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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ECONÔMICO

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Sumário: 1.1. Direito econômico: 1.1.1. Questões preliminares para definir o Direito Econômico; 1.1.2. Sujeitos ou agentes econômicos; 1.1.3. Definição do Direito Econômico; 1.1.4. Objeto do Direito Econômico; 1.1.5. Surgimento e evolução do Direito Econômico; 1.1.6. Autonomia do Direito Econômico; 1.1.7. Fontes do Direito Econômico; 1.1.8. Normas de Direito Econômico; 1.1.9. Competência para legislar sobre Direito Econômico; 1.1.10. Codificação do Direito Econômico1.2. Noção de atividade econômica: 1.2.1. Organização dos meios de produção; 1.2.2. Análise econômica; 1.2.3. Análise microeconômica; 1.2.4. Análise macroeconômica; 1.2.5. Variável econômica1.3. Sistema econômico: 1.3.1. Tipologia dos sistemas econômicos1.4. Modelo econômico: 1.4.1. Modelo liberal; 1.4.2. Modelo de comando; 1.4.3. Modelo planificado1.5. Atividade econômica e atividade empresária1.6. Noção de mercado: 1.6.1. Mercado de consumo; 1.6.2. Mercado de trabalho; 1.6.3. Mercado financeiro; 1.6.4. Mercado e Direito1.7. Teoria jurídica da atividade econômica1.8. Questões.

1.1. DIREITO ECONÔMICO

O direito econômico surge como uma recente disciplina acadêmica nos cursos de graduação em Direito. Entretanto, o objeto hoje estudado pelo reconhecido direito econômico não passou a existir somente agora. Dessa maneira, o surgimento do direito econômico resulta do tratamento jurídico conferido a uma nova organização das disciplinas jurídicas, na qual, uma boa parte dos temas, antes inseridos nos currículos de direito constitucional, administrativo, financeiro, penal, empresarial, entre outros, agora compõem uma disciplina que possui a particularidade de cuidar, sobretudo, da intervenção do Estado no domínio econômico, ou seja, os parâmetros normativos criados pelo Estado de Direito no delineamento das práticas econômicas, seja instituindo políticas específicas, coibindo condutas, prevendo as formas de fiscalização, regulação e participação do Estado na atividade econômica.

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Conhecer o direito econômico envolve, inicialmente, a preocupação com a compreensão do que seja atividade econômica, principalmente, o seu modo de acontecer, para que as normas jurídicas não interfiram nas regras naturais da ciência econômica. Não é inútil ponderar que o desenvolvimento histórico das técnicas de produção de bens e serviços não interfere na identificação da principal característica da atividade econômica, qual seja, a satisfação das necessidades humanas. Ainda que as maneiras de produção sejam constantemente modificadas em razão da evolução da técnica, a atividade econômica não deixou de ser a ação humana para o seu sustento, o que envolve também a escolha de quais bens serão adquiridos, já que nem todas as necessidades serão satisfeitas. O sujeito que dialeticamente produz e consome bens é intitulado agente econômico. O consumo faz parte do cotidiano de qualquer pessoa, a produção, não. O objeto a ser consumido somente será caracterizado como econômico se contiver certo grau de escassez e resultar de ato de produção, pois se for abundante no universo não será assim considerado. Como observa Fábio Nusdeo (1977, p. 525):

“A definição de ‘escassez’ aplica-se indistintamente a uma fábrica, a um concerto de violino ou ao envio de missionários para um trabalho de catequese. O elemento importante, caracterizador e identificador do problema econômico é sempre a necessidade de escolher, de optar, de avaliar retorno em termos de objetivos atingidos.”

A escolha do que consumir cabe a cada pessoa, que determinará, diante das suas possibilidades materiais, quais necessidades serão satisfeitas. Portanto, o estudo econômico evoluiu para se preocupar também com a escolha do que consumir. Como explica didaticamente N. Gregory Mankiw (2009, p. 4):

“Economia é o estudo de como a sociedade administra seus recursos escassos. Na maioria das sociedades, os recursos são alocados não por um único planejador central, mas pelos atos combinados de milhões de famílias e empresas. Assim sendo, os economistas estudam como as pessoas tomam decisões: o quanto trabalham, o que compram, quanto poupam e como investem suas economias. Estudam também como as pessoas interagem umas com as outras. Por exemplo, eles examinam como um grande número de compradores e vendedores de um bem determinam, juntos, o preço pelo qual o bem é vendido e a quantidade que é vendida. Por fim, os economistas analisam as forças e tendências que afetam a economia como um todo, incluindo o crescimento da renda média, a parcela da população que não consegue encontrar trabalho e a taxa à qual os preços estão subindo.”

Objetivamente, a atividade econômica representa o esforço humano para a produção de bens e serviços, cuja finalidade é promover a satisfação das ilimitadas necessidades. As técnicas de produção evoluem constantemente devido a criação de novas tecnologias, a preocupação direta do economista não é em criar essas novas técnicas, mas sim de proporcionar que a organização produtiva tenha como resultado novas tecnologias, ou seja, a atividade econômica precisa ser desenvolvida, contemplando a melhor forma de organização eficiente dos meios de produção. Dessa forma, é correto afirmar que a atividade econômica continua tal e qual em outros tempos, mas as técnicas de produção evoluem constantemente, pois sempre buscam ser mais eficientes. A escolha do que produzir ou do que consumir também mantém os mesmos fundamentos; mesmo com a oferta maior de bens, a escassez aumenta, justamente devido à impossibilidade de satisfação de uma maior quantidade de necessidades. Assim, é comum que os economistas utilizem a expressão trade-offs para significar que em suas escolhas as pessoas podem optar (escolher) por gastar mais em alguma coisa, o que impossibilitará a aquisição de uma série de outras. Portanto, a escassez está presente em toda e qualquer escolha que se faça, como esclarecem Stiglitz e Wash (2003a, p. 9):

“(...) a limitação da renda não é a única razão pela qual somos forçados aos trade-offs. Imagine uma pessoa imensamente rica que pode ter tudo o que deseja. Poderíamos pensar que essa pessoa não tem preocupações com a escassez – até verificarmos que o tempo também é um recurso e que mesmo a pessoa mais rica deve escolher a cada dia com qual de seus ricos brinquedos brincar. Quando levamos em conta o tempo, descobrimos que a escassez é uma realidade que atinge a todos.”

A produção para a satisfação das necessidades humanas foi inicialmente apenas uma preocupação individual; hoje tal preocupação passou a envolver uma quantidade de agentes econômicos muito maior (municípios, empresas, as famílias etc.). O controle da produção e do consumo de bens está organizado em um sistema econômico que pode ter um grau maior ou menor de interferência de algum responsável, como, por exemplo, o Estado. Em regra, os países têm uma economia de mercado, o que significa que a escolha do que produzir e do que consumir cabe aos próprios agentes econômicos.

É claro que as decisões de produção e consumo não deixam de interferir na vida econômica de certa coletividade. Quando uma empresa de grande porte decide comprar um de seus fornecedores de matéria-prima, tal decisão poder trazer efeitos benéficos para o sistema econômico, como, por exemplo: a diminuição do preço do produto, o que possibilitará a compra do bem por mais pessoas. Entretanto, tal aquisição também pode gerar um efeito negativo, como, por exemplo: criar dificuldades à entrada de novas empresas nesse mercado específico, ou seja, diminuindo ou limitando a competição e proporcionando à empresa monopolista a prática de atos de abuso de poder econômico no mercado.

A importância da regulação da atividade econômica advém da necessidade de algumas vezes interferir nas escolhas econômicas para que o bem comum seja alcançado, e não apenas a satisfação de um determinado agente econômico em detrimento dos demais. A escolha deve ser livre, mas a complexidade atual das relações econômicas, se não coordenadas, poderá resultar em um aproveitamento ineficiente dos recursos disponíveis para a produção e, consequentemente, para uma mais completa satisfação de necessidades.

Enfim, não é demais repetir que a atividade econômica corresponde a todo ato de produção e consumo de bens e serviços, cuja finalidade é a satisfação das ilimitadas necessidades humanas. Em razão da impossibilidade de satisfação de todas as necessidades, bem como da produção de todos os bens, os agentes econômicos que participam da atividade econômica devem decidir o que produzir e o que consumir, e tal decisão poderá ser livre, sendo os próprios agentes econômicos (mercado) os principais controladores da oferta de produtos e da sua demanda, ou coordenada por algum ente que centralize todas ou somente parte das decisões econômicas a serem tomadas. A própria decisão dos limites dessa coordenação constitui uma decisão econômica importante para que se mantenha o equilíbrio das satisfações humanas.

1.1.1. Questões preliminares para definir o Direito Econômico

As definições de Direito Econômico são bastante destoantes, o que é justificado pela possibilidade multifacetada de análise jurídica dos fatos econômicos. Dessa forma, antes de definir o Direito Econômico, é necessário que se compreenda as suas características particulares. Afinal, a conceituação pode abarcar uma grande quantidade de obrigações ou pode ser limitada a alguma apenas.

A noção de relação de interdependência entre o Direito e a Economia auxilia a compreensão de um conjunto de normas cujo objeto é a atividade econômica. Entretanto, esse entrelaçar ocorre apenas quando se quer, de alguma maneira, interferir no fenômeno econômico. Ou seja, a atividade econômica se desenvolve como um corolário da sua própria existência, enquanto a atividade jurídica demanda certa organização de centros de poder dos quais emanam preceitos a serem observados. Assim, nem todos os atos realizados na exploração da atividade econômica despertam o interesse do Direito. A ordem econômica é que delimitará por onde o Direito espalhará os seus tentáculos na regulação da administração da escassez.

A interferência do raciocínio jurídico nos modelos econômicos deve ser realizada de forma contida, pois em diversas oportunidades as regras jurídicas não serão eficientes para determinar a conduta econômica, pois esta não pode, em alguns casos, contrariar a sua própria natureza de funcionamento. A economia possui os seus próprios princípios ordenadores e, quando esses forem incompatíveis com as normas jurídicas, o Direito não os determinará. Como adverte Affonso Insuela Pereira (1974, p. 16):

“Os fenômenos econômicos são ou podem ser disciplinados pelo Direito; mas, a verdade é que essa correção é relativa porque as leis às quais a natureza obedece são indubitavelmente mais rígidas do que as leis sociais. Sua disciplina e sua adaptação aos interesses sociais são extraordinariamente mais difíceis do que a das leis sociais, porém, essas modificações se fazem em base extremamente mais sólida para a ação do Direito. E é justamente ao estabelecer normas para os fenômenos econômicos que o homem corre maior perigo, pois são, na maior parte das vezes, frágeis, instáveis e qualquer ação do homem menos avisado poderá deitar por terra todos os seus princípios.”

Uma primeira dificuldade para a definição do Direito Econômico decorre do cuidado que se deve ter para que as normas jurídicas criadas para determinar os fenômenos econômicos não venham a alterar as bases naturais do funcionamento da atividade econômica; se o Direito Econômico tem por finalidade disciplinar a atividade econômica, não pode deixar de atribuir as suas normas a eficácia possível no interior dos sistemas econômicos. Em outras palavras, o direito não impera, senão momentaneamente, na disciplina de fatos que dependem exclusivamente dos próprios fatores de mercado, como, por exemplo, a formação da taxa de juros ou de câmbio. Uma norma jurídica criada para estipular a taxa de juros que determinado mercado deveria observar somente produzirá efeitos se for estabelecida tal conduta por um prazo determinado, sendo que quanto mais longo for o tempo, menores serão as chances de gerar algum tipo de eficácia jurídica. O que ocorre é que a taxa de juros depende de situações econômicas para se determinar e, ainda que o legislador resolva especificar o preço do dinheiro, as próprias regras naturais de mercado é que o determinarão. O que acabamos de descrever influencia diretamente na fixação do objeto do direito econômico.

