São os vícios que contaminam determinados atos processuais, praticados sem a observância da forma prevista em lei, podendo levar à sua inutilidade e consequente renovação.
Dividem-se em:
a) nulidades absolutas, aquelas que devem ser proclamadas pelo magistrado, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, porque produtoras de nítidas infrações ao interesse público na produção do devido processo legal. Ex.: não conceder o juiz ao réu a ampla defesa, cerceando a atividade do seu advogado;
b) nulidades relativas, aquelas que somente serão reconhecidas caso arguidas pela parte interessada, demonstrando o prejuízo sofrido pela inobservância da formalidade legal prevista para o ato realizado. Ex.: o defensor não foi intimado da expedição de carta precatória para a inquirição de testemunha de defesa, cujos esclarecimentos referiam-se apenas a alguns parcos aspectos da conduta social do réu, tendo havido a nomeação de defensor ad hoc para acompanhar o ato. Nessa hipótese, inexistindo demonstração de prejuízo, mantém-se a validade do ato, incapaz de gerar a sua renovação, vale dizer, embora irregular a colheita do depoimento, sem a presença do defensor constituído, nenhum mal resultou ao acusado, até pelo fato da testemunha quase nada ter esclarecido.
Vale ressaltar, desde logo, que o contexto das nulidades não apresenta integral harmonia entre o preceituado em lei e o pensamento doutrinário e jurisprudencial. Por vezes, nulidade que o CPP considera absoluta (qualquer forma de incompetência, por exemplo), ressalva a doutrina, com o aval dos tribunais, ser relativa (como a incompetência territorial). Noutros casos, o CPP estipula ser nulidade relativa (a falta de intervenção do MP em ação pública por ele intentada, como exemplo), enquanto a doutrina afirma ser nulidade absoluta. É preciso que nos acostumemos a analisar o capítulo das nulidades de acordo com o pensamento predominante tanto da doutrina quanto da jurisprudência.
▶ LEMBRETE
O processo penal brasileiro é formal, com regras específicas estabelecidas em lei, de modo a garantir às partes a regularidade do desenvolvimento dos atos processuais, sem que haja abuso por parte do juiz, que, em virtude do impulso oficial, conduz o processo até o seu deslinde. Portanto, as nulidades compõem o quadro necessário de avaliação das provas, privilegiando-se, na sua inteireza, os princípios do contraditório e da ampla defesa, tudo a compor o devido processo legal. Sem regras e formalidades, o Estado-juiz pode cercear a atividade das partes, bem como fica impedido de coibir o abuso tanto da acusação, quanto da defesa, durante o desenrolar da instrução.
À margem das nulidades, existem atos processuais que, por violarem tão grotescamente a lei, são considerados inexistentes. Nem mesmo de nulidade se trata, uma vez que estão distantes do mínimo aceitável para o preenchimento das formalidades legais. Não podem ser convalidados, nem necessitam de decisão judicial para invalidá-los. Ex.: audiência presidida por promotor de justiça ou por advogado. Como partes que são no processo, não possuindo poder jurisdicional, é ato considerado inexistente. Deve, logicamente, ser integralmente renovado.
Atos irregulares, por sua vez, são infrações superficiais, não chegando a contaminar a forma legal, a ponto de merecer renovação. São convalidados pelo simples prosseguimento do processo, embora devam ser evitados. Ex.: ausência de entrega de cópia da pronúncia aos jurados. Embora seja ato imposto pelo art. 472, parágrafo único, do CPP, é natural que se trate de uma situação não comprometedora da regular instrução, uma vez que os jurados podem ser cientificados da acusação durante a manifestação do promotor e ter noção do alcance da pronúncia durante o julgamento. Enfim, atinge-se o objetivo previsto na norma por outros meios.
Por várias razões, dentre as quais o princípio da economia processual, não se proclama a existência de uma nulidade, buscando-se refazer o ato – com perda de tempo e gastos materiais para as partes – caso não advenha qualquer prejuízo concreto. É o conteúdo do art. 563 do Código de Processo Penal.
Há que se ter cautela para a decretação de nulidades, pois, de tanto assim agir o Judiciário, calcado em meras formalidades, surgiu a conhecida expressão “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”. E ensina BORGES DA ROSA: “quando ditos litigantes conseguiam, afinal, ver vitoriosas as suas pretensões e reconhecidos os seus direitos, a vitória lhes tinha custado tão cara que as despesas, as delongas e os incômodos do processo anulavam as vantagens do ganho da causa. Em geral, tais despesas excessivas, delongas e incômodos provinham, principalmente, de frequentes decretações de nulidade de parte ou de todo o processo. Estas, mais do que outras causas de origem diversa, deram nascença ao conselho da sabedoria prática: ‘mais vale um mau acordo do que uma boa demanda’. As frequentes decretações de nulidade, em consequência de não terem sido seguidas, ao pé da letra da lei, as formalidades, quer substanciais, quer secundárias, por elas prescritas, para a regularidade dos atos forenses, tornavam os processos morosos, complicados e caros. Compreendendo a extensão destes malefícios, surgiu já em 1667, com a ordenação de Tolosa, um primeiro protesto contra a decretação de nulidades (...) expresso na máxima: ‘pas de nulitté sans grief”, não há nulidade quando não há prejuízo” (Nulidades do processo, p. 128-129).
Registremos que a forma prevista em lei para a concretização de um ato processual não é um fim em si mesmo, motivo pelo qual se a finalidade para a qual se pratica o ato foi atingida, inexiste razão para anular o que foi produzido. Logicamente, tal princípio deve ser aplicado com maior eficiência e amplitude no tocante às nulidades relativas, uma vez que o prejuízo, para o caso das nulidades absolutas, é presumido pela lei, não se admitindo prova em contrário.
Assim, quando houver uma nulidade absoluta, deve ela ser reconhecida tão logo seja cabível, pois atenta diretamente contra o devido processo legal. Entretanto, havendo uma nulidade relativa, somente será ela proclamada, caso requerida pela parte prejudicada, tendo esta o ônus de evidenciar o mal sofrido pelo não atendimento à formalidade legal.
