Estabelece a Constituição Federal, a partir da edição da Emenda Constitucional 45/2004, competir ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente “a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias” (art. 105, I, i). Quando a competência pertencia ao Supremo Tribunal Federal, seu Regimento Interno estipulava que a homologação de sentença estrangeira (art. 215) e o exequatur para a carta rogatória (art. 225) eram da competência do Presidente do Pretório Excelso, cabendo sempre, da decisão que concedesse ou negasse a homologação ou o exequatur, agravo regimental (arts. 223 e 227, parágrafo único). A sistemática foi mantida no STJ, vale dizer, a homologação fica a cargo do Presidente (Resolução n. 9, de 4 de maio de 2005, DJ 06.05.2005).
Após a decisão do STJ, a competência para o cumprimento é da Justiça Federal de primeiro grau do lugar onde a diligência deva efetuar-se (arts. 784, § 1.°, e 789, § 7.°, CPP), conforme determina o art. 109, X, da Constituição.
Em regra, quando se aplica a lei brasileira a crimes ocorridos no exterior ou a infrações ocorridas no território nacional, mas que dependam da cooperação de autoridades estrangeiras (art. 1.°, I, CPP; art. 5.°, caput, CP), devem prevalecer as convenções e tratados assinados pelo Brasil. Eles são, nesse aspecto, considerados normas especiais em relação à lei penal ou processual penal.
Anteriormente, eventual mudança da lei federal, disciplinando exatamente a mesma matéria prevista no tratado ou na convenção, fazia cessar a sua eficácia no território nacional, isto é, a lei federal mais recente prevalecia sobre o tratado ou convenção, caso regulasse exatamente o mesmo assunto. Conforme entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, tal situação alterou-se, devendo prevalecer o tratado ou convenção sobre a lei interna, porém, respeitado o disposto na Constituição Federal. Normalmente, o disposto nos tratados e convenções assinados pelo Brasil com outros países tem por fim apenas disciplinar lacunas e regular situações específicas não previstas pela lei penal ou processual penal, razão pela qual convivem, harmoniosamente, o tratado ou convenção com o determinado pela lei interna.
Outro aspecto importante a ressaltar é que a tradição do direito brasileiro conduz a evitar o cumprimento de atos jurisdicionais estrangeiros provocadores de alguma mácula à ordem pública ou aos bons costumes (art. 781, CPP).
Note-se que até mesmo na interpretação das leis internas, deve o magistrado observar sempre o fiel respeito à ordem e aos bons costumes, devendo seguir o mesmo parâmetro o legislador ao elaborar o ordenamento jurídico. A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/42) é clara ao preceituar: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes” (art. 17).
O disposto no art. 782 do Código de Processo Penal, por outro lado, tem por fim eliminar entraves burocráticos inúteis, como a exigência de documentação autenticada por órgão diverso do diplomático. De nada adiantaria que um documento brasileiro fosse autenticado por notário no Brasil, uma vez ser esse efeito previsto, especificamente, pela lei interna.
Logo, a melhor forma de autenticação é a realizada pela via diplomática, através dos órgãos governamentais que podem constatar a fidelidade da documentação apresentada, inclusive a tradução ou versão realizada, sendo plausível que o país requerido confie nos diplomatas, representando reciprocamente as nações envolvidas.
Alguns Estados estrangeiros exigem que a documentação seja autenticada pelo seu consulado no País rogante, enquanto outros dispensam até mesmo esse procedimento, como é o caso dos Estados Unidos. O importante é que os documentos ofertados podem ser considerados autênticos pelos funcionários do corpo diplomático envolvidos na remessa e no recebimento.
