Illustration

DIREITO ECONÔMICO E ATIVIDADE FINANCEIRA

Illustration

Sumário: 8.1. Dinâmica da atividade financeira: 8.1.1. Novo paradigma da economia monetária; 8.1.2. Atividade financeira e política financeira8.2. Sistema Financeiro Nacional8.3. Estabilidade do sistema financeiro8.4. Agentes econômicos e a formação da poupança8.5. Intermediários financeiros8.6. Órgãos que constituem o sistema financeiro nacional: 8.6.1. Conselho Monetário Nacional; 8.6.2. Banco Central do Brasil; 8.6.3. Banco do Brasil S.A.; 8.6.4. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; 8.6.5. Comissão de Valores Mobiliários; 8.6.6. Demais instituições financeiras públicas e privadas; 8.6.7. Comitê de Política Monetária – COPOM8.7. Negócios jurídicos financeiros8.8. Noção de investimento: 8.8.1. Depósitos bancários; 8.8.2. Aquisição de imóveis; 8.8.3. Títulos de dívida; 8.8.4. Ações; 8.8.5. Fundos mútuos8.9. Sigilo nas operações financeiras: 8.9.1. Fundamentos constitucionais; 8.9.2. Lei Complementar 105/2001; 8.9.3. Quebra de sigilo8.10. Questões.

8.1. DINÂMICA DA ATIVIDADE FINANCEIRA

A economia existe para que possam ser supridas as necessidades humanas, daí o grande labor econômico: satisfação de necessidades ilimitadas com recursos limitados. Dessa forma, a economia preocupa-se com a organização dos fatores de produção para obtenção do melhor resultado possível, o que envolve uma noção de eficiência.

O que ora se pretende analisar é a moeda, na qualidade de recurso financeiro, como um fator de produção escasso em relação à sua demanda, o que forma o chamado mercado financeiro. Particularmente, é bom advertir que o mercado financeiro é formado pela relação entre a demanda e a oferta de recursos financeiros para que o agente econômico possa suprir qualquer uma das duas necessidades. Assim, de forma simples, existe uma operação financeira quando qualquer pessoa utiliza recursos de seu limite de crédito do cheque especial ou quando uma empresa lança debêntures para captação de recursos no mercado de capitais.

A utilização da moeda como recurso financeiro deve-se à sua possibilidade de troca por qualquer outro bem do qual se tenha necessidade. Portanto, a transferência dos recursos em moeda representa o principal mercado hoje existente, sendo responsável por uma série de consequências que podem determinar o crescimento econômico, pois os recursos financeiros é que o nutrirão.

Para a existência de atividade financeira, é necessária a presença de agentes econômicos que busquem recursos ou que forneçam tais recursos financeiros. A formação de qualquer mercado financeiro dependerá de pessoas, empresas e do próprio Estado, pois eles precisam de recursos financeiros ou dispõem destes. Como explica Juliano Lima Pinheiro (2001, p. 34):

“De forma geral, podemos dizer que há três grupos de participantes de mercado financeiro: empresas, famílias e governo. Esses participantes podem assumir a condição de vendedores (agentes superavitários) ou compradores (agentes deficitários) em função de suas necessidades circunstanciais. Com isso, podem-se tornar vendedores e compradores do mesmo produto (moeda), várias vezes ao longo do tempo, ao contrário do outros mercados com os quais estamos acostumados a relacionar, como, por exemplo, os mercados de bens duráveis ou de bens de consumo.”

O desequilíbrio entre os agentes econômicos superavitários e deficitários é que possibilitará a interpretação da situação econômico-financeira de uma comunidade. Inclusive, pode-se verificar diante de tal perfil se determinado país é um exportador de recursos financeiros ou um captador desses recursos.

A relação financeira será possível na medida em que exista em determinado mercado oferta e demanda de moeda. Assim, a relação envolverá necessariamente um agente econômico que possui sobra de recursos financeiros e deseja investi-los, enquanto, do outro lado da relação, deverá existir um agente econômico que por algum motivo não produziu recursos suficientes para suprir as suas necessidades, de forma que emprestará tais recursos no mercado.

A troca de recursos financeiros entre agentes econômicos poderá ser realizada diretamente entre as partes da relação financeira, como quando um investidor compra debêntures no mercado de capitais, pois está entregando recursos diretamente nas mãos do tomador de recursos, que é a própria empresa emitente dos valores mobiliários. Entretanto, o que é mais comum é que existam intermediários na relação financeira, ou seja, aquele que deseja captar ou fornecer recursos geralmente o faz por intermédio de uma Instituição Financeira Bancária.

Os agentes superavitários funcionarão como investidores no mercado financeiro, pois são pessoas que tiveram êxito em honrar suas necessidades econômicas com sobra de recursos financeiros, e os deficitários são os que aproveitarão dos recursos financeiros disponíveis. Conclui-se, dessa forma, que a relação financeira é uma forma de equilibrar poupanças e investimentos, sendo sua organização essencial para o desenvolvimento econômico de um país. Como explicam Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi (2005, p. 442):

“Portanto, por conta do seu papel na mobilização de poupança para financiar o investimento e a produção, na seleção e monitoramento de projetos de investimento e na diversificação e realocação de risco, o setor financeiro é capaz de viabilizar investimentos e atividade na forma, na escala e no ritmo mais eficientes, contribuindo para alavancar o desenvolvimento econômico.”