Contrário ao entendimento de que, nas nulidades absolutas, há um prejuízo presumido, mas tão somente evidente, porque a presunção inverte o ônus da prova, o que não ocorre nessas situações, está o magistério de ADA, SCARANCE e MAGALHÃES (As nulidades no processo penal, p. 24). Na verdade, o que se vem alterando com o passar do tempo é a consideração de determinadas falhas processuais como sendo absolutas ou relativas. A tendência, hoje, é estreitar o campo das absolutas e alargar o das relativas. Embora na situação geradora de uma nulidade absoluta continue a ser presumido o prejuízo, sem admitir prova em contrário, o que se vem fazendo é transferir determinadas situações processuais, antes tidas como de prejuízo nítido, para o campo dos atos processuais, cujo prejuízo fica sujeito à comprovação. Dessa forma, o conceito de nulidade absoluta fica inalterado. Muda-se, no entanto, a classificação do ato processual, transformando-o de absolutamente viciado em relativamente falho.
Preceitua o art. 565 do Código de Processo Penal que a parte não poderá arguir nulidade a que haja dado causa ou para que tenha concorrido, demonstrando, com razão, dever prevalecer a ética na produção da prova, afastando-se a má-fé.
Aliás, do mesmo modo que é exigido interesse para a prática de vários atos processuais, inclusive para o início da ação penal e para a interposição de recurso, exige-se tenha a parte prejudicada pela nulidade interesse no seu reconhecimento. Logo, não pode ser ela a geradora do defeito, plantado unicamente para servir a objetivos escusos.
Espera-se que tal regra seja fielmente observada na avaliação do disposto no art. 478 do CPP, introduzido pela Lei 11.689/2008: “Durante os debates, as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo”.
Nesse cenário, é possível que qualquer das partes, por razões variadas, deseje plantar uma nulidade, durante os debates em plenário do Tribunal do Júri. Para tanto, bastaria fazer menção a qualquer dos assuntos proibidos. Ora, detectada a má-fé ou a estratégia antiética, parece-nos natural que o feito não seja anulado, permanecendo na íntegra o julgamento realizado.
Por outro lado, ainda que não seja a causadora do vício processual, não cabe a uma parte invocar nulidade, que somente beneficiaria a outra, mormente quando esta não se interessa em sua decretação (ex.: argui nulidade o promotor por não ter sido a defesa intimada da expedição de carta precatória para ouvir testemunhas em outra Comarca, embora afirme o defensor que nenhum prejuízo sofreu a defesa do réu. Ainda que possa representar um ponto de cerceamento de defesa, somente a esta interessa requerer o seu reconhecimento). Nas palavras de BORGES DA ROSA: “As nulidades, por terem um caráter odioso, por constituírem uma sanção ou pena, devem ser alegadas e aplicadas restritivamente, só quando se destinem a reparar um prejuízo decorrente da violação da lei. Só pode, portanto, alegar nulidade quem sofreu esse prejuízo” (Nulidades do processo, p. 176).
Está correta a previsão legal, uma vez que dar causa à nulidade, pretendendo o seu reconhecimento, ou pedir que o juiz considere nulo determinado ato, quando não há interesse algum, seria a utilização dos mecanismos legais para conturbar o processo e não para garantir o devido processo legal. Logicamente, esse é o contexto das nulidades relativas, pois as absolutas devem ser reconhecidas a qualquer tempo, inclusive de ofício.
De acordo com o art. 566 do Código de Processo Penal, não se proclama nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade real ou na decisão da causa.
Baseado no princípio geral de que, sem prejuízo, não há que se falar em nulidade, é possível haver um ato processual praticado sem as formalidades legais, que, no entanto, foi irrelevante para chegar-se à verdade real no caso julgado. Assim, preserva-se o praticado e mantém-se a regularidade do processo. Exemplo: A testemunha que se pronunciar em idioma estrangeiro deve ter intérprete (art. 223). É a formalidade do ato. Se ela for ouvida sem o intérprete, mas seu depoimento foi considerado irrelevante pelo juiz e pelas partes, não se proclama a nulidade.
O princípio da causalidade significa que a nulidade de um ato pode ocasionar a nulidade de outros que dele decorram, constituindo mostra da natural conexão dos atos realizados no processo, objetivando a sentença. É o que se denomina, também, de nulidade originária e nulidade derivada.
O art. 573, § 1.o, do CPP, utiliza o termo “causará”, demonstrando que a nulidade de um ato deve provocar a de outros, quando estes dele dependam diretamente ou sejam consequência natural do anulado. Assim, é preciso verificar, na cadeia de realização dos vários atos processuais, se o eivado de nulidade trouxe, como decorrência, outros, ou não.
O interrogatório do réu é feito com base na denúncia. Se esta é anulada, naturalmente o interrogatório também precisa ser refeito. Entretanto, se uma testemunha é ouvida sem a presença do réu, não intimado, provocando a impossibilidade do reconhecimento, por exemplo, anula-se o ato, o que não prejudica outra audiência que se tenha seguido àquela, cujas partes compareceram regularmente. ADA, SCARANCE e MAGALHÃES afirmam, com razão, que a nulidade de atos postulatórios (como a denúncia) propaga-se para os atos subsequentes, enquanto a nulidade dos atos instrutórios (como a produção de provas) nem sempre infecta os demais (As nulidades no processo penal, p. 26).
Cabe ao magistrado ou tribunal que reconhecer a nulidade ocorrida mencionar, expressamente, todos os atos que serão renovados ou retificados, ou seja, cabe-lhe proclamar a extensão da nulidade.
Provoca, como regra, nulidade absoluta, justamente porque o sistema processual ordinário não tem possibilidade de convalidar uma infração à Constituição Federal. Entretanto, em algumas hipóteses, outros princípios igualmente constitucionais podem ser utilizados para contrapor a inobservância de regra estabelecida na Constituição, havendo a harmonização das normas e dos princípios, sem que um seja considerado superior ao outro. Ex.: um tratamento privilegiado dado ao réu, no plenário do Tribunal do Júri, em cumprimento ao princípio da plenitude de defesa, pode contrapor-se ao princípio geral da igualdade das partes no processo. Trata-se da harmonização dos princípios, razão pela qual não se pode considerar nulo o ato processual.
Na lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, a inobservância do tipo imposto pela Constituição chama-se “atipicidade constitucional” e sua invalidade deve ser buscada na própria Constituição ou no ordenamento infraconstitucional, constituindo sempre nulidade absoluta ou até mesmo demonstrando a inexistência do ato.
