Sumário: 2.1. Noção de ordem jurídica – 2.2. Ordem econômica – 2.3. Constituição econômica – 2.4. Teoria do mercado e teoria da Constituição – 2.5. Ordem econômica nas Constituições Federais brasileiras: 2.5.1. Constituição de 1824; 2.5.2. Constituição de 1891; 2.5.3. Constituição de 1934; 2.5.4. Constituição de 1937; 2.5.5. Constituição de 1946; 2.5.6. Constituição de 1967 e Emenda Constitucional 1, de 1969 – 2.6. Ordem econômica na Constituição Federal de 1988: 2.6.1. Fundamentos e objetivos da Ordem Econômica; 2.6.2. Princípios gerais da Ordem Econômica – 2.7. Regime jurídico do capital estrangeiro – 2.8. Questões.
O significado preciso de ordem demanda uma preocupação determinantemente técnica, pois o vocábulo alcança variados sentidos. O primeiro deles e mais comum induz a organização de algo. Assim, a atividade jurídica é determinada por uma necessária organização, o que parece óbvio, pois o Direito tem por finalidade organizar da melhor forma a convivência social. O segundo significado decorre do primeiro e implica os instrumentos de se dispõe para que se ordene algo. Dessa maneira, a atividade social organizada pelo Direito depende de instrumentos de estímulo e sustentação da ordem. Por fim, a noção técnica de ordem induz a determinação de certos resultados advindos da organização jurídica. Portanto, a ordem jurídica consiste na criação metódica de princípios e normas de natureza geral que regulam a vida em sociedade, sempre tendo como parâmetros alguns efeitos ou resultados a serem alcançados.
A ordem econômica é uma representação estrutural cuja finalidade é organizar a realização da atividade econômica em determinada comunidade. Para tal finalidade, a ordem contempla alguns princípios que a informam e que deverão circunscrever os limites da legislação a ser criada. A interpretação de qualquer norma que compõe a ordem econômica induzirá a um dos vários princípios nela previstos. Da mesma maneira, a ordem econômica existe devido a seus fins, que nela deverão constar expressamente.
A ordem econômica, na verdade, corresponde também à coerência do regime de regras criadas para regular determinados aspectos da atividade econômica. De forma completa e direta, Modesto Carvalhosa (1972, p. 51) esclarece que:
“No conceito de Ordem Econômica constitucional destaca-se o modo de ser jurídico do sujeito econômico, ou seja, a sua função: Função social e política (justiça social e desenvolvimento nacional) – atribuída à atividade produtiva pelo Direito Público.”
Nas palavras de Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 141):
“A Ordem Econômica, portanto, não impõe os seus princípios à prática dos atos capazes de garanti-la. Indica-os, e a sua efetivação depende de sua adoção, mas não oferece a ‘força impositiva’ que só a norma jurídica possui. Bem verdade é que conta com a força de realização do próprio ‘fato’. Este se impõe por ser a própria realidade, e pelo que no direito se reconhece como a ‘força jurígena’ ou ‘legiferante’ do fato, sempre tomada como fonte inegável do direito. Mesmo neste caso, porém, verificamos que os princípios econômicos dependem da norma jurídica ou a inspiram, para que se concretizem.”
A atividade econômica organizada, com estrutura, princípios e finalidade própria, expressa nas normas jurídicas a noção mais simples e completa de ordem econômica. Dessa forma, a ordem econômica formalmente prevista funciona como um documento de grande importância para todos os que estiverem sob os seus efeitos, que poderão conhecer os interesses e as formas de organização do Estado diante da atividade econômica. A ordem econômica serve ao Estado e a todo o seu povo, mas aquele é o responsável pela sua instituição e aplicação.
Como conclui Modesto Carvalhosa (1972, p. 5):
“O Estado assume a direção geral da ordem econômica instrumentalizada. Subtrai dos entes privados a plena disponibilidade de seus recursos, bens e vontades no campo econômico, regulando as suas atividades, a fim de que não possam ser exercitadas em desconformidade com o bem geral, de cujos interesses supremos se faz árbitro e tutor.”
De uma forma geral e prática, os agentes econômicos têm como baliza os fundamentos, princípios e resultados previstos na ordem econômica, que garantem uma situação de estabilidade e possibilita ao empreendedor conhecer previamente o sistema econômico sugerido. Em outras palavras, ele conhecerá as limitações que o próprio Estado impõe a ele e aos outros agentes econômicos em suas atuações no mercado.
A Constituição Federal como Lei fundamental de um país deve consagrar as regras para a sistematização da atividade econômica e, para tanto, deve determinar por intermédio de seus dispositivos quais serão os instrumentos disponíveis ao Estado para a regulação e intervenção no domínio econômico, prevendo, inclusive, os limites dessa intervenção. De forma simples e direta, João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 50) explica:
“A Constituição econômica se corporifica precisamente no modo pelo qual o Direito pretende relacionar-se com a Economia, a forma pela qual o jurídico entra em interação com o econômico.”
A ordem econômica possui como principal documento a Constituição Federal, de forma que o seu conteúdo econômico é que compõe a Constituição Econômica. Num olhar superficial, parece que ordem econômica é a mesma coisa que Constituição Econômica, mas ambas não se confundem, pois a ordem econômica compreende outras leis que não apenas a Constituição Federal. Adverte-se, todavia, que as normas constitucionais é que determinarão os limites para a criação de todas as normas produzidas pela legislação infraconstitucional, o que ressalta a importância da Constituição Econômica como base para todo o sistema jurídico econômico.
A previsão constitucional de um conjunto de princípios que tem por finalidade ordenar ou sistematizar a realização da atividade econômica em um país indica para alguns a existência de uma Constituição Econômica. O que não deixa de ser verdadeiro. Entretanto, não se deve considerar a Constituição Econômica como um documento dentro de outro, pois a Constituição Federal não corresponde a um ajuntado de temas esparsos regulados em um mesmo documento. A Constituição Federal mantém a sua maior força e operacionalidade em sua unidade. Em outras palavras, a unidade da Constituição deve ser de tal monta, que pela leitura dos direitos e garantias individuais já se deve antecipar o tratamento dado à ordem econômica, financeira, cultural, educacional. Por isso, os direitos do consumidor, da propriedade privada, entre outros, além de serem protegidos como garantias fundamentais, figuram como princípios da ordem econômica, nem se fale dos direito sociais. Enfim, a presença de uma ordem econômica nada mais expressa do que a própria alma de toda a Constituição. A base do direito econômico não está apenas na ordem econômica da Constituição Federal, mas em toda ela. Tal argumento é que no faz concluir que os princípios da ordem econômica estão presentes nas Constituições há bastante tempo. Como observa Gilberto Bercovici (2005, p. 32):
“Durante o liberalismo, a visão predominante era da existência de uma ordem econômica natural, fora das esferas jurídica e política, que, em tese, não precisaria ser garantida pela Constituição. No entanto, todas as Constituições liberais possuíam disposições econômicas em seus textos. A Constituição Econômica liberal existia para sancionar o existente, garantindo os fundamentos do sistema econômico liberal, ao prever dispositivos que preservavam a liberdade de comércio, a liberdade de indústria, a liberdade contratual e, fundamentalmente, o direito de propriedade.”
Portanto, não há como não se concluir pela necessidade de normas expressas no texto constitucional para delinear, principalmente, os objetivos, princípios e limites da exploração econômica.
Um dos delineamentos importantes para o estudo do direito econômico diz respeito ao reconhecimento de teorias distintas para explicar os mercados e para determinar a ordem econômica nas Constituições. A perspectiva do mercado, ou melhor, o seu funcionamento natural, por intermédio das condutas dos agentes econômicos que nele atuam devem funcionar de acordo com os propósitos constitucionais, mas tanto a ordem econômica quanto a legislação infraconstitucional não devem possuir divergências em suas perspectivas.
Em resumo, a conciliação resulta da preocupação do legislador constitucional em considerar a regras naturais de mercado, enquanto os agentes econômicos devem considerar os parâmetros determinados constitucionalmente para o desenvolvimento de atividade econômica. A dissonância entre um e outro produzirá os conflitos normativos entre o legislado e o realizado pragmaticamente na economia. O já conhecido conflito do Direito com a Economia se dá exatamente quando o mercado e o ordenamento jurídico se ignoram.