8.1.1. Novo paradigma da economia monetária

Em regra, a moeda cumpre a sua finalidade quando pode ser trocada por qualquer bem ou serviço. Dessa forma, a relação econômico-financeira depende necessariamente da presença da moeda na negociação, salvo se for feita por escambo. Entretanto, outros mecanismos econômicos que estimulam a atividade econômica sem a concessão direta de recursos monetários foram desenvolvidos, como a concessão de crédito. O que faz com que hoje, a demanda não necessite diretamente de moeda, mas sim de crédito.

Os intermediários financeiros ultimamente não são meros emprestadores de moeda, até em razão de poderem emprestar muito mais do que possuem em depósito. Assim, a economia monetária reserva seus esforços tanto para suprir o mercado de recursos financeiros, como para avaliar o risco de concessão de crédito. O objeto da economia monetária consiste, na atualidade, muito mais na problemática da concessão de crédito. Pertinentes as observações de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi (2005, p. 440):

“Assim, quando uma instituição financeira intermedeia recursos, ela simultaneamente trabalha o risco. Por meio de um esforço para reduzir a assimetria de informação em relação à empresa, ela age da seguinte maneira:

Antes de conceder o empréstimo, faz triagem de projetos em um contexto de seleção adversa, de forma a separar os de baixo dos de alto risco e a limitar o risco máximo a ser financiado em cada caso.

Durante a vigência do empréstimo, realiza o monitoramento das atividades e contas da empresa, de forma a impedir o comportamento oportunista do devedor durante a implementação do projeto, reduzindo o risco de que este invista em um projeto diferente daquele para o qual o crédito foi concedido ou que continue a gerar prejuízos que inviabilizem o pagamento do crédito recebido (moral hazard).

Após o fim do empréstimo, e em caso de inadimplência, faz a auditoria e a execução do devedor que deixa de cumprir suas obrigações contratuais.”

A evolução das formas de troca requisita dos atuantes do mercado novos parâmetros, que tornaram ainda mais complexo o mercado financeiro. Como concluem mais uma vez Armando Castelar e Jairo Saddi (2005, p. 433):

“Da moeda ao papel-moeda e à moeda escritural, a história é conhecida, ainda que nada trivial. Ela se dá como desenvolvimento de um sistema cada vez mais complexo de regras e controles que permitiram à moeda se tornar quase integralmente virtual, ter a sua oferta controlada pelo Estado e ser negociada em âmbito global.”

Enfim, o que se pode perceber é que a demanda financeira sempre dependeu da produção existente que, transformada em moeda, era suficiente para financiar outros empreendimentos. Agora, não necessariamente a moeda decorre da produção existente, mas também de uma produção futura, por isso a utilização da expressão crédito. Em outras palavras, a moeda, que sempre representou o valor de algo existente, hoje pode representar também algo que ainda não existe, que não foi produzido e pode ser que nem chegue a se produzir, mas que pode ser negociado no mercado financeiro; é o que acontece, por exemplo, no mercado de derivativos.

8.1.2. Atividade financeira e política financeira

Como já abordado anteriormente, a importância do mercado financeiro deve-se, sobretudo, à possibilidade dos agentes econômicos encontrarem oportunidades de investir a sobra de capital ou captar recursos para novos negócios. Portanto, o sistema financeiro funciona diante da transferência de capitais que ocorre entre os tomadores de capital e os investidores. As negociações são normalmente intermediadas por Instituições Financeiras. Entretanto, existem outros aspectos da dinâmica financeira que importam para o desenvolvimento econômico de um país, por isso as autoridades financeiras necessitam estruturar em órgãos próprios a tomada de decisões, principalmente para manter o equilíbrio do mercado financeiro.

Assim, é necessário que todo o país desenvolva a administração do mercado financeiro, regulando-o. Costuma-se dizer que existe uma política monetária que prepondera sobre o mercado financeiro. Tal tarefa, geralmente, incumbe aos bancos centrais, cujo papel primordial na política monetária consiste em determinar a oferta de moeda e a taxa de juros nominal. Os reflexos da oferta de moeda e da taxa de juros nominais provocam alterações no nível de preços e nas taxas de inflação. Como atualmente a emissão de moeda não está diretamente ligada a qualquer lastro patrimonial, como o ouro, as decisões de política monetária devem ser pautadas na determinação da quantidade de circulação de moeda que corresponda, de alguma forma, à produção econômica interna, sob pena de gerar inflação.

Os intermediários financeiros mais importantes são os bancos, que recebem a maioria dos depósitos e aos quais geralmente as famílias e empresas recorrem para emprestar capital. Em razão do montante financeiro que geralmente os bancos movimentam, sua atuação nos sistemas financeiros merece a atenção dos responsáveis pela coordenação do sistema financeiro. Outra ponderação que se faz sobre a função dos bancos diz respeito à possibilidade de emissão de moeda ou, em termos mais específicos, o banco não cunha moeda nem emite cédulas, mas na medida em que detém uma quantidade de capital provinda dos depósitos realizados e sabendo que os depositantes não sacarão todos ao mesmo tempo todo o capital, pode trabalhar com mais capital do que efetivamente tem disponibilidade; nesse sentido, cria moeda.