Tratando-se de mero procedimento administrativo, destinado, primordialmente, a formar a opinião do Ministério Público, a fim de saber se haverá ou não acusação contra alguém, não apresenta cenário para a proclamação de nulidade de ato produzido durante o seu desenvolvimento.
Se algum elemento de prova for produzido em desacordo com o preceituado em lei, cabe ao magistrado, durante a instrução – e mesmo antes, se for preciso –, determinar que seja refeito (ex.: um laudo juntado aos autos do inquérito foi produzido por um só perito. Deve ser novamente realizado, embora permaneça válido o inquérito).
O art. 564 em combinação com o art. 572, ambos do Código de Processo Penal, considera nulidades absolutas as seguintes: a) por incompetência, suspeição ou suborno do juiz (art. 564, I); b) por ilegitimidade de parte (art. 564, II); c) por falta de denúncia ou queixa e representação (art. 564, III, a); d) por ausência do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios (art. 564, III, b); e) por falta de nomeação de defensor ao réu presente, quando não o tiver, ou ao ausente (art. 564, III, c). Ressalve-se que a parte referente ao curador foi eliminada, pois não há mais necessidade de sua presença, já que o maior de 18 anos é plenamente capaz, conforme preceituado pelo novo Código Civil; f) por ausência de citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente (art. 564, III, e); g) falta da sentença de pronúncia, o libelo [hoje não mais existe essa peça] e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas [não há mais tal procedimento], nos processos do Júri (art. 564, III, f); h) ausência de pelo menos quinze jurados para a instalação da sessão de julgamento no Tribunal do Júri (art. 564, III, i); i) falta do número legal de jurados do conselho de sentença e sua incomunicabilidade (art. 564, III, j); j) ausência dos quesitos e as respectivas respostas (art. 564, III, k); l) falta de acusação ou defesa na sessão de julgamento do Júri (art. 564, III, l); m) ausência da sentença (art. 564, III, m); n) falta de recurso de ofício, nos casos estabelecidos em lei (art. 564, III, n); o) ausência de intimação para ciência de sentenças e decisões de que caiba recurso, na forma da lei (art. 564, III, o); p) falta de quorum para a instalação da sessão nos tribunais (art. 564, III, p); q) deficiência dos quesitos ou suas respostas, e contradição entre estas (art. 564, parágrafo único).
Relativas são as seguintes: a) falta de intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública (inciso III, d, deste artigo); b) não concessão dos prazos legais à acusação e à defesa, para manifestação ou produção de algum ato (inciso III, e, 2.a parte, deste artigo); c) falta de intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia [a falta de intimação do réu pode gerar nulidade, porém a lei não mais exige o comparecimento pessoal] (inciso III, g, deste artigo); d) ausência de intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, conforme estabelecido em lei [atualmente, passa-se a considerar a ausência de intimação das testemunhas arroladas pelas partes na fase do art. 422 do CPP, pois foram suprimidos o libelo e a contrariedade] (inciso III, h, deste artigo); e) omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato (inciso IV, deste artigo).
Outras nulidades podem ser reconhecidas, advindas de princípios constitucionais e processuais, embora não expressamente constantes no rol do art. 564.
Em cumprimento ao princípio do juiz natural, garantido constitucionalmente, ninguém será processado ou julgado senão pelo juiz indicado previamente pela lei ou pela própria Constituição. Por isso, é fundamental que as regras de competência sejam observadas, sob pena de nulidade.
Ocorre que a doutrina vem sustentando o seguinte: Tratando-se de competência constitucional, a sua violação importa na inexistência do ato e não simplesmente na anulação (ex.: processar criminalmente um promotor de justiça em uma Vara comum de primeira instância, ao invés de fazê-lo no Tribunal de Justiça).
No mais, não sendo competência prevista diretamente na Constituição, deve-se dividir a competência em absoluta (em razão da matéria e de foro privilegiado), que não admite prorrogação, logo, se infringida é de ser reconhecido o vício como nulidade absoluta, e relativa, aquela que admite prorrogação, pois referente apenas ao território. Não aventada pelas partes, nem proclamada pelo juiz, é incabível a anulação dos atos praticados, uma vez que se considera prorrogada.
A justificativa para essa postura é dada por JOSÉ FREDERICO MARQUES, ao mencionar que “na distribuição dos poderes jurisdicionais, ratione loci, as atribuições judiciárias se diversificam em virtude de fatores acidentais e de valor relativo. Tanto o juiz da comarca ‘B’, como o da comarca ‘A’ estão investidos de poderes jurisdicionais para conhecer e julgar o delito, sendo iguais as esferas de atribuições de ambos. Circunstâncias decorrentes de melhor divisão do trabalho, e de natureza toda relativa, é que lhes discriminam a capacidade para conhecer dos casos concretos submetidos a processo e julgamento”. Mas, faz uma advertência, ainda com relação à incompetência territorial, tida como relativa: “É claro que, em se tratando de erro grosseiro, a incompetência é insanável. Suponha-se, por exemplo, que o crime tenha ocorrido na comarca ‘A’ e que, sem nenhum motivo, por mínimo que fosse, o processo corresse na comarca ‘B’, muito distante daquela. Nessa hipótese, nem o silêncio e a aquiescência do réu sanariam a nulidade” (Da competência em matéria penal, p. 218-219). E assim deve mesmo ser, sob pena de se ferir, irreparavelmente, o princípio constitucional do juiz natural, que envolve, com certeza, além da competência em razão da matéria e da prerrogativa de foro, a competência territorial. Afinal, como regra, estabeleceu o legislador o foro do lugar da infração não por acaso, mas para que o criminoso seja julgado no local onde seu ato atingiu a maior repercussão, servindo, inclusive, em caso de condenação, a efetivar o caráter preventivo geral da pena.
Normalmente, a coisa julgada convalida as eventuais nulidades do processo. E somente o réu, através da revisão criminal e do habeas corpus, pode rever o julgado, sob a alegação de ter havido nulidade absoluta (não ocorre o mesmo, quando se trata de nulidade relativa, pois, não alegada no prazo, consolida-se). Entretanto, a incompetência constitucional, que considera o praticado pelo juiz como atos inexistentes, em tese, não poderia ser sanada pela coisa julgada, justamente porque a sentença que colocou fim ao processo não existiu juridicamente. Assim ocorrendo, quando em favor do acusado, não há dúvida de que o processo deve ser renovado.
