A consulta perdida
Quando minha mãe ficou bem grande e com a barriga bem redonda, foi para o Huntington Hospital para ter o bebê. Ficamos em casa à espera de notícias. Tarde, naquela noite, nosso pai telefonou: ganhamos um irmãozinho, Steven Jude Carino. Ele nasceu forte, meu pai disse: 3,9 quilos e 53 centímetros de comprimento. Meu pai parecia tão entusiasmado quanto eu e interpretei aquilo como um ótimo sinal. Permiti a mim mesma imaginar que aqueles 3,9 quilos e 53 centímetros poderiam, de alguma maneira, mudar o meu pai de uma vez por todas.
Quando a minha mãe se recuperou do parto, voltou imediatamente a trabalhar como garçonete no serviço de bufê daHuntington Townhouse. Precisávamos de dinheiro; a empresa de construção do meu pai havia falido e ele já estava pronto para uma nova aventura. Então, minha mãe nos deixava cuidando do bebê aos sábados e trabalhava por doze horas seguidas. Mesmo com os dois trabalhando, o dinheiro sempre era pouco. Meu pai não era bom em finanças; às vezes, por algum capricho, ele aparecia com um carro novo, algum Cadillac usado que comprava para restaurar. Eu sabia que quando ele jogava dinheiro fora daquele jeito, minha mãe se aborrecia muito – mas, da mesma forma, eu também sabia que ela jamais poderia confrontá-lo. Tudo que ela poderia fazer era entregar o seu ordenado ao meu pai e esperar que ele fizesse o melhor uso possível.
Certa manhã, tínhamos uma consulta no dentista e minha mãe nos levaria. Ela havia trabalhado no dia anterior e por isso estava exausta, então dormiu demais e perdemos o horário. Meu pai não se importava se deveríamos ou não ir ao dentista; ele deixava essas coisas sob a responsabilidade da minha mãe. Porém, como estava sob o efeito de uma enorme ressaca por conta de uma bebedeira na noite anterior, ele usou o pretexto da consulta para atacá-la. E nesse dia ele realmente perdeu a cabeça.
Ele começou a praguejar contra a minha mãe e a gritar com ela na nossa frente.
– Você é uma estúpida!
Minha mãe foi ao quarto que eu dividia com Annette e deitou-se na cama conosco, mas meu pai veio atrás. Ele continuou gritando e amaldiçoando-a, a saliva saltando pela boca.
– Como você pode ser tão estúpida?
Minha mãe nos puxou para mais perto dela e esperou até que aquilo passasse.
Mas não passou. Meu pai saiu do quarto e voltou com duas garrafas de uísque cheias. Ele atirou uma delas contra a parede, por cima da nossa cabeça. Uma chuva de uísque e vidro caiu sobre nós e tentamos nos proteger puxando as cobertas. Então meu pai atirou a segunda garrafa e foi buscar mais. As garrafas se estilhaçaram por cima da nossa cabeça e o barulho era terrível. Ele continuou gritando e praguejando, muito mais do que eu já havia visto. Quando as garrafas acabaram, ele foi até a cozinha, derrubou a mesa e quebrou as cadeiras. Nesse momento, o telefone tocou e minha mãe correu para atender. Eu a ouvi pedindo socorro para a pessoa do outro lado da linha. Meu pai tomou o telefone da mão dela e arrancou a base da parede. Minha mãe voltou para o nosso quarto enquanto ele continuava chutando e arremessando os móveis, completamente fora de controle.
Quando ele finalmente se cansou, alguém bateu à porta. Meu pai a abriu e viu dois policiais – era minha tia, do outro lado da linha, quem tinha discado 190.
– Recebemos uma chamada a respeito de uma perturbação – disse um dos policiais.
Se eles tivessem dado um passo dentro de casa, teriam visto os estragos que meu pai havia causado. Mas os policiais permaneceram na porta e meu pai – que naquela altura já estava muito calmo e contido – disse a eles que estava tudo bem. De maneira espantosa, eles confiaram e foram embora. Daquela vez meu pai tinha passado dos limites. A cozinha estava absolutamente destruída, como se um tornado tivesse passado por ali. Minha cama estava coberta de cacos de vidro e encharcada de uísque.
Em silêncio, minha mãe reuniu os cinco filhos – Steven era apenas um bebê – e, sem preocupar-se em levar roupas, nos enfiou no carro e nos levou até a casa da nossa avó em Huntington. Nossa avó nos acolheu e passamos os três dias seguintes com ela. Foram os três melhores dias de nossas vidas, até então. Pela primeira vez, não precisávamos nos preocupar com o nosso pai. Ali, ele não poderia nos tocar.