O direito econômico é caracterizado por seu objeto, que é, em síntese, o estudo das formas de intervenção do Estado na atividade econômica. Entretanto, tal objeto deve ser esclarecido de forma pormenorizada, uma vez que a determinação do que seria objeto econômico é tarefa dificílima. Daí, a formulação de um conceito em sentido amplo e um em sentido restrito de direito econômico. Da mesma maneira, uma das principais dificuldades no reconhecimento do direito econômico consiste no fato de seu objeto se confundir com o objeto do direito empresarial na maioria das vezes. Assim, pondera-se que, em grande parte, as normas de direito econômico são dirigidas aos sujeitos que desenvolvem atividade empresária, mas nem sempre isso é verdade, pois a atividade econômica pode ser realizada por sujeitos não empresários que estarão sujeitos ao cumprimento de normas de direito econômico, mas não as normas empresariais.

A atividade empresarial é, por definição, atividade econômica. Todavia, nem todo agente econômico é considerado e tratado juridicamente como empresário.

A intervenção do Estado no domínio econômico é estudada nas disciplinas de direito constitucional e direito administrativo, cujos interesses são distintos, mas não divergentes, pois enquanto o direito administrativo se preocupa com as formas de realizar a função administrativa do Estado, como, por exemplo, criar uma autarquia federal para fiscalizar um mercado específico, o direito constitucional impõe (dirige o seu interesse externado no texto constitucional) que o Estado deve intervir, por exemplo, em caso de interesse público relevante que o legitime. Portanto, o direito constitucional determina o que legitima e quais as formas pelas quais o Estado pode intervir, enquanto que o direito administrativo cria as possibilidades reais para que o intento constitucional seja realizado, o que acontece devido a sua função administrativa (executiva). O direito econômico, portanto, é sempre dependente da ordem econômica prevista na Constituição Federal e de todo o aparato administrativo para a sua execução, mas o seu objeto, quando trata da intervenção do Estado no domínio econômico, tem por finalidade agregar todas as preocupações econômicas para melhor satisfazer as necessidades humanas.

1.1.2. Sujeitos ou agentes econômicos

No Direito, o sujeito que exerce direitos é intitulado pessoa. Na Economia, o sujeito que desenvolve atividade econômica, seja produzindo ou consumindo apenas, é chamado de agente econômico ou unidade econômica de dispêndio. A definição do agente econômico dependerá da análise econômica que se pretende realizar. Assim, tanto uma pessoa individualmente quanto a família dessa mesma pessoa podem funcionar como agentes econômicos em qualquer análise econômica.

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Um Estado, um continente, um grupo de pessoas, um conjunto de empresas, dependendo do caso que se pretende analisar, poderão funcionar como um agente econômico, pois em sua realidade econômica podem:

Gastar recursos disponíveis;

Produzir bens e serviços;

Podem escolher como agir economicamente.

1.1.3. Definição do Direito Econômico

Definir o Direito Econômico como o conjunto de regras ordenadoras da economia em sua dinâmica de produção, circulação, distribuição e consumo aumenta por demais o seu objeto, de maneira que todas as formas de conduta humana estariam incluídas nos limites do Direito Econômico. A confusão geralmente realizada com o objeto dos outros ramos do Direito ocorre em razão de uma característica comum que é o conteúdo econômico. Como observa Washington Albino de Souza (1994, p. 59-60):

“Uma primeira diferença, entretanto, há de ser salientada. É que o Direito Econômico versa obrigatoriamente sobre atos e fatos econômicos enquanto que o mesmo não acontece com todos os demais ramos da ciência jurídica. Mesmo assim, por vezes, é feita uma certa confusão. Trata-se de algumas disciplinas, especialmente o Direito Trabalhista e o Direito Comercial. O primeiro, se ocupa do ‘trabalho’, um ‘fator’ de produção, de natureza cultural econômica. O Direito Comercial tem por objeto o fato econômico ‘troca’ e os elementos econômicos que decorrem do seu conceito, como o mercado, o preço e assim por diante. Entretanto, mesmo com estes o Direito Econômico não se confunde, pois todos eles podem tratar do mesmo ‘fato econômico’, porém cada um o fará com os instrumentos que lhe são peculiares. Tomemos, por exemplo, o fato econômico ‘troca’. Praticamente todas as disciplinas jurídicas dela tratam e, nem por isso, alguma delas oferece regras e normas que se choquem com as outras. A diferença essencial está em que o ‘ato’ e o ‘fato’ econômicos são tratados sob o aspecto político-econômico, pelo Direito Econômico, enquanto disciplina autônoma, o que não acontece com os demais.”

Em uma definição única e preliminar consideramos o Direito Econômico como a reunião das normas que regulam a estrutura (Ordem Econômica) e as relações entre os agentes econômicos na realização da atividade econômica. Na doutrina, nos aproximamos muito de Affonso Insuela Pereira (1974, p. 66-67), que conceitua o Direito Econômico como:

“O complexo de normas que regulam a ação do Estado sobre as estruturas do sistema econômico e as relações entre os agentes da economia.”

Uma outra definição completa de Direito Econômico é a proposta por Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 23), nos termos:

“Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a regulamentação da política econômica e por sujeito o agente que dela participe. Como tal, é um conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do ‘principio da economicidade’.”

Conclui-se, pois, que o conteúdo econômico não tem condições de qualificar a relação jurídica como econômica, pois grande parte, senão a totalidade dos fatos sociais, possui repercussão econômica. Assim, por exemplo, o Direito Tributário não se confunde com o Direito Econômico, pois os objetos são distintos, uma vez que o Direito Tributário se preocupa com as obrigações do contribuinte frente ao fisco. Dessa maneira, embora a tributação seja relevante para o desenvolvimento da atividade econômica, a matéria tributária específica não é regulada pelo Direito Econômico, e sim pelo tributário. A confusão se justifica devido ao fato de que o objeto do Direito Econômico é a política fiscal, importante estrutura da atividade econômica, e funciona como um dos instrumentos de desenvolvimento econômico. A preocupação econômica está acima da regulação das obrigações específicas que acontecem em outras disciplinas jurídicas; as relações de consumo, a cobrança de tributos ou a organização societária são objetos do Direito Econômico apenas enquanto fatos que importam na fixação das possibilidades de intervenção do Estado no domínio econômico, por intermédio de políticas econômicas, por exemplo.

1.1.3.1. Princípio da economicidade

Objetivamente, economicidade significa utilização do raciocínio econômico nas decisões jurídicas. De alguma forma, o conteúdo da economicidade envolve um critério de interpretação jurídica da decisão ou da conduta econômica. Nas palavras de Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 28):

“O termo ‘economicidade’, quanto ao seu entendimento, portanto, significa a medida do ‘econômico’, sendo este determinado pela ‘valoração jurídica’ dada ao fato de política econômica, pela Constituição.”

A utilização jurídica da economicidade se deve justamente para que os órgãos responsáveis pela criação e aplicação das normas de Direito Econômico deixem de raciocinar somente juridicamente para alcançar os reais efeitos de uma norma criada ou aplicada para cumprir os preceitos da ordem econômica. As incompatibilidades entre o raciocínio econômico e o jurídico é que fomentarão o embate dessas disciplinas na vida prática. Mais uma vez, Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 29) pondera:

“Quanto à ‘função’, a ‘economicidade’ afirma-se como ‘instrumento’ de interpretação e decisão para harmonizar dispositivos ideológicos originariamente passíveis de contradição, porém que adotados e admitidos pelo legislador constituinte passam a ter convivência indiscutível sob pena de resvalar para a admissão de “inconstitucionalidade” da própria Constituição, o que significaria o abalo da Lei Magna em seus próprios alicerces. A ‘economicidade’ no sentido funcional é tratada, pois, como um instrumento hermenêutico que a flexibilidade das opções impõe ao direito moderno de modo geral e, especialmente, nas Constituições correspondentes aos regimes políticos mistos ou plurais, e sobretudo ao Direito Econômico, pela própria natureza político-econômica do seu objeto.”

1.1.3.2. Direito do planejamento

Deve-se observar, inicialmente, que planejar a atividade econômica não é uma característica exclusiva dos Estados chamados socialistas. A realização da atividade econômica é preestabelecida por uma ordem econômica, que dispõe sobre a estrutura, as políticas e os fins desejados. Portanto, a ordem econômica prevista nas Constituições já representa um certo planejamento da realização da atividade econômica. Assim, os regimes ou as ideologias políticas não limitam um certo grau de planejamento; a intervenção do Estado é ato de planejamento, pois somente intervirá nos casos autorizados por lei. Nas palavras de Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 289):

“Salientamos inicialmente, portanto, que o Planejamento é uma ‘técnica’ de ‘intervenção do Estado no domínio econômico’. Mas, apesar de ser a mais aprimorada e mais abrangente dentre todas, nem por isso é essencial ao procedimento intervencionista. Podem ser praticados atos de ‘intervenção’, independentemente de Planejamento. Aliás, o Neoliberalismo conseguiu vencer as resistências liberais contra a ‘intervenção’ muito antes das que continuaram sendo opostas ao Planejamento.”

O ato de planejar a atividade econômica é compatível com o próprio raciocínio econômico, pois a opção de escolha deve resultar de um certo grau de planejamento. Quaisquer pessoas rotineiramente planejam as decisões econômicas que terão que tomar em determinado período. O papel do Direito Econômico frente aos planos é de legitimação da sua própria existência, ou seja, os limites jurídicos previstos não poderão ser desrespeitados pelas disposições criadas pelo plano. Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 308) bem resume a natureza dos atos de planejamento, nos termos:

“Assumimos a posição de considerar o Planejamento com a expressão de uma opção política: em primeiro lugar, pela ‘intervenção’ do Estado no domínio econômico; em segundo, pela ‘ação planejada’ nesta intervenção, que é a ‘decisão’ decorrente da primeira e, portanto, ainda de natureza política.”

1.1.3.3. Direito administrativo econômico

A atividade econômica do Estado e dos entes privados necessita de um complexo de órgãos, instituições e conselhos, que funcionarão como suportes necessários para a realização da atividade econômica. Os órgãos públicos servem de suporte para a realização da atividade política, econômica e social do Estado; servem, inclusive, para a aplicação das normas de Direito Econômico, Penal, Comercial, Tributário etc. O Estado deve criar, portanto, as possibilidades de garantia de aplicação do Direito e, no caso da disciplina econômica, dos princípios da ordem econômica. Diante do exposto e para comprovar a necessidade do anteparo administrativo, é possível, por exemplo, questionar se pode ocorrer a proteção ao meio ambiente se o Estado não criar organismos de regulação, fiscalização e aplicação de penalidades. Em outro exemplo, como seria possível a tutela da concorrência sem criar um arcabouço administrativo para analisar e julgar as práticas de mercado? A existência da atividade administrativa do Estado é totalmente necessária para o cumprimento dos princípios constitucionais da livre-iniciativa e da livre concorrência. Entretanto, o Direito Administrativo não possui uma subdivisão em direito administrativo econômico apenas por parte do serviço público estar dirigido para a aplicação das normas de Direito Econômico; lembre-se de que mesmo existindo órgãos de registro de comércio não se fala em direito administrativo comercial.