O desenvolvimento da sistematização da ordem econômica nas Constituições Federais, como não poderia deixar de ser, transparece as próprias mudanças políticas efetivadas. As Constituições brasileiras consideraram como fundamentos na formação da sua própria ordem econômica, acontecimentos estranhos à sua realidade, mas de alguma forma aplicáveis, pois nenhuma ordem econômica possui tantas características próprias a ponto de particularizálas. Como comenta Fernando Herren Aguillar (2006, p. 71):
“As políticas econômicas veiculadas pelo direito são muito particularizadas em cada país. Países com diferenças estruturais muito grandes reclamam políticas econômicas igualmente distintas. A história do Direito Econômico brasileiro, contudo, nem sempre se distancia daquela que se desenvolve nos países centrais da econômica capitalista. Temos tradição cultural de bem receber a influência desses países, com alguns anos de defasagem. Políticas adotadas em países desenvolvidos logo chegam ao Brasil, com algumas adaptações, mas com consequências muito diversas. Esse fenômeno de mimetismo pode ser explicado de várias formas. Há os fatores culturais, decorrentes do fato de que a origem do Brasil está associada ao processo de colonização europeia. Há os fatores sistêmicos, que dizem que fazemos parte de um mesmo modo de produção. E há o fato inegável da supremacia econômica dos países centrais, que são capazes de ditar linhas de ação e influenciar as mentalidades nos países mais pobres, no jogo permanente das relações internacionais.”
Em conclusão, o modelo jurídico-econômico a ser aplicado no Brasil geralmente não foi pensado levando-se em consideração as particularidades do país, como, por exemplo: a proteção ao tomador de crédito de baixa formação cultural, entre outros. A Ordem Econômica deve regular a atividade econômica considerando o estágio de desenvolvimento do país, justamente para dirigir os esforços do Estado e também dos particulares a satisfação das necessidades mais prementes da população.
A Constituição Imperial de 25 de março de 1824 preconizava em seu bojo, como não poderia deixar de ser, posturas liberais. O que nos faz constatar que preponderava a vontade do imperador e dos grupos economicamente mais fortes. A existência de uma sistematização das regras econômicas ainda não era função do Direito. Deve-se lembrar, por exemplo, que a escravidão ainda estava latente. Como escreve Washington Peluso Albino de Souza (1994, p. 170):
“O poder econômico refletia-se no poder político com a exclusão do direito de votar, daqueles que não tivessem renda líquida anual mínima de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou emprego (art. 91. V), nas eleições primárias. Nas eleições para deputados, senadores e membros dos Conselhos de Província, os que não tivessem renda líquida anual mínima de duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou emprego (art. 94, I) e os libertos (art. 94, II).”
Uma outra característica desta Constituição é que a ordem econômica não é tratada também de forma individualizada, ou seja, os dispositivos constitucionais responsáveis pelo desenvolvimento da atividade econômica do Estado estão espalhados em alguns dos seus títulos. Como observa André Ramos Tavares (2003, p. 107):
“Embora cabendo originariamente à Constituição de 1934 a inclusão formal e explícita de um título dedicado à Ordem Econômica e Social, sabe-se que desde o projeto de Constituição resultante do ato de junho de 1822 encontra-se, na história constitucional brasileira, uma preocupação com os problemas da ordem econômica.”
A leitura dos dispositivos constitucionais não nos dá a impressão de uma preocupação específica com a regulação e organização da atividade econômica, os resvalos que nela encontramos são em virtude da economia estar no âmago de qualquer organização social, além do que o sistema na época era o liberal, cabendo ao Imperador a maioria das decisões econômicas importantes.
A Constituição de 1891 manteve a ideologia liberal da Constituição de 1824, entretanto, agora em regime Republicano Federativo. Os direitos à liberdade, à segurança individual, ao exercício profissional e à propriedade em sua plenitude, inclusive a propriedade intelectual, eram garantidos, com exceção da desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Como observa João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 67-68):
“As ideias federalistas se manifestaram e se impuseram à consideração e discussão nacionais desde a Assembleia Constituinte de 1824, mantendo-se vivas durante todo o período imperial. Ao eclodirem como regra jurídica, através do Decreto n. 1, de 15/11/1889, vieram consolidar mudança de modelo político, sob inspiração do modelo dos Estados Unidos da América. Mas esta alteração não teve qualquer influência no modelo econômico, que continuou inspirado no liberalismo econômico. Se o contexto político sinalizava a necessidade de mudanças no texto constitucional, o mesmo não ocorreu no plano socioeconômico, em que pese o acontecimento da libertação dos escravos.”
Ao contrário das duas primeiras constituições nacionais, a de 1934 já demonstra ideologia desenvolvimentista. É de se ponderar que o contexto jurídico era outro, principalmente, em razão da legislação que passou a regular alguns aspectos da atividade econômica, o que motivou a inclusão, pela primeira vez, do título: “Da Ordem Econômica e Social” (em seu Título IV, arts. 115 a 140). A preocupação com o padrão de vida nas várias regiões do Brasil (parágrafo único do art. 115) já demonstrava um interesse com as consequências da desorganização econômica decorrente da não participação do Estado, o que, por consequência, o legitimaria a monopolizar determinada indústria ou atividade econômica (art. 116). Outra importante disposição, esta com caráter programático, dispunha que “a lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalidade das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País” (caput do art. 117). Como bem observa João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 70):
“Os princípios liberais se esgotaram na defesa de uma liberdade abstrata que acabou por sufocar o próprio cidadão que dela era titular. A sustentação da liberdade como um apanágio do homem, decorrente da própria natureza, se esvaiu por entre os meandros da relação concreta entre o capitalista, detentor dos meios de produção, e o operário que lhe prestava seu trabalho. Esta relação degenerou em exploração.”
A proteção aos direitos do empregado, como, por exemplo: a criação da Justiça do Trabalho, a instituição do salário mínimo, a previsão de férias, além de outros direitos, foi um dos pontos de grande relevância na Constituição de 1934. Uma outra novidade, como observa Gilberto Bercovici (2005, p. 17), foi a estruturação do federalismo brasileiro, que nos termos do art. 9.º passou a transparecer o denominado federalismo cooperativo.
A Constituição de 1937 refletia o cenário internacional pelo qual passava o mundo naquele momento. Foi apelidada de “polaca” (comparada à Constituição da Polônia de 1935), em razão das suas influências autoritárias, principalmente devido à sua forma de imposição e aos poderes autoritários concedidos ao Presidente. Além do mais, prestigiava o corporativismo, como faziam Itália e Portugal. Como bem resume João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 76-77):
“A Constituição de 1937 restringiu-se unicamente ao campo do nominalismo. Foi um nome sem qualquer vinculação com a realidade política do País. Fruto de um amálgama de fascismo, corporativismo, nacionalismo e de aparente liberalismo, o fato é que os dois únicos artigos que nela tiveram eficácia foram o art. 180, onde está dito que ‘enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-lei sobre todas as matérias da competência legislativa da União’, e o art. 186 (“é declarado em todo o país o estado de emergência”). O País, nesse período, foi governado somente através de decretos-leis.”
O Brasil continuou seguindo as tendências do mundo europeu e recuperou sua personalidade democrática dando um cabo ao sistema ditatorial pregado na Carta anterior. Como bem observou Vicente Bagnoli (2005a, p. 44):
“Como o término da Segunda Guerra Mundial e a derrocada do totalitarismo que governou a Europa, o mundo ocidental não aceitava mais regimes totalitários, exigindo a retomada da democracia. A implantação da democracia também era imperiosa no Brasil não havendo mais espaços para ditaduras.”
A Constituição de 1946 começou a temperar o regime liberal com os novos ingredientes sociais produzidos nos processos de intervenção do Estado no domínio econômico – o que foi intitulado de um novo liberalismo, no qual a autonomia da vontade passa a ser limitada pela função social dos institutos de direito privado, em especial, nos contratos e na propriedade. Dos arts. 145 a 156 podemos perceber uma organização de temas mais específicos na regulação da atividade econômica, dos quais os mais importantes ressaltamos no texto transcrito abaixo, nos termos:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946
Art 145. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.
Art 146. A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.
Art 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
Art 148. A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.
Art 149. A lei disporá sobre o regime dos bancos de depósito, das empresas de seguro, de capitalização e de fins análogos.
