CLANDESTINA
Um poema sobre Mãe Natureza

– Tentei virar freira – diz Mãe Natureza – porque precisava me esconder.

Ela não contava com o exame toxicológico.

Mãe Natureza no palco, os braços desenhados com vinhas de hena vermelha. Das pontas dos dedos

até as alças de sua bata de algodão tingido, cor de arco-íris.

No pescoço, uma gargantilha com sininhos deixou sua pele

verde. A pele que reluz de óleo de patchuli.

– Quem diria? – diz Mãe Natureza. – E não foi só urinálise.

Ela diz:

– Eles pegam uma amostra do cabelo e das unhas.

Ela diz:

– E ainda conferem antecedentes criminais.

A cláusula moral. A consulta dos antecedentes. A consulta de crédito. A etiqueta no vestuário.

* * *

No palco, descalça, em vez do refletor, em vez de sorriso ou cara fechada, um fragmento em filme do céu noturno passa sobre seu rosto.

Uma galáxia de estrelas e luas.

Os lábios vermelhos de suco de beterraba. As pálpebras manchadas de pó de açafrão.

Uma máscara de nebulosas rosadas. De planetas, com anéis e crateras.

Mãe Natureza diz:

– Eles pedem um monte de cartas de referência.

Mais um teste no polígrafo. Quatro documentos de identidade com foto.

– Quatro – repete Mãe Natureza, esticando os dedos pintados de hena.

Seus braceletes de latão e prata suja, sacudindo sininhos de vento em volta do punho. Ela diz:

– Ninguém tem quatro documentos com foto…

Para se tornar freira, ela diz, é preciso fazer uma prova escrita, pior que

o vestibular e a ordem de advogados juntos. E cheio de perguntas com história, tipo:

– Quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete?

Tudo isso, diz Mãe Natureza, só para descobrir:

– Se você se casa com Cristo de rebote.

O cabelo comprido afastado do rosto, com tranças e caindo pelas costas,

Mãe Natureza diz:

– Óbvio que não passei. Não só no toxicológico. Não passei em nada.

Não só para freira, mas em quase tudo na vida…

Ela dá de ombros, os ombros com sardas sobre as alças tingidas,

– E aqui estou.

Enquanto constelações variam, rastejam sobre seu rosto,

Mãe Natureza diz:

– Eu ainda precisava de um lugar para me esconder.