O envolvimento do Direito Administrativo com o Direito Econômico é intenso, mas não concordamos com a existência de um direito administrativo econômico em virtude da atuação da estrutura orgânica do Estado à disposição da atividade de controle e regulação econômica. Como já se viu neste trabalho, o objeto do Direito Econômico não compreende a realização de atividade administrativa do Estado; se assim for, pode-se dizer que o Direito Penal, por exemplo, tem uma marcante característica de direito penal administrativo, em razão da atividade administrativa que ocorre na execução da pena. Da mesma maneira o Direito Comercial, devido aos órgãos de registro, por exemplo. Na verdade, deve-se estudar a utilização do Direito Administrativo pelo Direito Econômico como instrumento de aplicação de suas normas, o que de fato ocorre.

1.1.3.4. Direito da organização dos mercados

O Direito Econômico e a organização dos mercados representam signos semanticamente iguais, pois induzem ao mesmo significado. Os que atribuem ao Direito Econômico a responsabilidade de regular os mercados estão trabalhando, ainda, com o seu conceito amplo, que não ajuda muito na compreensão exata do objetivo do Direito Econômico.

Na verdade, a organização dos mercados constitui o objeto-finalidade do Direito Econômico, pois os dispositivos constantes da ordem econômica disciplinam a atividade econômica, organizando-a.

1.1.3.5. Intervenção do Estado no domínio econômico

As normas jurídicas que regulam a atividade econômica resultam do entendimento de que o Estado possui função de equilibrar as forças de mercado, dirigindo-as a uma política que ele próprio desenvolve. Assim, um grau maior ou menor de intervenção na atividade econômica é necessário para a sua operacionalidade. A identificação do grau de intervenção é que nominou o Estado em liberal, socialista e neoliberal, e o critério de tal classificação está exatamente no quanto interveio o Estado na atividade econômica.

O Direito Econômico representa o instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico, sendo que as normas jurídico-econômicas é que regulam o nível de intervenção. Como bem explica Affonso Insuela Pereira (1974, p. 156):

“O Direito Econômico representa, hoje, o instrumento capaz de dosar o intervencionismo sem a submissão exagerada do indivíduo ao poder central ocorrida nos tempos do Mercantilismo e sem os exageros do Estado liberal absoluto, ambos capazes de colocar em perigo o meio econômico e social.”

O Direito Econômico possui como uma de suas características elementares a intervenção no domínio econômico, aliás, tal comentário é dos mais óbvios, pois o direito é um instrumento de intervenção do Estado nos domínios social, familiar, cultural, político etc. A ordem econômica tem por finalidade fixar os limites de intervenção do Estado na atividade econômica, o que será analisado com mais vagar logo à frente.

Não há dúvidas de que uma das formas de atuação do direito econômico é por meio da intervenção do Estado no domínio econômico, mas essa não é a única forma de atuação, a intervenção mereceu destaque em razão da abstenção do Estado em épocas passadas, nas quais o mercado era o regulador natural das relações econômicas.

A intervenção do Estado no domínio econômico, nos estados capitalistas, é exceção. A livre-iniciativa e a propriedade privada são bases desse sistema que se desenvolve, em regra, pela liberdade de apropriação de bens e dos meios de produção. Essa é a repetida condição de intervenção do Estado. Entretanto, sustentar a excepcionalidade da intervenção, atualmente, significa apenas reconhecer o menor ou maior grau da intervenção.

O sistema capitalista deparou-se com alguns desconfortos proporcionados por essa liberdade ilimitada dos agentes econômicos, que eram apenas controlados pelas próprias regras de mercado. Prestigiou-se, inicialmente, a grande empresa que, quanto maior fosse, mais méritos lhe eram conferidos. Assim, como bem expressa Neide Teresinha Malard (1995, p. 31):

“o agigantamento dos negócios era a medida de eficiência; o mercado autorregulava-se através do mecanismo da concorrência, afastando tanto os fabricantes que elevassem indevidamente os seus preços quanto os trabalhadores que solicitassem altos salários.”

Embora os ideólogos dessa época acreditassem que as próprias forças de mercado se equivaleriam, o que na verdade ocorreu foi uma concorrência inicial que, contudo, precedeu uma economia concentrada, culminando em mercados oligopolizados. A força das grandes empresas emergiu espontaneamente diante da livre exploração do mercado, entretanto, o empresário descobriu que destruir concorrentes, ter poder econômico e dominar mercados são condições eficientes para o desenvolvimento de suas atividades, o que não deixa de ser verdadeiro, de modo a fazer com que os estudiosos das leis antitrustes refletissem sobre a intervenção ou não do Estado no domínio econômico.

Acredita-se que um meio-termo seja ideal, tendo como regra a não intervenção estatal. Entretanto, uma posição restrita e limitada pode motivar os abusos cometidos pelos agentes econômicos, fomentando a intervenção estatal.

O que deve interessar e limitar a atuação do Estado, como escreveu Alberto Venâncio Filho (1968, p. 54), é que:

“do ponto de vista estritamente jurídico, o que mais importa no exame da intervenção do Estado na ordem econômica é a conciliação entre as medidas de intervenção e os direitos fundamentais assegurados na Constituição, pois que esta, no mesmo texto em que autoriza a União a intervir no domínio econômico, põe como limite à sua atuação o respeito a esses direitos.”

Diante das limitações constitucionais, a comunidade jurídica deve dedicar-se não apenas aos estudos de interpretação das normas antitrustes, mas também aos exatos termos em que pode o Estado interferir no domínio econômico, sob pena, inclusive, de inconstitucionalidades, ou melhor, de ilegitimidade do uso do poder, pois intervir, quando não se possui legitimidade, é extrapolar os limites da função que lhe foi atribuída.

Enfim, o intervencionismo estatal é pertinente para garantir a aplicação dos princípios da ordem econômica, o que proporcionará, por exemplo, a liberdade de explorar atividade comercial e garantir-se do direito constitucional da livre-iniciativa, o que, porém, pode causar certa confusão que, como ressalta Paulo Bonavides (1993, p. 27):

“na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder de que não pode prescindir o ordenamento estatal aparece, de inicio, na moderna Teoria Constitucional como o maior inimigo da liberdade.”

Não se duvida de que é difícil entender que qualquer intervenção estatal parece uma nova fuga do entendimento preponderante que prioriza a liberdade do homem perante o Estado, daí a ligação de liberdade e democracia, ou seja, o homem deve participar da formação da vontade estatal, pois sem a força do Estado, viverá o indivíduo em uma pseudoliberdade, uma vez que seus governantes o governarão sem piedade.

1.1.3.6. Política econômica

A expressão política econômica é encontrada com frequência nas menções sobre a regulação da atividade econômica. É comum ouvir ou ler que com a mudança de governo aguarda-se uma mudança drástica na política econômica, por exemplo. Assim, em primeiro plano, deve-se investigar o que é política econômica para, depois, investigar a sua finalidade na ordem econômica.

O significado de política identifica um conjunto de atos governamentais para a consecução de determinado objetivo. No Estado de Direito, tais atos de governo devem estar pautados em uma escala de possibilidades garantida por um ordenamento jurídico, portanto, a noção de política está ligada naturalmente a uma ideia de normatividade. Assim, como pondera Affonso Insuela Pereira (1974, p. 207-208):

“os objetivos de uma ‘Política Econômica’ não se esvaem na ação do Estado sobre o comportamento dos agentes econômicos em termos de mercados. Para o atingimento dos fins propostos em sua política econômica, o Estado moderno, através da norma jurídica, impõe comportamentos que denotam uma ação estrutural mais ampla, realmente ‘institucional’, operando através de ‘estímulos’ e ‘desestímulos’, de ‘freios’ e ‘contrapesos’.”

A realização do objetivo econômico envolve a realização de uma estratégia eficiente para o melhor resultado possível. A política econômica corresponde ao desenvolvimento dessas estratégias e, para desenvolvê-las, deverá o Estado criar e utilizar instrumentos de condução de sua política econômica.

De forma resumida, o conceito de Direito Econômico depende da reunião de uma série de atividades do Estado diante da atividade econômica. Assim, o Direito Econômico possui a seguinte conformação:

a) característica: economicidade;

b) finalidade: planejamento da atividade econômica;

c) estrutura: proporcionada pelos órgãos públicos;

d) atividade: decorrente da intervenção do Estado no domínio econômico;

e) objetivos: transpostos nas políticas públicas econômicas.

1.1.4. Objeto do Direito Econômico

Conhecer o objeto de estudo é essencial para a eficiência de qualquer organização metodológica. No caso do Direito Econômico, deve-se delimitar a estrutura do sistema econômico e os deveres jurídicos dos agentes econômicos. O objeto do Direito Econômico pode parecer, em uma investigação superficial, ser todo e qualquer ato, uma vez que todo ato de alguma maneira tem um conteúdo econômico, como já se mencionou anteriormente; por esse raciocínio, qualquer contrato de compra e venda seria objeto do Direito Econômico. Para entender a diferença, deve-se lembrar que a aquisição de um livro não gera efeitos para o Direito Econômico. Entretanto, quando o Estado desenvolve uma política de barateamento do preço do livro para incentivar esse mercado, estamos tratando de um aspecto de Direito Econômico e, portanto, do seu objeto.

O objeto do Direito Econômico pode estar no interior de uma medida de natureza tributária, previdenciária, ou de outras tantas matérias, pois esses são os fatores pelos quais o Estado pode intervir na atividade econômica e realizar certa política econômica. Aqui está o objeto do Direito Econômico, que em simples palavras consiste na possibilidade do Estado de interferir na atividade econômica para ordenar o mercado, nos moldes previamente definidos em sua própria ordem econômica.

1.1.5. Surgimento e evolução do Direito Econômico

Atribui-se o aparecimento do Direito Econômico à I Guerra Mundial, em razão da descoberta da importância da produção econômica para a eficiência das tropas nos campos de batalha. Tal fato impulsionou a regulamentação das atividades econômicas (Comparato, 1977, p. 1). Assim, fenômenos econômicos como a atividade monetária, a atividade de concessão de crédito, a atividade laboral, entre outras, passaram a ser objeto de regras jurídicas. A partir de então, a atividade econômica passou a sofrer algumas interferências jurídicas que visam a dirigi-la a alguns fins determinados. Dessa forma, certo cuidado deve ser exigido para que não se confunda o advento do Direito Econômico com uma nova forma de socialismo. O nível de intervenção do Estado no domínio econômico é de graus diferenciados, assim, o fato de existirem regras ou mesmo planos de desenvolvimento não é suficiente para caracterizar a economia de comando, portanto, a planificação passou a ser um recurso utilizado, em menor grau, pelas economias não socialistas. Para exemplificar, no Brasil já tivemos diversos planos de natureza econômica, como informa Fábio Konder Comparato (1977, p. 7):

“Em nosso país, os primeiros esboços de uma programação nacional da economia remontam ao plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transportes e Energia), elaborado durante o governo do Mal. Dutra, e ao chamado “Programa de Metas” do governo Juscelino Kubistchek. Mas ambos constituíam simples exposições de objetivos, sem a previsão dos instrumentos adequados, e sem a criação das instituições encarregadas de utilizar tais instrumentos.”