É bem verdade que o Ministério da Justiça fez publicar portaria (26/90), disciplinando a forma e o número de documentos a ser apresentados para a expedição de cartas rogatórias. Exige-se, por exemplo, que a autoridade rogante envie original e cópia, em português, da Carta Rogatória e dos documentos julgados indispensáveis pelo Juízo Rogante, bem como original e uma cópia da denúncia, em português, além do mesmo no vernáculo do País destinatário. Observa-se, pois, ficar a conferência do original e sua autenticidade a cargo do órgão diplomático brasileiro, que o remeterá ao país solicitado. O mesmo se dará quando o Brasil receber documentação vinda de fora.
Admite-se a homologação de sentença estrangeira para os seguintes fins: a) obrigar o condenado a reparar o dano causado à vítima (art. 9.°, I, CP); b) sujeitar o inimputável a medida de segurança (art. 9.°, II, CP); c) propiciar a divisão dos bens sequestrados no território nacional entre o Brasil e o Estado requerente (art. 8.°, § 2.°, Lei 9.613/98).
A razão da necessidade de homologação consiste no fato de que as sentenças estrangeiras são fundadas em leis criadas pelo povo alienígena, motivo pelo qual integra a soberania da nação. Se, eventualmente, cumprisse o juiz nacional a sentença estrangeira, estaria, em última análise, seguindo a legislação igualmente estrangeira, o que não se afigura razoável, nem compatível com a sua própria soberania. Entretanto, em caráter excepcional, nos casos expressamente indicados em lei, pode-se homologar a sentença estrangeira, o que equivale a dizer ser ela nacionalizada, a partir de decisão do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i, CF). Assim fazendo, quando o magistrado cumprir a sentença estrangeira, na realidade, estará seguindo a decisão homologatória de tribunal brasileiro, que a substituiu.
Não se homologa sentença estrangeira para a imposição de pena a ser cumprida no Brasil, pois atos executórios determinados por magistrado de outro país ofendem a soberania nacional se atendidos pelo Judiciário. Outras nações adotam idêntica posição. Tanto é delicada a questão que o Ministério da Justiça recomenda que a carta rogatória enviada ao Japão, por exemplo, somente pode conter termos como “citação” e “notificação”, pois a palavra “intimação” será considerada medida executória, ferindo a soberania nacional (Cartas rogatórias: manual de instruções para cumprimento, p. 208).
Quando a sentença penal condenatória não for executada no Brasil, inexiste necessidade de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Há situações em que se considera a sentença estrangeira como fato jurídico, reconhecendo a sua existência, mas sem que juiz brasileiro seja levado a seguir os comandos nela inseridos. Assim ocorre para o reconhecimento da reincidência do réu (art. 63, CP) ou de maus antecedentes e, consequentemente, para negar o sursis ao condenado, bem como para o efeito de dilatar o prazo do livramento condicional.
Deve a sentença penal estrangeira preencher os seguintes requisitos, expostos no art. 788 do Código de Processo Penal: a) estar revestida das formalidades extrínsecas necessárias, conforme o país de origem; b) ter sido proferida por juiz competente, mediante regular citação; c) ter transitado em julgado; d) estar autenticada por cônsul brasileiro; e) estar acompanhada de tradução, feita por tradutor público.
Quanto à legitimidade para requerer a homologação de sentença estrangeira, em caso de medida de segurança, cabe ao Procurador-Geral da República, desde que exista tratado de extradição vigente entre o Brasil e o país de onde emanou a sentença. Se não houver tratado, requer-se ao Ministro da Justiça que faça a requisição. Feita esta, o Ministério Público pode requerer a homologação, na conformidade com o disposto no art. 9.°, parágrafo único, b, do Código Penal. Não existe mais a possibilidade de homologação de decisão estrangeira para a imposição de pena acessória, extirpada do direito brasileiro. Note-se que as “providências para a obtenção de elementos que o habilitem a requerer a homologação”, previstas na parte final do caput deste artigo só diz respeito à requisição para o fim de suprir a falta de tratado. Saliente-se, ainda, que o Ministério Público não tem legitimidade de propor a homologação de sentença estrangeira, quando a finalidade disser respeito à reparação do dano. Para esta situação, somente a vítima é parte legítima (art. 9.°, parágrafo único, a, do Código Penal).