Art 150. A lei criará estabelecimentos de crédito especializado de amparo à lavoura e à pecuária.
Art 151. A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único. Será determinada a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo a justa remuneração do capital, lhes permitam atender as necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços. Aplicar-se-á a lei às concessões feitas no regime anterior, de tarifas estipuladas para todo o tempo de duração do contrato.
Art 152. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
Art 153. O aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica depende de autorização ou concessão federal na forma da lei.
§ 1.º As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País, assegurada ao proprietário do solo preferência para a exploração. Os direitos de preferência do proprietário do solo, quanto às minas e jazidas, serão regulados de acordo com a natureza delas.
§ 2.º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida.
§ 3.º Satisfeitas as condições exigidas pela lei, entre as quais a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados passarão a exercer nos seus territórios a atribuição constante deste artigo.
§ 4.º A União, nos casos de interesse geral indicados em lei, auxiliará os Estados nos estudos referentes às águas termominerais de aplicação medicinal e no aparelhamento das estâncias destinadas ao uso delas.
Art 154. A usura, em todas as suas modalidades, será punida na forma da lei.
Art 155. A navegação de cabotagem para o transporte de mercadorias é privativa dos navios nacionais, salvo caso de necessidade pública.
Parágrafo único. Os proprietários, armadores e comandantes de navios nacionais, bem como dois terços, pelo menos, dos seus tripulantes, devem ser brasileiros (art. 129, n.ºs I e II).
Art 156. A lei facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras pública. Para esse fim, serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas e os desempregados.
§ 1.º Os Estados assegurarão aos posseiros de terras devolutas, que nelas tenham morada habitual, preferência para aquisição até vinte e cinco hectares.
§ 2.º Sem prévia autorização do Senado Federal, não se fará qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dez mil hectares.
§ 3.º Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar, por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho de terra não superior a vinte e cinco hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele sua morada, adquirir-lhe-á a propriedade, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.
Como resumiu João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 79):
“O alicerce daquela Constituição é todo ele neoliberal. Esta expressão vem significar que, aceitos os princípios básicos do liberalismo político e econômico, são eles amoldados pelas novas conquistas sociais e informados pela nova postura do Estado perante o fenômeno econômico.”
A segurança nacional representou a bandeira da Constituição de 1967, a revolução militar de 1964 deu o primeiro passo para a formação ideológica segundo a qual a segurança é a raiz do desenvolvimento econômico, social e político. De forma coerente, Fernando Herren Aguillar (2006, p. 151) resumiu o cenário da época, nos termos:
“Enquanto Vargas subiu ao poder num contexto de desagregação social e crise econômica, que reclamavam a intervenção estatal para reagir a um liberalismo fora de controle, o governo militar de 1964 se apresentou como defensor do capitalismo em face de supostas ameaças de socialização da economia brasileira. Dessa forma, por mais paradoxal que possa parecer, seria contraditório que o regime militar impusesse uma política intervencionista que não se destinasse a assegurar à iniciativa privada um espaço significativo no quadro econômico do país.”
Vejamos o texto integral da Ordem Econômica e Social na Constituição de 1967, apontando os principais dispositivos:
CONSTITUIÇÃO DE 1967 E EMENDA CONSTITUCIONAL 1, DE 1969
Art 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:
I – liberdade de iniciativa;
II – valorização do trabalho como condição da dignidade humana;
III – função social da propriedade;
IV – harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;
V – desenvolvimento econômico;
VI – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.
§ 1.º Para os fins previstos neste artigo a União poderá promover a desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento de justa indenização, fixada segundo os critérios que a lei estabelecer, em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata, correção monetária, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinquenta por cento do imposto territorial rural e como pagamento do preço de terras públicas. (Redação dada pelo Ato Institucional n.º 9, de 1969)
§ 2.º A lei disporá sobre o volume anual ou periódico das emissões, sobre as características dos títulos, a taxa dos juros, o prazo e as condições de resgate.
§ 3.º A desapropriação de que trata o § 1.º é da competência exclusiva da União e limitar-se-á às áreas incluídas nas zonas prioritárias, fixadas em decreto do Poder Executivo, só recaindo sobre propriedades rurais cuja forma de exploração contrarie o disposto neste artigo, conforme for definido em lei.
§ 4.º A indenização em títulos somente se fará quando se tratar de latifúndio, como tal conceituado em lei, excetuadas as benfeitorias necessárias e úteis, que serão sempre pagas em dinheiro.
§ 5.º O Presidente da República poderá delegar as atribuições para desapropriação de imóveis rurais, por interesse social, sendo-lhe privativa a declaração de zonas prioritárias. (Substituído pelo Ato Institucional n.º 9, de 1969)
§ 6.º Nos casos de desapropriação, na forma do § 1.º do presente artigo, os proprietários ficarão isentos dos impostos federais, estaduais e municipais que incidam sobre a transferência da propriedade desapropriada.
§ 7.º Não será permitida greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei.
§ 8.º São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.
§ 9.º Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer.
§ 10 A União, mediante lei complementar, poderá estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade socioeconômica, visando à realização de serviços de interesse comum.
Art 158. (...)
Art 159. (...)
Art 160. A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais, estabelecendo:
I – obrigação de manter serviço adequado;
II – tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato;
III – fiscalização permanente e revisão periódica das tarifas, ainda que estipuladas em contrato anterior.
Art 161. As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
§ 1.º A exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica dependem de autorização ou concessão federal, na forma da lei, dada exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País.
§ 2.º É assegurada ao proprietário do solo a, participação nos resultados, da lavra; quanto às jazidas e minas cuja exploração constituir monopólio da União, a lei regulará a forma da indenização.
§ 3.º A participação referida no parágrafo anterior será igual ao dízimo do imposto único sobre minerais.
§ 4.º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida.
Art 162. A pesquisa e a lavra de petróleo em território nacional constituem monopólio da União, nos termos da lei.
Art 163. Às empresas privadas compete preferencialmente, com o estímulo e apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.
§ 1.º Somente para suplementar a iniciativa privada, o Estado organizará e explorará diretamente atividade econômica.
§ 2.º Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas pública, as autarquias e sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das obrigações.
§ 3.º A empresa pública que explorar atividade não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
Art 164. A lei federal disporá sobre, as condições de legitimação da posse e de preferência à aquisição de até cem hectares de terras públicas por aqueles que as tornarem produtivas com o seu trabalho e de sua família.
Parágrafo único. Salvo para execução de planos de reforma agrária, não se fará, sem prévia aprovação do Senado Federal, alienação ou concessão de terras públicas com área superior a três mil hectares.
Art 165. A navegação de cabotagem para o transporte de mercadorias é privativa dos navios nacionais, salvo caso de necessidade pública.
Parágrafo único. Os proprietários, armadores e comandantes de navios nacionais, assim como dois terços, pelo menos, dos seus tripulantes, devem ser brasileiros natos.
Art 166. São vedadas a propriedade e a administração de empresas jornalísticas, de qualquer espécie, inclusive de televisão e de radio difusão:
I – a estrangeiros;
II – a sociedade por ações ao portador;
III – a sociedades que tenham, como acionistas ou sócios, estrangeiros ou pessoas jurídicas, exceto os Partidos Políticos.
§ 1.º Somente a brasileiros natos caberá a responsabilidade, a orientação intelectual e administrativa das empresas referidas neste artigo.
§ 2.º Sem prejuízo da liberdade de pensamento e de informação, a lei poderá estabelecer outras condições para a organização e o funcionamento das empresas jornalísticas ou de televisão e de radiodifusão, no interesse do regime democrático e do combate à subversão e à corrupção.
A Constituição vigente também é resultado da ideologia de sua época, de forma a instituir o sistema econômico nacional com base em uma economia descentralizada, portanto, o papel do mercado volta a representar importante controle da atividade econômica. Como observa João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 84):
“O rompimento com o período político anterior propiciou a formação e uma ideologia marcada pela contraposição aos fundamentos informadores do constitucionalismo anterior, nos campos econômico e social. Pode-se afirmar que houve acentuada ênfase no aspecto social, – quer sob o aspecto de se dar uma configuração de alto relevo ao cidadão, – o que levou o deputado Ulisses Guimarães a apelidar o novo texto de Constituição Cidadã –, quer sob o prisma do novo papel a ser desempenhado pelo Estado.”