Mas, e se a incompetência constitucional, se reconhecida, prejudicar o réu? Respondem ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO que, nessa hipótese, há de se convalidar a sentença absolutória, sem haver a renovação dos atos processuais, embora inexistentes, em nome dos princípios maiores do favor rei e do favor libertatis (As nulidades no processo penal, p. 46). De fato, como os princípios constitucionais devem harmonizar-se, o fato de haver, na Constituição, a garantia do juiz natural, não significa que seja um princípio absoluto e imperativo. Em sintonia com os demais, não pode o réu ser prejudicado porque foi processado em Vara incompetente, o que não foi alegado a tempo pela acusação. A coisa julgada, que confere segurança às relações jurídicas, especialmente quando houver absolvição, deve ser respeitada.
Se a incompetência territorial gera nulidade relativa, sendo possível haver prorrogação, caso não alegada pelas partes, é natural que os atos instrutórios, proferidos por magistrado incompetente, possam ser aproveitados no juízo competente, por economia processual. Os decisórios, no entanto, precisam ser necessariamente refeitos (art. 567, CPP).
Ensinam GRINOVER, MAGALHÃES e SCARANCE que “agora, em face do texto expresso da Constituição de 1988, que erige em garantia do juiz natural a competência para processar e julgar (art. 5.o, LIII, CF), não há como aplicar-se a regra do art. 567 do Código de Processo Penal aos casos de incompetência constitucional: não poderá haver aproveitamento dos atos não decisórios, quando se tratar de competência de jurisdição, como também de competência funcional (hierárquica e recursal), ou de qualquer outra, estabelecida pela Lei Maior” (As nulidades no processo penal, p. 45-46). E, por conta disso, defende SCARANCE que “se um processo correu pela Justiça Militar castrense, sendo os autos remetidos à Justiça Comum, perante esta o processo deve ser reiniciado, não sendo possível o aproveitamento dos atos instrutórios” (Processo penal constitucional, p. 118).
Parece-nos correta a visão adotada. Assim, somente em casos de competência relativa (territorial), pode-se aproveitar os atos instrutórios, anulando-se os decisórios. Noutras situações, tratando-se de incompetência absoluta, em razão da matéria ou da prerrogativa de foro, é fundamental renovar toda a instrução.
Quando houver impedimento, por estar o magistrado proibido de exercer, no processo, a sua jurisdição (art. 252, CPP), trata-se de ato inexistente qualquer ato ou decisão sua. Em sentido contrário, crendo ser causa de nulidade absoluta, está a posição de VICENTE GRECO FILHO: “É costume repetir-se que o impedimento retira do juiz a jurisdição. Essa assertiva, contudo, não é verdadeira. Jurisdição ele continua tendo, porque não está desinvestido. Ele somente está proibido de exercê-la naquele processo com o qual tem um dos vínculos relacionados no art. 252. A distinção é importante porque se o juiz não tivesse jurisdição (aliás, então, ele não seria juiz) seus atos seriam inexistentes, ao passo que, na realidade, o que ocorre é que seus atos são nulos, absolutamente nulos” (Manual de processo penal, p. 215). Entendemos, no entanto, que a lei veda o exercício jurisdicional ao magistrado em determinado processo, o que torna inexistente o ato por ele praticado justamente nesse feito. Não se trata de um mero vício, mas de uma grave infração à lei, equivalente ao magistrado de Vara Cível resolver despachar processos na Vara Criminal. Seus atos não são nulos, mas inexistentes naquele processo. Ainda que produza algum efeito, será fruto do erro de outras pessoas, envolvidas no processo, em cumpri-los. No sentido de serem inexistentes, como sustentamos: MIRABETE (Código de Processo Penal interpretado, p. 699).
Entretanto, tratando-se de suspeição, é motivo de nulidade, desde que a parte interessada assim reclame, através da exceção cabível. Se o juiz suspeito for aceito, deixa de existir razão para anulação dos atos por ele praticados.
Subornar é dar dinheiro ou alguma vantagem para obter favores indevidos. Insere-se, pois, no contexto da corrupção, razão pela qual não deixa de ser um motivo especial de suspeição. Assim, conhecido pela parte, a qualquer momento, pode ser invocado para anular o que foi praticado pelo magistrado subornado. Se o réu, no entanto, foi absolvido, com trânsito em julgado, inexistindo revisão em favor da sociedade, nada se pode fazer para reabrir o processo. Responde, apenas, o juiz nos âmbitos criminal e administrativo.
Não distingue a lei se a ilegitimidade é para a causa (ad causam) ou para o processo (ad processum), razão pela qual ambas podem gerar nulidade. Entretanto, quando a ilegitimidade referir-se à ação penal – como dar início à ação penal pública incondicionada não sendo membro do Ministério Público, nem a vítima, em caráter subsidiário, por exemplo –, não há como convalidar, motivo pelo qual é nulidade absoluta. Quando se cuidar de ilegitimidade para a relação processual – como uma representação irregular, por exemplo –, é possível corrigi-la, tratando-se de nulidade relativa.
Aliás, quanto a esta última situação, preceitua o art. 568 do Código de Processo Penal que a nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser corrigida a todo tempo, mediante ratificação dos atos processuais. Exemplo: Se a procuração outorgada ao advogado contiver defeitos ou falhas, é viável a sua regularização e, na sequência, colhe-se a ratificação.
A falta de denúncia ou queixa impossibilita o início da ação penal, razão pela qual o art. 564, III, a, na realidade, refere-se à ausência das fórmulas legais previstas para essas peças processuais. Uma denúncia ou queixa formulada sem os requisitos indispensáveis (art. 41, CPP), certamente é nula. Entretanto, a nulidade pode ser absoluta – quando a peça é insuficiente para garantir a defesa do réu – devendo ser refeita, ou relativa – quando a peça proporciona a defesa, embora precise de ajustes – podendo ser convalidada. Neste último caso, todas as correções devem ser feitas antes da sentença (art. 569, CPP).
A ausência de representação pode gerar nulidade, pois termina provocando impossibilidade jurídica para o órgão acusatório agir. Entretanto, é possível convalidá-la, se dentro do prazo decadencial. Quanto às fórmulas para sua elaboração, tem-se entendido que não se exige formalidades especiais, bastando ficar clara a vontade de agir da vítima.