Da mesma maneira, oportunas as palavras de Affonso Insuela Pereira, que dispõe (1974, p. 43-44):

“Se é verdade inconteste que findado o conflito o homem não abandona as técnicas produtivas que o esforço da luta lhe exigiu, adaptando-as como técnicas produtivas de paz, verdade também é que no campo social, finda a guerra, igualmente muitas modificações se fizeram presentes. Assim é que, não obstante os princípios de ordem econômica e social já tivessem anteriormente sido inseridos como preceitos constitucionais nas Cartas Magnas do Estado Soviético (1917) e no México no “Apartado 123” da Constituição mexicana, é na Constituição do liberal Estado Alemão de 1919 que aparecem com mais vigor e a partir de então se universalizam tais princípios, pois vieram a merecer guarida nas cartas constitucionais de quase todos os Estados, inclusive no Brasil, onde foram inseridos em todos os diplomas constitucionais que se seguiram.”

1.1.6. Autonomia do Direito Econômico

A caracterização de um ramo do direito depende da identificação de um objeto de proteção determinado, de um sujeito destinatário das obrigações e dos direitos e normas jurídicas com particularidades próprias.

A justificação da autonomia do Direito Econômico sofreu e sofre dificuldades devido à ineficiência de determinação exata do seu objeto, que é o direito aplicado ao fato econômico. Da mesma maneira, a dificuldade em classificá-lo como público ou privado já antecipava discussão atual sobre o exato conteúdo desta classificação. Portanto, como esclarece Fábio Konder Comparato (1977, p. 10):

“o direito econômico aparece assim como um dos ramos deste direito aplicado, que supõe evidentemente um conhecimento prévio de categorias formas que se situam tradicionalmente na teoria geral do direito privado ou na teoria geral do direito público. E a sua unidade ou, se se preferir, a sua autonomia nos é dada pela sua finalidade: traduzir normativamente os instrumentos da política econômica do Estado.”

Por fim, é bom esclarecer que a Constituição Federal, ao prever a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre Direito Econômico (art. 24, I, da CF), reconheceu a sua existência no mundo jurídico. O que vale a observação de Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 46), nos termos:

“Damos tal importância ao fato em virtude de boa parte dos que militam na área jurídica em nosso país insistirem em desconhecer a eloquência da realidade social e o significado das razões científicas, prendendo-se a legalismo tão pernicioso como o seu efeito de atribuir aos Poderes Legislativos, compostos, em sua maioria, de leigos, a missão de conferir ‘existência’ a novos ramos do Direito, fazendo-o pela consignação em texto legal. Sem esse ‘registro’ os currículos das faculdades relutavam em adotá-lo em boa parte do mundo jurídico brasileiro o tomava como simples tese para discussões.”

A sistematização dos temas tratados pelo Direito Econômico ainda é de difícil realização, o que não implica o comprometimento da sua autonomia. O que lhe garante tal condição é o exercício do poder do Estado para estruturar e regular a Economia, o mercado, o que se faz pela implementação de políticas econômicas. As posturas gerais assumidas neste mister é que qualificam o Direito Econômico como portador de características próprias que lhe garantem certa individualidade.

1.1.7. Fontes do Direito Econômico

O significado de fonte do direito indica os procedimentos de produção da norma jurídica; na verdade, os elementos motivadores da criação das prescrições de convívio. Mesmo em sentido impróprio, afirma-se que o direito nasce e, para tanto, possui uma gênese de constituição. Dessa forma, o Direito Econômico possui as mesmas fontes de outros ramos jurídicos, quais sejam: a lei, os costumes e a jurisprudência. Assim, quando há uma legislação que em seu conteúdo principal regula a tributação de determinada operação, provavelmente tal iniciativa legal deveu-se a uma determinação econômica.

Como já explicado, diante da análise de outros tópicos do Direito Econômico, uma das suas características é a realização por intermédio de normas jurídicas da política econômica proposta. Dessa maneira, poderia se concluir que a lei é a única fonte do Direito Econômico, o que não é verdade, pois o Estado pode desenvolver aspectos de sua política econômica por intermédio de práticas não contidas nas leis econômicas. Um exemplo bastante corrente no Brasil é a venda de dólares no mercado financeiro para estimular a queda da taxa de câmbio da moeda nacional com a moeda estrangeira. De certa forma, tal conduta ocorre em razão de uma liberdade de atuação do Estado, mas não em razão de uma norma específica que lhe imponha a conduta.

Os precedentes judiciais também funcionam como fontes do Direito Econômico. Muitas vezes a interpretação dada por um Tribunal sobre determinada lei pode influenciar diretamente o planejamento da atividade econômica. Exemplificando, podemos verificar a importância para a atividade econômico-financeira da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às Instituições Financeiras.

Por fim, a atividade econômica se desenvolve naturalmente em razão de sua necessidade social, o que culmina na criação rotineira de novas práticas econômicas que também encontram as suas maneiras informais na resolução de problemas. Em outras palavras, assim como no Direito Empresarial, os costumes representam uma das fontes primordiais; no Direito Econômico, tal circunstância também é verdadeira, boa parte das normas criadas para regular a atividade econômica, antes de serem formalizadas, funcionaram como práticas reiteradas no desenvolvimento da atividade econômica.

1.1.8. Normas de Direito Econômico

Na constituição do ordenamento jurídico aplicável à atividade econômica, algumas características específicas devem ser levadas em consideração, sob pena da total inaplicabilidade dos mandamentos legais, conforme já se esclareceu algumas linhas atrás. Inicialmente, portanto, o Direito Econômico deve atuar dentro das possibilidades reais de interferência no fenômeno econômico.

O conteúdo da norma jurídica que disciplina a atividade econômica tem sempre como finalidade determinar uma consequência de natureza econômica, daí a dificuldade, às vezes, de particularizar a norma de Direito Econômico, pois uma lei que venha a determinar certa postura a ser observada pelos agentes econômicos na realização da atividade financeira, por exemplo, terá cunho econômico, pois tem por objeto a regulação de algum aspecto da vida econômica de uma determinada comunidade.

Assim, em primeiro plano, é necessário advertir que as leis econômicas possuem como uma condicionante de grande importância a sua vinculação com outras normas jurídicas (de outros ramos jurídicos) que caracterizam a relatividade das leis econômicas, devido a sua condição de programática, portanto, dependente de outras que venham a lhe dar aplicabilidade prática. Por esse mesmo motivo, as regras econômicas também funcionam como importantes condicionantes da eficácia das normas jurídicas que com ela se relacionem. É o que acontece, por exemplo, com a Constituição Federal quando prescreve a proteção aos direitos dos consumidores (norma econômica programática) e o Código de Defesa do Consumidor (principal fonte do Direito do Consumidor – outro ramo jurídico), que lhe confere aplicabilidade prática. Como pondera João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 57):

“É preciso lembrar que as normas programáticas não se reduzem a traçar um programa de ação, mas têm força jurídica vinculante imediata. Não podem servir de desculpa para o administrador ou o juiz deixar de cumprir as imposições contidas na Constituição.”

As normas de Direito Econômico funcionam como instrumentos de coordenação e de subordinação. Coordenação dos sistemas econômicos que são modelados de forma a funcionarem na busca de alguns resultados determinados e subordinação, pois as leis econômicas são dirigidas a todos que exercem atividade econômica, ainda que de forma não profissional; é o que acontece, por exemplo, quando o Estado delibera um empréstimo compulsório para quem pretende adquirir determinado veículo.

Conforme os ensinamentos de Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 108-109) para facilitar a caracterização das normas de Direito Econômico, deve-se considerar:

a) conteúdo econômico;

b) viabilização da política econômica adotada;

c) flexibilidades ou mobilidade em razão da sua natureza dinâmica;

d) natureza programática;

e) cumprimento de objetivos predeterminados.

1.1.9. Competência para legislar sobre Direito Econômico

Como já informado linhas atrás, um dos argumentos que justificam a autonomia do Direito Econômico é a previsão Constitucional da competência para a criação de normas jurídicas de Direito Econômico. A disposição constitucional assim determina:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

II – (...)

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Antes de comentar a disposição legal acima transcrita, é prudente verificar alguns incisos do art. 22 da Constituição Federal, que trata da competência para legislar privativa da União, nos termos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – (...)

VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

VIII – comércio exterior e interestadual;

IX – diretrizes da política nacional de transportes;

X – (...)

XIX – sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;

XX – (...).

Dessa forma, a competência concorrente estipulada no inc. I, do art. 24, da Constituição Federal, deve ser aplicado apenas quando o tema econômico não esteja incluído na competência privativa da União (art. 22), pois, como pudemos perceber, não há dúvidas de que legislar sobre: crédito, câmbio, transferência de valores, sistemas de poupança, entre outros, implica na criação de normas de natureza eminentemente econômica.

Ao contrário do que se pensa, a maior parte dos temas econômicos são da competência privativa da União, e não da competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal. A expressão “direito econômico” prevista no inc. I do artigo 24 deve compreender apenas os temas econômicos remanescentes do art. 22.

Voltando a discussão do art. 24, I, da Constituição Federal, que determina a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre direito econômico. Como explica Gabriel Dezen Júnior (2010, p. 437):

“aqui estão identificadas as competências legislativas concorrentes da União, dos Estados e do Distrito Federal. Esses assuntos serão objeto de duas leis: uma nacional, de normas gerais (§ 1º), e outra federal (para a União), estaduais (para cada Estado) ou distrital (para o Distrito Federal), de normas gerais complementares (art. 24, § 2º) e de normas específicas (art. 24, § 1º). É fundamental a distinção entre lei nacional e lei federal para a compreensão do sistema. A lei que a União vai formular contendo normas gerais sobre os temas desse artigo, necessariamente lei nacional, aplica-se à própria União, aos Estados, ao DF e aos Municípios. Os detalhes serão percorridos, pela União, em lei federal, a qual somente é aplicável à sua própria estrutura, não vinculando e não se aplicando aos Estados, DF ou Municípios.”

Competência Legislativa sobre Normas de Direito Econômico

Normas gerais

Compete à União

Norma suplementar

Compete aos Estados

Inexistência de Lei federal sobre normas gerais

Competência legislativa plena dos Estados

Lei federal superveniente sobre normas gerais

Suspende a eficácia da Lei estadual, no que for contrário

Por fim, não podemos deixar de lado a situação dos municípios que podem legislar sobre direito econômico em razão do disposto no art. 30, II, da Constituição Federal, nos termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – (...);

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – (...)

Em resumo, a competência para legislar sobre direito econômico é concorrente (União, Estados e Distrito Federal). Entretanto, devem ser excluídos os temas econômicos previstos na competência privativa da União. Se existir norma geral da União (Lei Nacional), a própria União (Lei Federal), os Estados (Lei Estadual) ou o Distrito Federal (Lei Distrital) apenas poderão criar normas suplementares, salvo se inexistir lei federal sobre normas gerais, quando a competência se torna plena. Ou se aquela for criada supervenientemente, suspenderá a eficácia da lei estadual no que for contrário. De forma suplementar, os Municípios poderão legislar sobre temas de direito econômico.

1.1.10. Codificação do Direito Econômico

Alguns pretensiosos conhecedores do Direito costumam dividir os seus ramos de acordo com a existência de uma codificação específica sobre a matéria; foi comum para os professores de Direito Comercial, com a publicação do Código Civil de 2002, a questão sobre o seu fim, pois a partir de então quem regulava a matéria comercial era o Código Civil. Infelizmente, para alguns, um ramo do Direito não mantém a sua unidade ou autonomia se não estiver regulado por dispositivos de um mesmo diploma legal.