8.2. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

A compreensão da importância do sistema financeiro é essencial para delinear os seus objetivos. Pois como bem ponderam Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi (2005, p. 449):

“Não há um país desenvolvido sem um bom sistema financeiro, o que implica que também não há país nessa situação sem um bom sistema legal e judicial, pois a intermediação financeira não pode se desenvolver sem uma base jurídica adequada. As transações realizadas no mercado financeiro são estruturadas contratualmente e têm, nas suas pontas agentes que raramente se conhecem. Ao contrário da maioria das atividades comerciais, em que duas partes cumprem suas obrigações (quase) simultaneamente, no mercado financeiro o descompasso temporal está na essência da transação: toma-se recursos hoje para serem pagos de volta no futuro. A fidúcia é fundamental. E na presença de oportunismo, muitas operações financeiras seriam inviáveis sem a sustentação de um bom aparato jurídico.”

O caput do art. 192 da Constituição Federal foi a única disposição constitucional que remanesceu para delinear o Sistema Financeiro Nacional. O tratamento da ordem econômica e financeira em um mesmo título da Constituição Federal se deve à necessária e óbvia vinculação de um com o outro. Entendemos, todavia, que a ordem financeira está compreendida pela ordem econômica como uma de suas mais importantes subdivisões, e não merecia o sucinto e vazio dispositivo legal que comanda:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

Como explica Juliano Lima Pinheiro (2001, p. 52):

“O sistema financeiro poder ser entendido como sendo igual à soma das unidades operacionais que o compõem e dos responsáveis pelas políticas monetárias, creditícia, cambial e fiscal, que regulam seu funcionamento bem como os fluxos monetários entre os que dispõem de recursos financeiros e os que deles careçam, para suas atividades de produção ou de consumo.”

As diretrizes de política financeira estão ausentes na Constituição Federal de 1988. O encargo da regulação da atividade financeira ficou relegado à legislação complementar. A regulação do Sistema Financeiro Nacional é a mesma de antes da Constituição Federal vigente, ou seja, sobretudo, a Lei 4.595/1964, a Lei 4.728/1965 e a Lei 6.385/1976, que continuam a compreender as normas ordenadoras da estrutura dos órgãos e da fixação de suas competências para o funcionamento do mercado financeiro nacional. Nas palavras de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi (2005, p. 448-449):

“O art. 192 foi reescrito por meio da Emenda Constitucional 40, eliminando-se os oito incisos que disciplinavam o capítulo (de um só artigo) sobre Sistema Financeiro Nacional na Carta de 1988. Assim, foram revogados todos os dispositivos que estabeleciam, por exemplo, a autorização e o funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização; e os órgãos oficiais fiscalizador e ressegurador, como, inclusive os célebres incisos IV e V, que tratavam do Banco Central, os requisitos para designação de membros da diretoria do Banco Central e demais instituições financeiras e seus impedimentos após o exercício do cargo. Revogaram-se também outros incisos que cuidavam da criação de fundo ou seguro, critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento, da transmissão do controle de pessoa jurídica titular e concedida sem ônus e os três parágrafos que tratavam, entre outros temas, da limitação dos juros.”

Por fim, ainda em relação aos incisos do art. 192 devem ser esclarecidas as consequências do inciso IV, que Sidnei Turczyn (2005, p. 117-118) lembra com propriedade, nos termos:

“Por trás da discussão relativa à exigência de lei complementar única para a regulamentação do art. 192 da Constituição escondia, na verdade, uma outra relevante questão, de natureza eminentemente política, qual seja a do tratamento a ser dado à ‘organização, [ao] funcionamento e [às] atribuições do Banco Central’, prevista no inciso IV do art. 192. Prevalecendo a tese da lei complementar única, impedir-se-ia que a questão da ‘independência’ do Banco Central fosse tratada em separado das demais questões relativas à regulamentação global do Sistema Financeiro, sendo dificultada, assim, a abordagem desse tema.”

8.3. ESTABILIDADE DO SISTEMA FINANCEIRO

Os comerciantes ou os negociadores de mercadorias ou serviços sempre foram conhecidos por suas habilidades na negociação, justamente argumentando as qualidades do produto a ser vendido ou pechinchando sobre o produto a ser comprado. O comércio, atualmente, requer dos negociadores uma quantidade de informações suficientes a possibilitar a realização de um bom negócio não apenas pela habilidade do negociante, mas sim pela quantidade de informações que possui. Daí a sensibilidade dos mercados, principalmente o que envolve trocas financeiras, pois pode fazer com que investidores migrem rapidamente de uma praça para outra, simplesmente porque as chances de ganho são mais elevadas.

A principal característica de um sistema financeiro é a sua estabilidade, pois quanto maior o grau de estabilidade maior a sua eficiência. Assim, o subdesenvolvimento de uma nação pode ser medido pelo sofrível desenvolvimento do seu sistema financeiro, ou seja, por intermédio da frequente mudança das regras, da concentração das operações de intermediação nas instituições financeiras bancárias, da pequena quantidade de investidores nacionais etc.

A situação financeira brasileira é notória; devido a uma dívida pública imensa, o Estado participa do mercado de forma desesperada, desespero este necessariamente seguido pela maioria dos que buscam tomar recursos, transparecendo, assim, a condição do país de afoito tomador de recursos financeiros. Entretanto, o que importa é que o Estado tem a obrigação de fazer com que o sistema financeiro funcione bem, pois esse é um dos principais fatores que possibilitam o crescimento econômico do país. Assim, existe um mercado cujo objeto de troca é um ativo financeiro. Portanto, utilizando a expressão em sentido geral, os mercados de ativos financeiros (mercado de capitais e mercado financeiro) desempenham função essencial na vida econômica de qualquer comunidade.