A menção a portarias e flagrantes, no art. 564, III, a, do CPP, não mais tem relevo, pois a portaria, em relação às contravenções penais, que dava início ao processo, não mais é admitida, uma vez que a titularidade da ação penal é exclusiva do Ministério Público, atualmente. O auto de prisão em flagrante já não proporciona início à ação penal e, se falha houver nesse instrumento, a única consequência que pode provocar é o relaxamento da prisão, mas não a decretação da nulidade. Por isso, não se precisa corrigir eventuais omissões neles constantes.
Quando o crime deixa vestígios, é indispensável a realização do exame de corpo de delito, direto ou indireto, conforme preceitua o art. 158 do CPP. Assim, havendo um caso de homicídio, por exemplo, sem laudo necroscópico, nem outra forma válida de produzir a prova de existência da infração penal, deve ser decretada a nulidade do processo, que é absoluta.
O inciso III, b, do art. 564, entretanto, ajustado ao disposto nos arts. 158 e 167 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de se formar o corpo de delito de modo indireto, ou seja, através de testemunhas. De um modo ou de outro, não pode faltar o corpo de delito. Outra possibilidade é a realização do exame sem o respeito às fórmulas legais, como a participação de dois peritos não oficiais.
Preceitua a Constituição Federal que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5.o, LV). Nessa esteira, o Código de Processo Penal prevê que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor” (art. 261, caput). Assim, a falta de defesa é motivo de nulidade absoluta.
Há natural distinção entre ausência e deficiência de defesa. No primeiro caso, não tendo sido nomeado defensor ao réu, caso este não possua advogado constituído, gera-se nulidade absoluta, mesmo porque presumido é o prejuízo (vide art. 263, CPP, além do princípio constitucional da ampla defesa). Na segunda situação, a deficiência de defesa não é causa obrigatória de nulidade, relativa neste caso, devendo ser evidenciado o prejuízo sofrido pelo acusado. É o conteúdo da Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
Deve-se salientar, no entanto, que há casos de deficiência tão grosseira que podem equivaler à ausência de defesa, razão por que deve o juiz zelar pela amplitude de defesa, no processo penal, considerando o réu indefeso e nomeando-lhe outro defensor. Caso não o faça, constituída está uma nulidade absoluta, inclusive pelo fato de ter infringido preceito constitucional, natural consequência do devido processo legal (no aspecto da ampla defesa).
A ausência do acusado durante a instrução é, como regra, um direito seu. Não se trata de uma obrigação ou dever, até mesmo pelo fato de ter ele o direito ao silêncio, logo, de se manter calado e distante da colheita probatória (ao menos pessoalmente).
Entretanto, deve o acusado ser intimado para as audiências. Caso, entretanto, deixe de ser intimado, mas seu defensor compareça normalmente, cuida-se de nulidade relativa, dependente de alegação e demonstração de prejuízo, passível de preclusão caso nada se fale até as alegações finais.
Por outro lado, não é viável que dois ou mais acusados possuam o mesmo defensor, se as linhas de defesa de cada um forem antagônicas, pois o prejuízo à ampla defesa torna-se evidente. Deve o juiz zelar por isso, impedindo que a escolha se mantenha e dando prazo para que os réus constituam defensores diversos. Não o fazendo, a deficiência provoca a nulidade do feito.
Quanto à hipótese de nomeação de curador ao réu menor de 21 anos, cumpre destacar que não há mais sentido nessa nomeação, diante da edição da Lei 10.406/2002 (atual Código Civil), que passou a considerar plenamente capaz, para todos os atos da vida civil, o maior de 18 anos. Logo, a proteção almejada a quem era considerado relativamente incapaz e imaturo desapareceu. No mesmo sentido, conferir a lição de BADARÓ (Direito processual penal, t. 1, p. 158).
Essa causa de nulidade – ausência de citação – é corolário natural dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Naturalmente, sem ser citado ou se a citação for feita em desacordo com as normas processuais, prejudicando ou cerceando o réu, é motivo para anulação do feito a partir da ocorrência do vício. Trata-se de nulidade absoluta.
A falta de oportunidade para interrogatório é causa de nulidade relativa (embora o CPP a insira como absoluta) se o magistrado, estando o réu presente, deixar de lhe propiciar a oportunidade para ser interrogado, o que não significa que ele deva comparecer ou mesmo responder às perguntas formuladas. Tem o acusado o direito ao silêncio, razão pela qual pode não querer ser interrogado. Apesar disso, deixar de lhe conceder a oportunidade para o interrogatório é causa de nulidade. Entretanto, segundo cremos e já afirmamos, uma nulidade relativa.
Lembremos que a falta ou nulidade da citação ou da intimação pode ser sanada, desde que o interessado compareça em juízo com o fim de argui-la, antes de o ato consumar-se (art. 570, CPP). Se necessário for, o juiz determinará a suspensão ou adiamento do ato para não prejudicar a parte. Exemplo: o réu deixa de ser devidamente citado. Entretanto, comparece ao fórum para dizer ao juiz justamente que não teve tempo de constituir advogado para sua defesa, pois somente ficou sabendo da existência da ação penal naquele dia, por intermédio de terceiros. Supre-se a falta de citação, dá-se o réu por ciente, devendo o magistrado conceder-lhe dez dias para apresentar a defesa escrita (art. 396, CPP).
Se a parte não foi intimada da sentença condenatória, em outro exemplo, mas, ainda na fluência do prazo recursal, apresenta o apelo, está sanada a falha. Caso o prazo já tenha decorrido, o juiz deve reabri-lo, anulando o que foi praticado depois disso.
A pronúncia é o juízo de admissibilidade da acusação, que remete o caso para a apreciação do Tribunal do Júri. Sua existência no processo é fundamental, assim como é essencial que respeite a forma legal. Trata-se de nulidade absoluta o encaminhamento de um réu ao júri sem que tenha havido sentença de pronúncia ou quando esta estiver incompleta.
O libelo era a exposição da acusação em formato articulado, baseado na pronúncia. O órgão acusatório valia-se do libelo para enumerar os pontos nos quais se basearia, em plenário, para acusar o réu, pedindo sua condenação. Para a defesa era a peça que delimitava a acusação e da qual extrairia seus argumentos em favor do acusado. Foi eliminado pela Lei 11.689/2008. Com isso, renova-se a importância da pronúncia, como peça processual delimitadora da atividade acusatória em plenário.
A entrega da cópia do libelo ao réu era cogente, como dispunha o art. 421 do Código de Processo Penal. Não há mais previsão para essa entrega, uma vez que o libelo foi suprimido.