De antemão avisamos que as normas de Direito Econômico não estão reunidas em um Código Econômico, mas em leis extravagantes, como, por exemplo: a Lei 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, ou a Lei 4.595/1964, que estrutura o Sistema Financeiro Nacional. Enfim, como já ressaltado, muitas leis de natureza eminentemente civil, empresarial, tributária, penal etc. representam o cumprimento de preceitos normativos de Direito Econômico.

A possibilidade de uma codificação do Direito Econômico é por demais remota; num primeiro aspecto, em razão da própria sistemática legislativa que não mais privilegia a construção de diplomas jurídicos que visam a regular um determinado ramo jurídico. Da mesma forma, o Direito Econômico interfere em setores por demais distantes, como, por exemplo: a política fiscal, as relações de consumo, os limites de intervenção do Estado, entre outros.

O Direito Econômico é formado por um conjunto de leis que possuem como norte ideológico a ordem econômica prevista na Constituição Federal. Assim, diversas leis que determinam as práticas concorrenciais, as relações de consumo, o funcionamento da atividade financeira etc. correspondem a regras cujo objeto principal é a intervenção do Estado no funcionamento natural da atividade econômica.

Algumas leis de conteúdo econômico:

Lei 4.595/1964 (Mercado Financeiro);

Lei 4.728/1965 (Mercado de Capitais);

Lei 6.385/1976 (Mercado de Valores Mobiliários);

Lei 6.404/1976 (Sociedades Anônimas);

Lei 8.078/1990 (Defesa do Consumidor);

Lei 12.529/2011 (Abuso de Poder Econômico);

Lei 9.279/1996 (Propriedade Industrial – Concorrência Desleal);

Lei Complementar 105/2001 (Sigilo nas operações financeiras);

Lei 11.101/2005 (Recuperação de Empresas e Falência).

No importante estudo sobre a possível criação de um Código de Direito Econômico, Fábio Nusdeo (1995, p. 198) apresenta a seguinte estrutura:

“O proposto Código de Direito Econômico conteria cinco livros, a saber: 1 – Parte Geral: Procedimento para a Formulação e Aplicação da Política Econômica; 2 – Tutela da Concorrência e Repressão ao Abuso do Poder Econômico; 3 – Defesa do Consumidor; 4 – Direito Ambiental; 5 – Direito Penal Econômico.”

1.2. NOÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA

Como por diversas vezes já foi apontado, o direito econômico trata da aplicação de normas jurídicas às práticas econômicas. O objeto do Direito Econômico compreende o estudo das normas jurídicas criadas para regular, fiscalizar, autorizar e, de forma geral, intervir na atividade econômica. Por essa razão, a noção de atividade econômica torna-se substancial para o entendimento dos limites impostos a intervenção do Estado no domínio econômico.

1.2.1. Organização dos meios de produção

O agente econômico que produz, ao planejar o desenvolvimento de sua atividade-fim, deve identificar quais são os meios ou fatores que interferirão nos resultados almejados por sua atividade econômica. Fatores como capital, trabalho, tecnologia, Know-how, entre outros, devem ser organizados e explorados pelo agente econômico que empreende. A atividade econômica compreende, inicialmente, a preocupação com a melhor maneira de organizar os fatores de produção. Alguns instrumentos para constatar a eficiência da organização dos meios de produção já foram desenvolvidos, sendo que a análise econômica pode contribuir de forma determinante para constatar o funcionamento eficiente ou não da atividade econômica.

1.2.2. Análise econômica

O objeto da atividade econômica confunde-se com a sua finalidade, ou seja, a produção de bens para a satisfação de necessidades é o objeto e, ao mesmo tempo, a finalidade da atividade econômica. A ciência ou a técnica criada para a reflexão sobre o fenômeno econômico é intitulada análise econômica. Qualquer raciocínio cuja finalidade seja a constatação de algum efeito de natureza econômica será, na verdade, uma análise que levará em consideração todas as variáveis possíveis para que o resultado previsto seja confirmado.

A realização da atividade econômica não depende diretamente da preocupação com o fomento da produção ou do incentivo ao consumo, mas da criação de uma verdadeira infraestrutura para que o sistema econômico funcione eficientemente; para tanto, a modernização de portos e o investimento no transporte público podem ser decisões muito importantes para a realização da atividade econômica de determinada coletividade. O trabalho hoje exigido para diagnosticar e solucionar problemas na realização da atividade econômica chama-se análise econômica.

A análise econômica, de uma forma superficial, é realizada por todo e qualquer agente econômico. Um trabalhador quando decide adquirir um veículo usado, e não novo, leva em consideração uma série de condições, como a depreciação do bem, entre outras, o que prova a realização de uma análise econômica. Não há dúvidas de que existem, portanto, análises econômicas mais e menos complexas, mas o que a caracteriza é a ponderação de fatores para se decidir economicamente.

De forma simples, a análise econômica resulta dos fundamentos levados em consideração para sustentar a escolha realizada por um agente econômico.

1.2.3. Análise microeconômica

A dimensão dos efeitos da escolha, quando analisados nos limites ocasionados a um indivíduo ou a um agente econômico, é objeto da análise microeconômica. Nas palavras de Paul Krugman e Robin Wells (2007, p. 2):

“O estudo de como os indivíduos tomam decisões e de como essas decisões interagem é denominado microeconomia.”

A análise microeconômica desconsidera os possíveis efeitos da decisão aos outros agentes econômicos e também a todo o sistema econômico. Dessa forma, se alguém resolve guardar parte de seu salário para a realização de uma viagem no final do ano, tal decisão apenas refletirá para a análise microeconômica se se mantiver na esfera individual deste agente econômico.

1.2.4. Análise macroeconômica

A dimensão que extrapola a preocupação individual dos agentes econômicos faz parte da análise macroeconômica. Como explicam mais uma vez Paul Krugman e Robin Wells (2007, p. 3):

“Recessões estão entre as principais preocupações do ramo da economia conhecido como macroeconomia, que trata da expansão e da retração da economia em geral. Se você estudar macroeconomia, verá como os economistas explicam as recessões e como as políticas governamentais podem ser aplicadas para minimizar os danos causados por flutuações econômicas.”

Enfim, conclui-se com a síntese de N. Gregory Mankiw (2009, p. 28):

“O campo da economia divide-se tradicionalmente em dois amplos subcampos. A microeconomia é o estudo de como as famílias e empresas tomam decisões e de como elas interagem em mercados específicos. A macroeconomia é o estudo de fenômenos que englobam toda a economia. Um microeconomista pode estudar os efeitos dos controles dos aluguéis sobre os imóveis residenciais na cidade de Nova York, o impacto da competição estrangeira sobre a indústria automobilística dos Estados Unidos ou os efeitos da frequência escolar obrigatória sobre os ganhos dos trabalhadores. Um macroeconomista pode estudar os efeitos de empréstimos feitos pelo governo federal, as mudanças da taxa de desemprego ao longo do tempo ou políticas alternativas para promover a elevação do padrão de vida nacional.”

1.2.5. Variável econômica

Por diversas vezes ouve-se falar sobre a “nova economia”, o que sugere que ocorreu uma mudança deixando-se para trás, provavelmente, uma “velha economia”. Entretanto, quais são as modificações que justificam a divisão da economia em nova ou velha? Talvez as mudanças tecnológicas é que determinem o tratamento da economia como “nova”, em razão de avanços na transmissão de informações, possibilitando novas formas de relações econômicas, entre outras inovações e consequências. Mesmo assim, qualquer um que venha a realizar qualquer reflexão econômica deverá conhecer e saber utilizar as “ferramentas” necessárias para a compreensão dos fatos econômicos ou, pelo menos, para possibilitar, ainda que de forma parcial e limitada, um raciocínio econômico. Pode-se dizer que as mencionadas “ferramentas” econômicas passaram por uma evolução que determinou um certo aperfeiçoamento, e talvez nesse sentido é que se possa dizer que existe uma “nova economia”, mas a análise agregada de todas essas ferramentas também se tornou mais complexa, principalmente pelo aumento das variáveis que influenciam o resultado do raciocínio econômico, que não estão mais nos limites restritos de uma comunidade pequena e simples. A complexidade de produção e interação dos agentes econômicos nos mais variados mercados produz uma grande quantidade de interferências em todo o mundo, que acionadas a toques muito sensíveis e de difícil explicação acadêmica proporcionam grandes embaraços nos países economicamente mais frágeis.

A quantidade de mudanças ainda em curso com a internacionalização dos mercados deve sempre ser ponderada, pois transforma a atividade econômica mundial não apenas quando abre as fronteiras para a realização de trocas de mercadorias; ocorrências mais específicas, como a possibilidade de as empresas adquirirem ativos no exterior lhes garante uma série de benefícios financeiros, como o custo menor de captação.

As recentes e frequentes mudanças tecnológicas em nada afetam os princípios gerais de Economia. Contudo, os analistas econômicos aprenderam que a interdependência econômica no mundo tornou-se maior; muitos fatos aparentemente desprezíveis para um país podem ocasionar grandes desequilíbrios econômicos em outros. A sensibilidade do mercado financeiro, por exemplo, é suficiente para atestar que qualquer variável deve ser ponderada como um fator importante de análise financeira, e a interligação de fatores para análises mais abrangentes já norteia desde muito tempo as análises, agora macroeconômicas.

A atividade econômica é extremamente sensível, qualquer evento pode alterar o resultado esperado. Tal característica exige que o analista econômico leve em consideração todos os possíveis eventos e probabilidade de que venham a acontecer, e quais as consequências se de fato acontecerem.

O sistema econômico chegou a um momento de tamanha complexidade, que mesmo os atos que não sejam de consumo ou de produção podem trazer resultados benéficos ou não para a atividade econômica; são conhecidos tais eventos como “variáveis econômicas”. Em outras palavras, para ser tomada uma decisão econômica (o que produzir, o que consumir, quando produzir etc.), leva-se em consideração uma série de fatos, como o custo de produção, a demanda pelo produto, as condições climáticas. Entretanto, como nem todas essas condições podem ser antecipadas, poderá ocorrer algum fato não esperado que modifique os efeitos econômicos da decisão tomada. Dessa forma, quando se toma qualquer decisão econômica, deve-se considerar a maior quantidade possível de eventos que possam alterar o resultado do que se espera economicamente, pois qualquer evento não esperado poderá variar as consequências da decisão tomada; tais eventos são chamados de variáveis econômicas.

Um exemplo simples que bem demonstra o poder das variáveis pode ser colhido no dia a dia de qualquer pessoa, como: a simples mudança de tempo (clima), que pode funcionar como um evento que produzirá uma série de eventos econômicos. Assim, uma chuva matinal inesperada significa para o vendedor de guarda-chuvas um imediato efeito na sua demanda, o que consequentemente fará com que ele também aumente o preço do seu produto; porém, se ele não contou com (previu) esse evento, provavelmente deixará de vender se tiver poucos produtos em estoque. Por outro lado, o sujeito que sai para o trabalho desprovido de seu guarda-chuva, possivelmente decidirá comprar tal bem em razão de uma necessidade inesperada. Da mesma maneira, os reflexos de um possível apagão energético ou de um descontrole de voos, ou até mesmo do aumento do tráfego de veículos em uma cidade qualquer, podem representar um efeito econômico em várias decisões de ordem econômica.