8.4. AGENTES ECONÔMICOS E A FORMAÇÃO DA POUPANÇA

A atividade econômica acontece em razão da necessidade dos agentes econômicos que convivem com recursos escassos. Em razão de todos esses agentes econômicos (empresas, estados, famílias etc.) despenderem recursos para sobreviver, a vida econômica representa uma atividade de busca de equilíbrio entre a satisfação de necessidades e os recursos disponíveis. Mesmo assim, esse equilíbrio dificilmente é alcançado, pois geralmente os agentes econômicos extrapolam ou o seu custo ou o seu ganho, representando, portanto, unidades de dispêndio desequilibradas. O mercado financeiro existe em razão desse desequilíbrio, justamente porque os deficitários buscarão recursos financeiros para suprir suas necessidades enquanto os superavitários investirão as suas sobras.

Deve-se ponderar também que os agentes econômicos ainda trabalham com recursos financeiros não apenas para sanar seus débitos, mas também para desenvolver a atividade econômica, empreendendo no mercado, aumentando a sua empresa, desenvolvendo novas tecnologias etc. Assim, a atividade financeira não tem por finalidade exclusivamente buscar um equilíbrio de contas entre os agentes econômicos, mas também promover o desenvolvimento econômico.

As razões que levam uma pessoa a poupar podem decorrer de um efetivo ganho superior aos gastos ou de uma decisão de não consumir naquele momento, para provocar o superávit. De forma óbvia, ou aumentam as receitas ou diminuem os gastos para se tornarem superavitários.

O agente econômico que toma recursos financeiros no mercado para equilibrar suas contas ou simplesmente para antecipar uma compra terá que arcar com o valor da dívida ou do bem em moeda mais os juros incidentes na captação dos recursos, enquanto o agente econômico que posterga um ato de consumo ou tem sobra de recursos financeiros terá, na verdade, um ganho decorrente dos juros que serão pagos em razão do fornecimento desses recursos no mercado. Nesse caso, a sobra de recursos (poupança) nutriu o mercado financeiro.

8.5. INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS

A realização da transferência de recursos entre os agentes econômicos que os buscam e os que os fornecem não acontece, em regra, diretamente; geralmente tais recursos são investidos ou captados de intermediários que exercem importante função na realização da atividade financeira. No caso, como já se advertiu, os países em desenvolvimento concentram a intermediação nas instituições bancárias, ou seja, quem precisa de dinheiro toma emprestado do Banco e quem tem sobra de dinheiro empresta para o Banco.

No mercado de capitais, a aproximação dos investidores e tomadores de recursos é realizada de forma direta, uma vez que o resultado da variação do preço das ações, o valor dos dividendos distribuídos ou a remuneração convencionada em outros títulos se converterá direta e integralmente a favor do investidor.

8.6. ÓRGÃOS QUE CONSTITUEM O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

A realização de toda a dinâmica econômico-financeira, cujo objeto principal é a movimentação de ativos financeiros, depende, sobretudo, dos investidores e tomadores de capital que compõem um verdadeiro sistema de circulação de recursos. Entretanto, para que o sistema funcione, é necessário que alguns órgãos o controlem e o organizem. A identificação do interesse público que demanda a organização de um sistema financeiro parece cristalina quando se imagina a quantidade de benefícios que a movimentação de recursos financeiros produz em um país.

Os principais órgãos que estruturam o Sistema Financeiro Nacional são os seguintes:

Conselho Monetário Nacional – CMN;

Banco Central do Brasil – BACEN;

Banco do Brasil S.A.;

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES;

Comissão de Valores Mobiliários – CVM;

Demais instituições financeiras públicas e privadas.

8.6.1. Conselho Monetário Nacional

O Conselho Monetário Nacional representa o órgão hierarquicamente mais importante da estrutura do Sistema Financeiro Nacional, assumindo como finalidade principal formular a política monetária e creditícia, para tanto, deverá o Conselho (art. 3.º da Lei 4.595/1964):

Equilibrar o volume de meios de pagamento às necessidades econômicas nacionais;

Regular os valores interno e externo de moeda;

Orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras públicas e privadas;

Propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros;

Zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras;

Coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida pública, interna e externa.

As funções anteriormente descritas são identificadas pela Lei 4.595/1964 como objetivos da política monetária, que, entretanto, serão dispostas por diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República. Veja-se que, como se mencionou anteriormente, as diretrizes de regulação da atividade financeira no Brasil continuam as mesmas de antes da Carta Constitucional de 1988 e, ressalta-se, determinadas por legislação ordinária.

O Conselho Monetário Nacional é composto pelo Ministro da Fazenda, que é o seu presidente, o presidente do Banco do Brasil e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e mais sete membros nomeados pelo Presidente da República (art. 6.º, da Lei 4.595/1964).

