Prefácio
Quando Laura Schroff entrou no meu escritório em Manhattan para uma entrevista de emprego, em 1978, fiquei impressionada com sua confiança e encantei-me com sua personalidade, mas, para ser sincera, ela não me deslumbrou. Pelo menos não o bastante para que eu a contratasse de imediato. Gostei muito dela e tive uma sensação muito boa a seu respeito, mas precisava conhecê-la melhor – não apenas em relação às suas competências, mas também aos seus valores. Precisava saber que tipo de pessoa ela era.
Naquela época, eu era editora adjunta da Ms., uma revista inovadora, de periodicidade mensal, cujo lançamento ocorreu em 1972. A ideia por trás da Ms. era simples, porém profunda: desejávamos ser o incentivo de uma mudança na nossa sociedade. A Ms. defendia a igualdade dos sexos, encorajava e inspirava as mulheres a atingirem a plenitude do seu potencial, a fazerem suas próprias escolhas e a competirem na arena da América empresarial, dominada pelos homens. Nos anos 1970, não vivíamos em um mundo em que quase 40% dos diplomados pela Harvard Business School eram mulheres, como ocorre hoje. Tampouco Oprah Winfrey aparecia cinco vezes por semana na TV, encorajando as mulheres a serem mais ousadas, a se sentirem mais satisfeitas com suas vidas. Em 1978, a O – a inspiradora revista da Oprah – não era ainda sequer o protótipo de uma ideia.
De diferentes formas, a Ms. estava sozinha em campo, preparando o caminho para mulheres como a Oprah e esforçando-se para promover uma geração de futuras líderes. E essa delegação trouxe a nós, funcionários da revista, uma enorme sensação de responsabilidade. Sentíamos que não estávamos apenas fazendo um trabalho – estávamos ajudando o mundo! Como editora adjunta, uma das minhas funções era contratar vendedoras de espaço publicitário, uma tarefa essencial e desafiadora para qualquer revista, sobretudo a nossa. Um dos inconvenientes de ser novo e diferente é que as pessoas nem sempre compreendem muito bem aquilo que estamos representando, tampouco o que defendemos e, durante muito tempo, a Ms. foi vista pela comunidade anunciante como um gambá em meio ao piquenique. Dessa forma, o pessoal do nosso departamento comercial tinha que trabalhar com muito empenho para vender não apenas o espaço para anúncios, como também a nossa mensagem, os nossos valores e o nosso ponto de vista. Portanto, eu precisava de mulheres que compreendessem esse desafio, que partilhassem a minha devoção à visão da revista e que fossem capazes de entrar em um território hostil para modificar a maneira como as pessoas pensavam. Precisava de alguém com valores profundamente enraizados e a coragem necessária para lutar por eles.
Ao conhecer Laura, perguntei-me: será que ela realmente se importa com o que fazemos aqui ou está apenas interessada no emprego?
Solicitei a ela que voltasse para uma segunda entrevista, e foi então que lhe pedi que dissesse o que realmente importava em sua vida. Laura não hesitou. Falou sobre a família, os amigos, de lealdade e da sociedade, de fazer a diferença na vida das pessoas. Ficou claro para mim que Laura era uma pessoa que se preocupava. E, à medida que o seu entusiasmo pelo que fazíamos ficava cada vez mais evidente, ela compreendeu a importância de conceder às pessoas o poder de sonhar mais alto e de lutar por uma vida melhor. Pouco tempo depois dessa segunda entrevista, convocamos Laura para assumir o cargo. Sem grande surpresa, ela passou pela comunidade anunciante como um vendaval de paixão e convicção e ajudou a gerar um enorme crescimento das nossas receitas publicitárias.
E, no entanto, somente anos depois descobri como Laura é verdadeiramente incrível.
Depois que saí da Ms., fui trabalhar para o USA Today, outra empresa de mídia impressa recém-criada na época e com uma visão revolucionária, que tinha de lutar por cada dólar de publicidade. Como diretora comercial, era minha função convencer as grandes marcas nacionais a nos concederem um voto de confiança e a anunciarem os seus produtos e serviços em um jornal diário de grande formato e a cores, um conceito a que o país não estava habituado ainda. O desafio era tremendo e percebi que precisava contratar pessoas inteligentes nas quais eu pudesse confiar. Laura estava no topo da lista. Juntou-se a nós e mais uma vez fez um trabalho excepcional, vendendo milhões de dólares de espaço publicitário noUSA Today.
Mas não foi isso o que me fez perceber o quanto Laura era incrível.
Ao longo desses anos, Laura e eu nos tornamos mais do que colegas de trabalho; tínhamos nos tornado amigas. Almoçávamos juntas, falávamos sobre namorados, íamos às compras, fazíamos tudo o que amigas fazem. Nós nos interessávamos verdadeiramente uma pela outra. Dessa forma, não me surpreendeu quando, na terça-feira após o feriado do Dia do Trabalho, no ano de 1986, Laura entrou em minha sala e contou-me algo que havia acontecido com ela no dia anterior.
