– O que você vai fazer hoje? – pergunta Elo Perdido. – Como vai justificar?
A montanha de bichos mortos e ancestrais em que está pisando.
Elo Perdido no palco, seus olhos fixos, olhos amarelos, das profundezas sombrias de sua arcada supraciliar.
Seus olhos e nariz, eles se apinham na clareira, o espacinho aberto
entre o pelo espesso na testa e a floresta da barba.
Suas mãos pairam muito perto dos joelhos,
suas juntas pairam com cachos pretos.
No palco, em vez do refletor, o fragmento de um filme:
Cenas em dezesseis milímetros de uma monstra coberta de pelo vermelho,
alta como um homem montado num cavalo, com um chifre na testa,
fugindo da câmera.
Um dia de sol ao longo do rio, com pinheiros ao fundo.
Esta monstra de documentário, sobreposta a Elo Perdido,
seus seios de pelo vermelho sacudindo,
ela se vira para nos olhar.
No palco, Elo Perdido diz:
– Toda vez que você respira, é porque alguma coisa morreu.
Alguma coisa ou alguém viveu e morreu para você ter sua vida.
A montanha de mortos, eles conduzem você a um novo dia.
Elo Perdido, ele diz:
– O esforço, a energia e o impulso das vidas que eles deram…
Como vai chegar até você?
Como você vai aproveitar o dom deles?
Sapatos de couro, frango frito e soldados mortos só são tragédias
se você desperdiçar o dom
sentado na frente da TV. Ou preso no trânsito. Ou preso em algum aeroporto.
– Como você vai demonstrar para todas as criaturas da história? – diz Elo Perdido.
Como você vai demonstrar que o nascimento, o empenho e a morte delas valeram a pena?