A ordem social (Título VIII da CF) não é mais tratada em conjunto com a ordem econômica que agora é disposta junto com a ordem financeira (Título VII da CF) e compreende quatro capítulos:
I – Dos princípios gerais da atividade econômica;
II – Da política urbana;
III – Da política agrícola e fundiária e de reforma agrária;
IV – Do sistema financeiro nacional.
A Constituição de 1988 é qualificada como dirigente ou diretiva, o que significa que se dispõe constitucionalmente de uma programação para a realização de objetivos. O caput do art. 170 comprova tal condição quando dispõe: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)”.
Os fundamentos da ordem econômica – ou seja, a base de sustentação do sistema econômico – são: a liberdade de empreender ou de explorar a atividade econômica (livre-iniciativa) e a valorização do trabalho humano, que, de certa forma, é um limitador da livre-iniciativa, mas que com ela deve se relacionar para a construção do sistema econômico nacional. A existência digna é a principal finalidade da ordem econômica e existe, de acordo com o regulado pela Constituição, quando o objetivo da justiça social é alcançado.
A liberdade de iniciativa, a valorização do trabalho humano, a existência digna e a justiça social são denominados constitucionalmente como fundamentos (os dois primeiros) e finalidades ou objetivos (os dois últimos) da ordem econômica – o que indica uma possível diferença semântica em relação aos princípios da ordem econômica, que em nossa opinião não ocorre, pois a natureza dos fundamentos e das finalidades é de caráter principiológico. Nesse sentido, André Ramos Tavares pondera (2003, p. 135):
“Realmente o que caracteriza uma norma como principiológica é justamente a amplitude de seu conteúdo, a abstratividade de sua hipótese de incidência. Alguns dos princípios são, por definição, voltados ao estabelecimento de finalidades. São os denominados princípios programáticos, que estabelecem metas, programas a serem implementados pelo Poder Público. Dessa maneira, não interfere em sua natureza a verificação de terem sido denominados, constitucionalmente, como finalidades. As normas classificam-se em princípios ou regras, não havendo de cogitar, pois, de outro critério de classificação quanto à estrutura das normas.”
De forma objetiva, os fundamentos e objetivos previstos no caput do art. 170 da Constituição Federal têm natureza jurídica de princípios.
Como já visto, no caput do art. 170 da Constituição Federal encontram-se os fundamentos e os fins da ordem econômica (Princípios). A valorização do trabalho humano é o primeiro fundamento que representa, de forma preliminar, o próprio direito ao trabalho. Dessa forma, o Estado cria para si uma obrigação imediata de criação de possibilidades de trabalho, pois é assim que o valoriza. A criação de condições específicas de proteção ao trabalhador deve vir apenas após a garantia da empregabilidade, o que envolve a possibilidade de estudo, de desenvolvimento cultural etc. A valorização do trabalho humano extrapola, dessa maneira, o simples e ineficiente amparo ao empregado desqualificado que foi excluído pelo próprio Estado das possibilidades de trabalhar. Daí a expressão utilizada pelo legislador constitucional “fundamento”, ou seja, a base da atividade econômica.
A questão da valorização do trabalho humano deve se iniciar em momento anterior ao da efetiva prestação de serviço, pois não terá como sustentar o sistema econômico com um dos principais fatores da produção econômica, o trabalhador, desprovido de valor produtivo. Assim, o fundamento a que se refere o legislador constitucional deve ser constituído de acordo com o signo da capacidade de produzir; o que pode garantir a possibilidade de empregar é a qualidade da mão de obra.
Por fim, deve-se ressaltar que é impossível o desenvolvimento da atividade econômica sem a valorização do trabalho humano, que representa o ponto de toque da produção, ainda mais quando, na economia contemporânea, o que mais se valoriza é justamente a técnica de produção.
A livre-iniciativa garante a liberdade de empreender, o que não induz a possibilidade de empreender. A simples garantia de liberdade de iniciativa não é suficiente para o estímulo à atividade produtiva. Outros fatores, como infraestrutura do sistema de transportes, do sistema tributário, do sistema registrário da atividade empresária, da política de concessão de crédito, entre outros, são os responsáveis para garantir o nível de empreendedorismo.
O mercado está aberto para quem quiser entrar e produzir o que bem entender, esta é a definição preliminar de livre-iniciativa; é claro que não existe tamanha liberdade de participação nos mercados existentes. Nesse sentido, é exato o conceito formulado por Modesto Carvalhosa (1972, p. 116), nos termos:
“Conceitua-se, portanto, a iniciativa econômica privada como direito subjetivo dos residentes de, preferencialmente, organizarem e exercitarem qualquer modo de atividade econômica voltada à obtenção de um rendimento de capital.”
A livre-iniciativa pode induzir o intérprete a uma noção falsa de total liberdade de exploração econômica, o que não é verdade, pois outros princípios a limitarão, como os da justiça social, dos direitos dos consumidores etc. Além do mais, deve-se contar com a atividade de regulação do Estado, cuja função é controlar e equilibrar os agentes econômicos na exploração de determinadas atividades econômicas, o que é feito por intermédio da limitação de algumas práticas e da imposição de outras. Dessa forma, o acesso ao mercado é livre, mas a permanência do agente econômico demandará o cumprimento de regras de controle de mercado, o que induz a uma necessária contraposição de valores expressos individualmente em cada um dos princípios constitucionais. Como explica Calixto Salomão Filho (2001, p. 30):
“Díspares quando sujeitos à lógica de mercado, esses princípios podem ser compatibilizados por uma coerente regulação.”
A significação mais prática da livre-iniciativa é dada por Eros Roberto Grau (1990, p. 224), nos termos:
“Inúmeros sentidos, de toda sorte, podem ser divisados no princípio, em sua dupla face, ou seja, enquanto liberdade de comércio e indústria e enquanto liberdade de concorrência. A este critério classificatório acoplando-se outro, que leva à distinção entre liberdade pública e liberdade privada, poderemos equacionar o seguinte quadro de exposição de tais sentidos:
a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico):
a.1) faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado – liberdade pública;
a.2) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei – liberdade pública;
b) liberdade de concorrência:
b.1) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal – liberdade privada;
b.2) proibição de forma de atuação que deteriam a concorrência – liberdade privada;
b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes – liberdade pública.”
A atuação do Estado na organização, regulação e controle da atividade econômica não pode interferir na livre-iniciativa fora dos padrões estabelecidos na própria Constituição Federal. Tanto na participação direta do Estado na atividade econômica (desenvolve diretamente atividade econômica) quanto nas formas de intervenção indireta o Estado deve obedecer aos limites determinados pela Constituição Federal, ou, nas palavras de Modesto Carvalhosa (1972, p. 120):
“Assim, o Estado, seja quando intervém operacionalmente, seja quando, por força de sua programação econômica, exerce controle legislativo e administrativo sobre o processo produtivo, deve sempre respeitar o direito à livre-iniciativa como fonte fundamental da atividade econômica. Em consequência, não pode eliminá-la, substituí-la ou limitá-la, fora das estritas e inquestionadas hipóteses previstas em lei.”
A existência digna é medida pela quantidade de oportunidades proporcionadas aos indivíduos, sendo tratada como um dos fundamentos do próprio Estado brasileiro (CF, art. 1.º). Não existe dignidade quando há privação de direitos em qualquer uma das fases da vida humana, ou seja, desde a concepção até a velhice. Nas palavras de André Ramos Tavares (2003, p. 139):
“Verifica-se, pois, que a liberdade caminha junto com a dignidade. Mas o significado mais forte desta está na privação de ofensas e humilhações. No campo econômico, pois, impõe-se que a todos sejam garantidas condições mínimas de subsistência.”
É bom lembrar, todavia, que a configuração exata dos limites do digno ao indigno advém dos anseios e das práticas sociais que o Estado positivará sugestionando pela própria experiência da sociedade. Assim, em uma mesma sociedade, a proteção à dignidade encontra parâmetros distintos, pois cada julgador legitimado a analisar a ocorrência ou não da limitação da dignidade deverá considerar as situações particulares de afronta ao princípio.