Essa causa de nulidade perdeu a razão de ser, pois os julgamentos, em plenário do júri, passam a admitir a ausência do acusado. Deve-se, no entanto, intimá-lo da data da sessão. Mas, se o acusado, ainda que não intimado, comparecer ao julgamento, supera-se a falta de intimação, pois a finalidade da norma processual foi atingida, que é garantir sua presença diante do júri. Por isso, o CPP considerou a falta de intimação como nulidade relativa (art. 564, III, g), como veremos em item próprio.
Trata-se de norma cogente, implicando nulidade absoluta a instalação dos trabalhos, no Tribunal do Júri, com menos de quinze jurados. Não se trata de mera formalidade, mas de uma margem de segurança para que possam haver as recusas imotivadas das partes – três para cada uma – permitindo, ainda, restar um número mínimo de jurados para configurar um sorteio.
Imagine-se instalar a sessão com treze jurados e as partes recusarem seis. Não haverá sorteio e o Conselho de Sentença seria formado com todos os restantes, maculando a ideia de existir um processo aleatório para sua constituição. Poder-se-ia argumentar que, não havendo recusas, teria havido sorteio, dentre os treze que compareceram, porém o precedente permitiria a instalação em desrespeito à lei e deixaria ao acaso a nulidade ou não do julgamento, o que é incompatível com as formalidades exigidas em lei para o regular e seguro funcionamento do Tribunal Popular.
Mais uma vez, demonstra o Código a preocupação com as formalidades existentes no Tribunal do Júri, para não haver qualquer tipo de burla ao espírito que norteia a instituição. Logo, não pode haver, em hipótese alguma, pois o prejuízo é presumido, um Conselho de Sentença formado com menos de sete jurados. Se houver, é nulidade absoluta.
É causa de nulidade absoluta a comunicação dos jurados, entre si, sobre os fatos relacionados ao processo, ou com o mundo exterior – pessoas estranhas ao julgamento –, sobre qualquer assunto. O jurado pode, é certo, conversar com os outros sobre temas variados, quando recolhido na sala secreta ou outro local qualquer, mas jamais sobre fatos envolvendo o processo. Aliás, esse é o motivo fundamental para a proibição de atuação do jurado no Conselho de Sentença caso já tenha funcionado em julgamento anterior: não haveria incomunicabilidade, pois as provas foram apresentadas e ele pôde comentá-las com outras pessoas. É o teor da Súmula 206 do STF: “É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo”.
Caso o juiz presidente não elabore os quesitos obrigatórios para conduzir o julgamento na sala secreta, uma vez que os jurados decidem fatos e não matéria de direito, haverá nulidade absoluta. Conferir: Súmula 156 do STF: “É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório”. As formalidades para chegar-se ao veredicto do Conselho de Sentença devem ser fielmente observadas, a fim de não se desvirtuar o funcionamento do Tribunal do Júri, imposto por lei.
Entretanto, a realização do questionário e a obtenção das respostas, embora não sejam juntados nos autos, cremos ser motivo de nulidade relativa – ao contrário do que diz o Código –, isto é, se houver prejuízo para alguma das partes, na apresentação de razões de apelo ou de outro recurso qualquer. Porém, se a não juntada do termo não tiver representado prejuízo, visto que as partes aceitam o veredicto proferido e não o questionam, é superável a ocorrência.
É fundamental que acusação e defesa estejam presentes e participando ativamente da sessão de julgamento, visto que os jurados são leigos e necessitam de todos os esclarecimentos possíveis para bem julgar. Lembremos, ainda, que são soberanos nas suas decisões e somente se assegura soberania, quando há informação. Logo, se faltar acusação ou for esta deficiente o suficiente para prejudicar seriamente o entendimento das provas pelos jurados, é motivo de dissolução do Conselho, antes que a nulidade se instaure de modo irreparável. O mesmo se diga com relação à ausência ou grave deficiência da defesa. Havendo, no entanto, ausência ou deficiência grave, é nulidade absoluta. Outras deficiências configuram nulidade relativa.
Não se concebe exista um processo findo, sem sentença. Logo, é um feito nulo. E mais: se a sentença não contiver os termos legais – relatório, fundamentação e dispositivo – também pode ser considerada nula. Trata-se de nulidade absoluta.
A falta das fórmulas legais que devem estar presentes na sentença é causa de nulidade absoluta (arts. 381 e 387, CPP). Assim sendo, não há dúvida de que a insuficiente fundamentação, especialmente da decisão condenatória, bem como a incorreta individualização da pena, inclusive quando se vale de termos genéricos e vagos, sem apego à prova e demonstração concreta dos elementos previstos no art. 68 do Código Penal, ou a não utilização do sistema trifásico, servem para provocar esse efeito.
A não apreciação das teses apresentadas pela defesa constitui causa de nulidade absoluta, por prejuízo presumido. A motivação das decisões judiciais é preceito constitucional (art. 93, IX, CF), além do que analisar, ainda que seja para refutar, as teses defensivas caracteriza corolário natural do princípio da ampla defesa.
Na verdade, cuida-se do duplo grau de jurisdição necessário. Em determinadas hipóteses, impôs a lei que a questão, julgada em primeiro grau, seja obrigatoriamente revista por órgão de segundo grau. A importância do tema faz com que haja dupla decisão a respeito. Exemplo: a concessão de habeas corpus pelo juiz de primeiro grau (art. 574, I, CPP).
O desrespeito a esse dispositivo faz com que a sentença não transite em julgado, implicando nulidade absoluta dos atos que vierem a ser praticados após a decisão ter sido proferida. Caso a parte interessada apresente recurso voluntário, supre-se a falta do recurso de ofício. A respeito, ver Súmula 423 do STF: “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege”.
As partes têm o direito a recorrer de sentenças e despachos, quando a lei prevê a possibilidade, motivo pelo qual devem ter ciência do que foi decidido. Omitindo-se a intimação, o que ocorrer, a partir daí, é nulo, por evidente cerceamento de acusação ou de defesa, conforme o caso. Cuida-se de nulidade relativa, dependente da mostra de prejuízo, embora o CPP a catalogue como absoluta.
