A INTÉRPRETE
Um poema sobre Miss Espirro

– Minha avó ganhava dinheiro – diz Miss Espirro – dizendo “Eu te amo”.

De todos os jeitos possíveis. Para quem não podia.

Miss Espirro no palco, dos punhos do casaquinho brotam

os restos e babados de lenços sujos que ela guarda ali.

Esses lenços, amarelos e tingidos de muco nasal.

Seu nariz escorrendo, brilhante de meleca e sangue, e seus olhos

cheios de raios vermelhos, molhando as bochechas.

No palco, em vez do refletor, o fragmento de um filme:

uma cena de algum drama hospitalar mostrando os médicos e a equipe do hospital

de jaleco branco, segurando tubos de ensaio,

muito ocupados tentando encontrar a cura.

Entre o ato de fungar o nariz e tossir, Miss Espirro diz:

– Até morrer, minha avó ganhava dinheiro dizendo “Feliz aniversário” para os outros.

Dizendo: “Meus pêsames.”

Dizendo: “Parabéns.”

E: “Que orgulho!”

E: “Feliz Natal.”

De todas as maneiras possíveis, a avó dela dizia: “Feliz aniversário.”

“Feliz Dia dos Pais.”

E: “Feliz Dia das Mães.”

para uma empresa de cartões de felicitação.

Entre assoar o nariz e enfiar o lenço de volta na manga, Miss Espirro diz:

– O trabalho da minha avó consistia em interpretar o que outras pessoas não tinham palavras pra dizer.

Mas todo “Feliz aniversário”,

sério, todos os cartões, ela escrevia tendo Miss Espirro em mente.

O público-alvo ideal de sua avó.

E os cartões são sua conta bancária, a poupança que ela deixaria para trás para congratulações futuras

para a neta.

Para que, depois que ela morresse, sua Miss Espirro pudesse vir e encontrar o “Eu te amo” certo

ou o “Feliz Dia dos Namorados” certo para aquele instante do futuro distante.

Muito, muito tempo depois de sua avó ter morrido.

– Mesmo assim – diz Miss Espirro –, tem um cartão, uma ocasião especial de que ela nunca se deu conta.

Falta um cartão que diga: “Desculpe.”

Por favor, vovó.

Por favor, me perdoe.

Não era minha intenção te matar.