O significado do termo “justiça” compreende o acesso, o equilíbrio e a igualdade de participação nas instituições sociais. O justiçado socialmente é o que possui os mesmo direitos e oportunidades de usufruir os bens para a satisfação de suas necessidades básicas. A justiça social é que faz o homem digno. O acesso à educação, à saúde, à cultura etc. é que equilibra as desproporções econômicas que muitas vezes são a consequência natural do mundo capitalista.
Como assinala Eros Roberto Grau (1990, p. 241):
“Justiça social, inicialmente, quer significar superação as injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo, contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar existência de qualquer política econômica capitalista.”
A busca da justiça social deve considerar de antemão que o desenvolvimento econômico não indica necessariamente o desenvolvimento social. Dessa maneira, o Estado deve fomentar o desenvolvimento econômico cujos frutos são aproveitados socialmente de forma justa, ou seja, o resultado do sucesso econômico deve ser compartilhado pela sociedade de uma forma geral. Daí surge a noção de um caráter distributivo da economia. Como escreveu Pontes de Miranda (1972, p. 30-31) ao comentar a Constituição de 1967:
“Os princípios de justiça social, ou a Justiça Social, a que alude o art. 160, são os princípios de justiça distributiva. Pregou-a o Catolicismo. O Católico, que não é do centro, ou de esquerda moderada, no terreno econômico, desserve à sua religião, porque a faz sustentáculo das reações e a expõe a ser partícipe da luta de classes. ‘Entre os graves e numerosos deveres dos governos que querem prover como convém ao bem público, o que domina todos os outros consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça dita distributiva’ (Leão XIII, 1892). No Código Social de Malinês, publicado em 1927, há o seguinte trecho: ‘A família tem direito, no seio da sociedade civil, à justiça distributiva. Os impostos, os encargos, as tarifas, as subvenções, as ajudas de vida cara, as pensões de invalidez devem ser estabelecidas não em função do indivíduo só, mas em função da família’. Onde não há justiça distributiva, ou há apodrecimento, ou há revolta.” (1972, p. 30-31).
A previsão da justiça social como um ditame da ordem econômica vem trazendo uma série de benefícios sociais, como, por exemplo: a participação dos empregados em fatia dos lucros da empresa; técnicas de governança que garantem aos acionistas maior segurança nos investimentos; preocupações com a qualidade de vida do trabalhador etc. Como escreve Modesto Carvalhosa (1972, p. 60):
“Passa-se a encarar a distribuição e não a produção como o índice da felicidade material, em razão de que o Estado começa a criar uma serie de mecanismos jurídicos necessários à arregimentação institucional das entidades econômicas para o estabelecimento de uma estrutura de economia distributiva.”
Conclui-se, pois, que o ditame da justiça social refere-se à participação ampla nos resultados da atividade econômica que deve garantir, inclusive, um nível de vida que proporcione o melhor acesso possível aos bens produzidos. Em outras palavras, do que adiantaria uma produção mundialmente considerável de alimentos se grande parte da população do país produtor passasse fome?
O legislador constitucional acabou diferenciando em razão da nomenclatura utilizada os princípios, os fundamentos e os objetivos da ordem econômica. Entretanto, como já se discutiu, a natureza jurídica de todos eles é principiológica, de forma que a utilização de alguns deles como fundamentos ou como finalidades da ordem econômica não lhes retira a função jurídica de princípios. Não é errado afirmar, portanto, que todos os princípios informadores da ordem econômica também funcionam como seus fundamentos e objetivos. Da mesma maneira, deve-se afirmar que os princípios enumerados no caput e nos incisos do art. 170 da Constituição Federal não são os únicos que constituem a ordem econômica nacional, outros princípios previstos em outras partes da Constituição também podem funcionar como informadores da atividade econômica. Um exemplo claro é o que encontramos nos arts. 218 e 219, inseridos no capítulo que cuida de Ciência e Tecnologia, uma vez que o desenvolvimento científico e a capacitação tecnológica funcionam como princípios da ordem econômica, já que importam diretamente no desenvolvimento socioeconômico da população.
Os princípios previstos tanto no caput quanto nos incisos do art. 170 da Constituição de 1988 informam explicitamente o desenvolvimento da atividade econômica no Brasil, mas em outras disposições do mesmo texto legal também encontramos princípios implícitos, como, por exemplo, o princípio da lealdade competitiva previsto implicitamente no art. 5.º, XXVIII e XXIX, que determina a proteção da propriedade intelectual das criações artísticas e industriais.
Um dos elementos do Estado para se afirmar como tal é a soberania, que significa que as decisões tomadas devem representar a vontade absoluta do Estado Nacional. A possibilidade de soberania econômica na atualidade é inatingível, a liberdade de escolha dos caminhos a serem trilhados, mesmo nos países de maior independência econômica, é impossível.
A soberania concebida com o seu caráter absoluto é uma virtualidade no Estado contemporâneo, não é mais possível afirmar como nos relata A. Machado Paupério (1955, p. 19) que:
“A soberania é um qualidade de caráter absoluto, que não admite gradações, que é ou não é. Como diz Jellinek, ‘a soberania é uma propriedade, que não é suscetível nem de aumento nem de diminuição’.”
Como aborda André Ramos Tavares (2003, p. 148):
“Se não se trata de uma soberania absoluta, o que significa a soberania nacional contida no inciso I do art. 170 da Constituição de 1988 é, em termos econômicos, a preferência por um desenvolvimento nacional. Portanto, a leitura do ‘princípio da soberania’ deve ocorrer em harmonia e plena sintonia com outro princípio, o do desenvolvimento econômico. O país não pode, em termos de produção capitalista, ser dependente de outro; não ter emancipação econômica equivaleria a, na prática, ignorar a necessidade do pleno desenvolvimento.”
Na verdade, hoje, quando se fala em soberania, não se deve pensar em uma liberdade irrestrita de decisão, de organização, de determinação de seus próprios interesses, mas apenas de um certo grau de liberdade para decidir diante do cenário constituído naquele determinado momento. Para comprovar tal condição, basta a verificação dos grupos de pressão que motivam a criação de determinadas leis, como a lei de proteção dos bens que compõem a propriedade intelectual, ou a lei de recuperação de empresas e falência, no caso do Brasil. Assim, o jogo de interesses e principalmente de poderes não faz do Estado um soberano na atividade econômica.
A propriedade privada na função de principio da ordem econômica significa o reconhecimento dos direitos inerentes ao domínio da coisa, objeto da exploração e organização dos agentes econômicos. De forma objetiva, a propriedade privada constitui um dos pressupostos da livre-iniciativa, qual seja, posso empregar os meus bens na realização de atividade econômica e da mesma maneira posso me apropriar dos resultados dessa exploração.
Entretanto, o uso da propriedade deve representar a possibilidade de se alcançar os objetivos da ordem econômica, o que implica certo controle estatal em sua utilização econômica, pois, como ensina Isabel Va (1992, p. 227):
“A Constituição brasileira prevê mecanismos e adota princípios que permitem a conciliação de interesses dos que detêm a maioria dos bens de produção e dos direitos fundamentais assegurados aos trabalhadores e à sociedade, como um todo. Cabe às medidas de política econômica propor as necessárias modificações no regime das propriedades, para que possam cumprir, efetivamente, a sua função social de acordo com os princípios ideológicos que acolhem a proposta de realização de novos direitos econômicos e sociais.”
Por fim, a ressalva de Pietro Perlingieri (2002, p. 230):
“Do inteiro quadro constitucional deriva que a propriedade privada não pode ser esvaziada de qualquer conteúdo e reduzida à categoria de propriedade formal, como um título de nobreza. Ela representa não um desvalor, mas um instrumento de garantia do pluralismo e de defesa em relação a qualquer tentativa de estatalismo.”
A autonomia da vontade do proprietário sempre conotou uma plena e absoluta faculdade sobre os bens de sua propriedade. Agora, a relação do indivíduo com a propriedade, que antes lhe serviu os interesses apenas, passa a agregar também o interesse social. A função social é uma função limitadora da autonomia privada sobre os bens, o choque dos interesses pessoais do proprietário com os interesses gerais da sociedade limitará os direitos daquele.
