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O comissário saiu de repente, mas o velhote diz que não faz mal, até porque o resto da cave também está às escuras, portanto não entrou luz suficiente para estragar as fotografias. Helene ainda tem o espírito ocupado com todos aqueles pensamentos que não lhe dão sossego, mas tenta, em qualquer caso, captar alguns fragmentos de conversa, enquanto o comissário fala ao telemóvel do lado de fora da porta, porque tem a impressão de que se trata de uma conversa importante. Parece que encontraram mais qualquer coisa, no fundo do lago. Alguma coisa de tão decisivo que têm de o esconder dela? Porquê? Quando finalmente o comissário regressa à câmara escura, Helene fita-o, como quem diz: E então? Mas ele vacila, nos seus olhos lê-se claramente a dúvida: será oportuno fornecer informações a uma civil, que ainda por cima é suspeita de homicídio?

– Sem mim, ainda andariam a esbracejar às escuras – diz-lhe, gélida, trespassando-o com um olhar duro, persistente, persuasivo, como só Helene Söderberg sabe fazer.

– Encontraram uma arma – diz ele, em voz baixa.

– No fundo?

– A pouquíssima distância do ponto em que estavam os cadáveres. Usaram um detetor de metais subaquático... – Ri-se, irónico. – Nunca me tinha acontecido uma coisa do género, palavra de honra.

– E é a arma... com que... – Helene não encontra as palavras certas.

– É demasiado cedo para o dizer. Além do mais, na água, as impressões digitais apagam-se em pouco tempo. – O comissário olha para as fotografias e para o velhote, que trabalha afincadamente, continuando a pendurar novas folhas. – E a senhora, o que descobriu?

– Olhe para aqui.

Helene mostra-lhe as fotos do campo de morangos. Pessoas sentadas na praia, um sorriso de outros tempos, com o sol nos olhos. Ela observa todos os rostos, sem saber bem a que dar importância. Mas apercebeu-se de que numa daquelas imagens havia um casalinho: um homem abraçado a uma mulher de cabelos compridos. Reparou neles porque estão virados de costas e um pouco afastados, enquanto no centro da cena está uma árvore. Ou é um erro de enquadramento, ou o autor da fotografia tinha um intuito artístico. Entretanto, o velhote pendura mais folhas, a galeria fotográfica do soldado morto. Jovens na praia, rostos abertos, alegres, cenas de verão de um grupo de excursionistas a apanhar morangos num dia de férias. Volta a aparecer a mulher de cabelos compridos, que desta vez olha para a objetiva, com um sorriso apaixonado.

– O que é que eu devo procurar? – Pergunta o comissário.

– Está a ver a cara do meu marido?

– Claro.

– Muito bem. Vê-o nestas fotografias?

– Mas se elas são dos anos 60! – objeta o comissário. Mas depois observa melhor o rosto de Henry, o soldado americano. É como olhar para o rosto de Edmund: o mesmo nariz, o mesmo queixo arredondado, os mesmos olhos grandes. Também a farta cabeleira negra é idêntica à de Edmund. – É o...

– O pai. – Helene indica-lhe a jovem sentada na mota junto de Henry. – E esta é a mãe.

É Caroline. Jovem, bela, notoriamente apaixonada, com os braços em volta do busto de Henry. Os dois rostos risonhos que se olham com recíproca devoção são os dos pais de Edmund.