As consequências econômicas de tais eventos podem ser distribuídas de forma distinta entre os participantes de qualquer ato econômico. Se o governo toma uma medida econômica que resulta em efeitos imediatos na cotação de certa moeda estrangeira, certamente os que possuem dívidas em tal moeda poderão ser inversamente beneficiados ou prejudicados em razão dos que possuem crédito.

Todas as novas variáveis que se agregaram as já existentes fazem com que a economia seja afetada por um grau de instabilidade sem precedentes. Uma empresa ou um país pode gerar riqueza ou empobrecer em um lapso temporal extremamente curto. Na verdade, a única possibilidade que nos resta é analisar o grau de influência que determinado fato econômico pode gerar em um mercado qualquer, como, por exemplo, uma decisão sobre a estabilidade da taxa de juros nos Estados Unidos.

A compensação da ocorrência de eventos que possam desequilibrar uma situação econômica qualquer funciona como um mecanismo de autossustentação do sistema econômico de determinada comunidade. A estabilidade tão importante e perseguida nos mercados deve resultar dos mecanismos de compensação nas relações econômicas. Deve-se sempre lembrar que as dificuldades enfrentadas por um agente econômico qualquer podem comprometer todo o funcionamento de um sistema econômico, se a compensação pelo ganho de um outro não for compatível para equilibrar as perdas ocorridas.

Enfim, como já frisado, os efeitos da decisão econômica podem variar se ocorrer um fato inesperado ou diferente do previsto na análise realizada. Tais fatos são chamados de variáveis econômicas.

1.3. SISTEMA ECONÔMICO

A criação dos sistemas resulta da necessidade de organização de alguns fatores que influenciarão a obtenção de determinado resultado pretendido. A palavra-chave para a concepção de um sistema envolve sempre a organização dos elementos de formação e suas respectivas funções. O sistema respiratório dos humanos é formado por um conjunto de órgãos, com finalidades específicas e que funcionam em harmonia para a solução de problema vital: o fornecimento de oxigênio e a expulsão de gás carbônico. O sistema econômico também possui os mesmos pressupostos e fundamentos de todo e qualquer sistema, quais sejam: elementos de constituição, harmonia de funcionamento dos elementos e organização para a realização de algo.

A caracterização do sistema econômico deve envolver todos os elementos que de alguma forma interferem na realização da atividade econômica, como a ordem econômica na Constituição Federal, as políticas econômicas, a legislação complementar e ordinária, a análise econômica etc.

De forma aplicada ao Direito, Eros Roberto Grau (1990, p. 83 e 213) propõe o seguinte conceito de sistema econômico:

“O sistema econômico compreende um conjunto coerente de instituições jurídicas e sociais, de conformidade com as quais se realiza o modo de produção e a forma de repartição do produto econômico.”

Os sistemas econômicos são constituídos a partir da resolução de problemas de escassez, ou seja, produzir: o quê? Como? Para quem? Questões estas que devido ao crescimento e à complexidade dos sistemas econômicos passaram a levar em consideração a figura do consumidor. Assim, quando alguém visa a empreender alguma atividade econômica, vai questionar: o que o consumidor deseja? Onde ele gostaria de poder adquirir o produto desejado? O quanto ele está disposto a pagar?

As características que dizem respeito à constituição, ao funcionamento e à finalidade do sistema econômico variam de modo a constituir formas distintas de sistemas jurídicos, sendo alguns mais conhecidos e frequentes, enquanto outros são praticamente inexistentes. Mesmo assim, a classificação dos sistemas econômicos centra-se em alguns pontos facilmente determináveis. Como aponta André Ramos Tavares (2003, p. 32):

“Importa, pois, para fins de classificação teórica, identificar a forma adotada quanto à propriedade dos meios de produção, verificando se há propriedades privada ou se é adotada a propriedade coletiva dos meios de produção. Ademais, a análise da relação entre os agentes econômicos determina se os trabalhadores (parcela dos referidos agentes econômicos) se apropriam do produto do trabalho ou não. Na primeira hipótese, a distinção entre empregado e empregador é extremamente tênue. Nesse sentido, a forma de repartição do produto do trabalho, especialmente a natureza do excedente produzido, pode ser individualmente titularizada (no capitalismo) ou coletivamente (no socialismo).”

1.3.1. Tipologia dos sistemas econômicos

O estudo doutrinário dos sistemas econômicos pode provocar um certo desencontro entre os pressupostos teoricamente propostos e que caracterizam e individualizam o sistema econômico e o que de fato será empiricamente encontrado no normal desenvolvimento da atividade econômica por seus agentes. Como explica António José Avelãs Nunes (2007, p. 60-61):

“Na prática, nenhuma economia concreta se apresenta como a realização de um único sistema econômico ou de uma única forma econômica. Cada economia corresponde ao invés, a uma determinada combinação de vários sistemas, um dos quais emerge como sistema dominante, imprimindo caráter àquela economia, moldando a sua estrutura ordenadora, definindo-a como ordem econômica.”

As classificações dos sistemas econômicos feitas pelos estudiosos não corresponde, portanto, a uma tipologia fechada que não admite a existência de características que pareciam não lhe fazer parte. A economia, atualmente, é por demais complexa para contemplar características estanques e uniformes no que diz respeito, por exemplo, a processos de produção, participação de agentes públicos ou privados na realização da atividade econômica, entre outros.

Os Sistemas hoje estudados praticamente se resumem, no capitalista (propriedade privada dos meios de produção e do resultado da produção, livre-iniciativa e concorrência dos agentes econômicos) e a sua negação (sistemas socialistas), mas numa rápida verificação histórica podemos constatar que por outros modos e por outras características os sistemas econômicos foram classificados ou nominados de acordo diversos pressupostos, para tanto, basta lembrar-se do sistema mercantilista, por exemplo.

1.3.1.1. Sistema capitalista

O modo de produção capitalista possui como características basilares a garantia ao direito de propriedade (propriedade privada) e a liberdade de iniciativa e de competição. De forma geral, o capitalismo é o sistema cujo mote é a “liberdade” dos agentes na tomada de decisões econômicas. O regulador natural da medida dessa liberdade é o mercado, daí a denominação sinônima: sistema de livre mercado. O agente econômico suportará, nesse sistema, os reflexos lucrativos ou não da atividade que desenvolver, garantindo o Estado o direito de propriedade sobre os bens de produção e o resultado da produção. Segundo André Ramos Tavares (2003, p. 36):

“É possível concluir, sinteticamente, que o modelo capitalista pressupõe a liberdade ou o liberalismo econômico e a propriedade dos bens de produção. O regime jurídico, portanto, deverá assegurar esses dois pressupostos com que trabalha o sistema capitalista de economia, sendo certo que esse núcleo normativo comporá (ao lado de outros elementos) o Direito Econômico.”

No sistema capitalista, a escolha compete ao agente econômico, o qual determinará o que produzir, como produzir e para quem produzir. Mesmo assim, essa escolha não será totalmente livre, pois o mercado influenciará na hora da decisão econômica. Da mesma forma, não existe liberdade plena nesses regimes, já que a intervenção do Estado na economia ocorre das mais variadas forma.

1.3.1.2. Sistema socialista

Neste sistema, as características básicas contrastam frontalmente com as do capitalismo, uma vez que o direito de propriedade privada é substituído pela propriedade coletiva dos meios de produção. A natureza contestatória dos infortúnios do sistema capitalista é clara no sistema socialista, sendo praticamentte a sua negação, entretanto, sem promover os cânones da sua forma de produção econômica, que passa a ser obrigação do Estado e o seu resultado dividido entre todos. O sistema socialista reúne, dessa maneira, aspectos gerais da forma de produção, o que será determinado de modo específico de acordo com o modelo econômico adotado que poderá variar em algumas características. Como observa André Ramos Tavares (2003, p. 39-40):

“Foi, contudo, com Karl Marx e Friedrich Engels que se construiu uma proposta mais acabada de socialismo. Para Marx, o proletariado aparecia como a única classe social capaz de destruir de uma vez por todas a exploração do homem pelo homem, ao destruir o capitalismo, chegando ao poder pelo caminho da revolução. No poder, os trabalhadores se encarregariam de eliminar as diferenças sociais, o que assinalaria a passagem do socialismo ao comunismo, incluindo o fim do Estado.”

1.4. MODELO ECONÔMICO

Os sistemas econômicos estudados nos tópicos anteriores são formados devido à reunião de características comuns de alguns importantes modelos econômicos, ou seja, em cada um dos sistemas econômicos principais podem ser desenvolvidos modelos econômicos distintos. Os sistemas e os modelos econômicos são, portanto, uma forma de pensar o desenvolvimento da atividade econômica, uma vez que promovem a reflexão sobre as possíveis consequências de determinada organização para a produção. Em razão da utilização frequente e das características bem torneadas de um modelo econômico, ele poderá vir a ser tratado como um sistema econômico. Na verdade, os sistemas econômicos nada mais são do que modelos de desenvolvimento da atividade econômica, todavia, o modelo econômico pode variar dentro de um mesmo sistema, o que torna verdadeira a conclusão de que um mesmo sistema pode compreender modelos econômicos diferentes. Os modelos estão contidos nos sistemas, que de alguma forma um dia foram classificados como modelos, e devido a sua importância e coesão acabaram constituindo um sistema que passa a admitir o desenvolvimento de outros modelos em seu interior.

Como já abordado, a análise econômica constitui atividade de grande complexidade em razão de fatos que podem influenciar a conclusão do analista. Dessa forma, a criação de modelos econômicos tornou-se um instrumento facilitador da análise econômica, pois reproduz uma realidade qualquer para investigar os possíveis efeitos decorrentes de uma decisão econômica. Nas palavras de Fábio Nusdeo, os modelos econômicos (1977, p. 526):

“nada mais vêm a ser do que o estabelecimento de relações entre variáveis relevantes para a explicação de um dado fenômeno, simplificando drasticamente o que sucede na vida real.”

É comum que se leia em jornais, matérias que investigam as mazelas do modelo tributário brasileiro ou do modelo previdenciário, entre outros. Na verdade, muitas vezes o articulista faz uma análise das eficiências ou ineficiências provenientes de possíveis acertos ou de erros do modelo implementado, ou até mesmo sugere um novo modelo. A importância de se conhecer os modelos econômicos é que os possíveis candidatos a agentes econômicos de produção poderão avaliar o seu possível desempenho. Em outras palavras, quando o empresário sabe que uma das características do modelo do mercado no qual pretende ingressar é a competição, que o seu sucesso estará ligado à inovação e à diminuição dos custos de produção, sem os quais provavelmente não terá condições de suportar a concorrência dos outros ofertantes, terá melhores condições de acertar. De forma didática, explica Fábio Nusdeo (1999, p. 87):

“uma imagem bastante apropriada para a teoria econômica é aquela segundo a qual pode ser vista como uma espécie de caixa de ferramentas, sendo as ferramentas os vários modelos construídos para explicar a realidade do mundo econômico e a caixa, um arcabouço teórico geral que os contém.”

Antes de estudar alguns dos modelos econômicos, compensa refletir sobre síntese de Joseph Stiglitz e Carl E. Walsh (2003b, p. 58):

“Todo modelo econômico, incluindo o que representa a determinação do preço e da quantidade de equilíbrio de mercado por meio da oferta e da demanda, é constituído por três tipos de relações: identidades, relações comportamentais e relações de equilíbrio. Reconhecer esses elementos contribui para entender não apenas como os economistas pensam, mas também onde está a origem dos seus desacordos.”

