BABÉLICO
Um poema sobre Reverendo Ímpio

– Até o livro Gênesis, capítulo 11 – diz Reverendo Ímpio –, não tínhamos guerra.

Até Deus nos colocar para lutar entre nós, pelo restante da história humana.

Reverendo Ímpio no palco, suas sobrancelhas modeladas

em arcos bem definidos,

gêmeos, e, sob cada um,

um arco-íris de sombra faiscando em tons que vão do vermelho ao verde.

E num bíceps nu, protuberante,

sob a alça fina de um vestido de noite longo, de lantejoulas vermelhas,

lá está tatuada uma caveira, e, embaixo dela, estas palavras:

A Morte Antes da Desonra.

No palco, em vez do refletor, o fragmento de um filme:

Uma narrativa turística que mostra igrejas, mesquitas e templos.

Líderes religiosos com túnicas de joias

acenando para multidões, de suas limusines blindadas.

Reverendo Ímpio, ele diz:

– Numa planície na terra de Shinar, todo o povo labutava junto.

Toda a humanidade com uma visão em comum,

um sonho nobre e grande que todos trabalharam lado a lado para realizar

nessa época anterior a exércitos, armas e batalhas.

Então Deus se virou para ver a torre deles, o sonho unido do povo,

que crescia aos poucos, já incomodando um pouco.

E o Senhor disse:

– Eis que o povo é um… e isto é só o começo do que

começam a fazer… Não haverá restrição para tudo que eles intentarem fazer…

Palavras Dele, na Bíblia Dele. Livro do Gênesis, capítulo 11.

– Então nosso Deus – diz Reverendo Ímpio, os braços nus e a panturrilha pontilhada

com marcas pretas de pelo raspado crescendo em cada poro,

ele diz:

– Nosso Deus todo-poderoso ficou com tanto medo que espalhou a raça humana

pela face da Terra

e estilhaçou o idioma para manter Seus filhos à parte.

Parte personificador mulher, parte fuzileiro naval aposentado, Reverendo Ímpio,

reluzente nas lantejoulas vermelhas, diz:

– Um Deus todo-poderoso tão inseguro?

Que joga um filho contra o outro, para mantê-los fracos.

Ele diz:

– É esse o Deus que devemos adorar?