8.6.2. Banco Central do Brasil

Enquanto o Conselho Nacional tem uma função de formulador de política financeira, o Banco Central do Brasil tem por competência cumprir as obrigações que lhe são atribuídas legalmente e as expedidas pelo Conselho Monetário Nacional. De forma específica, as competências do Banco Central estão determinadas nos arts. 10 e 11 da Lei 4.595/1964, sendo, entre outras:

Emitir moeda-papel e moeda metálica;

Conceder as autorizações para o funcionamento das Instituições Financeiras no país;

Efetuar o controle dos capitais estrangeiros;

Realizar operações de redesconto e empréstimo a instituições financeiras;

Praticar operações de cambio, crédito, crédito real e venda habitual de títulos da dívida pública.

De forma resumida, Juliano Lima Pinheiro (2001, p. 62) pondera:

“O Bacen foi criado para atuar como órgão executivo central do sistema financeiro, cabendo-lhe a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir as disposições que regulamentam o funcionamento do sistema e as normas expedidas pelo CMN. É por meio do BACEN que o Estado intervém diretamente no sistema financeiro e, indiretamente, na economia.”

O Banco Central do Brasil pode contratar de preferência o Banco do Brasil para realizar os encargos e serviços que diretamente não puder executar (art. 13 da Lei 4.595/1964).

8.6.3. Banco do Brasil S.A.

O Banco do Brasil S.A. tem como principais funções (art. 19 da Lei 4.595/1964):

Funcionar como agente financeiro do Tesouro Nacional;

Executar os serviços bancários de interesse do Governo Federal;

Arrecadar os depósitos voluntários, à vista, as instituições financeiras;

Executar os serviços de compensação de cheques e outros papéis;

Realizar, por conta própria, operações de compra e venda de moeda estrangeira;

Realizar recebimento ou pagamento e outros serviços de interesse do BACEN;

Financiar a aquisição e a instalação da pequena e média propriedade rural;

Financiar as atividades industriais e rurais;

Difundir e orientar o crédito.

8.6.4. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

É uma empresa pública da União que tem por finalidade financiar do desenvolvimento econômico nacional. Foi fundado em 1952 e já promoveu o acesso a investimentos à agricultura, infraestrutura, saúde, saneamento básico, entre outros.

Como o próprio Banco informa em seu planejamento coorporativo de 2009/2014, a inovação, o desenvolvimento local e regional e o desenvolvimento socioambiental foram eleitos como os aspectos mais importantes a serem fomentados no Brasil no atual contexto.

8.6.5. Comissão de Valores Mobiliários

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é uma entidade autárquica em regime especial, possui personalidade jurídica e patrimônio próprios e é dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade dos seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária (art. 5.º da Lei 6.385/1976).

No mercado de capitais, a CVM tem por principais competências (arts. 8.º, 10 e 11 da Lei 6.385/1976):

Regulamentar os temas de interesses do mercado de capitais;

Administrar os registros no mercado de capitais;

Fiscalizar as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, tais como a veiculação de informações relativas ao mercado;

Fiscalizar e inspecionar as companhias abertas;

Impor penalidades aos infratores das regras de mercado;

Celebrar convênios com órgãos similares de outros países.

Como dispõe Juliano Lima Pinheiro (2001, p. 60):

“as funções da Comissão de Valores Mobiliários irão repercutir em três grandes grupos:

Instituições de mercado, uma vez que é da sua competência disciplinar e fiscalizar a emissão e distribuição de valores mobiliários no mercado, bem como sua negociação e intermediação; a organização, o funcionamento e as operações das Bolsas de Valores; a administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários, os serviços de consultor e analista de valores mobiliários;

Companhias abertas – definidas pela nova lei das Sociedades Anônimas com aquelas cujos ‘valores mobiliários’ –, pois tais empresas estão sujeitas à fiscalização da CVM no que concerne a emissão e distribuição de seus títulos no mercado; à natureza das informações que devem divulgar; ao relatório de sua administração e demonstrações financeiras; à compra de ações emitidas pela própria companhia; à conduta de seus administradores e acionistas controladores; à aprovação, ou não, de oferta pública de aquisição de ações que implique alienação de controle acionário;

Investidores, uma vez que é de competência da CVM estudar as denúncias e práticas que contrariem os interesses dos mesmos, a fim de que possa atuar em sua defesa.”

O mercado de valores mobiliários ou de capitais é caracterizado por sua estrutura de funcionamento e pelo objeto de negociação, no caso, os valores mobiliários. Os anseios dos participantes desse tipo de mercado são a captação de recursos financeiros de investidores que buscam rentabilidade maior do que a paga nos mercados financeiros.

A captação de recursos no mercado de capitais pode ser realizada apenas por alguns tipos de pessoas jurídicas, entretanto, qualquer pessoa física ou jurídica pode investir nesse mercado específico. E, para que seja possível o funcionamento do mercado de capitais, é necessária a presença de sociedades corretoras de valores mobiliários, sociedades distribuidoras de valores mobiliários, bancos de investimentos e bancos de desenvolvimento, além de uma empresa de liquidação e custódia de valores.

As operações que constituem o mercado de capitais podem ser realizadas em um ambiente de negociação organizado, sendo neste caso regulado e controlado por órgãos específicos para essa finalidade, ou podem ser realizadas sem essa organização, quando as negociações são diretas entre empresas captadoras de recursos e investidores.

Nenhum outro mercado é tão dinâmico como o de capitais, pois a quantidade de operações realizadas supera qualquer outro mercado e tal condição proporciona tanto ao investidor quanto ao captador de recursos uma liquidez muito grande.