Nunca poderia imaginar que aquela história resultaria neste livro, nem poderia saber que o incidente que ela me relatou acabaria por determinar de uma vez por todas a minha opinião a respeito da personalidade dela. Naquele momento, era apenas mais uma história, mais uma das muitas que partilhávamos. Duvido que alguma de nós poderia imaginar que hoje, 25 anos depois, ainda estaríamos falando sobre aquilo.
O que Laura me contou foi que estava caminhando pela rua, não muito distante do seu apartamento em Manhattan, quando um rapazinho de onze anos a interrompeu pedindo-lhe uma moeda. Laura comentou que o garoto tinha os olhos muito tristes e que dizia estar com muita fome. Disse ainda que continuou caminhando, até que, sem saber por que, decidiu voltar. Em vez de dar apenas uma moeda ao rapaz, ela o levou para almoçar.
A minha primeira reação foi de surpresa. Eu tinha me tornado tão imune à presença dos mendigos nas ruas de Manhattan que certamente teria passado pelo menino sem nem olhar para trás. Fiquei admirada com a atitude de Laura. Naquela noite, saímos para jantar e conversamos um pouco mais a respeito do rapazinho, de nome Maurice. Nunca tinha visto Laura tão entusiasmada e animada com qualquer outra coisa. Apesar de ter acabado de conhecer aquela criança, era evidente que ela estava muito empenhada no seu bem-estar. Alguma coisa em Maurice, ao que tudo indicava, havia tocado o coração de Laura.
Durante os dias e semanas seguintes, tivemos muitas conversas a respeito do garoto, e quanto mais ela me contava sobre ele, mais eu compreendia a razão pela qual ela estava fazendo tudo aquilo. Ainda assim, devo confessar, eu nem sempre tinha a certeza de que o envolvimento de Laura com o menino e com sua família totalmente desestruturada fosse algo bom para ela. Temia que lhe acontecesse algo ruim, ou que a atitude dela fosse mal interpretada. Houve ocasiões em que fiquei muito aborrecida, por achar que ela estava se arriscando demais. Eu me perguntava se Laura tinha consciência da enorme responsabilidade que estava assumindo. E se os gestos de bondade para com Maurice o tornassem dependente dela? E se aquela criança desprovida de amor e emocionalmente abalada exigisse mais de Laura do que ela poderia dar? Com frequência e de maneira enérgica, eu mostrava a ela todas as minhas preocupações, todas essas perguntas que pairavam sobre minha cabeça. Sentia que tinha de ser a voz da razão para ela.
Contudo, logo ficou claro para mim que Laura não estava sendo guiada pela razão. Era guiada pela fé, pela convicção e pelo amor.
Convenceu-me, mais pelas suas ações do que pelas suas palavras, que nunca abandonaria Maurice. Com o tempo, nas nossas muitas conversas a respeito dele, compreendi que, ao envolver o rapaz em alguns dos simples rituais de sua vida, ela estava transmitindo-lhe lições valiosas, que permaneceriam com ele para sempre. Laura me disse que, independentemente do que acontecesse a ela – por mais êxito que obtivesse na sua carreira, por mais ocupada que estivesse, por mais que sua vida mudasse –, tinha um compromisso com ele até o fim. Conhecia Laura o suficiente para saber que aquelas não eram meras palavras. O compromisso que ela tinha
com Maurice não era algo que encarava com leviandade ou que em algum momento ela ignoraria.
Foi então que finalmente comecei a compreender o quanto a história de Laura é incrível.
Vivemos em um mundo cínico, e por vezes esse cinismo nos impede de ver as coisas como elas são. Meu cinismo nova-iorquino me impedia de ver o laço especial que existia entre Laura e Maurice. Mas com Laura foi diferente; ela soube olhar para além de todos os problemas, de todos os riscos e de toda a irracionalidade do que estava fazendo e enxergou a verdadeira essência daquilo: uma meiga e sincera relação entre duas pessoas que precisavam uma da outra.
E agora sinto-me imensamente feliz ao ver Laura partilhando sua história com o mundo. Acredito que há uma mensagem poderosa nos seus gestos pequenos e simples e espero que os leitores se sintam tão inspirados pelo relato como eu me senti.
Lembro-me que há anos li uma citação de Martin Luther King Jr., na qual ele dizia: “Deem o primeiro passo com fé. Vocês não precisam ver a escada toda, só precisam dar o primeiro passo”.
Obrigada, Laura, por ter dado o primeiro passo com Maurice.
Valerie Salembier
Diretora-geral adjunta, editora e chefe de vendas
Town & Country