Conforme o Regimento Interno de cada tribunal, há sempre um número mínimo de Ministros, Desembargadores ou Juízes para que a sessão de julgamento possa instalar-se validamente. Como na organização do Tribunal do Júri, onde se exige o mínimo de quinze jurados para ter início a sessão, bem como sete para a formação do Conselho de Sentença, nos Tribunais o mesmo se dá. Infringir o quorum é nulidade absoluta.
Se o magistrado elabora quesitos de difícil compreensão ou que não contêm a tese exata esposada pela parte interessada, poderá gerar respostas absurdas dos jurados, possivelmente fruto da incompreensão do que lhes foi indagado. Há nulidade absoluta nesse caso.
Não vemos, no entanto, como um quesito eficientemente redigido possa provocar respostas deficientes, como o parágrafo único do art. 564 do CPP dá a entender que ocorra. Seria invadir o mérito das decisões dos jurados checar a eficiência ou deficiência das respostas, o que não é plausível. O mesmo se diga em relação às contradições. Se o juiz está conduzindo bem o julgamento e elaborou quesitos completos e claros, não há razão para haver contradição entre respostas. Havendo, a responsabilidade é do próprio juiz presidente e o que gera nulidade não é a contradição entre respostas, mas a indevida condução da votação.
Trata-se de nulidade relativa, pois a prevenção é vinculada à competência territorial que, como expusemos anteriormente, provoca, quando violada, vício sanável. Nesses termos, conferir a Súmula 706 do STF: “É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”.
É natural que assim seja, pois a prevenção é somente o conhecimento antecipado de determinada questão jurisdicional por juiz que poderia apreciar o feito caso houvesse regular distribuição. Exemplo: em uma Comarca, há três Varas Criminais com igual competência para os diversos feitos da área penal. Para a eleição do juiz natural, o caminho natural é a distribuição (art. 69, IV, CPP), embora possa ocorrer uma situação de urgência, como a necessidade de se obter uma prisão preventiva em plena investigação policial. Dessa forma, estando presente na Comarca no final de semana o juiz da 1.a Vara, a autoridade policial com ele despacha o pedido de prisão cautelar e obtém a medida constritiva. Está a 1.a Vara preventa para o conhecimento de eventual ação penal a ser ajuizada. Pode ocorrer, no entanto, que não se obedeça a esse critério, distribuindo-se livremente o feito, quando o inquérito for concluído, razão pela qual cai nas mãos do juiz da 2.a Vara. Caso ninguém questione, nem provoque a exceção de incompetência, não é motivo de anulação do processo futuramente, a pretexto de ter havido nulidade absoluta. Repita-se: nesse caso, tratando-se de competência relativa, a violação causa, igualmente, nulidade relativa.
Menciona o art. 564, III, d, c.c. art. 572, do CPP, ser causa de nulidade relativa se o representante do Ministério Público não interferir nos feitos por ele intentados (ação pública), bem como naqueles que foram propostos pela vítima, em atividade substitutiva do Estado-acusação (ação privada subsidiária da pública).
Entendemos, no entanto, que a intervenção do Ministério Público também é obrigatória, nos casos de ação exclusivamente privada, uma vez que a pretensão punitiva é somente do Estado (sujeito passivo formal de todas as infrações penais). Por isso, nas hipóteses em que é o titular da ação penal, a sua não intervenção causa nulidade absoluta (embora o CPP preceitue ser nulidade relativa, conforme art. 572), mas, naqueles feitos conduzidos pelo ofendido, trata-se de relativa, necessitando-se da prova do prejuízo. Sustentando que a não intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada é nulidade absoluta, estão as posições de TOURINHO FILHO (Código de Processo Penal comentado, v. 2, p. 237) e MIRABETE (Código de Processo Penal interpretado, p. 702).
Em suma, a norma processual penal estabelece que a não intervenção do Ministério Público em ação pública por ele intentada ou em ação privada subsidiária da pública é nulidade relativa, que pode ser sanada, com o que não se pode aquiescer, uma vez que o interesse público e o princípio da obrigatoriedade da propositura e acompanhamento da ação penal determinam de modo diverso. Um processo sem participação do órgão acusatório é nulo, sem que se possa sanar essa falha. Por outro lado, o Código de Processo Penal nada fala sobre a não intervenção do Ministério Público na ação penal privada exclusiva, embora saibamos dever ele atuar como fiscal da lei. Pode-se, pois, concluir que a não interferência gera vício. Nessa situação, no entanto, sanável.
Ao longo da instrução, vários prazos para manifestações e produção de provas são concedidos às partes. Deixar de fazê-lo pode implicar um cerceamento de acusação ou de defesa, resultando em nulidade relativa, ou seja, reconhece-se o vício, refazendo o ato somente se houver prejuízo demonstrado.
Como decorrência natural da aplicação da garantia constitucional da ampla defesa, sempre que o defensor constituído do acusado renunciar é obrigatória a sua intimação para eleger outro de sua confiança, antes que o juiz possa nomear-lhe um dativo. Portanto, o mesmo deve ocorrer em grau de recurso, ou seja, caso a renúncia ocorra quando o processo está no tribunal, aguardando julgamento de apelação ou outro recurso, é fundamental que o relator providencie a intimação do acusado para constituir outro defensor assim que tomar conhecimento da renúncia do anterior. Não o fazendo – e havendo prejuízo – é nulo o julgamento da apelação. É o teor da Súmula 708 do STF: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”. Parece-nos que a nulidade deve ser considerada relativa, até porque, embora a apelação seja julgada, pode levar a uma decisão de interesse do acusado, não merecendo, pois, ser desconsiderada.
Após a edição da Lei 11.689/2008, não mais se exige a presença do réu em julgamentos realizados pelo júri. Ele tem direito ao comparecimento, mas não a obrigação. Portanto, nulidade absoluta haveria se a sessão transcorresse, sem que tivesse havido a intimação do réu, comunicando-o da data e hora do julgamento.
Ainda assim, não tendo havido intimação, porém, se ele comparecer, sana-se a falha.
Não mais se arrolam testemunhas no libelo e na contrariedade, peças suprimidas pela Lei 11.689/2008. Porém, continua havendo a possibilidade de se indicar testemunhas para serem ouvidas em plenário (art. 422, CPP).
Não tendo havido a intimação solicitada pelas partes, o julgamento pelo júri está prejudicado. Nova sessão deve ser agendada, caso alguma das testemunhas falte. Entretanto, se todas comparecerem, mesmo que não intimadas, o julgamento pode realizar-se. Por outro lado, se, a despeito de não intimadas e sem terem comparecido, a sessão ocorrer, configura-se nulidade relativa, ou seja, anula-se desde que as partes reclamem, demonstrando prejuízo.