Como explica André Ramos Tavares (2003, p. 156):
“Houve, pois, mais recentemente, uma relativização desse direito (de propriedade), que deixou de considerar-se absoluto. Essa mudança de concepção caminhou paralelamente com o deslocamento do instituto do Direito privado para o Direito público. Houve, desde cedo, a constitucionalização do direito de propriedade e, posteriormente, a explicitação constitucional do conteúdo desse direito. Ademais, como assinalam alguns autores, o direito de propriedade deixa de ser apenas um direito individual, para figurar no capítulo constitucional relativo à ‘ordem econômica’ como princípio constitucional-econômico, capaz de identificar um determinado sistema econômico vigente.”
Em conclusão. Gustavo Tepedino ensina (2001, p. 280):
“A propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para as suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesse extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade.”
A ordem econômica prevista na Constituição requer um mercado competitivo. Assim, na disciplina de proteção do mercado, surge um bem jurídico que, praticamente, com ele se confunde, qual seja, a concorrência. Inclusive, muitas vezes, encontra-se a denominação “Direito da Concorrência”, o que não é errado, mas pouco técnico, pois na legislação de proteção, a concorrência não é o único atributo do mercado que se tutela. A concorrência, porém, é o atributo do mercado que ganha maior valor nas legislações antitrustes, a ponto de ser, sob certos condicionamentos, alçado como um bem jurídico individualmente protegido.
O princípio da livre concorrência impõe ao Estado abrigar uma ordem econômica fundada na rivalidade dos entes exploradores do mercado. Segundo esse princípio, o mercado deve ser explorado pela maior quantidade de agentes possíveis, não que se exijam quantidades exorbitantes de agentes, mas o Direito deve garantir a entrada e a capacidade de concorrer a quem queira explorá-lo.
Como pondera Celso R. Bastos (1990, p. 25-26):
“a livre concorrência é indispensável para o funcionamento do sistema capitalista. Ela consiste essencialmente na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços. É pela livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas, forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus custos, enfim, na procura constante de criação de condições mais favoráveis ao consumidor. Traduz-se, portanto, numa das vigas mestras do êxito da economia de mercado.”
Da mesma maneira, Tércio Sampaio Ferraz Jr. (citado por Eros Grau, 1990, p. 230-231) também precisa o conceito:
“a livre concorrência de que fala a atual Constituição, como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, IV), não é a do mercado concorrencial oitocentista de estrutura atomística e fluida, isto é, exigência estrita de pluralidade de agentes e influência isolada e dominadora de um ou uns sobre os outros. Trata-se, modernamente, de um processo comportamental competitivo que admite gradações tanto de pluralidade quanto de fluidez. É esse elemento comportamental – a competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base de formação dos preços, o que supõe livre-iniciativa e apropriação privada dos bens de produção. Nesse sentido, a livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que a competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. Do ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais para todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como garantias de uma sociedade mais equilibrada.”
O mercado sem concorrência geralmente produz, entre outros, os seguintes efeitos:
• imposição de preços;
• imposição de produtos;
• despreocupação com os custos de produção;
• falta de investimentos em melhora do produto.
A existência de concorrência, além de impulsionar a eficiência do mercado, permite ao consumidor a faculdade de comprar aquilo que melhor lhe convém, o que não ocorre nos mercados concentrados, nos quais resta ao consumidor apenas a alternativa de não comprar.
O ato de consumir assume o importante papel de promover uma das formas mais usuais das pessoas se relacionarem, de modo que passou a ser comum a expressão “sociedade de consumo”, que encaminha ao significado de sociedade destinada ao consumo. De alguma maneira, a maior parte das pessoas dirige as suas expectativas para o consumo, seja de coisas necessárias ou desnecessárias, pois a quem cabe a decisão de julgar os desejos humanos?
A Constituição de 1988 já havia sinalizado que o país precisava construir um sistema de proteção do consumidor nas relações de consumo. Dessa forma, o art. 5.º da CF já prevê a proteção dos direitos do consumidor. O direito do consumidor como princípio da ordem econômica ressaltou ainda mais a necessidade de providências sobre a construção dos direitos do consumidor mediante a intervenção do Estado nas relações de consumo, que como se constata é uma das características principais do sistema econômico nacional.
Como explica Alexandre de Moraes (2006, p. 13):
“A constitucionalização da proteção do consumidor pela Constituição de 1988 acarretou a introdução dessa matéria na órbita de atuação da jurisdição constitucional, balizada pelos métodos interpretativos constitucionais e caracterizada pelo aumento da ingerência do Poder Judiciário – e, em especial, pelo Supremo Tribunal Federal, em face de seu papel de guardião da Constituição – nas relações de consumo.”
O ciclo da atividade econômica inicia-se com a atividade de produção de bens e termina com o consumo do que foi produzido. No seu interior, o ciclo compreende ainda uma grande quantidade de agentes que desempenham funções entre a produção e o consumo, como, por exemplo: os distribuidores, os agenciadores de pedidos de compra (representantes comerciais), os aproximadores (corretores) etc. Portanto, o destino final da produção é o consumidor, o que implica a existência de uma regulação específica dada pelo Direito nessa última fase da atividade econômica.
Na relação de consumo, as condições desiguais de poder entre o fornecedor e o destinatário final podem ser desequilibradas, o que demanda a criação no interior do Direito do Consumidor de uma série de regras que regulam as condições obrigacionais desta relação, como, por exemplo, a regulação dos anúncios publicitários que devem refletir as reais utilidades do produto (proibição da publicidade enganosa), entre outros. Apenas com a organização dos direitos dos consumidores é que se pode equilibrar o poder nas relações de consumo, pois na relação direta entre o fornecedor e o consumidor quase sempre aquele tem maiores condições de realizá-la considerando somente as suas necessidades, o direito do consumidor ao reconhecer a hipossuficiência do destinatário final visa a equilibrar a relação jurídica.
O poder das empresas fornecedoras de mercadorias e serviços transparece nas modernas práticas de marketing, ou seja, todas as preocupações desde a criação do produto até a forma de venda para o consumidor. O domínio do fornecedor aparece, sobretudo, na comunicação com o destinatário final, que muitas vezes é envolvido por artifícios publicitários que determinam a sua própria conduta de adquirir determinado bem. Daí a necessidade de regulação da relação de consumo devido ao poder do fornecedor utilizado no mercado de consumo.
O consumidor hoje é protegido por um conjunto de regras que tipificam os direitos e garantias do destinatário final das mercadorias e serviços, o que forma o Direito do Consumidor, regras que já compõem uma disciplina autônoma do Direito. A criação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) representou uma das maiores evoluções do Direito brasileiro na busca da existência digna. Entretanto, como ensina e observa Fábio Ulhoa Coelho (1994, p. 30-31):
“Assim, do incremento do mercado de consumo brasileiro decorrente da vigência do Código de Defesa do Consumidor decorre a elevação do custo de produção ou circulação de bens ou serviços, que absorvida, paulatinamente, pela majoração dos preços finais. A eficácia do diploma legal importa numa inegável melhoria da qualidade do mercado de consumo, mas quem suporta suas repercussões econômicas é o próprio consumidor. Tem ele, a partir da obediência pelos empresários à lei de tutela dos seus direitos, acesso a produtos e serviços de melhor qualidade, mas paga por isso.”
A proteção ao meio ambiente configura um dos princípios que bem demonstram a técnica legislativa utilizada na redação da ordem econômica na Constituição, na sua função de equilibrar princípios-liberdade da atividade econômica, como a livre-iniciativa e princípios-limitação da atividade econômica. Entretanto, essa limitação deve ser entendida de maneira correta, pois a proteção ao meio ambiente representa uma das condições mais importantes de desenvolvimento social. É claro que muitos veem a proteção ambiental como um grande entrave à atividade econômica, mas tal visão é errônea, o longo prazo deve ser percebido por quem se proponha a realizar qualquer análise econômica. Como justifica José Afonso da Silva (1994, p. 9):
“O problema da tutela jurídica do meio ambiente se manifesta a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar, não só o bem-estar, mas a qualidade de vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano.”