Segundo dispunha o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, conduzia o procedimento de homologação de sentença estrangeira o Presidente da Corte, que, inclusive, fazia o juízo de admissibilidade, checando se estavam devidamente preenchidos os requisitos da petição inicial, bem como os documentos que deviam acompanhá-la. Caso não estivessem presentes, o Presidente mandava que o requerente a emendasse ou completasse, no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento liminar. O mesmo vigora, atualmente, no Superior Tribunal de Justiça (Resolução n. 9, de 4 de maio de 2005, DJ 06.05.2005).
O art. 789, § 2.°, do CPP estabelece o prazo de 10 (dez) dias, se residir no Distrito Federal, e 30 (trinta) dias, no caso contrário, para apresentação de embargos (na verdade, impugnação) por parte do interessado.
Quanto à nomeação de curador ao réu revel ou ao incapaz, o Regimento Interno do STF previa a sua nomeação e notificação pessoal. Após a apresentação da defesa, tinha o requerente o direito de replicar. De qualquer forma, será sempre ouvido o Ministério Público, quando não for ele o autor do pedido.
São estreitas as fronteiras para a impugnação, cingindo-se à autenticidade dos documentos apresentados, a inteligência da sentença e as demais formalidades já mencionadas (respeito ao devido processo legal).
Não se fala mais em contestação aos embargos, mas sim em réplica à contestação. E somente tem sentido falar em réplica feita pelo Procurador-Geral da República, quando o pedido for formulado pelo ofendido, interessado na reparação do dano.
Trata-se de solicitação feita de um juízo nacional a um juízo estrangeiro, ou vice-versa, para que seja realizada alguma diligência imprescindível para a instrução do processo, podendo cuidar-se de citação, intimação, inquirição de alguma testemunha, entre outros atos, desde que seja compatível com a legislação do juízo rogado.
Esclareça-se que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, assinada no Panamá, em 30 de janeiro de 1975, promulgada pelo Decreto 1.899, de 9 de maio de 1996. Portanto, os países membros da Organização dos Estados Americanos, subscritores da mencionada Convenção, devem cumprir cartas rogatórias uns dos outros da forma prevista no Tratado. É certo que o art. 2.° estipula que “esta convenção aplicar-se-á às cartas rogatórias expedidas em processos relativos a matéria civil ou comercial pelas autoridades judiciárias de um dos estados partes nesta convenção”, mas há a previsão feita no art. 16 de que “os estados partes nesta convenção poderão declarar que estendem as normas da mesma à tramitação de cartas rogatórias que se refiram a matéria criminal, trabalhista, contencioso-administrativa, juízos arbitrais ou outras matérias objeto de jurisdição especial. Tais declarações serão comunicadas à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos”. O Brasil não fez, oficialmente, referida comunicação, mas, na prática, tem remetido cartas rogatórias de natureza criminal e recebido outras de países membros da OEA para cumprimento.
O Ministério da Justiça é o órgão receptor dos pedidos de cartas rogatórias, embora seja o Ministério das Relações Exteriores o responsável pelo encaminhamento da carta rogatória ao exterior. Na maioria dos casos, o pedido deve ser encaminhado diretamente ao Ministério da Justiça, que fará uma triagem do que será efetivamente remetido ao órgão diplomático. O procedimento está previsto, inclusive, na Portaria 26, de 14 de agosto de 1990, do Ministério da Justiça. É possível que esse Ministério, através da sua Divisão de Justiça, encaminhe a carta rogatória, quando preencha os requisitos legais, diretamente à Autoridade Central do juízo rogado, desde que exista tratado internacional permitindo tal procedimento. Do contrário, inexistindo essa permissão, segue pela via diplomática. No retorno, a rogatória chega ao Brasil pelo Ministério das Relações Exteriores, que, então, encaminha-a ao Ministério da Justiça para remessa ao juízo rogante.