1.4.1. Modelo liberal

Quando o principal controlador da atividade econômica é o próprio mercado, o grau de liberdade dos agentes econômicos é maior. A atividade econômica realizada sob esse modelo recebe a denominação de economia de mercado ou de sistema capitalista de produção, como complementa Alain Touraine (1999, p. 22):

“O capitalismo é a economia de mercado quando esta rejeita todo e qualquer controlo externo e, pelo contrário, procura agir sobre toda a sociedade em função dos seus interesses próprios. O capitalismo é a sociedade dominada pela sua economia. Donde o perigo que a destruição actual do antigo modo de gestão da economia encobre: ela é ao mesmo tempo indispensável e perigosa, pois o desafio é passar de um tipo de controlo social da economia para outro e não perder-se na ilusão de uma economia libertada de todo e qualquer controlo social, ilusão que leva ao crescimento das desigualdades e de todas as formas de marginalização e exclusão.”

Pelo exposto, o modelo liberal desencadeou a constituição do sistema capitalista; mesmo assim, é bom ressaltar que com ele não se confunde, pois o grau de liberdade na economia pode variar o modelo de capitalismo. Dessa forma, o grau de liberdade na produção econômica funciona apenas como um marcador para a análise de alguns modelos econômicos.

A expressão liberalismo pode ser utilizada para significar o Estado Liberal, o Sistema Econômico e qualquer modelo de análise econômica. No caso, estamos a analisar o modelo de mercado liberal, que foi caracterizado teoricamente em 1776 a partir da obra de Adam Smith. O liberalismo se fixa na decisão política, econômica, cultural que deve ser franqueada ao povo, ao cidadão, sobretudo. Dessa maneira, o liberalismo é o oposto do autoritarismo e do absolutismo.

Os modelos que privilegiam um maior grau de liberdade nas escolhas econômicas são classificados como modelos liberais e podem assumir particularidades distintas de acordo com outros marcadores econômicos e sociais.

1.4.2. Modelo de comando

A característica primordial do modelo de comando consiste na função de comando franqueada a uma autoridade que tomará as decisões de produção e consumo. Como informam Paul Krugman e Robin Wells (2007, p. 2):

“A alternativa para uma economia de mercado é uma economia de comando, em que existe uma autoridade central tomando decisões sobre produção e consumo. Experimentaram-se economias de comando notadamente na União Soviética entre 1917 e 1991.”

O modelo de comando é o utilizado no desenvolvimento de regimes de governo autoritários, como acontece, por exemplo, em Cuba. A atividade econômica não obedece a sua lógica natural, a posição do comandante não é de interferência para a produção de alguns efeitos previstos em sua política econômica, mas a política econômica em si tem por característica o comando, a ordem fixada pela conveniência do próprio ditador.

Nos modelos de comando, a estrutura de poderes do Estado é organizada de forma a garantir superpoderes ao comandante que determinará a forma de desenvolvimento da atividade econômica.

1.4.3. Modelo planificado

A prévia planificação da forma a se desenvolver a atividade econômica não se confunde com a liberdade de iniciativa ou de concorrência nem com a situação de comando das decisões econômicas. A planificação aparece tanto nos sistemas capitalistas quanto socialistas, embora os sistemas socialistas tenham sido reconhecidos inicialmente como planificadores da economia.

A ordem econômica prevista nas Constituições de alguns países de certa maneira já adianta a característica e a necessidade de planificação para a criação dos modelos econômicos. A criação de um plano geral ou específico de desenvolvimento de toda a economia ou apenas de um setor determinado faz parte do cotidiano das administrações.

Os modelos econômicos na atualidade conjugam um grau maior ou menor de liberdade, comando ou planificação, constituindo, como já ressaltado, os variados modelos econômicos de análise. Deve-se considerar, ainda, que outros aspectos, como desenvolvimento cultural, produção tecnológica, centralização ou descentralização das decisões econômicas no Estado, também podem assumir papéis determinantes na configuração de um modelo econômico.

1.5. ATIVIDADE ECONÔMICA E ATIVIDADE EMPRESÁRIA

O desenvolvimento da atividade econômica, em regra, é realizado por um empresário ou por uma sociedade empresária. O agente empresário, portanto, é sempre um explorador de atividade econômica. Entretanto, o oposto não é verdadeiro, pois vários agentes econômicos não são empresários, como, por exemplo: as sociedades de profissionais liberais sem o elemento de empresa (médicos, advogados, dentistas etc.) ou as cooperativas de trabalho, entre outros. A expressão empresa com a significação de atividade não se confunde com a atividade econômica, pois esta é mais ampla que aquela.

O Estado também atua como agente econômico com importante papel na realização da atividade econômica, podendo participar diretamente da produção de determinados bens e serviços. Como adverte Affonso Insuela Pereira (1974, p. 116):

“A empresa é, por excelência, o sujeito do Direito Econômico; porém, deixe-se patenteado que não é o único, pois outros sujeitos também atuam, especialmente estatais. E o Direito Econômico, por sua própria natureza, não pode deixar de contemplar como sujeito de direito organismos atuantes na vida econômica, em especial aqueles pertencentes ao Estado que, aproveitando a força incontestável de sua soberania e se intitulando ‘empresário’, desloca a iniciativa privada, por vezes criando produção gravosa, desenvolvendo setores onde a iniciativa particular se tornara omissa ou lacunosa, tudo se consubstanciando em um capitalismo de Estado (o Estado como senhor dos meios de produção e como agente da economia) cada vez mais presente.”

Em conclusão, pode-se afirmar que a empresa corresponde a um agente econômico que desenvolve atividade econômica de maneira profissional (habitual) e de forma organizada e suportando diretamente os resultados de suas atividades, sejam eles lucrativos ou não, ao contrário de outros agentes econômicos que realizam atividade econômica, mas não empresarial. Mesmo assim, devido à importância da empresa no desenvolvimento da atividade econômica, não é incorreto verificar a atividade empresarial como a atividade econômica em quase toda a sua plenitude. Como explica Rachel Sztajn (2004, p. 130):

“A atividade econômica empresarial é um fazer especial, porque implica produzir para mercados de forma continuada, não esporádica ou episódica. Dificuldade a ser enfrentada pelos operadores do direito que, sob o argumento de que se trata de estrutura econômica, forma retórica de analisar comportamentos das pessoas em busca de utilidades, de maximização de bem-estar, de perseguição de riquezas, furtam-se da análise material do fenômeno. Atividades negociais, ou não, devem ser enfrentadas porque rotineiras no cotidiano das pessoas. São suporte fático de muitas decisões sociais. Separá-las porque se persegue um fim econômico constitui critério de seleção para fins de enquadramento normativo, é decisão de política legislativa.”

1.6. NOÇÃO DE MERCADO

De forma bem simples e objetiva, o mercado consiste em um espaço no qual são realizadas as trocas de bens ou a comercialização de serviços. Com a especialização das trocas, os mercados passaram a ser classificados de acordo com alguns critérios, como, por exemplo: o mercado cuja troca envolve moeda compõe o mercado financeiro; o mercado cuja troca são bens de consumo compõe o mercado de consumo; quando a troca envolve a força de trabalho, fala-se em mercado de trabalho. O produto também serve como critério de classificação, daí os mercados de café, soja, tecnologia etc. A ampliação ou a diminuição do espaço de troca também pode funcionar como critério de classificação; é o caso do mercado local, continental, europeu, internacional etc.

A interferência do Estado no funcionamento dos mercados pode ser de maior ou menor intensidade, e hoje uma das preocupações econômicas mais importantes consiste justamente na graduação dessas intervenções e em que setores ou áreas a presença do Estado se faz necessária. As políticas econômicas são praticamente políticas de mercado, a intervenção econômica também se dá no mercado. Enfim, a realidade econômica se desenvolve no âmbito dos mercados, que hoje funcionam como o principal objeto da análise econômica, pois apresentam de forma pragmática os resultados dessas análises, daí a utilização frequente da expressão homem de mercado, quando se referem a alguém que está inserido diretamente na realização da atividade econômica em algum mercado específico, ao contrário do analista de mercado, cuja função é trabalhar com os fatores tecnicamente.

O mercado funciona como um grande instrumento de socialização, cuja força motriz está na satisfação das necessidades individuais e coletivas. É impossível a vida sem a participação no mercado e é nele em que são apontados os resultados da atividade econômica eficiente. A organização do mercado é medida de ordem econômica, pois fenômenos como a internacionalização e a concentração poderão refletir nas condições de eficiência. A concepção de que o mercado é formado por sujeitos privados é irreal, pois o Estado também participa. Assim, uma das maneiras de intervenção do Estado ocorre mediante a sua participação direta ou indireta, conforme teremos oportunidade de melhor analisar em tópicos posteriores.

1.6.1. Mercado de consumo

O mercado de produtos se enquadra na definição mais comum e aberta de mercado, pois envolve a negociação de tudo o que é produzido pelos agentes econômicos, incluindo todas as mercadorias e serviços que não são comercializados em mercados específicos, como é o caso dos valores mobiliários.

A organização do mercado de consumo é a que se faz mais eficiente na realização das atividades mais básicas e importantes e que abarcam a maior parte da população. Qualquer desequilíbrio nesse mercado ocasionará efeitos sociais de monta. Da mesma maneira, as particularidades de cada uma das mercadorias ou dos serviços negociados exigem uma maior profundidade de estudo para que se possibilite a eficiente intervenção.

Como veremos mais à frente, um dos princípios específicos da ordem econômica é justamente a proteção do consumidor, o que se faz mediante a criação de algumas leis que não apenas o próprio Código de Defesa do Consumidor, como, por exemplo: a lei dos planos de saúde, de proteção contra o abuso do poder econômico, o estatuto do torcedor, entre outras.

1.6.2. Mercado de trabalho

No mercado de trabalho, a troca envolve a mão de obra fornecida pelas pessoas dispostas e competentes para tal atividade e os agentes econômicos, que por intermédio de salários e outras formas de remuneração retribuem o fornecedor de mão de obra.

As relações de trabalho podem envolver uma preocupação diretamente econômica, pois o nível de desemprego, a qualificação dos empregados, entre outros, são informações que demandam diretamente as decisões de ordem econômica, sendo que o próprio Direito Econômico já delimita alguns objetivos, como o pleno emprego etc. Entretanto, em razão da unidade e da autonomia da intervenção jurídica do Estado na relação de prestação de serviços, seja ela de emprego ou não, a regulação destes contratos não são objeto do direito econômico. Mesmo assim, o Estado possui obrigações econômicas no mercado de trabalho, como a garantia do pleno emprego, a dignidade do trabalhador etc.

Pode-se concluir, portanto, que o Direito Econômico tem como objetivo garantir o equilíbrio e as condições dignas do mercado de trabalho, mas não é seu objeto regular diretamente os contratos de prestação de serviços, que são tratados pelo Direito Civil, pelo Direito do Trabalho e pelo Direito Administrativo, conforme o caso.

1.6.3. Mercado financeiro

O mercado financeiro em sentido amplo compreende as operações de fornecimento ou de captação de recursos financeiros pelos agentes econômicos. Dependendo da forma de intermediação realizada na transferência dos recursos, o mercado financeiro em sentido amplo pode ser chamado de: a) mercado financeiro em sentido estrito ou b) mercado de capitais. De forma bem simples, o mercado financeiro é o local que compreende uma série de trocas de ativos financeiros (negociação) e por consequência forma o preço de tais ativos.