Foi então que, no terceiro dia, eu ouvi minha mãe conversando com a minha avó, chorando.
– O seu lugar é ao lado do seu marido – ela a aconselhou. – Você deve voltar para ele.
Eu também chorei e implorei que minha avó nos deixasse ficar com ela, mas isso era algo que não poderíamos discutir. Era simplesmente a maneira como as coisas aconteciam naquela época. As esposas não abandonavam os seus maridos, pelo menos não nas famílias italianas. Elas aguentavam. E foi exatamente isso que a minha mãe fez; e era o que ela tinha de fazer naquele momento. Então ela nos colocou no carro e voltamos para casa.
Entramos em silêncio, aterrorizados por estarmos ali. Fui até a cozinha, sem ter certeza do que encontraria; ela estava parcialmente organizada e meu pai trouxera a mesa de piquenique para substituir a que ele havia destruído. O buraco na parede, de onde ele arrancara o telefone, continuava lá. Minha mãe, Annette e eu tivemos de organizar todo o restante que meu pai deixara desarrumado. E, como de costume, ninguém pronunciou uma palavra sequer a respeito do ocorrido. Simplesmente continuamos as nossas vidas, como se nada tivesse acontecido.
Foi o mais perto que a minha mãe alguma vez chegou de se separar do meu pai.
Depois daquela explosão, meu pai se acalmou. Ter um bebê em casa certamente colaborou para isso. Meu pai adorava Steven; ele realmente apreciava as características do seu filho mais novo: risonho, alegre e esperto. Desde muito cedo, Steven demonstrava uma inteligência excepcional, e como era o mais novo dos irmãos, passava muito mais tempo sozinho com a minha mãe, o que o ajudou a se desenvolver mais rápido. Minha mãe costumava ler e jogar com ele para desenvolver sua curiosidade natural. Quando tinha quatro anos, Steven já havia decorado os nomes e as datas de aniversários, e até mesmo a data de falecimento de todos os presidentes dos Estados Unidos. Meu pai se regozijava quando o ouvia recitá-los. Percebi que meu pai fazia coisas com Steve que nunca tinha feito com Frank. Ele o levava para o trabalho e comprou as 45 músicas que Steven adorava ouvir: Winchester Cathedral, Barbara Ann e coisas do gênero.
Pela primeira vez em muito tempo, meu pai parecia feliz por estar em casa e não saía para beber com muita frequência. Ele ainda bebia em casa, mas se embriagava muito menos. E, como não estava sozinho, não havia a possibilidade de se render à fúria como fazia ao sair; o momento no qual ele se transformava era quando ele saía do bar e entrava no carro para voltar para casa. Em casa, ele geralmente bebia até cair no sono e, no dia seguinte, próximo ao sofá, encontrávamos o seu grande cinzeiro de vidro repleto de pontas de cigarro, cinzas por toda a parte e por vezes uma queimadura entre a mesa do café e o sofá. Dos males, o menor.
Quando meu pai abandonou a área da construção, ele voltou a trabalhar como barman em tempo integral – agora ele tinha o seu próprio bar, o Windmill, na Jericho Turnpike. Minha mãe trabalhava lá como garçonete e, no início da nossa adolescência, Annette e eu passamos a trabalhar lá também, descascando mexilhões e servindo hambúrgueres. Deixamos Commack e voltamos para Huntington Station, para uma casa estilo colonial de dois andares que o meu próprio pai construiu. A casa ficava localizada em uma estrada lateral, cerca de cinquenta metros atrás de outra casa, e tinha um enorme caminho de saibro que levava até a porta de entrada. O design interior era extravagante. Pela porta da frente tínhamos acesso à sala de televisão, certamente o cômodo mais concorrido e desarrumado de toda a casa. A sala de estar, à direita, raramente era usada e nela havia pouquíssima mobília. Era necessário passar pela lavanderia no primeiro andar para chegar até o banheiro. Meu pai usava ripas de madeira no exterior e, como havia sobrado algumas, as colocou na parede da sala de jantar. Havia um pequeno e agradável jardim com árvores grandes e eu estava feliz por voltar a Huntington e por ter a oportunidade de fazer novos amigos. Além disso, entre a nova casa e o novo bar, meus pais estavam ocupados demais ou muito exaustos para brigarem.