Tratando-se de inquirições de testemunhas e vítimas, deve ser especificado exatamente o alcance e a forma da inquirição, pois isso varia de um país para outro. Os Estados Unidos, por exemplo, somente aceitam cumprir rogatórias para a inquirição de pessoas, caso o juiz brasileiro especifique nitidamente a finalidade do depoimento, enviando todas as perguntas que desejar. Afinal, pelas normas americanas, é possível fazer a testemunha responder por escrito a perguntas escritas, é cabível tomar-se uma declaração informal (non-verbatim), assinada ou não, é plausível resumir o depoimento da testemunha, enfim, há várias formas de ouvi-la, de modo que a autoridade rogante deve especificar o que pretende.
Além da citação e da inquirição, admite-se a existência de outras diligências a praticar no país rogado, tais como a intimação para o comparecimento em audiência designada no Brasil ou para a obtenção de algum documento.
É preciso ressaltar que muitas medidas coercitivas não são cumpridas, por haver o entendimento de que ferem a soberania nacional, v.g., busca e apreensão, prisão cautelar, apreensão de documentos resguardados pelo sigilo, entre outros. A alternativa é sempre consultar as regras do tratado existente entre o Brasil e o País requerido. Do contrário, para fazer valer, no exterior, uma prisão – ou outra medida de coerção – decretada por juiz brasileiro, somente pela via da extradição ou então da homologação de sentença brasileira no estrangeiro, caso o direito do País solicitado assim permita.
Segue para o Ministério das Relações Exteriores, que a encaminhará diretamente ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a fim de obter a concessão do exequatur. Não passa, pois, pelo Ministério da Justiça.
A competência da autoridade estrangeira para solicitar diligências deve ser analisada segundo a lei do país rogante e não do país requerido. Valemo-nos, para tanto, da mesma interpretação utilizada pelo Supremo Tribunal Federal para autorizar a extradição de pessoa, cuja prisão foi decretada no exterior por outra autoridade que não a judiciária, desde que a lei estrangeira assim permita. Assim, embora no Brasil somente juízes possam decretar a prisão de alguém (art. 5.°, LXI, CF), deve-se respeitar o sistema judiciário de outros lugares. Há países, no entanto, que, respeitando a sua lei interna, somente cumprem rogatória brasileira se for expedida por órgão do Poder Judiciário. Exemplo disso é o que ocorre com os Estados Unidos.
A Constituição Federal veda a extradição fundada em crimes políticos e de opinião (art. 5.°, LII). Além disso, o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) exclui a possibilidade de haver extradição com relação a contravenções penais e também por crimes cuja pena máxima não ultrapasse um ano. Logo, para todas essas hipóteses, não se cumpre carta rogatória proveniente do estrangeiro.
Exequatur é palavra latina, significando uma ordem de execução ou cumprimento. Seria o equivalente ao “cumpra-se” aposto pelo magistrado em algum ato da sua competência.
O interessado, residente no país, será intimado e poderá impugnar o pedido feito na carta rogatória. Deve manifestar-se o Ministério Público. As razões para a contrariedade no seu cumprimento devem cingir-se a ofensa à soberania nacional ou à ordem pública, bem como quando lhe faltar autenticidade.
A competência para o cumprimento das cartas rogatórias, como já mencionado, é da Justiça Federal de primeiro grau, do lugar onde deva ser efetuada a diligência.
SÍNTESE
Homologação de sentença estrangeira: trata-se do procedimento de “nacionalização” da sentença proferida no exterior realizado por decisão do Superior Tribunal de Justiça, fazendo com que a sentença estrangeira possa ser cumprida no Brasil, produzindo efeitos, sem afetar a nossa soberania.
Carta rogatória: é o pedido de juiz brasileiro voltado a juiz estrangeiro para que empreenda determinada diligência, como a citação ou intimação, inquirição de testemunhas, dentre outros.