O mercado financeiro em sentido estrito considera a especialização das trocas de ordem financeira. Diante de alguns critérios, é possível especializar o mercado financeiro, por exemplo: o tipo de moeda negociada (nacional e externo), o grau de intervenção do Estado (livres e regulados), o grau de formalização das negociações (organizados e não organizados), o objeto financeiro específico (crédito, capitais, cambial etc.).

Em razão da sua crescente importância, um dos mercados financeiros em sentido estrito é o chamado mercado de capitais, que envolve um espaço de negociação de valores mobiliários, principalmente ações, e que funciona como um eficiente fornecedor de recursos financeiros para as sociedades anônimas.

No Brasil, a regulação do mercado de capitais ou do mercado de valores mobiliários é feita legalmente pelas Leis 4.728/1965 e 6.385/1976, que estipulam em seu art. 1.º que serão disciplinadas e fiscalizadas as seguintes atividades:

a emissão e distribuição de valores mobiliários no mercado;

a negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários e de derivativos;

a organização, o funcionamento e as operações das Bolsas de Valores e das Bolsas de Mercadorias e Futuros;

a administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários;

a auditoria das companhias abertas;

os serviços de consultor e analista financeiros.

1.6.4. Mercado e Direito

A previsão de uma ordem econômica faz necessariamente o Direito e a Economia se relacionarem. Tal relação não é fácil, pois as normas jurídicas, que envolvem alguns valores diferentes dos buscados pela eficiência econômica, chocam-se constantemente. O Direito é utilizado para permitir ao Estado organizar os processos de mercado, o que é chamado de função reguladora, e para que possa nele intervir, dependerá de normas que lhe garantam tal faculdade. Os mercados funcionam, atualmente, sob a égide de normas jurídicas, e a garantia de direitos essenciais dependem, sobremaneira, da criação de regramentos aplicáveis aos agentes econômicos.

1.7. TEORIA JURÍDICA DA ATIVIDADE ECONÔMICA

A prática de atos econômicos (produção, consumo e troca de bens) é realizada independentemente do cumprimento de quaisquer leis que venham a discipliná-la. Entretanto, a total liberdade de realização da atividade econômica desencadeou uma série de problemas, como, por exemplo: a concentração de mercado, o impedimento da entrada de novos ofertantes de mercadorias e serviços, as práticas de deslealdade competitiva, os abusos contra o consumidor hipossuficiente etc. A ampla liberdade de exploração da atividade econômica motivou apenas as preocupações individuais e deixou de lado a satisfação social. Assim, os ordenamentos jurídicos mereceram modificações com a promulgação de normas cuja finalidade é disciplinar a atividade econômica, subordinando a vontade individual dos agentes econômicos ao interesse coletivo.

Como de fato ocorreu, conforme descreve Geraldo de Camargo Vidigal (1977, p. 14):

“a experiência do liberalismo, no entanto, evidenciou rapidamente os males de relegar a um plano secundário e acessório os dados da vocação social do ser humano. Três vícios intoleráveis, nascidos do funcionamento do sistema liberal, dramaticamente se caracterizaram: 1.º) o livre jogo dos mercados tendia a acentuar, tornando-a intolerável, a injustiça na repartição social da riqueza; 2.º) em nome da liberdade de competição, favoreciam-se situações que tendiam indiscriminada concentração empresarial, como sacrifício dos valores da competição e com estímulo à injusta e desenvolta atuação dos monopólios; 3.º) o funcionamento das instituições liberais gerou processos cumulativos de que resultaram, recorrentemente, a intervalos de aproximadamente dez anos, crises socialmente empobrecedoras, caracterizadas por situações de estocagem e desemprego.”

A liberdade de atuação nos mais variados mercados agora é disciplinada por regras jurídicas cujo objetivo é ordenar o mercado e a conduta dos agentes econômicos, que de alguma forma interferem em seu processo, seja produzindo, vendendo, consumindo etc.

Em termos bem gerais, o Direito Econômico tem por função a disciplina jurídica geral da atividade econômica, sem regular os aspectos específicos da produção econômica, como por exemplo: os contratos de trabalho, os direitos do consumidor, pois estes são regulados por disciplinas já declaradas autônomas no sistema jurídico. Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor, as leis de proteção ambiental, a lei de propriedade industrial são todas elas de Direito Econômico em sentido amplo, pois regulam, de alguma forma, a atividade econômica. A disciplina jurídica ou o regime da atividade econômica representa o conjunto de normas que impõe obrigações aos exploradores de atividade econômica.

O que se deve concluir, portanto, é que a economia não pode mais funcionar sem a intervenção do Estado no regramento do mercado; esta regulação pode ocorrer em maior ou em menor intensidade, mas deve acontecer, sob pena de direitos já definidos como fundamentais deixarem de ser garantidos, e o maior deles é a dignidade da pessoa humana.

1.8. QUESTÕES

1. (13.º e 19.º Concursos para Procurador da República) O princípio básico do liberalismo econômico assenta-se:

(A) na função social da propriedade.

(B) no tratamento favorecido às empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

(C) na redução das desigualdades regionais e sociais e na busca do pleno emprego.

(D) na liberdade de iniciativa e na economia de mercado.

2. (20.º Concurso para Procurador da República) Segundo a ordem econômica inserida na atual Constituição, pode-se afirmar que o Estado:

(A) passou ao mesmo tempo a regulamentar e a atuar no domínio econômico.

(B) é um garantidor da ordem liberal.

(C) é primacialmente intervencionista.

(D) não é mais o potencial sustentáculo de atividades deficientes.

3. (24.º Concurso para Procurador da República) Do sistema ou modelo econômico adotado pela Constituição Federal, ressai um Estado:

(A) intervencionista.

(B) em que predomina a economia de mercado pura, realçada pela liberdade de iniciativa.

(C) que atua em regime monopolista, com direito de propriedade ilimitado.

(D) no qual as relações de produção estão assentadas na propriedade privada dos bens em geral, dos fatores de produção, na ampla liberdade de iniciativa e de concorrência.

4. (22.º Concurso para Procurador da República) A atuação estatal, no campo da atividade econômica em sentido estrito, quando instrumenta controle de preços classifica-se como intervenção por:

(A) direção.

(B) absorção ou participação.

(C) indução.

(D) inexatas as proposições acima porquanto a Constituição Federal consagra economia de mercado de natureza capitalista, de livre-iniciativa.

Illustration

5. (TRF 5.ª Região/Concurso X/2009 – Juiz Federal Substituto) Acerca do direito econômico, assinale a opção correta.

(A) Sistema econômico é a forma pelo meio da qual o Estado estrutura sua política e organiza suas relações sociais de produção, isto é, a forma adotada pelo Estado no que se refere à distribuição do produto do trabalho e à propriedade dos fatores de produção. Atualmente, existem apenas dois sistemas econômicos bem distintos e delineados no mundo: o capitalismo e o socialismo.

(B) A ordem econômica, consoante o tratamento dado pelo legislador constituinte de 1988, admite duas vertentes conceituais. Para uma delas, a vertente ampla, a ordem econômica constitui uma parcela da ordem de direito, inerente ao mundo do dever-ser, ou seja, é o tratamento jurídico dispensado para disciplinar o comportamento dos agentes econômicos no mercado.

(C) O modelo do Estado intervencionista econômico é fortemente influenciado pelas doutrinas de John Maynard Keynes, que sustentou que os níveis de emprego e de desenvolvimento socioeconômico devem-se muito mais às políticas públicas implementadas pelo governo e a certos fatores gerais macroeconômicos, e não meramente ao somatório dos comportamentos microeconômicos individuais dos empresários.

(D) O Estado intervencionista socialista atual com o fito de garantir o exercício racional das liberdades individuais, e na sua política intervencionista não visa ferir os postulados liberais, mas, apenas, coibir o exercício abusivo e pernicioso do liberalismo.

(E) No que tange à atuação do Estado no domínio econômico, a intervenção regulatória ocorre quando o Estado, nos casos expressos e devidamente autorizados no ordenamento jurídico, atua, em regime de igualdade com o particular, na exploração de atividade econômica.

6. (TRF 5.ª Região/Concurso XI/2011 – Juiz Federal Substituto) No que se refere a liberalismo e intervencionismo, assinale a opção correta.

(A) A atuação do Estado, seja por meio do condicionamento da atividade econômica, seja por meio da exploração direta de determinada atividade econômica, anula, por inteiro, a forma econômica capitalista prevista na CF.

(B) O intervencionismo valoriza o indivíduo como agente econômico e ente responsável pela condução das regras de mercado.

(C) Com o liberalismo, buscou-se atingir a justiça social por meio da imposição de regras estatais na condução da atividade econômica, sem se considerar o lucro.

(D) O objetivo do liberalismo foi o de livrar o indivíduo da usurpação e dos abusos do poder estatal na condução da atividade econômica.

(E) O intervencionismo visava proteger o Estado dos abusos advindos do liberalismo, como foi o caso da concorrência desleal entre os indivíduos e o Estado.

7. (TRF 3.ª Região/Concurso XI – Juiz Federal Substituto) O exercício de qualquer atividade econômica:

(A) é livre, mas depende de autorização de órgãos públicos.

(B) é livre, sem dependência de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

(C) é livre, não dependendo de autorização de órgãos públicos.

(D) sempre dependerá da fiscalização e permissão dos órgãos públicos.

8. (TRF 3.ª Região/Concurso XI – Juiz Federal Substituto) O planejamento econômico pelo Estado:

(A) é determinante para o setor público.

(B) é determinante para o setor privado.

(C) nunca é determinante.

(D) é determinante para o setor público e privado.

9. (TRF 1.ª Região/Concurso XIII/2009 – Juiz Federal Substituto) A respeito dos sistemas econômicos e da intervenção do Estado no domínio econômico, assinale a opção correta.

(A) O estado de bem-estar social é aquele que provê diversos direitos sociais aos cidadãos, de modo a mitigar os efeitos naturalmente excludentes da economia capitalista.

(B) O capitalismo assenta-se no individualismo do liberalismo econômico, tendo como característica o direito de propriedade limitado e mitigado pela vontade estatal.

(C) A intervenção reguladora é aquela em que o Estado, no exercício de suas atividades de polícia administrativa, visa reprimir e punir abusos econômicos.

(D) Quando o Estado atua na economia por meio de instrumentos normativos de pressão, essa forma de agir denomina-se absorção.

(E) O Estado intervém na economia pela forma de indução quando atual paralelamente aos particulares, empreendendo atividades econômicas.

10. (TRF 5.ª Região/Concurso XI/2011 – Juiz Federal Substituto) No que se refere à ordem econômica, assinale a opção correta.

(A) O modelo político adotado pelo Estado brasileiro, conforme previsto na CF, é imposto pela ordem econômica vigente no mercado.

(B) As normas econômicas dispostas na CF são de natureza essencialmente estatutária, e não diretiva.

(C) Regime político e ordem econômica equivalem-se do ponto de vista conceitual.

(D) Na CF, a ordem jurídico-econômica estabelece limites ao exercício da atividade econômica e define, de maneira exclusiva, a estrutura do sistema econômico a ser adotado pelo Estado brasileiro.

(E) A mudança dos paradigmas liberais na atividade econômica, com a inclusão da obrigatória observância de princípios como o da dignidade da pessoa humana, deveu-se à atuação do próprio Estado, que passou a intervir no mercado em busca do bem coletivo.

Gabarito: Encontra-se no final do livro.