As sociedades anônimas são classificadas como de capital aberto ou fechado. Entretanto, desde já se informa que não existe um conceito exato de sociedade de capital aberto ou fechado, pois se levará em consideração o funcionamento do mercado de valores mobiliários. A diferenciação acentua-se na medida em que a legislação de controle das sociedades de capital aberto é muito mais rígida do que a das de capital fechado, a publicidade dos atos e o controle realizado pela Comissão de Valores Mobiliários também fazem parte da atuação de sociedades que queiram participar do mercado aberto.

Outra condição importante para a caracterização da sociedade como aberta é que exige-se um registro específico para poder operar no mercado aberto, o qual é formalizado junto à CVM. Em razão de tal condição, atesta-se, às vezes, que o simples registro é que torna a empresa de capital aberto, embora possa a CVM cassar o registro em caso de ela não negociar efetivamente os seus títulos no mercado aberto. É o que ensina José Edwaldo Tavares Borba (2003, p. 147), nos termos:

“A partir do registro, a sociedade será tida e havida como companhia aberta, e como tal gozará das prerrogativas e sofrerá os ônus dessa condição jurídica. A CVM poderá cassar a condição de companhia aberta de empresas que não promovam a colocação efetiva de seus títulos no mercado (Instrução CVM 287/1998).”

8.6.6. Demais instituições financeiras públicas e privadas

O art. 17 da Lei 4.595/1964 conceitua instituições financeiras como pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

O funcionamento das instituições financeiras no Brasil está atrelado à autorização concedida pelo BACEN ou de decreto do Poder Executivo, se estrangeira (art. 18 da Lei 4.595/1964).

8.6.7. Comitê de Política Monetária – COPOM

A necessidade de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa de juros motivou a criação do Comitê de Política Monetária – Copom –, em junho de 1996. A existência do Comitê é importante para facilitar o processo decisório, a transparência e a comunicação com o público em geral.

O Comitê é regulado pela Circular 3.297, de outubro de 2005, que dispõe, principalmente, sobre:

1. Os objetivos principais, que são:

Cumprir as metas para a inflação definidas pelo CMN;

Implementar a política monetária;

Definir a meta da Taxa Selic e seu eventual viés;

Analisar o relatório de inflação.

2. A estrutura, formada pelos seguintes membros;

Presidente do Banco Central do Brasil;

Demais diretores do Banco Central do Brasil.

3. O funcionamento, segundo o qual os membros do Copom se reunirão ordinariamente oito vezes por ano e, extraordinariamente, sempre que necessário.

O Copom realiza no Sistema Financeiro Nacional a análise do cenário macroeconômico e avalia os riscos dele decorrentes para que possa decidir os caminhos da política monetária brasileira.

8.7. NEGÓCIOS JURÍDICOS FINANCEIROS

Os operadores do mercado financeiro e de capitais costumam denominar os atos que praticam assumindo ou transferindo obrigações de “operações”. Entretanto, na nomenclatura jurídica, sabe-se que se está diante de negócios jurídicos. Dessa forma, a aplicação da teoria geral do direito contratual aos contratos cujo objeto é financeiro não possui nuances que lhe alterem substancialmente o significado e a pertinência dos institutos contratuais. Todavia, o tratamento jurídico deve privilegiar as particularidades da atividade financeira, bem como a condição das partes para a regulação do negócio jurídico específico que venha a ser realizado.

Os atos praticados no mercado financeiro ou no mercado de capitais são intitulados, geralmente, como operações de captação ou de mútuo. Entretanto, para o reconhecimento jurídico, desde já vamos intitulá-las negócios jurídicos, pois quando se realiza uma operação financeira na linguagem do Direito realiza-se um contrato.

O estudo jurídico da atividade financeira ganha relevância na medida em que a complexidade das operações pode comprometer a validade do ato contratual, pois a essencialidade da atividade financeira expõe a contratação a uma série de consequências jurídicas, dado que qualquer pessoa possui obrigações de natureza financeira, portanto, contrata com bancos, com administradoras de cartão de crédito, com faturizadoras etc.

Mesmo sem verificar os problemas mais específicos da dinâmica contratual das operações cujo objeto é financeiro, deve-se alertar que o contrato, assim como a propriedade, sempre representou os institutos por excelência do direito privado. Mesmo assim, o tratamento jurídico dado aos institutos de direito privado sofre mudanças em razão da incidência de valores defendidos principalmente na Constituição Federal. A liberdade sempre garantida aos indivíduos na realização de seus negócios civis e mercantis agora é limitada para que se promova o verdadeiro equilíbrio das obrigações assumidas em negócios jurídicos. Inexiste a pureza dos interesses privados quando o Direito funciona como regulador da vida social, pois o interesse público necessariamente deve invadir a seara da individualidade para garantir o negócio equilibrado, que dificilmente ocorre se deixar de receber a intromissão das regras de ordem pública.

8.8. NOÇÃO DE INVESTIMENTO

A guarda dos recursos financeiros que provém de sobras que ocorreram devido à economia do agente econômico ou por este ter optado em não consumir é que gera a poupança. Os recursos financeiros (poupança) poderão ser transformados em aplicações de natureza financeira que renderão ao investidor alguma possibilidade de ganho ou em recursos produtivos, como a aquisição de bens para a exploração de alguma atividade empresarial, a realização de um curso de pós-graduação ou a compra de novas máquinas etc. Os investimentos que costumamos chamar de financeiros são apenas os primeiros mencionados anteriormente, ou seja, a sobra de capital é colocada a disposição de alguém mediante o pagamento de uma remuneração convencionada (juros).

