MIOPIA
Um poema sobre Condessa da Antevidência

– Sensor eletrônico de rastreio – diz Condessa da Antevidência, sacudindo o bracelete de plástico.

Condição ditada pelos termos de sua recente condicional.

Condessa da Antevidência no palco, enrolada nas teias de um xale preto de renda.

Um turbante de veludo azul em volta da cabeça.

Um anel com pedras de várias cores em cada dedo.

Seu turbante, preso na frente com uma pedra preta polida, ônix, azeviche ou sardônica,

alguma pedra que absorve toda luz. Reflete nada.

No palco, em vez do refletor, o fragmento de um filme:

Sombras de estrelas de cinema falecidas, o resíduo de elétrons que quicaram nelas

cem anos atrás.

Estes elétrons passaram por uma película de celulose,

para transformar a natureza química do óxido de prata

e recriar corridas de biga, Robin Hood, Greta Garbo.

– Radares – diz Condessa. – Sistemas de posicionamento global. Exames de raios X…

Duzentos anos atrás, essas coisas levariam você para a fogueira, que nem bruxa.

Um século atrás, você seria pelo menos motivo de riso. Chamavam você de idiota ou de mentiroso.

Mesmo hoje, se você prevê o futuro ou lê o passado pelos indicadores

que nem todo mundo consegue identificar…

é a prisão ou o hospício que você vai acabar chamando de lar.

O mundo sempre vai castigar os poucos que têm talentos

especiais

que o restante de nós não reconhece como reais.

Um psicólogo na audiência de condicional dela chamou seu crime de “psicose aguda induzida pelo estresse”.

Um “episódio isolado, atípico”.

Crime passional.

Que nunca, nunca mais aconteceria.

Bata na madeira.

Àquela altura, ela já havia cumprido quatro anos de uma sentença de vinte.

O marido fora embora e levara os filhos.

Dali a duzentos anos, quando tudo que ela viu, e leu, e soube,

quando tudo fizer sentido,

aí Condessa não será nada além de um número de prisioneira.

Um caso arquivado.

Cinzas de bruxa.