israelense, a repressão exercida pelas forças militares israelenses se tornou também mais violenta. Num círculo infernal de ações e retaliações, as vítimas civis se fizeram cada vez mais frequentes e numerosas, mesmo com o lado palestino tendo mais vítimas que o lado israelense. Sharon, que possui a mesma atitude relutante diante do processo de paz que Netanyahu, não deu nenhuma chance às negociações políticas. A eleição de George W. Bush à presidência americana e a política deste de evitar o mesmo engajamento no conflito no Oriente Médio que seu predecessor reforçaram a política de Sharon. Os eventos trágicos do 11 de setembro de 2001 confirmaram Sharon na sua política intransigente. De fato, Sharon passou a tratar Arafat e a ANP como parte do terrorismo internacional do qual a administração Bush tem falado. Com isso, Sharon passou a aplicar a Arafat a mesma receita que Bush aplica a Bin Laden e a Al Qaeda. Para Sharon, de nada vale negociar com Arafat, porque este não aceita a paz. Segundo Sharon, Arafat e a OLP querem criar um Estado Palestino para poder em seguida agredir Israel. Sharon considera que todas as concessões e todos os compromissos feitos por Israel não são correspondidos por parte de Arafat. Portanto, a força é a única maneira de lidar com Arafat e a ANP/ OLP. Seguindo esta política, Sharon acabou invadindo os territórios até então controlados pela ANP, e passou a reprimir os Palestinos cada vez mais violentamente. Por não dar nenhum crédito aos palestinos, Sharon acabou fechando todos os caminhos para a paz. A questão agora é como retomar o caminho da paz.

Consideramos os argumentos usados por ambos os lados. Palestinos e israelenses rejeitam qualquer tipo de responsabilidade no fracasso do processo de paz. Ambas partes consideram que fizeram todas as concessões possíveis e que o outro lado não fez nenhuma concessão significante. Israelenses e palestinos argumentam que estão comprometidos com a paz e que o outro lado não quer a paz. Israelenses e palestinos chamam a atenção aos seus sofrimentos históricos e pedem um Estado para poder viver em paz. Por fim, israelenses e palestinos rejeitam qualquer responsabilidade pela piora que o Oriente Médio tem vivido desde setembro de 2002. Fica evidente, então, que os argumentos de ambas as partes se contemplam num espelho. São argumentos muito parecidos, para não dizer iguais, e opostos apenas na hora de se atribuir culpa e inocência. A capacidade de cada um se colocar na pele do outro e entender os constrangimentos um do outro praticamente desapareceu do léxico da relação entre ambas as partes. Nem os israelenses nem os palestinos consideram os sofrimentos do outros como reais e as reivindicações do outro como legítimas. Ambas as partes entendem os constrangimentos do outro como simples subterfúgios para fugir da obrigação de cumprir seus compromissos. Em suma, nem os israelenses nem os palestinos aceitam entender um ao outro na sua complexidade, e na sua integridade.

Desde o início da Intifada, muito sangue foi derramado em ambos os lados, o que torna a capacidade de entendimento muito mais remota. Os palestinos dizem que é impossível entender-se com Sharon, enquanto os israelenses alegam que é impossível entender-se com Arafat. Mas o fato é que ambos os líderes carregam muito peso na sua história, e muita inimizade um em relação ao outro, ao ponto de a relação pessoal entre os dois estar impossibilitando o entendimento entre o governo de Israel e a ANP. Ambos foram democraticamente eleitos e ambos podem ser reeleitos democraticamente em eleições em janeiro de 2003. A questão é: são capazes de levarem seus povos a um futuro melhor.

Condenar Arafat por sua falta de visão ou sua falta de democracia é justo e merecido. No entanto, Arafat levou seu povo até onde chegou, e quase conseguiu realizar o sonho de um Estado. Condenar Sharon por sua truculência ou seu excessivo uso da força pode também ser justo, mas é difícil condenar totalmente o método forte usado por Sharon em termos de eficiência, diante dos atentados contra a população civil israelense e da matança sofrida por pessoas indo ao trabalho, indo se divertir ou saindo de um serviço religioso,. Há cada vez menos atentados e as células estão sendo desmontadas aos poucos. A única condenação possível de Arafat e de Sharon é que nenhum dos dois defende mais uma mensagem de paz, a única capaz de trazer segurança e tranquilidade duradouras a ambos os povos da região. Está na hora de levar estes dois líderes à aposentadoria compulsória e abrir caminho a novos líderes comprometidos com a paz para um futuro melhor. Nenhuma parte será capaz de viver em paz enquanto a outra parte estiver se sentindo injustiçada ou na posição de vítima, e as políticas de Arafat e de Sharon levam precisamente a isso.

O futuro da região reside precisamente no reconhecimento mútuo das reivindicações de ambos os povos e da sede de ambas as partes por segurança e paz. Isto só se tornará possível se ambos reconhecerem o outro na sua complexidade, como um legítimo outro, e não como apenas uma derivação de uma representação que se faz dele. Aceitar o outro é o mais difícil, mas é também o caminho mais seguro para se conseguir uma paz duradoura. Palestinos e Israelenses quase conseguiram isso e podem consegui-lo outra vez. A história nos ensina que a convivência entre Muçulmanos e Judeus não apenas é possível, mas é também natural e produtiva para ambos. Da Andaluzia à África do Norte, Judeus e Muçulmanos têm convivido juntos, e o Oriente Médio pode muito bem se tornar mais um exemplo dessa convivência pacífica.