As possibilidades de investimentos financeiros serão pautadas pelo investidor em razão dos ganhos ou perdas que a operação financeira lhe trará. Quase sempre a decisão ponderará a lucratividade, o risco, a liquidez e os encargos incidentes na operação (tributos).

8.8.1. Depósitos bancários

Sob a nomenclatura de depósito bancários pode-se ter as mais variadas formas contratuais. O depositante, ao entregar seus recursos financeiros ao banco, poderá pactuar com este apenas uma conta de depósito e conta-corrente, ou um depósito remunerado. Dependendo da quantia e de a necessidade de recursos do depositante ser imediata, de médio ou longo prazo, a remuneração a ser paga variará.

8.8.2. Aquisição de imóveis

Em países cujas pessoas possuem formação educacional deficiente, a compra de imóvel representa um dos investimentos mais comuns; tal operação retrata o atraso desses países na medida em que subsiste a formação de uma casta social que acumula riqueza, compra imóveis e os aluga aos proletários-locatários que não conseguem comprar os seus imóveis com forças próprias e também não recebem qualquer auxílio estatal para tal aquisição.

A grande dificuldade do investimento em imóveis aparece com a sua liquidez, já que a transformação desse ativo em recursos monetários advém de uma quantidade de atos burocráticos muito grande, além de ônus tributários.

8.8.3. Títulos de dívida

Esses títulos têm por característica representarem um mútuo que uma empresa pública ou privada ou mesmo o Estado apresenta ao mercado de investimento, no qual toma recursos financeiros e promete o pagamento de uma remuneração ao investidor.

8.8.4. Ações

O investimento em ações tem por principais atrativos o pagamento de dividendos, a valorização de seu preço de mercado e a sua liquidez. O mercado de ações vem sendo incentivado em países subdesenvolvidos para que os recursos financeiros sejam entregues diretamente aos mutuantes empresários, sem a intermediação de instituições financeiras bancárias.

8.8.5. Fundos mútuos

Os fundos representam um investimento conjunto de muitos investidores que traçam regras comuns de investimentos, que podem ser realizados em quaisquer tipos de ativo; geralmente o instituidor do fundo apresentará o perfil de investimento que seguirá aquela determinada carteira.

8.9. SIGILO NAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS

A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, dispõe que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e nos demais serviços prestados, repetindo assim o texto do art. 38 da Lei 4.595/1964 (atualmente revogado pela LC 105/2001). Portanto, cumpriu o legislador a regra constitucional, pois, como já visto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 192, dispõe que o Sistema Financeiro Nacional será regulado por lei complementar.

8.9.1. Fundamentos constitucionais

Justificar a imposição da obrigação de sigilo nas operações financeiras decorre naturalmente dos dispositivos constitucionais que garantem o direito à intimidade previsto nos incisos X e XII do art. 5.º da CF. Tais dispositivos funcionam, entretanto, como suporte para uma proteção muito mais ampla do que parecem conter os seus limites literais, alcançando, inclusive, o sigilo nas operações financeiras. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos dispõe (1989, p. 63):

“Esta proteção encontra, como visto, desdobramentos em outros direitos constitucionais que também se preocupam com a preservação das coisas íntimas e privadas, como, por exemplo, direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, o sigilo profissional e os das cartas confidenciais e demais papéis pessoais.”

A necessidade de proteção da intimidade consiste em um dos direitos essenciais devido ao reconhecimento da irreversibilidade dos danos ocasionados pelo desrespeito a direitos que garantem a não exposição da imagem ou de qualquer informação sobre a pessoa sem o seu consentimento. A divulgação de informações financeiras pode comprometer a privacidade de alguém, na medida em que o conhecimento, por outras pessoas, de sua capacidade financeira, lhe traria incômodos em virtude do constante assédio dos mais variados negociadores, quando rico. Por outro lado, não necessita o de poucos recursos ter a sua situação exposta para qualquer outra pessoa.

O intermediário financeiro em razão da sua atividade toma conhecimento de informações financeiras de seus tomadores ou fornecedores de recursos e, dessa forma, possui o dever de manter em sigilo tais informações, justamente para cumprir seu dever profissional. Geralmente, as pessoas não gostam de divulgar sua situação financeira e nem mesmo os negócios jurídicos que praticam dessa natureza, utilizando, portanto, a sua faculdade de manter em sigilo tais informações.

8.9.2. Lei Complementar 105/2001

A primeira preocupação da lei referida foi identificar quem são as instituições financeiras obrigadas ao cumprimento do dever de sigilo e nesse sentido dispor que devem manter sigilo das operações: os bancos de qualquer espécie, as distribuidoras de valores mobiliários, as corretoras de câmbio e valores mobiliários, as sociedades de crédito, financiamento e investimentos, as sociedades de arrendamento mercantil, as administradoras de mercado de balcão organizado, as cooperativas de crédito, as associações de poupança e empréstimo, as bolsas de valores e de mercadorias e futuros, as entidades de liquidação e compensação e outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.