Lembremos que testemunhas residentes fora da Comarca onde se dará o julgamento pelo Tribunal do Júri devem ser intimadas, para não configurar qualquer tipo de cerceamento – à acusação ou à defesa –, mas não estão obrigadas a comparecer. Aliás, por serem leigas, na maior parte das vezes, deve o juiz colocar esse alerta – não obrigatoriedade do comparecimento – na precatória que expedir para que sejam intimadas na outra Comarca.
Os atos processuais são realizados conforme a forma prevista em lei. Se algum ato for praticado, desrespeitada a forma legal, desde que se trate de formalidade essencial à sua existência e validade, a nulidade deve ser reconhecida. Entretanto, trata-se de nulidade relativa, que somente se reconhece havendo prejuízo para alguma das partes.
Exemplo: o mandado de citação deve ser expedido contendo o nome do juiz, o nome do querelante, nas ações iniciadas por queixa, o nome do réu, a sua residência, o fim da citação, o prazo para a apresentação da defesa escrita, a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz (art. 352, CPP, com a adaptação provocada pelas Leis 11.689/2008 e 11.719/2008). Faltando no mandado o prazo da apresentação da defesa (dez dias), pode provocar a ausência da peça defensiva, gerando nulidade. Entretanto, caso o réu ofereça a defesa no prazo legal, porque se informou com outras pessoas ou com seu defensor a respeito, sana-se o defeito.
As nulidades absolutas podem ser apontadas a qualquer tempo e em qualquer instância, mesmo depois do trânsito em julgado. Não há prazo em lei.
As relativas, no entanto, porque podem ser sanadas, inclusive pela preclusão, têm prazo para sua arguição. Fixa o art. 571 do CPP as seguintes regras: a) as da instrução criminal dos processos da competência do júri, até as alegações finais (art. 411, § 4.o, CPP); b) as da instrução criminal dos procedimentos comuns, até as alegações finais (arts. 403 e 534, CPP); c) as ocorridas após a pronúncia, logo depois de anunciado o julgamento em plenário e apregoadas as partes (art. 463, CPP); d) as da instrução criminal de processo de competência originária dos tribunais, até as alegações finais; e) as verificadas após a decisão de primeira instância, nas razões de recurso (usa-se a preliminar para isso) ou logo após de anunciado o julgamento do recurso e apregoadas as partes (faz-se oralmente à câmara ou turma julgadora); f) as do julgamento em plenário do Júri, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem (cuida-se de preclusão instantânea, caso não alegada de pronto).
Não há mais o prazo previsto no art. 571, IV, pois não mais se utiliza o disposto no capítulo das medidas de segurança, inaplicáveis aos imputáveis atualmente.
Ressaltemos que, ao fazer o questionamento das nulidades em memoriais, deve a parte valer-se da preliminar, isto é, um destaque na petição, anterior à discussão do mérito da causa. Dessa forma, se o juiz a acolher, nem avalia o mérito, determinando o refazimento dos atos falhos.
Outro ponto fundamental diz respeito à necessidade de haver recurso do Ministério Público para que o tribunal reconheça nulidade contra interesse do réu, ainda que absoluta. Do contrário, em favor do acusado, pode-se invocar a Súmula 160 do Supremo Tribunal Federal: “É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
Convalidar significa restabelecer a validade. Assim, quando houver algum vício – nulidade relativa – que possa ser sanado ou superado pela falta de pedido da parte interessada para o seu reconhecimento, dá-se por convalidada a nulidade.
A preclusão – que é a falta de alegação no tempo oportuno – é motivo de validação do defeito contido em determinado ato processual. Estabelece o art. 571 do CPP, como já analisamos, os momentos para a alegação das nulidades, após os quais, quando relativas, serão consideradas sanadas.
O trânsito em julgado da sentença pode levar, ainda, à impossibilidade de reconhecimento das nulidades. Quando condenatória a decisão, não havendo revisão em favor da sociedade, o princípio é absoluto. Entretanto, no caso da defesa, há a possibilidade de ajuizamento de revisão criminal ou de habeas corpus, desde que se trate de nulidade absoluta. Além da preclusão, há possibilidade de se convalidar a nulidade, quando o ato processual viciado atingir a sua finalidade, como se pode ver no art. 570 do CPP.
As regras básicas para sanar os defeitos das nulidades relativas são as seguintes: a) se não forem levantadas em tempo oportuno, conforme prazos estipulados no art. 571 do CPP; b) se o ato processual for praticado de outra forma e, ainda assim, atingir o seu fim; c) se a parte, ainda que tacitamente, aceitar seus efeitos (art. 572, CPP).
A renovação ou retificação do ato anulado, caso não possa ser corrigido ou superada a sua falha, é consequência natural da decretação da nulidade. Se o vício não foi consertado na forma prevista no Código de Processo Penal, é preciso que o juiz considere nulo o realizado e determine a sua renovação (quando se pratica novamente o ato) ou a sua retificação (quando se conserta o que estava errado), nos termos do art. 573.
Nulidade: é um vício que contamina o ato processual, provocando a sua retificação ou ratificação, conforme o caso, com o objetivo de respeitar a forma expressamente prevista em lei.
Nulidade absoluta: trata-se de vício grave, que não pode ser sanado, suprido ou olvidado, devendo o ato ser renovado necessariamente. Presume-se o prejuízo para a parte interessada.
Nulidade relativa: cuida-se de vício médio, que pode ser reparado, ratificado ou simplesmente esquecido pelas partes, não implicando a necessária renovação do ato. Deve ser provado o prejuízo para a parte interessada.
Inexistência: significa que o vício atinge determinado ato de forma tão grave, a ponto de não se poder considerá-lo ato processual. Deve ser necessariamente refeito, independentemente de alegação das partes e do reconhecimento do juiz.
Irregularidade: quer dizer que o vício é leve, podendo ser esquecido, continuando-se a instrução regularmente, sem necessidade de refazimento.
Regras gerais: não se reconhece nulidade sem prejuízo; não se admite nulidade gerada por má-fé ou que somente interesse à parte que não a alegou; não se acolhe nulidade de ato irrelevante para a causa; a nulidade de um ato pode levar à de outro que dele dependa.