20.

Baronesa Congelada se inclina para mais perto, com uma tigela fumegante de algum líquido aninhada nas mãos, e diz:

– Sem cenoura. Sem batata. Agora beba.

E, aninhada na cama, sob o refletor da câmera, Miss América diz:

– Não. – Ela olha para o restante de nós amontoado diante da porta, incluindo Diretora Negação, então se vira para encarar a parede de concreto e diz: – Eu sei o que é isso…

Baronesa Congelada diz:

– Você ainda está sangrando.

Enfiando-se no camarim, Diretora Negação diz:

– Você precisa comer alguma coisa logo ou vai morrer.

– Então me deixe morrer – diz Miss América, o rosto abafado pelo travesseiro.

Todos nós no corredor ouvindo. Gravando. Testemunhas.

A câmera por trás da câmera por trás da câmera.

Baronesa Congelada se inclina mais para perto com a sopa. No vapor que sai do prato, seus lábios mutilados refletidos na gordura quente e cintilante, Baronesa diz:

– Mas não queremos que você morra.

Ainda encarando a parede, Miss América diz:

– Desde quando? Vocês vão ter menos um com quem dividir a história.

– Não queremos que você morra – diz Reverendo Ímpio, da porta – porque não temos um freezer.

Miss América se vira para observar a tigela de sopa quente. Ela olha para nossos rostos, pendendo a meio caminho do camarim. Os dentes dentro das nossas bocas, aguardando. Nossas línguas nadando em saliva.

Miss América diz:

– Freezer?

E Reverendo Ímpio cerra o punho e bate na testa, assim como se bate numa porta, dizendo:

– Alô-ô? Precisamos que você continue viva até que todo mundo fique com fome de novo.

O bebê dela era a entrada. Miss América será o prato principal. Sobremesa, a definir.

O gravador na mão de Conde Calúnia está pronto para gravar o próximo grito por cima do último. A câmera de Agente Fuxico está focada para gravar por cima de tudo que foi gravado até o momento, para captar nosso próximo ponto importante da trama.

Em vez disso, Miss América pergunta: É assim que vai ser? A voz aguda e trêmula, feito um passarinho. Um acontecimento terrível após o outro após o outro… até estarmos todos mortos?

– Não – diz Diretora Negação. Tirando pelo de gato da manga. – Só alguns de nós vão morrer.

E Miss América diz que não está falando só dali, do Museu de Nós. Está falando da vida. O mundo inteiro é só gente comendo outras pessoas? Gente se matando e se destruindo?

E Diretora Negação diz:

– Entendo o que você quis dizer.

Conde Calúnia anota isso em seu bloquinho. O restante de nós assente.

A Mitologia de Nós.

Ainda segurando a sopa, olhando para o próprio reflexo na gordura que boia por cima, Baronesa Congelada diz:

– Eu trabalhava num restaurante nas montanhas.

Ela enfia a colher na tigela e leva sopa quente na direção do rosto de Miss América.

– Coma – diz Baronesa. – E vou lhe contar como perdi os lábios…