O legislador complementar demonstrou interesse em identificar as instituições financeiras para efeito de aplicação das obrigações de sigilo, entretanto, acabou fornecendo subsídios importantes para que seja realizada uma nova configuração do Sistema Financeiro Nacional de que deve ser tratado como instituição financeira ou não; mesmo assim, titubeou o legislador em reconhecer diretamente que essas entidades descritas anteriormente praticam atividade financeira. Como exemplo de tal receio, o tratamento dado às empresas de fomento mercantil ou factoring, que não foram incluídas nos incisos do § 1° do art. 1.º, mas sim tratadas no § 2.º, dando a entender que serão consideradas instituições financeiras apenas para os efeitos da lei complementar, mas não para os efeitos legais.

Constituem condutas legítimas dessas empresas de forma a não desrespeitarem a proteção da intimidade: atos que sejam troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por centrais de risco; o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem fundos e devedores inadimplentes a entidades de proteção ao crédito; a revelação de informações com o consentimento expresso dos interessados; nos casos de quebra de sigilo.

É bom ressaltar ainda que órgãos que fazem parte da estrutura do Sistema Financeiro Nacional que possuem a função de acompanhar e fiscalizar as práticas no mercado financeiro e de capitais, como o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários, têm livre acesso às informações financeiras independentemente de quaisquer procedimentos administrativos ou judiciais, desde que justifiquem a necessidade de recebimento das informações sigilosas. Entretanto, esses órgãos também devem estar vinculados ao cumprimento da não divulgação de informações.

8.9.3. Quebra de sigilo

A quebra de sigilo pode ocorrer apenas em casos excepcionais e para proteger um valor maior que o da intimidade ou para coibir a prática de algum ilícito porventura realizado pelo detentor de tal direito. Para tanto, o Poder Judiciário poderá requisitar informações para sustentar alegações processuais, garantindo, mesmo nesses casos, que tais informações sejam limitadas ao conhecimento dos interessados apenas.

O argumento que contraria o belo discurso de proteção à intimidade resulta dos problemas contemporâneos enfrentados por autoridades fiscais, judiciárias e administrativas na identificação e posterior punição de práticas criminosas. Utilizando as palavras de Carlos Henrique Abrão (In QUIROGA, 1999, p. 22):

“Com isso queremos significar que o nascimento quase místico do sigilo bancário experimenta, na modernidade, uma complexa inversão e muitas vezes a posição refratária ditada pela proteção da própria intimidade enseja fraudes e delitos que lesam a imagem do Estado, fragmentando a diligência sobre a finalidade investigatória na apuração do ilícito.”

O direito garantido a todas as pessoas que venham a praticar operações financeiras de qualquer natureza não pode representar um empecilho ao cumprimento de outras obrigações existentes no ordenamento jurídico, sejam elas de natureza criminal, previdenciária ou fiscal, principalmente. Assim, a quebra do sigilo bancário não configura uma das grandes injustiças, pelo contrário, a previsão e possibilidade de ressarcir os prejudicados por impertinentes devassas em suas contas bancárias é que garantirá a verdadeira aplicação e o respeito à intimidade.

Portanto, deve-se ponderar, inicialmente, que a quebra de sigilo representa ato ilícito que deverá ocorrer com certa frequência em países cujas manifestações financeiras encobertas por tal direito acabam deixando de ser punidas.

8.10. QUESTÕES

1. (Magistratura de Minas Gerais – Concurso de 2009) Nas ações referentes a contratos bancários, é CORRETA a afirmação:

(A) O Juiz pode e deve, por se tratar de matéria de ordem pública, apreciar, de ofício, toda a matéria referente à regularidade do contrato.

(B) É vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

(C) O Juiz só está autorizado a examinar, de ofício, questões relativas às condições da ação.

(D) O Juiz deve aplicar, analogicamente, as disposições pertinentes às relações de consumo.

2. (MPF – Concurso 24.°) Sobre a tutela constitucional do sigilo, é correto afirmar que:

(A) é inaproveitável prova obtida por meio da quebra de sigilo bancário e fiscal decretada por juiz que, supervenientemente, revela-se incompetente em vista do envolvimento de pessoa detentora de prerrogativa de foro.

(B) é constitucionalmente ilegítima a decisão judicial, emanada por autoridade competente, determinando o compartilhamento de registros bancários entre diversos órgãos de investigação.

(C) a atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil pode, administrativamente, alcançar dados bancários dos correntistas.

(D) as informações obtidas em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para fins criminais, podem ser usadas em procedimento administrativo disciplinar.

3. (Procurador do Banco Central – Concurso de 2009) Quanto às regras jurídicas que norteiam o SFN, sua fiscalização, bem como o papel e a atividade de suas instituições, assinale a opção correta.

(A) Pessoa física que exerça, eventualmente, captação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda estrangeira, está equiparada legalmente a instituição financeira.

(B) O BACEN pode comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional com a finalidade de suprir déficits fiscais do governo.

(C) O Banco do Brasil não está obrigado a submeter à aprovação do Conselho Monetário Nacional seus programas de recursos e aplicações, de forma que se ajustem à política de crédito do governo federal.

(D) Nos processos administrativos punitivos, instaurados pela área de fiscalização do BACEN, compete ao diretor de Normas e Organização do Sistema Financeiro dessa instituição, ouvida a Procuradoria-Geral, decidir sobre a aplicação das penalidades.

(E) A Procuradoria-Geral do BACEN compete, a partir de denuncia, instaurar processo administrativo disciplinar para apurar responsabilidade de diretor da instituição.

Illustration

Gabarito: Encontra-se no final do livro.