Baronesa Congelada se inclina para mais perto, com uma tigela fumegante de algum líquido aninhada nas mãos, e diz:
– Sem cenoura. Sem batata. Agora beba.
E, aninhada na cama, sob o refletor da câmera, Miss América diz:
– Não. – Ela olha para o restante de nós amontoado diante da porta, incluindo Diretora Negação, então se vira para encarar a parede de concreto e diz: – Eu sei o que é isso…
Baronesa Congelada diz:
– Você ainda está sangrando.
Enfiando-se no camarim, Diretora Negação diz:
– Você precisa comer alguma coisa logo ou vai morrer.
– Então me deixe morrer – diz Miss América, o rosto abafado pelo travesseiro.
Todos nós no corredor ouvindo. Gravando. Testemunhas.
A câmera por trás da câmera por trás da câmera.
Baronesa Congelada se inclina mais para perto com a sopa. No vapor que sai do prato, seus lábios mutilados refletidos na gordura quente e cintilante, Baronesa diz:
– Mas não queremos que você morra.
Ainda encarando a parede, Miss América diz:
– Desde quando? Vocês vão ter menos um com quem dividir a história.
– Não queremos que você morra – diz Reverendo Ímpio, da porta – porque não temos um freezer.
Miss América se vira para observar a tigela de sopa quente. Ela olha para nossos rostos, pendendo a meio caminho do camarim. Os dentes dentro das nossas bocas, aguardando. Nossas línguas nadando em saliva.
Miss América diz:
– Freezer?
E Reverendo Ímpio cerra o punho e bate na testa, assim como se bate numa porta, dizendo:
– Alô-ô? Precisamos que você continue viva até que todo mundo fique com fome de novo.
O bebê dela era a entrada. Miss América será o prato principal. Sobremesa, a definir.
O gravador na mão de Conde Calúnia está pronto para gravar o próximo grito por cima do último. A câmera de Agente Fuxico está focada para gravar por cima de tudo que foi gravado até o momento, para captar nosso próximo ponto importante da trama.
Em vez disso, Miss América pergunta: É assim que vai ser? A voz aguda e trêmula, feito um passarinho. Um acontecimento terrível após o outro após o outro… até estarmos todos mortos?
– Não – diz Diretora Negação. Tirando pelo de gato da manga. – Só alguns de nós vão morrer.
E Miss América diz que não está falando só dali, do Museu de Nós. Está falando da vida. O mundo inteiro é só gente comendo outras pessoas? Gente se matando e se destruindo?
E Diretora Negação diz:
– Entendo o que você quis dizer.
Conde Calúnia anota isso em seu bloquinho. O restante de nós assente.
A Mitologia de Nós.
Ainda segurando a sopa, olhando para o próprio reflexo na gordura que boia por cima, Baronesa Congelada diz:
– Eu trabalhava num restaurante nas montanhas.
Ela enfia a colher na tigela e leva sopa quente na direção do rosto de Miss América.
– Coma – diz Baronesa. – E vou lhe contar como perdi os lábios…