Por volta dessa época, meus pais começaram a alugar um bangalô na praia em North Fork, Long Island. Aquelas foram as nossas primeiras férias de verdade depois de muito tempo. Passamos uma semana no alto de um penhasco, bem acima de Long Island Sound e tínhamos de descer cem degraus para chegar à água. Todos nós amamos a semana que passamos ali. Sempre me lembrarei que ficamos acordados até tarde jogando video game e que tomamos café na mesa de piquenique vestindo nossos pijamas. A vida era diferente ali: mais feliz, mais tranquila. Lembro que quase não houve brigas. A praia era o lugar onde todos nós podíamos respirar fundo e, durante poucos e preciosos dias, relaxar.
E assim, durante os primeiros anos de sua vida, o meu irmão Steven não tinha a menor ideia de quem o meu pai era. Ele o conhecia apenas como um pai amável, gentil e zeloso. Steven ainda não tinha cinco anos completos quando observou pela primeira vez o lado negro dele. Meu pai tinha uma grande porção de areia na parte de trás de sua picape e deixou Steven e um amigo brincarem ali com suas pás de brinquedo. Sem perceber, Steven deixou cair um pouco de areia no tanque de gasolina da picape. Quando meu pai entrou no carro e tentou ligá-lo, as luzes de alerta se acenderam. O motor não ligava. Meu pai tirou Steven da capota e deu-lhe um chute no traseiro. Steven chorava tanto que minha mãe correu para pegá-lo no colo. Nem mesmo Steven – aquele garotinho que ele adorava – estava imune à fúria do meu pai.
Mesmo assim, tentamos continuar as nossas vidas da maneira mais normal possível. Na sétima série, fiz novos amigos e comecei a namorar. Vista de fora, minha vida parecia perfeitamente normal: passava bastante tempo com meus amigos, ia ao shopping Huntington e saía no sábado à noite para dançar no Bethany Church. Mas, à medida que eu crescia, o estresse da minha família começou a ter suas consequências. Minhas notas eram muito ruins e meus professores reclamavam que eu nunca prestava atenção. Na verdade, eu estava sempre exausta demais para me concentrar. Por razões óbvias, eu não conseguia dormir bem. Quando dormia, logo começava a ter pesadelos e acordava, assustada. Dormir, para mim, nunca foi uma pausa do terror, mas sim uma continuação dele.
O único momento em que eu realmente conseguia fugir do terror era quando dormia na casa dos meus amigos. Minha melhor amiga era Sue, uma garota divertida e cheia de energia que partilhava do mesmo senso de humor que eu. Eu adorava dormir na casa dela. A mãe de Sue era secretária e seu pai trabalhava na IBM. Para mim, eles eram o modelo de família perfeita. O pai de Sue chegava em casa às seis da tarde, eles jantavam às sete e todos iam dormir às nove. Pela manhã, a mãe de Sue, que sempre vestia um avental por cima da saia ou do vestido, preparava ovos mexidos com bacon e salsicha. No balcão da cozinha, copos cheios de suco de laranja com uma pilha de comprimidos de vitamina ao lado. Havia sempre um copo de suco e um comprimido de vitamina para mim. Sentávamos à mesa, conversávamos e ríamos, e tudo era tão fácil e tranquilo. Eu sentia que toda a tensão do meu corpo se esvaía. À noite, eu dormia sem preocupação, medo ou apreensão, e sempre acordava disposta.
Sei que pode parecer fútil, mas o que eu mais gostava de ver na casa de Sue era a maneira como o pai dela se vestia. Ele ia para o trabalho vestindo um lindo terno escuro, uma camisa branca muito bem engomada e uma gravata fina e escura – parecia ter saído de um comercial de TV. Lembro que eu desejava que meu pai fosse igual a ele. A verdade é que eu sentia vergonha porque meu pai era barman. Eu odiava o fato de ele trabalhar à noite, e odiava também que nós tivéssemos que “pisar em ovos” quando ele chegava em casa bêbado. Tenho certeza de que a família de Sue tinha os seus problemas, mas para mim eles eram tudo aquilo que a minha família não era: felizes, amorosos e normais.
Às vezes, mas não sempre, eu convidava Sue para dormir em minha casa. E sempre foi um risco – eu nunca sabia se meu pai iria explodir quando ela estivesse por perto. Certa noite, Sue e eu estávamos dormindo no meu quarto quando ouvi a voz do meu pai no andar debaixo. Não consegui escutar o que ele dizia, mas não importava. Eu chacoalhei Sue para que ela acordasse e pedi a ela que se vestisse.
– Qual é o problema? – ela me perguntou, sonolenta.
– Vista-se. Você precisa ir para sua casa.