Embora a previsão constitucional pareça desprovida de efetividade concordamos com Eros Roberto Grau (1990, p. 255-256), que pondera:
“Ainda que isso não chegue a ser surpreendente, é notável o fato de ter a sociedade brasileira logrado a obtenção das conquistas sociais – que de conquistas sociais verdadeiramente se trata – ao menos no nível formal, da Constituição, consagrados. Explico-me: embora a crítica da utilização do fato trabalho no processo econômico capitalista seja centenária, ainda não foi desenvolvida, no campo teórico, de modo completo, a crítica da utilização, naquele processo, do fato recursos naturais. Daí porque a efetividade, ainda que formal, dessas conquistas é proporcionalmente maior do que aquelas que se poderia resumir na afirmação da ‘valorização do trabalho humano’.”
O Estado deve regular a exploração econômica tendo a defesa do meio ambiente como uma das mais importantes formas de desenvolvimento social, principalmente dos recursos naturais esgotáveis. Afinal de contas, a médio e longo prazos o que se fará, por exemplo, com os problemas resultantes das alterações climáticas?
O direito ambiental, hoje, faz parte das discussões econômicas devido ao chamado crescimento sustentável, segundo o qual só há desenvolvimento se o resultado da produção econômica, principalmente a longo prazo, não venha a comprometer a existência de recursos naturais necessários e a própria possibilidade da raça humana sobreviver nos próximos tempos.
O mandamento do princípio é o do desenvolvimento equilibrado das regiões brasileiras previsto, inclusive, como um dos objetivos fundamentais da República (art. 3.º da CF). O legislador parte de uma constatação, que é o subdesenvolvimento acentuado em algumas regiões brasileiras. A própria Constituição Federal possui institutos cuja finalidade é a redução das desigualdades sociais, como: o modelo cooperativo de federalismo, os fundos de participação, o planejamento e a criação de regiões administrativas (Gilberto Bercovici, 2005, p. 87).
O significado do princípio e o seu alcance são explicitados por André Ramos Tavares (2003, p. 213), nos termos:
“Sobre o conteúdo do princípio, este impõe que o desenvolvimento econômico e as estruturas normativas (liberais) criadas para fundamentar o crescimento econômico devam estar voltados também à redução das desigualdades em todas as regiões do país, bem como ao desenvolvimento social. Para tanto, poder-se-á utilizar, especialmente, da implementação de políticas públicas, como incentivos, buscando reduzir as diferenças entre essas regiões e alcançar melhorias de ordem social.”
O agente econômico privado, se não direcionado por políticas públicas que o estimulem a empreender e desenvolver regiões específicas, pouco poderá fazer para a aplicação do princípio. Assim, dirige-se o legislador ao próprio Poder Público, que identificará as regiões e criará as políticas de desenvolvimento econômico.
Uma das maneiras de valorizar o trabalho humano é garantir o pleno emprego, o desemprego configura uma das situações de desigualdade sociais mais importantes. Entretanto, como pondera André Ramos Tavares (2003, p. 218):
“A inclusão da busca do pleno emprego como princípio constitucional, entretanto, não se pode ter como significado a diminuição imediata dos índices de desemprego ou a inclusão empregatícia de todos os cidadãos. Nesse sentido, não deixa de ser um princípio programático. Não se pode assumir um direito imediato e atual ao não desemprego. Realmente, não se pode considerar o direito ao trabalho como uma obrigação dirigida ao Estado para atender imediatamente a todos quantos solicitam empregos.”
O pleno emprego, na verdade, é uma das consequências da economia em pleno e eficiente funcionamento. O Estado pode operar identificando situações econômicas que afetem determinado setor produtivo com consequências para o mercado de trabalho. Assim, como o Banco Central vende dólares americanos de suas reservas para manter a taxa de câmbio, o Estado, por intermédio de uma estrutura administrativa, deve intervir e criar medidas para proporcionar o maior nível de emprego possível. Em conclusão, o Estado deve estimular os agentes de produção econômica a proporcionar a maior quantidade possível de efeitos sociais, e a geração de empregos é um deles.
O legislador constitucional utilizou termo infeliz no dispositivo legal “tratamento favorecido”. Dessa maneira, é função da doutrina constitucional delimitar o que seria tratamento favorecido, pois, em regra, a atividade econômica não pode ser tratada de forma diferenciada, o que acarretará em sua disciplina jurídica a criação de sistemas jurídicos distintos de regulação. O que o legislador quis dizer é que a atividade empresária realizada por pequenos empresários merece tratamento diferenciado compatível com a sua condição no cenário produtivo nacional.
O tratamento diferenciado, na explicação de André Ramos Tavares (2003, p. 222), é o seguinte:
“O tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela, contudo, a necessidade de se proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa forma efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de iniciativa). É uma medida tendente a assegurar a concorrência em condições justas ente micro e pequenos empresários de uma parte, e de outra, grandes empresários.”
Em complemento, a extensão do princípio deve-se observar o que está contido no art. 179 da Constituição Federal, nos termos:
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Em 14 de dezembro de 2006 (DOU de 15.12.2006), foi publicada a Lei Complementar 123, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, com o objetivo de estabelecer o tratamento diferenciado e favorecido proposto na Constituição Federal, principalmente no que se refere:
• à apuração e ao recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;
• ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;
• ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.
A Lei ainda estabelece a definição de microempresa e empresa de pequeno porte com base na receita bruta anual, que se for igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), configurará uma microempresa, e se for superior a este valor até o limite de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), será de pequeno porte (conforme Lei Complementar 139/2011). No mais, a lei complementar regula os aspectos burocráticos inerentes à forma de tributação instituída, além de dispor de maneira programática sobre: a simplificação das relações de trabalho, o estímulo ao crédito e à capitalização, o estímulo à inovação, entre outros pontos.
Em 7 de agosto de 2014 (DOU de 08.08.2014) foi publicada a Lei Complementar 147, que incluiu novas e importantes disposições na Lei Complementar 123, principalmente ampliando a aplicação da lei a outros prestadores de serviços, que antes não podiam se aproveitar do regime diferenciado.
O ambiente de criação e funcionamento das empresas pequenas no Brasil não é dos mais fáceis, veja-se, nesse sentido, que a maioria dos pequenos empresários prefere a informalidade para sobreviver economicamente – o que resulta na criação de um fator que desequilibra os agentes econômicos na competição. Conclui-se, pois, que tratamento diferenciado não pode ser sinônimo de privilégio fiscal apenas para que se cumpra o princípio constitucional.
O art. 172 da Constituição Federal demanda ao legislador que discipline, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, o incentivo aos reinvestimentos e a regulação da remessa de lucros.
Dessa forma, a Constituição Federal demonstra e reconhece a importância do capital estrangeiro para a economia nacional, principalmente em virtude da situação de dependência do Estado brasileiro pelo capital estrangeiro. Assim, a lei deverá incentivar o aporte de capitais provindos de fora para dentro de país, justamente para financiar o déficit de recursos financeiros existentes. Isso se faz, sobretudo, com a estabilidade das regras criadas, pois um dos grandes receios dos investidores para com o Brasil é a frequente e desordenada modificação das regras incidentes no mercado financeiro e de capitais.
O regime jurídico do capital estrangeiro no Brasil continua sendo composto de uma série de leis, resoluções e circulares, como, por exemplo: a Lei 4.131/1962 (investimentos em moeda estrangeira), a Circular (Bacen) 2.997 e a Lei 11.371/2006 (investimento em moeda nacional), Resolução (BACEN) 3.455/2007 (registro de investimento estrangeiro).
1. (20.º Concurso para Procurador da República) É correto dizer que a chamada Constituição Econômica no Brasil:
(A) restringe-se ao Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, da Carta da República.
(B) como em alguns países que adotam tipo de economia mista, não pode assim denominar-se, mas considerar-se uma estrutura de princípios gerais programáticos.
(C) não se restringe aos artigos contidos no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, mas tem sua expressão e seu conteúdo em diversos outros tópicos da Lei Magna.
(D) preocupa-se primordialmente com a repressão ao abuso do poder econômico e a função social da propriedade.
2. (TRF 3.ª Região/Concurso XIII – Juiz Federal Substituto) Sobre os princípios gerais da atividade econômica, é correto afirmar-se que:
(A) na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional.
(B) o aproveitamento do potencial de energia renovável, desde que de capacidade reduzida, não depende de autorização ou concessão.
(C) cabe à lei ordinária, e não à complementar, assegurar a participação do proprietário do solo nos resultados da lavra.
(D) cabe à União conceder incentivos fiscais para financiar o pagamento de subsídios a preços ou ao transporte de álcool combustível, ao gás natural e seus derivados e a derivados de petróleo.
