– Minha avó ganhava dinheiro – diz Miss Espirro – dizendo “Eu te amo”.
De todos os jeitos possíveis. Para quem não podia.
Miss Espirro no palco, dos punhos do casaquinho brotam
os restos e babados de lenços sujos que ela guarda ali.
Esses lenços, amarelos e tingidos de muco nasal.
Seu nariz escorrendo, brilhante de meleca e sangue, e seus olhos
cheios de raios vermelhos, molhando as bochechas.
No palco, em vez do refletor, o fragmento de um filme:
uma cena de algum drama hospitalar mostrando os médicos e a equipe do hospital
de jaleco branco, segurando tubos de ensaio,
muito ocupados tentando encontrar a cura.
Entre o ato de fungar o nariz e tossir, Miss Espirro diz:
– Até morrer, minha avó ganhava dinheiro dizendo “Feliz aniversário” para os outros.
Dizendo: “Meus pêsames.”
Dizendo: “Parabéns.”
E: “Que orgulho!”
E: “Feliz Natal.”
De todas as maneiras possíveis, a avó dela dizia: “Feliz aniversário.”
“Feliz Dia dos Pais.”
E: “Feliz Dia das Mães.”
para uma empresa de cartões de felicitação.
Entre assoar o nariz e enfiar o lenço de volta na manga, Miss Espirro diz:
– O trabalho da minha avó consistia em interpretar o que outras pessoas não tinham palavras pra dizer.
Mas todo “Feliz aniversário”,
sério, todos os cartões, ela escrevia tendo Miss Espirro em mente.
O público-alvo ideal de sua avó.
E os cartões são sua conta bancária, a poupança que ela deixaria para trás para congratulações futuras
para a neta.
Para que, depois que ela morresse, sua Miss Espirro pudesse vir e encontrar o “Eu te amo” certo
ou o “Feliz Dia dos Namorados” certo para aquele instante do futuro distante.
Muito, muito tempo depois de sua avó ter morrido.
– Mesmo assim – diz Miss Espirro –, tem um cartão, uma ocasião especial de que ela nunca se deu conta.
Falta um cartão que diga: “Desculpe.”
Por favor, vovó.
Por favor, me perdoe.
Não era minha intenção te matar.