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1.   CONCEITO DE PROCESSO PENAL

Cometida a infração penal, nasce para o Estado o direito-dever de punir (pretensão punitiva), consubstanciado na legislação material, com alicerce no direito fundamental de que não há crime sem prévia lei que o defina, nem pena sem prévia lei que a comine.

O Direito Penal, que forma o corpo de leis voltado à fixação dos limites do poder punitivo estatal, somente se realiza, no Estado Democrático de Direito, através de regras previamente estabelecidas, com o fim de cercear os abusos cometidos pelo Estado, que não são poucos.

Portanto, Direito Processual Penal é o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, realizando-se por intermédio do Poder Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei ao caso concreto.

Na visão de ROGÉRIO LAURIA TUCCI, correspondendo “à instrumentalização da jurisdição, ou seja, da ação judiciária, em que se insere ação das partes, presenta-se o processo penal como um conjunto de atos que se realizam sucessivamente, preordenados à solução de um conflito de interesses de alta relevância social. A regulamentação desses atos, integrantes do procedimento em que ele se materializa, encontra-se estabelecida nas leis processuais penais, aliás, com muita propriedade” (Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, p. 32-33).

2.   O PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO

Não se concebe o estudo do processo penal brasileiro dissociado de uma visão abertamente constitucional, inserindo-o, como merece, no contexto dos direitos e garantias fundamentais, autênticos freios aos excessos do Estado contra o indivíduo, parte verdadeiramente mais fraca nesse embate.

Por isso, compreender e captar o significado da Constituição Federal na estrutura do ordenamento jurídico, bem como conhecê-la e analisá-la à luz da democracia tem como consequência ideal e natural a construção e o fortalecimento do Estado democrático de Direito.

Logo, não se pode visualizar a relação que o Processo Penal possui com o Direito Constitucional, como se este fosse uma ciência correlata ou um corpo de normas de igual valor, o que não ocorre. Devemos partir da visão constitucional de direito e democracia, diferençando direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos e garantias humanas fundamentais, para atingir, a partir disso, uma correta e ampla visão do processo penal.

O Código de Processo Penal (Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941) nasceu sob o Estado Novo, em plena ditadura Vargas, não podendo servir de base à construção de um corpo de normas jurídicas aplicável de per si, ignorando-se as constantes e sucessivas mutações da ordem constitucional brasileira, até culminar com a Constituição de 1988, nitidamente uma das mais democráticas que já tivemos.

É preciso colocar um limite no estudo do processo penal à luz de outras ciências, como o processo civil ou como mero apêndice do Direito Penal, bem como equiparando-o, como já se disse indevidamente, ao Direito Constitucional.

O processo penal lida com liberdades públicas, direitos indisponíveis, tutelando a dignidade da pessoa humana e outros interesses dos quais não se pode abrir mão, como a vida, a liberdade, a integridade física e moral, o patrimônio etc. Ensina EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA que “depois de longa e sofrida vigência de uma codificação caduca em seus pontos estruturais – o CPP de 1941 – a Constituição de 1988 não poderia ser mais bem vinda. E, por todas as suas virtudes, na instituição de garantias individuais e no estabelecimento de uma ordem jurídica fundada na afirmação e proteção dos direitos fundamentais, há de se manter bem viva” (Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais, p. 23).

Considerando-se que, no direito constitucional brasileiro, prevalece a meta de cumprir e fazer cumprir os postulados do Estado democrático de Direito, necessita-se captar as principais características dos direitos e garantias humanas fundamentais, aplicando-se cada uma das que se ligam à matéria processual penal ao direito infraconstitucional, previsto no Código de Processo Penal, que, à luz da Constituição de 1988, deve necessariamente adaptar-se.

Por outro lado, torna-se essencial o estudo dos princípios constitucionais do processo penal, alguns explícitos, outros implícitos, mas todos conferindo a forma sobre a qual se deve buscar construir o caminho indispensável à constituição da culpa do réu.

Em suma, não há verdadeira democracia, nem liberdade, onde o processo penal não seja devidamente respeitado (Shaughnessy v. United States ex rel. Mezei, 345 U.S. 206, 224, 1953, traduzi). Assim se pronunciou o magistrado William Douglas, no caso Joint Anti-Fascist Refugee Committee v. McGrath, 341 U.S. 123, 179, em 1951: “Não é por acaso que a maioria dos preceitos da Declaração de Direitos (Bill of Rights) são processuais. É o processo que espelha a grande diferença entre a regra ditada pelo Direito e a regra ditada pelo capricho ou pelo impulso. A firme observância ao estrito processo salvaguarda com a maior confiança que haverá justiça igualitária diante da lei” (ANDREWS, Human rights in criminal procedure, p. 261, tradução livre).

image   SÍNTESE

Direito Processual Penal: é o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular a persecução penal do Estado, através de seus órgãos constituídos, para que se possa aplicar a norma penal, realizando-se a pretensão punitiva no caso concreto.

Processo Penal democrático: cuida-se da visualização do processo penal a partir dos postulados estabelecidos pela Constituição Federal, no contexto dos direitos e garantias humanas fundamentais, adaptando o Código de Processo Penal a essa realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de aplicar legislação infraconstitucional defasada e, por vezes, nitidamente inconstitucional.