3. (TRF 1.ª Região/Concurso XIII – Juiz Federal Substituto) Acerca dos princípios gerais da atividade econômica, assinale a opção correta.
(A) O princípio da propriedade privada traduz-se no poder de gozar e dispor de um bem, sendo direito de exercício absoluto e irrestrito.
(B) O princípio da defesa do consumidor é corolário da livre concorrência, sendo princípio de integração e defesa de mercado.
(C) A CF foi a primeira a prever a função social da propriedade como princípio da ordem econômica.
(D) A livre concorrência é garantida independentemente de o Estado promover a livre-iniciativa.
(E) O princípio da busca do pleno emprego está dissociado da seguridade social.
4. (TRF 2.ª Região/Concurso XII – Juiz Federal Substituto) Com referência à ordem econômica, assinale a opção correta.
(A) São princípios gerais da atividade econômica, entre outros, o da vedação do confisco e o da uniformidade.
(B) Compete exclusivamente à União instituir contribuições de intervenção no domínio econômico, as quais, segundo a doutrina, apesar da nomenclatura, não possuem natureza jurídica tributária.
(C) Considerando que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, é absolutamente vedada a exigência de autorização de órgãos públicos para o exercício de qualquer atividade econômica.
(D) Compete exclusivamente à União promover tratamento jurídico diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte, simplificando suas obrigações administrativas, tributárias e previdenciárias.
(E) Constitui monopólio da União o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.
5. (TRF 5.ª Região/2011 – Juiz Federal Substituto) Em relação aos Princípios da Constituição Econômica, assinale a opção correta.
(A) Ao prever o princípio do pleno emprego na CF, o legislador pretendeu defender a absorção da força de trabalho a qualquer custo, sem se preocupar com a dignidade da pessoa humana.
(B) A defesa do consumidor não se insere nos princípios da chamada constituição econômica formal.
(C) A livre concorrência inclui-se entre os princípios gerais da atividade econômica denominados integração.
(D) Ao prever, na CF, a livre-iniciativa, o legislador buscou proteger a liberdade de desenvolvimento da empresa, com o objetivo de garantir ao empresário a sua realização pessoal e a obtenção de lucro.
(E) Os princípios gerais da atividade econômica denominados integração objetivam resolver os problemas da marginalização regional e (ou) social.
6. (MP/SP – Concurso 88.º – 2011) Considere as seguintes afirmações acerca da função social da propriedade:
I. o respeito à integridade do patrimônio ambiental e a utilização adequada dos recursos naturais da propriedade rural integram-se à função social da propriedade, mas seu descumprimento não permite a desapropriação para fins de reforma agrária;
II. da restrição ao direito de construir, advinda da limitação administrativa, que esvaziar inteiramente a propriedade privada, resultará direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo à função social da propriedade. Assim, se restrições houver, decorrentes da limitação administrativa, preexistentes à aquisição do terreno, já do conhecimento dos adquirentes, não podem esses últimos, com base em tais restrições, pedir indenização ao Poder Público;
III. o acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade;
IV. a função social da propriedade não justifica a criação de alíquotas progressivas de Imposto Territorial Urbano (IPTU);
V. a função social da propriedade urbana deve ser buscada em sua destinação prioritária à moradia, pouco importando, a esse propósito, seu papel na ordenação da cidade.
São corretas somente as afirmações contidas em
(A) I e II.
(B) I e IV.
(C) II e III.
(D) II e IV.
(E) III e IV.
7. (MP/PR – 2011) Integram os princípios gerais da ordem econômica:
(A) Soberania nacional, propriedade privada e defesa do consumidor.
(B) Livre concorrência, função social da propriedade e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.
(C) Busca do pleno emprego, soberania nacional e livre concorrência.
(D) Redução das desigualdades regionais e sociais, defesa do consumidor e defesa do meio ambiente.
(E) Todas as alternativas anteriores estão corretas.
8. (Advogado Petrobras – CESGRANRIO/2012) Embora o Estado deva respeitar o princípio da isonomia, a partir dos princípios que regem a ordem econômica constitucional, ele pode praticar alguns atos discriminatórios EXCETO:
(A) conferir tratamento diferenciado a empresas em razão do impacto ambiental de seus produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
(B) conceder às empresas públicas e às sociedades de economia mista (que exercem atividade econômica) privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
(C) favorecer a organização da atividade garimpeira em cooperativas.
(D) favorecer empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(E) punir empresas que pratiquem atos que resultem em abuso de poder econômico com vistas à eliminação da concorrência.
9. (MPF – Concurso 26o) A atual Constituição Federal elegeu como preceitos fundamentais da Ordem Econômica a valorização do trabalho humano, a livre concorrência, a existência digna e a justiça social. Com base nos citados preceitos, e nos princípios elencados nos incisos I a IX do art. 170 da Carta Magna, é correto afirmar que:
(A) É inconstitucional lei que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiências, por afronta aos princípios da ordem econômica, da livre-iniciativa e do direito de propriedade;
(B) É inconstitucional o conjunto de normas de comércio exterior que proíbe a importação de pneumáticos usados por afronta ao princípio do livre exercício da atividade econômica;
(C) É inconstitucional o privilégio da exclusividade no envio de objeto postal de um remetente para endereço final e determinado concedido à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, por afronta ao princípio da livre concorrência;
(D) É inconstitucional Lei Municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área, por afronta ao princípio da livre concorrência.
10. (Advogado Petrobras – CESGRANRIO/2012) Embora o Estado deva respeitar o princípio da isonomia, a partir dos princípios que regem a ordem econômica constitucional, ele pode praticar alguns atos discriminatórios EXCETO:
(A) conferir tratamento diferenciado a empresas em razão do impacto ambiental de seus produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
(B) conceder às empresas públicas e às sociedades de economia mista (que exercem atividade econômica) privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
(C) favorecer a organização da atividade garimpeira em cooperativas.
(D) favorecer empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(E) punir empresas que pratiquem atos que resultem em abuso de poder econômico com vistas à eliminação da concorrência.
11. (AGU 2012 – CESPE) Julgue o item a seguir, acerca da ordem econômica e financeira e da edição de medida provisória sobre matéria tributária.
Não ofende o princípio da livre-iniciativa edição de lei que regule a política de preços de bens e serviços em face da configuração de circunstância em que o poder econômico, com vistas ao aumento arbitrário dos lucros, atue de forma abusiva.
12. (TRF 2.ª Região/2014 – Juiz Federal) Assinale a opção que, além de condizente com o sistema legal pátrio, melhor expressa, entre as cinco, consectário das ideias da livre concorrência e da liberdade de iniciativa:
(A) A lei poderá conceder proteção e benefícios temporários a empresas brasileiras de capital nacional, adequadas ao desenvolvimento do país.
(B) A exploração direta de atividade econômica pelo Estado há de ser limitada.
(C) Inexiste tratamento favorecido para empresas brasileiras de qualquer natureza.
(D) É possível a exploração de atividade econômica pelo Estado, desde que necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, definidos em atos do Poder Executivo.
(E) O exercício ou não de atividade econômica diretamente pelo Estado fica a critério do poder público, quando o interesse estatal o exigir.
13. (PGE-PI/2014 – Procurador do Estado Substituto) Acerca dos valores e princípios constitucionais que regem a atividade econômica no Brasil, assinale a opção correta.
(A) O Estado deve intervir na economia para garantir a defesa do consumidor – dadas a sua hipossuficiência e vulnerabilidade – e a do meio ambiente, condicionando a utilização e fruição das riquezas naturais e dos fatores de produção.
(B) Os princípios de direito econômico estabelecidos na CF não têm natureza programática, podendo ser classificados como normas de eficácia plena.
(C) A proteção à propriedade privada deve ser harmonizada com a função social da propriedade, de modo que a titularidade de um bem não constitua impedimento ao uso do mesmo bem por terceiros.
(D) Na CF, é estabelecido um modelo econômico fundado na livre-iniciativa, admitindo-se que o Estado intervenha na atividade econômica apenas para a prestação de serviços públicos.
(E) Os valores da livre-iniciativa e da livre concorrência exigem do Estado uma conduta negativa, com vistas a garantir a liberdade do mercado em se autorregular.
Gabarito: Encontra-se no final do livro.