Tirei Sue de casa às duas da manhã e, na companhia de Annette, a levei para casa dela de carro. Nunca contei por que fiz aquilo, ou se contei, foi apenas muitos anos depois. Eu não queria que nenhuma das minhas amigas visse o meu pai em meio a um ataque de fúria. Não suportava a ideia de que elas soubessem que eu vivia daquela maneira.
Naquela época, os negócios no Windmill já não iam muito bem. Tenho certeza de que meu pai perdeu milhares e milhares de dólares distribuindo bebidas de graça. De maneira lenta e progressiva, o Windmill o arrastava para o fundo. Em casa, o dinheiro era cada vez mais escasso; meus pais trabalhavam por muitas horas e tinham pouco retorno. O cerco apertava. Fazia tempo que não acontecia um grande ataque de fúria, mas nós sabíamos que isso não estava muito longe. Era apenas uma questão de tempo.
Certa tarde, eu estava na casa de Sue quando o telefone tocou. Ela me disse que era a minha irmã, Annette. Peguei o telefone e, pelo tom de voz de Annette, percebi que algo muito grave havia acontecido.
– Vem pra casa agora. – ela disse. – Já!
Montei na minha bicicleta e pedalei furiosamente até minha casa, a poucas quadras dali. Quando atravessei a porta de entrada, a primeira coisa que notei foi que a mimosa artificial que mantínhamos ali estava caída no meio da sala da TV. Prendi a respiração para não gritar. Normalmente os ataques de fúria do meu pai aconteciam à noite, então eu conseguia me esconder no meu quarto, apagar as luzes e desaparecer em meio à escuridão. Mas estávamos em pleno dia; não havia onde me esconder. Ouvi a minha mãe implorando. Uma parte de mim queria ir até o andar de cima, onde estavam meus outros irmãos, mas eu não consegui. Eu tinha dezesseis anos naquela época. Não poderia mais fingir que nada estava acontecendo.
Caminhei até a cozinha. A mesa e as cadeiras, relativamente novas – pois substituíram as que meu pai havia destruído –, estavam em pedaços novamente. Minha mãe estava caída no chão, curvada como uma bola. O meu pai estava chutando-a.
Algo me ocorreu. Em outros momentos eu já havia tentando pôr fim às discussões entre os meus pais e gritado com o meu pai para que ele deixasse de atormentar Frank, mas aquilo era diferente. Corri até ele e comecei a socá-lo com os punhos cerrados, pedindo que ele parasse. Com apenas um braço, ele me afastou e me atirou contra a parede. Em seguida, continuou chutando a minha mãe.
Surpreendi-me ao perceber que imediatamente fiquei de pé. Não sabia se havia me machucado, tampouco me importei. Estava tomada pela adrenalina. Fui em direção ao meu pai novamente e fechei a mão. Pus o punho no rosto dele e o mantive ali, a poucos centímetros de distância do seu nariz, e gritei com ele o mais alto que pude. Minha mãe implorou que eu saísse dali e que a deixasse sozinha. Eu sabia que ela não queria que o meu pai me batesse também. Mas me mantive firme e segurei o punho no rosto dele, dominada por uma raiva terrível.
– Pare ou eu chamo a polícia! – eu gritei. – Pare agora ou mando prenderem você!
Não sei dizer se foi a minha raiva ou o eco da raiva dele que fez aquilo. Não sei se meu pai percebeu a ausência de medo no meu rosto, ou se foi a ameaça de chamar a polícia. Certamente era a primeira vez que um de nós o ameaçava daquela maneira. Fosse o que fosse, funcionou. Meu pai parou de chutar a minha mãe e calou-se. Todo o seu poder se esgotou. Ele deixou cair os ombros e ficou ali, inofensivo, com uma aparência confusa e derrotada. Finalmente ele se afastou e eu fui até a minha mãe. Logo vieram Annette, Nancy, Frank e até mesmo o pequeno Steven. Sentamo-nos em meio aos destroços da cozinha junto à nossa mãe, vendo-a chorar. Mais tarde, naquele mesmo dia, ela própria foi ao hospital de carro.
Ela tinha uma dúzia de contusões e três costelas quebradas.
Eles enfaixaram os ferimentos e mandaram-na de volta para casa, sem fazer uma pergunta sequer.
Com o tempo, as contusões da minha mãe sararam. Depois daquele acontecimento, ela não deixou o meu pai e nunca o deixaria. Mas, para mim, algo mudou desde aquele dia. Agora que eu o havia enfrentado, havia algo diferente. Era como se eu tivesse encontrado uma arma que poderia usar contra ele. Foi como se, pela primeira vez, eu tivesse encontrado uma saída.
De diferentes maneiras, aquele foi o dia em que eu cresci e tornei-me adulta.